Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00028/15.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/12/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PENSÃO UNIFICADA; Nº 1 DO ARTIGO 10º DO DECRETO-LEI Nº 361/98, DE 18.11; DECRETO-LEI Nº 361/98, DE 18/11; ARTIGOS 33º, 34º E 101.º DO DECRETO-LEI N.º 187/2007, DE 10.05; INCONSTITUCIONALIDADE;
PRINCÍPIO DA IGUALDADE, PROIBIÇÃO DO ARBÍTRIO (ARTIGO 13º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA); PRINCÍPIO DA CONTRIBUTIVIDADE (ARTIGO 54º DA LEI DE BASES GERAIS DO SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL).
Sumário:
1. A pensão unificada é considerada como pensão do último regime, baseia-se na totalização dos períodos de contribuição e de quotização para o regime geral de segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações, sendo que a instituição que a atribuir receberá da outra o montante da respectiva parcela.
2. O valor desta pensão corresponde, nos termos do nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 361/98, de 18.11, ao montante da parcela da pensão fixada unificadamente que a Caixa Geral de Aposentações tem de suportar.
3 Não são inconstitucionalidade nem ilegais as normas resultantes do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10.05, quando conjugadas com as dos artigos 33.º e 34.º do mesmo diploma, concretamente por violação do princípio da igualdade, na vertente de proibição do arbítrio (artigo 13º da Constituição da República Portuguesa), ou do princípio da contributividade (artigo 54º da Lei de Bases Gerais do Sistema de Segurança Social). *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:OSPD
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

OSPD veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 04.07.2018, que julgou a presente acção administrativa especial instaurada pelo Recorrente contra o Instituto da Segurança Social, IP, totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada dos pedidos formulados, o principal, de ser declarado nulo ou anulado o despacho de deferimento do pedido de pensão de velhice, na parte em que fixou em apenas 4.613,42 € tal pensão, e o subsidiário, ser a Entidade Demandada condenada a restituir ao Autor todas as contribuições por ele efectuadas que excederam as que teria de efectuar para alcançar uma P1, no valor correspondente a 12 vezes o IAS, decorrendo tal obrigação restitutiva do enriquecimento sem causa, consagrado no art. 473º do Código Civil.
Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por violação do regime da pensão unificada e por aplicação de norma materialmente inconstitucional.
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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
O aresto em recurso incorreu em erro de julgamento ao não anular o acto impugnado por violação do regime da pensão unificada e do disposto no n° 5 do artigo 4° do Decreto-Lei n° 361/98, uma vez que resulta claramente do acto impugnado que a Segurança Social calculou a pensão apenas com base nos períodos de contribuição para o regime geral (e não com base em todas as contribuições para ambos os regimes), limitando-se a acrescentar a este valor o valor correspondente à pensão calculada pela CGA, quando a nossa jurisprudência já deixou bem claro que a pensão unificada deve ser calculada "por aplicação das regras do último regime contributivo" (v., neste sentido, o acórdão do STJ de 29 de Novembro de 2006, Proc. n° 0651733, e o acórdão do TCASUL de 22/6/2017, Proc. n° 2/2014.4BELSB), o que determinava que in casu a Segurança Social tivesse de calcular a pensão de velhice com base em todos os períodos contributivos para ambos os regimes à luz das regras consagradas no Decreto-Lei n° 187/2007.
Por outro lado,
O aresto em recurso incorreu ainda em erro de julgamento ao legitimar a aplicação da regra consagrada no n° 1 do artigo 101° do Decreto-Lei n° 187/2007 - que limita o montante da P1 a um máximo de 12 vezes o IAS - e, por essa via, reduzir a pensão devida ao Autor em mais de 45% daquela que lhe seria devida sem a aplicação de tal factor limitativo.
Na verdade,
É pacífico e resulta da factologia dada por provada no n° 6 pelo Tribunal a quo que o valor da P1 devida ao Autor era de 9.107 € (11.675,73 x 78%) e que foi limitada a 5.030,64 € por força do tecto máximo de 12 vezes o IAS imposto pelo n° 1 do artigo 101° do Decreto-Lei n° 187/2007.
Sucede, porém, que,
Não obstante o Tribunal Constitucional já se ter pronunciado no sentido de que do princípio da contributividade (consagrado no artigo 54° da Lei n° 4/2007) não decorre uma necessária directa correlação entre a contribuição paga e o valor da pensão a atribuir (v., neste sentido, o acórdão n° 188/2009), a verdade é que desse princípio também resulta necessariamente a proibição de as contribuições efectuadas serem de todo irrelevantes e absolutamente desconsideradas para efeitos de cálculo da pensão, justamente por do princípio da contributividade resultar uma relação sinalagmática entre a obrigação de contribuir e a atribuição de uma dada pensão (v., neste sentido, o citado Acórdão do Tribunal Constitucional).
Aliás, se uma parte significativa das contribuições for desconsiderada para efeitos de cálculo do valor da pensão de aposentação, então muito naturalmente o Estado estará a cobrar um imposto no segmento relativo às contribuições que são absolutamente desconsideradas para cálculo da pensão, locupletando-se à custa alheia com essas mesmas contribuições sem que haja causa justificativa.
Consequentemente, no segmento em que desconsidera e confere uma total irrelevância às contribuições que excederam o limite máximo da base de incidência e que excederam o que era suficiente para se alcançar uma pensão correspondente ao valor de 12 vezes o IAS, o artigo 101° do Decreto-Lei n.º 187/2007 é ilegal por violar uma lei de valor reforçado - a lei de bases e o princípio da contributividade nela assegurado, do qual resulta a proibição de se desconsiderarem e tomarem absolutamente irrelevantes quaisquer contribuições efectuadas pelos trabalhadores - e materialmente inconstitucional por, de forma encapotada, representar a consagração de um imposto no segmento das contribuições que são absolutamente desconsideradas, ao arrepio do disposto no n° 2 do artigo 103° da Constituição, razão pela qual incorreu em erro o aresto em recurso ao aplicar uma norma ilegal e materialmente Inconstitucional. Por fim,
O aresto em recurso incorreu ainda em erro de Julgamento ao considerar legal um acto que aplicara uma norma - o artigo 101° do Decreto-Lei n° 187/2007- materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição de arbítrio, consagrado no artigo 13° da Constituição.
Com efeito,
Ao contrário da questão que foi colocada à apreciação do Tribunal Constitucional no acórdão n° 188/2009 - onde a questão da inconstitucionalidade do artigo 101° do Decreto-Lei n° 187/2007 por violação do principio da igualdade se fundamentou na diferenciação de tratamento entre os trabalhadores a quem a limitação era aplicável (os inscritos até 31.12.2001) e aqueles a quem não era aplicável (os inscritos posteriormente) - a questão que foi colocada pelo ora Autor e em que fundou a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade não se prende com a desigualdade de tratamento entre quem é abrangido pelo artigo 101° do Decreto-Lei n° 188/2007 e quem o não é, mas, pelo contrário, prende-se antes com a própria desigualdade de tratamento entre todos os trabalhadores que são abrangidos pelo tecto imposto pela referida norma, os quais, apesar de estarem na mesma situação, são vítima de um tratamento completamente diferenciado e totalmente arbitrário.
Neste sentido, veja-se que apesar de todos esses trabalhadores se terem inscrito até 31.12.2001 e de, portanto, estarem exactamente na mesma situação, a verdade é que aqueles cujas contribuições excederam o limite máximo da base de incidência e que, portanto, excederam o que seria suficiente para se alcançar uma pensão correspondente ao valor de 12 vezes o IAS acabam por ter uma pensão de velhice exactamente idêntica à daqueles outros trabalhadores que descontaram muito menos, que não ultrapassaram o limite máximo da base da incidência e cujos descontos apenas lhe permitiriam ter uma pensão correspondente ao valor de 12 vezes o IAS.
Ora,
10° Se a diferenciação de tratamento entre os inscritos antes e depois de 31.12.2001 ainda encontra uma justificação objectiva e razoável em considerações de justiça social e de equidade contributiva (como assinalou o Tribunal Constitucional no citado acórdão n° 188/2009), a verdade é que a diferenciação entre os inscritos até aquela data introduzida pelo artigo 101° do Decreto-Lei n° 187/2007 é claramente arbitrária e irrazoável, justamente por não haver qualquer razão de equidade que justifique que aqueles a quem a lei permitiu que descontassem acima do limite máximo de base de incidência acabem por ter exactamente a mesma pensão de velhice daqueles que estando na mesma situação, optaram por descontar muito menos e agora têm exactamente a mesma pensão.
11° Consequentemente, com a imposição do limite máximo constante do artigo 101° do Decreto-Lei n° 187/2007 o Estado ludibriou os seus cidadãos - por lhes ter permitido que descontassem acima do limite máximo de base de incidência e depois lhes dizer que esses descontos são absolutamente irrelevantes e que terão a mesma pensão de velhice do que todos aqueles que na mesma altura descontaram por um valor claramente inferior - e trata de forma diferenciada e completamente arbitrária cidadãos que estavam exactamente na mesma situação - todos os que se haviam inscrito até 31.12.2001 - razão pela qual o artigo 101° do Decreto-Lei n° 187/2007 é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proibição do arbítrio e, portanto, a sua aplicação teria de ser recusada pelo Tribunal a quo, com a consequente anulação do acto impugnado.
*
II –Matéria de facto.
1. O Autor trabalhou por conta de outrem entre Outubro de 1971 e 31 de Agosto de 2012 – acordo.
2. Efectuou descontos para a Caixa Geral de Aposentações entre Outubro de 1971 e Setembro de 1976 – cfr. documento 1 junto à petição inicial.
3. Para a Segurança Social descontou entre Setembro de 1976 e 31 de Agosto de 2012 – acordo e processo administrativo.
4. Durante 1 de Setembro de 2012 e 31 de Julho de 2014 – período em que esteve numa situação de desemprego involuntário – o registo de remunerações do Autor foi feito por equivalência à entrada de contribuições - cfr. documento 3 junto à petição inicial.
5. Por ofício datado de 14 de Outubro de 2014, foi o ora Autor notificado que havia sido deferido o seu pedido de pensão de velhice, com início a 31.07.2014, no valor de 4.613,42 € – cfr. documento 1 junto à petição inicial.
6. A pensão foi calculada nos termos do documento 1 junto à petição inicial, destacando-se, na parte relevante para os presentes autos o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
7. Em Fevereiro de 2015, por ocasião do processamento das pensões para o mês de março, foi efectuada pela Entidade Demandada a revisão da pensão de velhice precedente, tendo em conta a revalorização das remunerações, com pagamento de retroactivos (diferença) desde 31.07.2014, conforme documento 2 junto à contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
“Remunerações (Continuação)
Globais Últimos 15 anos
Ano Tipo Meses Valor Nominal Coef. Rev. Valor Rev. Ordem Coef. Rev. Valor Rev. Ordem
2007 Real 0 148.099,00 1,1268 166.877,95 6 1,1121 164.700,90 6
2008 Real 0 151.807,72 1,0935 166.001,74 7 1,0838 164.529,21 7
2009 Real 0 154.230,00 1,0935 168.650,51 3 1,0838 167.154,47 1
2010 Real 0 155.781,47 1,0741 167.324,88 5 1,0689 166.514,81 2
2011 Real 0 157.538,07 1,0356 163.146,43 8 1,0306 162.358,73 8
2012 Real 0 128.802,43 1 ,0074 129.755,57 12 1,0025 129.124,44
2013 Real 0 40.245,12 1,0000 40.245,12 24 1,0000 40.245,12
2014 Real 0 23.476,32 1,0000 23.476,32 35 1,0000 23.476,32

Portaria de Revalorização de Remunerações: 266/2014 de 17/12
Valores Calculados
Total de Remunerações para Cálculo de Remuneração Referência:
RR1 (D.L. 187/2007, art. 28.° - 3): 1.638.703,24
RR2 (D.L. 187/2007, art. 28.º - 1): 3.231.807,37
Remuneração de Referência:
RR1 (D.L. 187/2007, art. 28.º - 3): 11.705,02
RR2 (D.L. 187/2007, art. 28.º - 1): 5.919,06
Pensão Estatutária Calculada:
P1 (D.L. 187/2007, art. 34.º): 5.030,64
P2 (D.L. 187/2007, art. 32.º); 4.838,40
1ª Parcela: 413,64
2ª Parcela: 331,08
3ª Parcela: 719,38
4ª Parcela: 1.373,36
5ª Parcela: 2.000,93
P (D.L. 187/2007, art. 33.º): 4,991,21
Remuneração de Referência Atribuída:
À data de início da pensão: 11.705,02
À data de processamento: 11.705,02
Pensão:
Pensão Estatutária Escolhida: 4.991,21
Pensão Regulamentar: 4.991,21
Factor de Sustentabilidade: 0,8766
Pensão Final: 4.375,29
Pensão Total a Atribuir
Pensão Final: 4.375,29
Comparticipação da CGA: 242,39
Complemento Social: 0,00
Valor à Data de Inicio: 4.617,68
Valor à Data de Processamento; 4.617,68”
*
III - Enquadramento jurídico.
1. Do erro de julgamento por violação do regime da pensão unificada
Está provado nos presentes autos que, em virtude de possuir descontos para ambos os regimes de protecção social – Caixa Geral de Aposentações e Segurança Social - o Autor requereu que lhe fosse atribuído o regime da pensão unificada, previsto no Decreto-Lei nº 361/98 (v, aliás, neste sentido, o n° 6 da factologia dada por provada).
Também está provado que o acto impugnado calculou o valor da pensão estatutária tendo apenas em consideração os períodos de contribuição para o regime geral e que ao valor assim alcançado se limitou a somar o valor correspondente à pensão da Caixa Geral de Aposentações (v, neste sentido, o n° 6 da factologia dada por provada).
Significa isto que, em vez de calcular a pensão que o Autor teria direito a auferir à luz do último regime contributivo - o da Segurança Social, dado pelo Decreto-Lei n° 187/2007 - e de acordo com todos os períodos contributivos para ambos os regimes de protecção social, o acto impugnado limitou-se a calcular o valor da pensão a que o Autor tinha direito pelo tempo de descontos para a Segurança Social à luz do Decreto-Lei nº 187/2007 e a aditar a este valor o valor da pensão que era devido pela Caixa Geral de Aposentações de acordo com as regras que disciplinam as pensões atribuídas por aquela instituição.
Por outras palavras, em vez de somar todos os períodos contributivos e de em função dessa soma calcular o valor da pensão correspondente à totalidade de tais períodos contributivos de acordo com as regras do Decreto-Lei nº 187/2007, o acto impugnado limitou-se a calcular o valor da pensão de acordo com este diploma mas apenas no segmento referente ao período contributivo para a Segurança Social, uma vez que a pensão correspondente ao período contributivo para a Caixa Geral de Aposentações foi calculado pelas regras próprias desta instituição e não à luz do regime dado pelo Decreto-Lei nº 187/2007.
Contudo, no regime da pensão unificada o valor da pensão deve ser baseado na totalidade dos períodos contributivos e deve ser calculado por aplicação das regras do último regime (v., neste sentido, o n° 5 do artigo 4° do Decreto-Lei n° 361/98).
Neste mesmo sentido se pronuncia, aliás, a nossa jurisprudência, tendo o Supremo Tribunal de Justiça afirmado em acórdão de 29.11.2006, no processo n° 06S1733 que:
" (...) não decorre destas normas que, para efeito de se determinar o valor do suplemento em causa, a pensão unificada possa ser cindida em duas parcelas, uma calculada de harmonia com as regras do regime da Segurança Social e outra computada à luz do regime da Caixa Geral de Aposentações, para se ter em conta, apenas, a primeira.
Na verdade, o que os referidos preceitos impõem é que a pensão unificada deve ser baseada na totalidade dos períodos de pagamentos, no âmbito dos dois regimes, em caso de períodos sucessivos (não sobrepostos), e deve ser calculada por aplicação das regras do último regime...".
Na mesma linha de orientação se pronunciou o Tribunal Central Administrativo do Sul, no acórdão de 22.06.2017, processo n° 2/2014.4 LSB, ao sustentar que:
“I - A pensão unificada é considerada como pensão do último regime, baseando-se na totalização dos períodos de contribuição quer para a Caixa Geral de Aposentações quer para o regime geral da Segurança Social.
(…)
IV - A pensão unificado deve ser baseada na totalidade dos períodos de pagamentos, no âmbito dos dois regimes, em caso de períodos sucessivos (não sobrepostos), e deve ser calculado por aplicação das regras do último regime, não podendo o valor assim obtido ser inferior à soma das parcelas correspondentes aos valores a que o trabalhador teria direito por aplicação separada de cada um dos regimes”.
Pode-se assim concluir que o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento ao não anular o acto impugnado por violação do regime da pensão unificada e do disposto no n° 5 do artigo 4° do Decreto-Lei n° 361/98, uma vez que resulta claramente do acto impugnado que a Segurança Social calculou a pensão apenas com base nos períodos de contribuição para o regime geral (e não com base em todas as contribuições para ambos os regimes), limitando-se a acrescentar a este valor o valor correspondente à pensão calculada pela Caixa Geral de Aposentações, quando a nossa jurisprudência já deixou bem claro que a pensão unificada deve ser calculada "por aplicação das regras do último regime contributivo", o que determinava que in casu a Segurança Social tivesse de calcular a pensão de velhice com base em todos os períodos contributivos para ambos os regimes à luz das regras consagradas no Decreto-Lei n° 187/2007.
A questão suscitada pelo Autor foi tratada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.04.2017, no processo nº 2019/11.7BEPRT, de 07.04.2017, com o mesmo relator, cujo texto parcialmente se reproduz:
“3 - A pensão unificada é considerada como pensão do último regime, baseia-se na totalização dos períodos de contribuição e de quotização para o regime geral de segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações, sendo que a instituição que a atribuir receberá da outra o montante da respectiva parcela.
(…)
“6- O valor desta pensão corresponde, nos termos do nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 361/98, de 18.11, ao montante da parcela da pensão fixada unificadamente que a Caixa Geral de Aposentações tem de suportar.
7- Resulta com total clareza a adequação dos procedimentos adoptados pela Caixa Geral de Aposentações. A decisão proferida em primeira instância, ao condenar a Caixa Geral de Aposentações em conjunto com o Centro Nacional de Pensões no recálculo do valor da pensão unificada, mediante a soma de todo o período de tempo contributivo, tendo em conta a actualidade das remunerações auferidas pelo Autor e aplicando as regras do regime da segurança social, viola o regime previsto no Decreto-Lei nº 361/98, de 18/11.”
Vejamos.
Determina o artigo 4º do Decreto-Lei nº 361/98, de 18.11, sob a epígrafe: “Articulação dos regimes”:
“1- O regime da pensão unificada baseia-se na totalização dos períodos de pagamento de contribuições e de quotizações para o regime geral de segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações, sendo os períodos de sobreposição contributiva contados uma só vez.
2 - Não relevam para efeitos da pensão unificada os períodos cumpridos ao abrigo de legislação de outro país, sem prejuízo do que se encontra previsto no Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho.
3 - Os períodos contributivos de um regime correspondentes a carreiras legalmente integradas no outro regime apenas relevam para efeito do regime que as passou a integrar.
4 - A titularidade do direito, as condições de atribuição e a avaliação das situações de incapacidade permanente são as do último regime.
5 - A pensão unificada é considerada, para todos os efeitos legais, como pensão do último regime, sem prejuízo do que neste diploma se disponha em contrário.”
E o artigo 7º, do mesmo diploma, sob a epígrafe “Cálculo da pensão unificada”:
“O valor da pensão unificada obtém-se por aplicação das regras de cálculo do último regime, ressalvado o disposto no presente diploma”.
Há ainda que considerar o disposto no artigo 9º, ainda do Decreto-Lei nº 361/98, de 18.11, sob a epígrafe “Garantia do valor da pensão”:
“1 - O valor da pensão unificada, aquando da sua atribuição, não pode ser inferior à soma das parcelas correspondentes aos valores a que o trabalhador teria direito por aplicação separada de cada um dos regimes, tendo em atenção as disposições sobre acumulação de pensões.
2 - A garantia do valor da pensão unificada, prevista no número anterior, é extensiva aos montantes adicionais concedidos e aos subsídios de férias e de Natal, respectivamente, pelo regime geral de segurança social e pelo regime da função pública”.
Finalmente, determina o artigo 10º do diploma em análise, sob a epígrafe “Repartição de encargos”:
1 - A instituição que atribuir a pensão unificada receberá, da outra instituição para a qual o interessado tenha descontado, o montante da respectiva parcela de pensão, calculada nos termos do artigo anterior.
2 - Sempre que o valor da pensão unificada for superior à soma referida no artigo anterior, o encargo relativo ao excedente é suportado em partes iguais, pela instituição responsável pelo primeiro regime e pelo pensionista.
3 - A comparticipação do pensionista é efectuada por dedução no montante da respectiva pensão.
4 - As normas especiais que estabeleçam bonificação directa do valor da pensão de um dos regimes não afectam a comparticipação devida pelo outro regime”.
Passamos a transcrever o que foi decidido na decisão recorrida na parte que aqui releva:
“No que concerne às remunerações auferidas durante o período de serviço militar obrigatório - 15/09/1964 a 15/09/1967 - não assiste razão ao Autor, pois que, como resulta da factualidade provada, o período respeitante ao cumprimento do serviço militar obrigatório e as remunerações auferidas durante esse período foram contabilizadas pelo Instituto da Segurança Social, I.P..
De facto, em face do teor da notificação do cálculo definitivo da pensão unificada é manifesto que no cômputo do período contributivo do Autor foi considerado pelo Instituto de Segurança Social, I.P./Centro Nacional de Pensões o período correspondente ao cumprimento do serviço militar obrigatório.
Deste modo, ainda que durante o período de prestação de serviço militar obrigatório o Autor tenha efetuado descontos para a Caixa Geral de Aposentações, tal período é considerado pelo último regime, o que na presente situação corresponde ao do Instituto da Segurança Social, I.P./CNP.
Já no que tange à forma de cálculo da pensão unificada, afigura-se-nos, mais uma vez, que assiste razão ao Autor, como passamos a explicitar.
Ressalta do quadro legal aplicável que a fixação da pensão de velhice unificada assenta no somatório dos períodos contributivos do regime da segurança social e do regime da função pública, com a aplicação das regras do último regime, que no caso dos autos é o regime da Segurança Social, constante do Decreto-lei n.º 187/2007.
Ora, como se extrai da factualidade vertida no probatório, a fixação da pensão de velhice unificada do Autor não observou as sobreditas regras de cálculo, pois que o valor apurado da pensão unificada resulta apenas da soma das parcelas determinadas por cada uma das entidades demandadas, para o respetivo período contributivo. Já no que tange à forma de cálculo da pensão unificada, afigura-se-nos, mais uma vez, que assiste razão ao Autor, como passamos a explicitar.
Ressalta do quadro legal aplicável que a fixação da pensão de velhice unificada assenta no somatório dos períodos contributivos do regime da segurança social e do regime da função pública, com a aplicação das regras do último regime, que no caso dos autos é o regime da Segurança Social, constante do Decreto-lei n.º 187/2007.
Ora, tendo o Autor optado pelo regime da pensão de velhice unificada, impunha-se que o cálculo do respetivo valor fosse apurado mediante a soma de todo o período contributivo, tendo em consideração a totalidade das remunerações auferidas pelo Autor e sobre as quais incidiram descontos para o Instituto da Segurança Social/Centro Nacional de Pensões e a Caixa Geral de Aposentações, aplicando as regras do regime da Segurança Social, por ser este o regime aplicável.
De outra forma não seria possível comparar o valor da pensão unificada com o valor resultante da soma das parcelas calculadas separadamente, com base nos diferentes períodos contributivos de cada um dos sectores público e privado e nas diferentes remunerações que em cada um desses sectores foram auferidas pelo Autor.
De facto, só assim seria possível verificar se valor da pensão unificada, aquando da sua atribuição, não pode ser inferior à soma das parcelas correspondentes aos valores a que o trabalhador teria direito por aplicação separada de cada um dos regimes, conforme preceituado no artigo 9.º do Decreto-lei n.º 361/98.
É que, na verdade, o referido preceito legal apenas impõe um limite mínimo de pensão unificada, o qual não pode nunca ser inferior à soma das parcelas correspondentes aos valores resultantes da aplicação separada de cada um dos regimes aplicáveis. O que significa que não podendo o valor da pensão unificada ser inferior à soma das duas parcelas, poderá ser superior.
Afigura-se-nos, pois, que, segundo a interpretação mais consentânea com o regime jurídico da pensão por velhice unificada, o seu cálculo deve incidir sobre a totalidade do período contributivo global do Autor para cada uma das Instituições, tendo em consideração a totalidade das remunerações auferidas pelo Autor e sobre as quais foram efetuados descontos para uma e para outra.
Em face de tudo quanto vem afirmado, forçoso é concluir que o ato impugnado padece do alegado vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e que assiste ao Autor o direito à fixação da sua pensão por velhice unificada nos termos legalmente previstos, conforme supra exposto.”
O que aqui se decide, quanto ao vício de violação de lei, apenas se reporta ao acto do Instituto da Segurança Social, IP, pois é a este que cabe fixar o montante global da pensão unificada.
À Caixa Geral de Aposentações apenas cabe fixar a parcela da pensão da sua responsabilidade.”
Porque o Instituto de Segurança Social, I.P. não fixou o montante global da pensão unificada, aplicando as regras do regime da Segurança Social, por ser este o regime aplicável, nesta parte o recurso merece provimento, de acordo com as regras dos artigos 4º, 7º, 9º e 10º do Decreto-Lei nº 361/98, de 18.11, verificando-se o vício de violação de lei, que conduz à anulação da pensão calculada pelo Réu, que deverá obedecer a tais regras, nos termos do artigo 163º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo de 2015.
2. Do erro de julgamento por aplicação de norma materialmente inconstitucional.
Também é pacífico nos presentes autos que o valor da P1 atribuída ao Autor foi substancialmente reduzido por força da aplicabilidade da regra consagrada no nº 1 do artigo 101º do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10.05, que impõe um tecto máximo para a P1 de 12 vezes o indexante do apoio social (419,22€) e, portanto, não permite uma pensão superior a 5.030,64 €.
Na verdade, resulta claramente do ponto 6 da matéria de facto dada por provada que na P1 a pensão seria de 9.107€ (11.675,73 x 78%) e que foi limitada a 5.030,64€ por força do tecto máximo de 12 vezes o indexante do apoio social imposto pelo nº 1 do artigo 101º do Decreto-Lei nº 187/2007.
Consequentemente, a norma em causa legitimou que a P1 que seria devida ao Autor em função das remunerações sobre as quais fez descontos sofresse uma redução na ordem dos 45%.
Defende o Autor, no essencial, que ao tratar de forma diferenciada e completamente arbitrária cidadãos que estavam exactamente na mesma situação - todos os que se haviam inscrito até 31.12.2001 - o artigo 101º do Decreto-Lei nº 187/2007 é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, razão pela qual não poderia o Tribunal a quo deixar de recusar aplicar tal normativo (ex vi do artigo 204° da Constituição) e, em consequência, anular o acto que o aplicara, concluindo que o aresto em recurso incorreu ainda em erro de julgamento ao considerar legal um acto que aplicara uma norma, materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição de arbítrio, consagrado no art° 13° da Constituição.
Vejamos.
Não tem razão o Recorrente, como o evidenciam os argumentos que concluíram em sentido oposto nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 188/2009, processo nº 505/08, de 22.04.2009, e acórdão nº 423/2016, processo nº 147/16, de 06.07.2016, passando-se a transcrever os fundamentos do primeiro acórdão, que serviu de base à elaboração do segundo.
“Acórdão nº 188/2009:
Enquadramento legal e evolução legislativa
(…)
2. O Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as Bases Gerais do Sistema da Segurança Social, veio consignar um regime diferenciado de cálculo das pensões de reforma, no âmbito do regime geral da segurança social, estipulando, como regra geral, para os beneficiários inscritos a partir de 1 de Janeiro de 2002, o apuramento do montante da pensão mensal com base nas remunerações auferidas durante todo o período contributivo, até ao limite de 40 anos (artigo 32º), e para os beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001, uma fórmula proporcional que implica a combinação de uma parcela calculada com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 da carreira contributiva (P1), e outra calculada com base na totalidade da carreira contributiva (P2), com um ajustamento em relação ao cômputo de anos civis a considerar, em cada uma dessas parcelas, consoante os beneficiários iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016 ou a partir desta data (artigo 33º).
No âmbito desta fórmula proporcional, o artigo 34º concretiza as regras de cálculo da designada P1, isto é, da parcela da pensão que é apurada com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 da carreira contributiva. No entanto, a disposição transitória do artigo 101º introduz um limite superior às pensões calculadas nesses termos, fazendo-o corresponder a 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), com as excepções que aí são consideradas.
É esta disposição transitória, interpretada conjugadamente com as normas dos artigos 33º e 34º, que vem arguida de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da protecção da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, e de ilegalidade, por violação do princípio da contributividade, e que cabe agora analisar.
As normas em causa ostentam a seguinte redacção:
Artigo 33.º
Regras aplicáveis aos beneficiários inscritos
até 31 de Dezembro de 2001
1—A pensão estatutária dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e que iniciem pensão até 31 de Dezembro de 2016 resulta da aplicação da fórmula seguinte:
P=(P1×C1+P2×C2)
C
2—A pensão estatutária dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e que iniciem pensão após 1 de Janeiro de 2017 resulta da aplicação da fórmula seguinte:
P=(P1×C3+P2×C4)
C
3—Para efeitos da aplicação das fórmulas referidas nos números anteriores, entende-se por:
«P» o montante mensal da pensão estatutária;
«P1» a pensão calculada por aplicação da regra de cálculo prevista no artigo seguinte;
«P2» a pensão calculada por aplicação das regras de cálculo previstas no artigo anterior;
«C» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão;
«C1» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados até 31 de Dezembro de 2006;
«C2» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados a partir de 1 de Janeiro de 2007;
«C3» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados até 31 de Dezembro de 2001;
«C4» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados a partir de 1 de Janeiro de 2002.
4— Para efeitos de determinação de C1, C2, C3 e C4, previstos nas fórmulas dos números anteriores, considera-se a totalidade dos anos de carreira contributiva, ainda que superior a 40 anos.
5— Aos beneficiários previstos no n.º 1 que à data em que requeiram a pensão possuam, pelo menos, 46 anos civis com registo de remunerações relevantes para efeitos de taxa de formação da pensão é garantido o valor de pensão resultante das regras de cálculo previstas no artigo anterior, caso este lhes seja mais favorável.
Artigo 34.º
Regras de cálculo para determinação de P1
1— P1 é igual ao produto da taxa global de formação da pensão pelo valor da remuneração de referência, determinada nos termos dos n.os 3 e seguintes do artigo 28.º
2—A taxa anual de formação da pensão é de 2% por cada ano civil com registo de remunerações.
3—A taxa global de formação da pensão é o produto da taxa anual pelo número de anos civis com registo de remunerações, tendo por limites mínimo e máximo, respectivamente, 30% e 80%.
Artigo 101.º
Limite superior das pensões
1—Nas pensões calculadas nos termos do artigo 34.º, P1 fica limitada a 12 vezes o IAS, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2—Sempre que P2 seja superior a P1, não é aplicado qualquer limite a esta parcela.
3—A limitação referida no n.º 1 também não é aplicável se o valor de P1 e de P2 for superior a 12 vezes o valor do IAS e o P1 for superior a P2, situação em que a pensão é calculada nos termos do artigo 32.º.
Pela própria natureza dos argumentos que foram aduzidos, a análise das questões de constitucionalidade e de legalidade que vêm suscitadas implica o confronto com os regimes jurídicos precedentes e o necessário enquadramento da nova legislação no seu contexto histórico, com uma referência, ainda que sucinta, à mais recente evolução legislativa.
O Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, reflectindo as profundas mudanças que então já se faziam sentir nos aspectos sociais, demográficos e económicos, com múltiplas e pesadas interferências nos sistemas de segurança social, procedeu a uma ampla reformulação do método de cálculo das pensões, que, em grande medida, não obstante os significativos aperfeiçoamentos e modificações introduzidos pela Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 24/84, de 28 de Agosto, ainda assentava em princípios consagrados na Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, e nos diplomas regulamentares (n.ºs 1 e 2 do preâmbulo). E, nesse sentido, preconizou, entre outras medidas, que fosse tomado em consideração «um maior período de carreira contributiva (10 melhores anos dos últimos 15), com vista a que a remuneração de referência exprim[isse] de forma mais ajustada o último período de actividade profissional» (n.º 7 do preâmbulo e artigo 33º, n.º 1).
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 327/93, da mesma data, veio regular o enquadramento dos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas no regime geral da segurança social, estabelecendo como base de incidência das contribuições o valor das remunerações efectivamente auferidas, com o limite mínimo igual ao valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei à generalidade dos trabalhadores e o limite máximo igual a 12 vezes o valor da mesma remuneração mínima (artigo 9º, n.º 1, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 571/99, de 24 de Dezembro). O diploma consignou, no entanto, uma base de incidência optativa, permitindo que os membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas abrangidas pelo diploma efectuassem o pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o limite máximo da base de incidência fixado naquele artigo 9° (artigo 11º, na redacção do Decreto-Lei n.º 104/94, de 20 de Abril).
O regime de determinação dos montantes das pensões, dentro do quadro definido pelo Decreto-Lei n.º 329/93, foi, no entanto, posto em crise pela Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, que aprovou as Bases Gerais do Sistema de Solidariedade e de Segurança Social, revogando a anterior Lei n.º 24/84, de 28 de Agosto, e que passou a ditar, no que concerne ao respectivo quadro legal, o princípio segundo o qual «[o] cálculo de pensões de velhice deve, de um modo gradual e progressivo, ter por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva» (artigo 57.º, n.º 3).
Foi entretanto formalizado, em 20 de Novembro de 2001, no âmbito do Conselho Económico e Social, um Acordo para a Modernização da Protecção Social, em que o Governo e os parceiros sociais se comprometeram a adoptar medidas a partir de 1 de Janeiro de 2003 destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social, e em que se inclui a reformulação do cálculo das pensões do subsistema previdencial em termos de o montante da pensão passar a ser aquele que resultar da consideração da média das remunerações revalorizadas da totalidade da carreira contributiva (cfr. III, n.º 5.)
As partes justificam a adopção dessa medida do seguinte modo:
Há duas razões pelas quais a nova Lei de Bases sustentou a necessidade de contar com toda a carreira contributiva para a fórmula de cálculo de pensões do regime previdencial. Uma é de justiça. Só assim não se prejudicam aqueles que ao longo da vida cumpriram escrupulosamente os seus deveres perante a colectividade face àqueles que manipulam o sistema maximizando as contribuições nos últimos 15 anos da sua vida profissional. Só assim não se prejudicam aqueles, cujo último terço da sua vida activa não foi remunerado ao mesmo nível que atingiram anteriormente. A outra é financeira. É uma medida que a prazo promove a sustentabilidade do regime porque tem como resultado encorajar mais pessoas a descontarem mais para a segurança social durante mais tempo.
Na sequência, e no desenvolvimento da Lei n.º 17/2000, as novas regras de cálculo para as pensões de invalidez e velhice foram definidas pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, que, como resulta da respectiva nota preambular, pretendeu sobretudo regulamentar a referida disposição do artigo 57.º, n.º 3, da Lei de Bases, introduzindo, como aí se refere, «uma mudança de vulto perante o sistema até aqui vigente, resultante do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro».
Esse propósito foi especialmente concretizado através do disposto no artigo 4º, n.º 1, desse diploma legal, que sob a epígrafe «Remuneração de referência», estabelece o seguinte:
A remuneração de referência, para os efeitos do cálculo da pensão estatutária, é definida pela fórmula TR/(n×14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
Por outro lado, a medida surge explicada na exposição de motivos nos seguintes termos:
Esta alteração legislativa assenta num pressuposto de justiça social e reflecte uma dupla preocupação: por um lado, pretende-se que a pensão reproduza com maior fidelidade as remunerações percebidas ao longo de uma vida profissional e intenta-se, por outro, também numa óptica de equilíbrio financeiro do sistema, a eliminação das situações de manipulação estratégica do valor das pensões, ainda permitida pelas regras de cálculo [...] vigentes e que favorecem sobretudo aqueles que, podendo aceder ao conhecimento das regras de funcionamento do sistema, as utilizam para revelar, fidedignamente, apenas os valores das remunerações nos últimos 15 anos da sua carreira.
Estas novas regras pretendem, pois, representar “uma alteração estruturante do sistema de solidariedade e segurança social, porquanto visam contribuir não apenas para o reforço, a médio e longo prazo, da sua sustentabilidade financeira, já que são elas mesmas, um incentivo à contributividade, como também para um exercício mais responsável, por todos, dos respectivos direitos e deveres de cidadania.
Não obstante, o Decreto-Lei 35/2002, que produzia efeitos desde 1 de Janeiro de 2002 (artigo 23º), «tendo em vista a salvaguarda dos direitos adquiridos e de direitos em formação, nos termos, aliás, previstos nos artigos 59.º e 104.º da Lei n.º 17/2000», como se explica no respectivo exórdio, veio garantir aos beneficiários cuja carreira contributiva ficou exposta a esta sucessão dos regimes jurídicos o montante de pensão que lhes seja mais favorável.
E, desse modo, em relação aos beneficiários que se tivessem inscrito até 31 de Dezembro de 2001 e que tivessem completado o prazo de garantia (5 anos para pensões de invalidez e 15 anos para pensões de velhice) ou cuja pensão tenha início entre 1 de Janeiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2016 – e, portanto, em relação a beneficiários que já integravam o sistema à data em que foi introduzida a alteração da fórmula de cálculo das pensões – foi atribuído o montante da pensão mais elevado que resultasse ou da aplicação das regras de cálculo previstas no Decreto-Lei n.º 329/93, ou da aplicação das regras de cálculo previstas no Decreto-Lei n.º 35/2002, ou da aplicação proporcional das regras de cálculo de um e outro desses diplomas (artigos 12º e 13º).
No entanto, ulteriormente, foi celebrado um novo acordo entre o Estado e os parceiros sociais, no seio do Conselho Económico e Social, que teve essencialmente em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que assentou, para além do mais, nas duas seguintes linhas de actuação: (i) aceleração do prazo de transição para a nova fórmula de cálculo das pensões; (ii) introdução de um limite superior exclusivamente para o cálculo das pensões baseado nos últimos anos da carreira contributiva, por forma a limitar os efeitos para o sistema de segurança social da concentração dos descontos na parte final da carreira contributiva (Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, de 10 de Outubro de 2006).
No que respeita ao primeiro dos objectivos enunciados, o Governo e os parceiros sociais sustentam que importa «potenciar os efeitos da nova fórmula de cálculo das pensões, mais justa porque ao considerar toda a carreira contributiva permite reduzir os indesejáveis fenómenos de gestão das carreiras contributivas no período final da vida profissional». Não ignoram, todavia, que «a transição para a nova fórmula de cálculo pode comportar variações no rendimento dos novos pensionistas que terão maior dificuldade em compensar os seus efeitos nos últimos anos da vida activa», razão pela qual preconizam uma aplicação gradual dessa nova fórmula (pág. 6).
Por sua vez, no que se refere à introdução de um princípio de limitação às pensões mais altas, as partes consignaram o seguinte (págs. 9-10):
Num quadro de desejável reforço da sustentabilidade da segurança social, e em ordem a complementar a dimensão de solidariedade profissional da fórmula de cálculo das pensões, mas tendo também em conta a contributividade do sistema, considera-se adequado proceder a uma limitação superior e a um congelamento nominal de todas as pensões com valores muito elevados, mas sempre em patamares socialmente aceitáveis.
Desde logo, o Governo e os parceiros sociais afirmam, contudo, que a justiça contributiva impõe que as pensões formadas com base em descontos correspondentes à média de toda a carreira contributiva não deverão conhecer limite contributivo, uma vez que resultam directamente da consideração de todos os descontos dos trabalhadores. Deste modo, os descontos dos trabalhadores por salários superiores ao limite estabelecido serão relevantes e integralmente considerados no âmbito da nova fórmula de cálculo das pensões, mesmo durante o período de transição estabelecido, pelo que se reafirma o carácter transitório desta medida.
Nessa ordem de considerações, as partes acordaram, no que se refere àqueles dois mencionados aspectos, na implementação de medidas legislativas que se encontram assim descritas:
(a) a pensão dos inscritos na Segurança Social até 2001, inclusive, e que se reformem até 31 de Dezembro de 2016, será calculada a partir de uma fórmula transitória onde sejam proporcionalmente tidos em linha de conta o peso da carreira decorrida até 2007 e o peso da carreira subsequente, de acordo com a seguinte fórmula P=(P1×C1+P2×C2);
(b) para todos os outros contribuintes inscritos até 2001, que se reformarem depois de 2016, a nova pensão resultará do cálculo através do mecanismo de média ponderada da nova e da antiga fórmula de cálculo, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 35/2002, com referência aos períodos contributivos decorridos até 31 de Dezembro de 2001 e aos períodos posteriores a essa data;
(c) continuar-se-á a prever que a pensão dos novos inscritos na Segurança Social a partir de 2002 seja totalmente calculada com base em toda a sua carreira contributiva;
(d) será introduzido um limite superior no cálculo das novas pensões a vigorar a partir de 2007, que será aplicado exclusivamente à parcela do cálculo da pensão que considera os melhores 10 dos últimos 15 anos de carreira contributiva, desincentivando desta forma a gestão das carreiras para maximizar benefícios na reforma;
(e) em ordem a preservar o princípio da contributividade, sempre que se verifique, no cálculo da pensão com base na nova fórmula de cálculo (P2), que considera toda a carreira contributiva, um valor superior ao que resulta da aplicação da antiga fórmula de cálculo (P1), não será aplicado qualquer limite superior a esta parcela;
(f) haverá congelamento nominal de todas as pensões já atribuídas de valor superior ao limite fixado, a reavaliar quinquenalmente, tal como das restantes regras de actualização das pensões;
(g) como limite superior a que se referem as alíneas anteriores é fixado o valor de 12 IAS, equivalente a 12 SMN.
São estes novos critérios, consensualizados entre o Governo e os parceiros sociais, que surgem reflectidos no Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, através dos preceitos que foram há pouco transcritos.
O artigo 33º concretiza o princípio da aceleração da transição para a nova fórmula de cálculo de pensões, para todos os contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (a que se aplicava o regime transitório previsto no Decreto-Lei n.º 35/2002), mediante a aplicação de uma fórmula proporcional de cálculo em que se toma em linha de consideração, na fixação do montante global da pensão, uma parcela calculada de acordo com as regras de cálculo previstas no Decreto-Lei n.º 329/93, em que relevam os melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva (P1), e uma outra parcela cujo valor é estabelecido com base em toda a carreira contributiva, em conformidade com o que já dispunha, em geral, o Decreto-Lei n.º 35/2002 (P2); prevendo, por outro lado, para os contribuintes inscritos até àquela data, mas que se reformem só a partir de 2016, uma fórmula ponderada de cálculo em que se toma como ponto de referência o número de anos civis da carreira contributiva anteriores (C3) e posteriores a 1 de Janeiro de 2002 (C4), data a partir da qual passou a vigorar o novo regime de cálculo de pensões definido naquele diploma.
Por outro lado, a fórmula proporcional de cálculo, conforme o previsto no artigo 33º, é aplicável imperativamente a todos os que por ela se encontrem abrangidos (contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001), ficando excluída a garantia de aplicação do montante de pensão mais favorável, que havia sido estabelecida, transitoriamente, pelo artigo 13º do Decreto-Lei n.º 35/2002.
Por sua vez, o princípio da limitação das pensões de montante elevado foi consagrado através da disposição transitória do artigo 101º, que impõe que a parcela da pensão que deva ser calculada pelas regras do Decreto-Lei n.º 329/93, para os efeitos de integrar a fórmula proporcional do cálculo da pensão, fique limitada a 12 vezes o IAS (n.º 1). Limite que só não é aplicável nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3 desse artigo, isto é, quando o valor de P2 (entendido como o valor apurado segundo as regras do Decreto-Lei n.º 187/2007) for superior ao valor de P1 (entendido como o valor apurado segundo as regras do Decreto-Lei n.º 329/93), caso em que a pensão é calculada pela fórmula proporcional sem qualquer limite, ou quando esses valores (P1 e P2) sejam superiores a 12 vezes o IAS, e P1 for superior a P2, caso em que a pensão é calculada de acordo com as novas regras constantes do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 187/2007.
Por via deste novo regime legal, a aceleração do período de passagem à nova fórmula de cálculo das pensões, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, é assegurada através da eliminação da garantia da atribuição da pensão mais favorável, em relação aos contribuintes que fiquem abrangidos pelos sucessivos regimes de cálculo (agora substituída pela aplicação de uma fórmula proporcional que permite entrar em linha de conta com as antigas e as novas regras de cálculo), mas também pelo aumento progressivo do peso relativo da carreira contributiva no apuramento do montante da pensão, mediante a ponderação, na taxa de formação da pensão, de anteriores períodos contributivos (o completado até 31 de Dezembro de 2006, para os que se reformem até de 31 de Dezembro de 2016, e o completado até 31 de Dezembro de 2001, para os que iniciem a pensão a partir daquela data).
Por outro lado, a limitação das pensões de montante elevado, tal como o previsto no artigo 101º, tem em vista uma maior moralização do sistema, «garantindo o respeito integral pelo princípio da contributividade, designadamente através das salvaguardas que contempla». Assim se compreende que não haja lugar à aplicação do limite superior da pensão quando o montante a considerar resulte, em boa medida, da aplicação das regras de cálculo fixadas através do Decreto-Lei n.º 35/2002, tendo, por conseguinte, por base toda a carreira contributiva.
Importa, por fim, sublinhar que o Decreto-Lei n.º 187/2007 foi publicado como diploma legal de desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, substituindo a anterior lei de bases constante da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro.
A Lei nº 4/2007, na parte que agora mais interessa considerar, manteve os traços essenciais do anterior regime jurídico, mormente no tocante ao princípio da contributividade, ao quadro legal das pensões e à tutela dos direitos adquiridos e dos direitos em formação.
Assim é que o artigo 54.º, referindo-se ao princípio da contributividade, reproduz a formulação verbal já constante do artigo 30º da Lei n.º 32/2002: «[o] sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações».
Mantém-se também, em idênticos termos, no artigo 63.º, n.º 4, o critério segundo o qual «[o] cálculo das pensões de velhice e de invalidez tem por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva», que já provinha do artigo 40º, n.º 3, daquela Lei.
A nova Lei reafirma ainda o princípio da conservação dos direitos adquiridos e em formação (artigo 20º), que concretiza - em plena correspondência com o que já resultava do artigo 121º, n.º 1, da Lei n.º 32/2002 - na disposição transitória do artigo 100º, com o seguinte enunciado: «[o] desenvolvimento e a regulamentação da presente lei não prejudicam os direitos adquiridos, os prazos de garantia vencidos ao abrigo da legislação anterior, nem os quantitativos de pensões que resultem de remunerações registadas na vigência daquela legislação».
Contempla, no entanto, uma norma específica referente ao regime transitório de cálculo de pensões (artigo 101º), pela qual se determina, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 63.º, que «deve fazer-se relevar, no cálculo das pensões e com respeito pelo princípio da proporcionalidade, os períodos da carreira contributiva cumpridos ao abrigo de legislação anterior, bem como as regras de determinação das pensões então vigentes, quando aplicáveis à situação do beneficiário».
É na linha deste critério legal que poderão entender-se as disposições dos artigos 33º, 34º e 101º do Decreto-Lei n.º 187/2007, que vêm questionadas pelo requerente.
Princípio da protecção da confiança
3. O que o requerente discute relativamente às referidas disposições legais, é – recorde-se – a circunstância de a norma do artigo 101º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007, interpretada conjugadamente com aquelas outras, vir estabelecer um limite superior para uma das parcelas da pensão que integra a fórmula de cálculo (P1), em termos tais que implica uma redução assinalável do montante da pensão para as pessoas que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016.
Situação que considera ser particularmente injusta em relação aos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, que foram legalmente autorizados a efectuar o pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o limite máximo da base de incidência (artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 327/93 de 25 de Setembro). E sublinha ainda que a limitação da pensão traz também consequências desvantajosas para os beneficiários que iniciem a pensão a partir de 31 de Dezembro de 2016, embora, nesse caso, por se encontrarem mais longe da situação de reforma, a necessidade de tutela das suas expectativas jurídicas não se torne tão evidente.
No ponto em que frustra as expectativas jurídicas de pessoas que se encontram mais próximas do termo da actividade profissional e que não poderão já redefinir a sua estratégia de planeamento de reforma, a solução legal é, desde logo, incompatível, no entender do requerente, com o princípio da protecção da confiança ínsito no Estado de direito democrático.
É essa questão que primeiramente interessa dilucidar.
Como observam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o princípio do Estado de direito, a que alude o artigo 2º da Constituição, «mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança». E, como acrescentam os mesmos autores, não está excluído que dele se possam colher normas que não tenham expressão directa em qualquer dispositivo constitucional, mas que se apresentam «como consequência imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, págs. 205-206).
É assim que se compreende que o princípio da segurança jurídica surja como uma projecção do Estado de direito e se torne invocável, como critério jurídico-constitucional de aferição de uma certa interpretação normativa, a partir do próprio conceito de Estado de direito ínsito no falado artigo 2º da Constituição.
A garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente, ao legislador.
Trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições jurídicas sejam objectivamente lesadas por determinados quadros injustificados de instabilidade (BLANCO DE MORAIS, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2, 2000, pág. 625).
Referindo-se à protecção da confiança dos particulares relativamente à manutenção de um certo regime legal, REIS NOVAIS defende, em tese geral, que «os particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento legislativo normal» (Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 263). No entanto, face ao valor constitucional contraposto do interesse público, a que o legislador está também vinculado, o autor reconhece que «o alcance prático do princípio da protecção da confiança só é delimitável através de uma avaliação ad hoc que tenha em conta as circunstâncias do caso concreto e permita concluir, com base no peso variável dos interesses em disputa, qual dos princípios deve merecer prevalência». E no plano da ponderação do peso das posições relativas dos particulares, acentua que «as expectativas têm de ser legítimas», excluindo que possam assumir qualquer relevo valorativo as posições sustentadas «em ilegalidades ou em omissões indevidas do Estado» (idem, págs. 264 e 267)
Também o Tribunal Constitucional tem já firmado o entendimento de que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (entre outros, o acórdão n.º 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., pág. 65).
Referindo-se especificamente a situações de retrospectividade ou retroactividade inautêntica, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 287/90, teve também já oportunidade de definir a ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, por referência a dois pressupostos essenciais:
a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela cons­tantes não possam contar; e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutros arestos) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (neste sentido, o recente acórdão n.º 128/2009).
Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado.
Não há, no entanto, como se afirmou no já citado acórdão nº 287/90, «um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados». O legislador não está impedido de alterar o sistema legal afectando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da auto revisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal.
4. Recentrando a questão no seu âmbito mais específico, não pode deixar de reconhecer-se, como a jurisprudência constitucional tem também já considerado, que o legislador dispõe de uma ampla margem de conformação na concretização do direito à segurança social (cfr., entre outros, o acórdão n.º 509/2002).
Este princípio é também aceite inequivocamente pela doutrina, tal como a propósito referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (ob. cit., pág. 819):
A Constituição é omissa sobre o sistema de pensões e prestações do sistema de segurança social, bem como sobre os critérios da sua concessão e do seu valor pecuniário, ficando essa matéria na livre disposição do legislador, observados os princípios constitucionais pertinentes (igualdade, proporcionalidade, etc.). Isso inclui o direito de alterar as condições e requisitos de fruição e de cálculo das prestações (designadamente das pensões) em sentido mais exigente, desde que por motivos justificados (nomeadamente a sustentabilidade financeira do sistema) e desde que isso só valha para o futuro (proibição de retroactividade das restrições de direitos fundamentais) (no mesmo sentido, JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, I Tomo, 2005, págs. 63-64).
Mesmo o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, nesta linha geral de entendimento, que os contribuintes para os sistemas de segurança social não possuem qualquer expectativa legítima na pura e simples manutenção do status quo vigente em matéria de pensões (cfr. o acórdão n.º 99/99 e a jurisprudência nele citada e, mais recentemente, os acórdãos n.ºs 302/2006 e 351/2008).
Como se deixou já referido, o regime de determinação dos montantes das pensões, que provinha do Decreto-Lei n.º 329/93 e em certa medida era ainda tributário do modelo concebido nos anos 60, foi profundamente alterado pela Lei de Bases da Segurança Social aprovada pela Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, que estipulou o princípio segundo o qual o cálculo de pensões de velhice devia ter por base os rendimentos de trabalho de toda a carreira contributiva (artigo 57.º, n.º 3).
O Governo e os parceiros sociais, através do Acordo para a Modernização da Protecção Social, de 20 de Novembro de 2001, comprometeram-se entretanto a adoptar medidas destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social, incluindo no que se refere à reformulação do cálculo das pensões, e nessa sequência foi publicado o Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, que veio estabelecer como regra a consideração, para efeitos do cálculo da pensão, das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva, medida que era justificada não só pela necessidade de assegurar sustentabilidade financeira do sistema de segurança social, mas também por razões de justiça social.
Como a Lei de Bases preconizava, no entanto, que o novo regime de cálculo de pensões fosse implementado de modo gradual e progressivo, o Decreto-Lei 35/2002 previa uma norma transitória, destinada a salvaguardar os direitos em formação, pela qual os beneficiários já inscritos à data da entrada em vigor dessa lei (até 31 de Dezembro de 2001) poderiam optar pelo montante de pensão que fosse mais favorável, considerando as regras de cálculo do Decreto-Lei n.º 329/93, ou do Decreto-Lei n.º 35/2002, ou ainda uma combinação proporcional de ambas (artigos 12º e 13º).
Posteriormente, porém, foi celebrado um novo acordo entre o Estado e os parceiros sociais, que teve em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que pretendeu realizar dois objectivos essenciais: (i) acelerar o prazo de transição para a nova fórmula de cálculo das pensões; (ii) introduzir um limite superior para o cálculo das pensões baseado nos últimos anos da carreira contributiva (Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, de 10 de Outubro de 2006).
São precisamente esses objectivos que surgem plasmados no novo regime transitório do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
Os artigos 33º e 34º, como já se explanou, visam dar concretização prática ao princípio da aceleração da transição para a nova fórmula de cálculo de pensões, tornando aplicável aos contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (e, portanto, àqueles cuja carreira contributiva decorreu em parte ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 329/93) uma fórmula proporcional de cálculo da pensão em que se toma em linha de consideração, na fixação do montante global da pensão, uma parcela calculada de acordo com as antigas regras de cálculo (em que relevam os melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva), e uma outra parcela cujo valor é estabelecido com base em toda a carreira contributiva, segundo o regime que já provinha do Decreto-Lei n.º 35/2002.
Entretanto, os beneficiários que se tenham inscrito a partir de 1 de Janeiro de 2002, e, portanto, já no domínio do Decreto-Lei n.º 35/2002, ficam integralmente sujeitos às novas regras de cálculo que haviam sido instituídas por esse diploma legal, em que se tem apenas em linha de conta as remunerações registadas de toda a carreira contributiva (artigo 32º).
Em todo este contexto, a limitação do montante da pensão nos termos do artigo 101º, n.º 1, não é mais do que um factor de correcção da parcela da pensão que deva ser calculada ainda segundo as antigas regras do Decreto-Lei n.º 329/93, destinado a impedir que, apesar da interferência de uma fórmula proporcional de cálculo, venha a ser atribuída uma pensão que se mostre ser excessiva em termos de equidade contributiva.
Sublinhe-se a este propósito que a norma do artigo 101º não impõe um limite absoluto ao montante das pensões, permitindo antes, através das excepções contempladas nos n.ºs 2 e 3 desse artigo, que a parcela da pensão que deva ser calculada pelas regras do Decreto-Lei n.º 329/93 (P1) possa ultrapassar 12 vezes o IAS quando ela seja inferior à parcela que resulta da aplicação das regras do Decreto-Lei n.º 187/2007 (P2), e que, de outro modo, a pensão seja calculada segundo o critério geral do artigo 32º, quando ambos os valores (P1 e P2) excedam o limite de 12 vezes o IAS.
A introdução destes desvios evidencia que o limite superior da pensão, tal como previsto no artigo 101º, n.º 1, tem apenas como objectivo uma maior moralização do sistema, deixando de funcionar nos casos em que o montante da pensão, ainda que de valor elevado, espelha de uma forma uniforme a carreira contributiva do beneficiário e cumpre assim de uma forma aproximativa o princípio da contributividade.
Analisando toda a evolução legislativa na perspectiva da protecção da confiança, à luz dos parâmetros já há pouco enunciados, há diversas ordens de considerações que deverão ser tidas em linha de conta:
(a) a fórmula do artigo 33.º, n.º 1, e o limite imposto no artigo 101.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007 inserem-se no quadro de uma política geral de sustentação do sistema de segurança social que saiu reforçada, em especial, a partir da Lei de Bases da Segurança Social de 2000 (Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto) e que dá cumprimento ao imperativo de sustentabilidade financeira do sistema de segurança social, consagrado no artigo 63.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição;
(b) o legislador pretendeu instituir um regime globalmente mais justo, assente na necessidade de basear o cálculo do montante das pensões nas remunerações valorizadas de toda a carreira contributiva, e não apenas num intervalo de tempo limitado, evitando situações de injustiça relativa entre beneficiários;
(c) o regime de cálculo da pensão com base em toda a carreira contributiva passou a ficar imperativamente consagrado na Lei de Bases de 2002, que fixou também o princípio da contributividade nos termos em que se encontra actualmente formulado (artigos 30º e 40.º, n.º 3, da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro), mas remonta já à Lei de Bases de 2000, que preconizou uma transição gradual e progressiva para essas novas regras de cálculo (artigo 57, n.º 3, da Lei n.º 17/2000);
(d) quer as medidas legislativas referentes à reformulação do cálculo das pensões (estabelecida pela Lei n.º 32/2002), quer as relativas à aceleração do prazo de transição para a nova fórmula de cálculo e à limitação do montante das pensões (decorrentes da Lei n.º 4/2007) foram acordadas entre o Governo e os parceiros sociais no âmbito do Conselho Económico e Social, tendo obtido, nesse plano, legitimação política e social;
(e) o legislador institui um sistema gradual de transição para o novo regime de cálculo, estabelecendo primeiramente uma garantia de montante de pensão mais favorável (artigo 13º da Decreto-Lei n.º 35/2002) e depois um regime transitório baseado numa fórmula proporcional de cálculo em que relevam as antigas e as novas regras de cálculo;
(f) o estabelecimento de um limite superior ao montante da pensão é justificado, pelo legislador, por razões de justiça social e de equidade contributiva;
g) a pensão fixada nos termos do artigo 101º, n.º 1, é, apesar de tudo, mais favorável do que a que resulta, para os beneficiários inscritos a partir de 1 de Janeiro de 2002, da aplicação do critério geral do artigo 32º, que tem em consideração toda a carreira contributiva.
Não pode dizer-se, em todo este condicionalismo, que a mutação da ordem jurídica tenha afectado de forma inadmissível as expectativas das pessoas abrangidas por esse novo regime de transição e que essa tenha sido uma alteração legislativa com que, razoavelmente, os destinatários não poderiam contar.
E não pode deixar de reconhecer-se que a limitação do montante da pensão, entendida no quadro mais geral da reforma do sistema de segurança social, se encontra justificada pela necessidade de salvaguardar interesses constitucionalmente protegidos que devem considerar-se prevalecentes, como o princípio da justiça intergeracional e o princípio da sustentabilidade.
Não assume particular relevo, neste contexto, a circunstância de o Decreto-Lei n.º 327/93, ao pretender efectivar o direito à segurança social dos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, ter vindo a permitir que estes pudessem optar pelo pagamento de contribuições com base no valor real das respectivas remunerações (artigo 11º).
Na verdade, os titulares de órgãos das pessoas colectivas estavam dispensados de contribuir para a segurança social em função das remunerações efectivamente auferidas, podendo limitar-se a satisfazer a sua obrigação contributiva tomando como base de incidência um limite mínimo correspondente ao valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei à generalidade dos trabalhadores e um limite máximo igual a 12 vezes o valor dessa mesma remuneração mínima (artigo 9º, n.º 1). No entanto, essa limitação desaparecia por livre opção dos interessados, desde que exercida até aos 55 anos, permitindo-se que procedessem ao pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações na fase final da sua actividade profissional (artigo 11º).
Essas pessoas podiam assim beneficiar de um tecto remuneratório durante grande parte da carreira contributiva, podendo mesmo efectuar descontos para a segurança social por referência à remuneração mínima legalmente permitida, e aumentar exponencialmente as suas contribuições no limiar da entrada no período relevante para o cálculo da pensão, segundo o regime então vigente, por forma a obterem uma pensão mais elevada (que seria calculada com base nos melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva).
Independentemente das situações de manipulação deliberada do cálculo do montante da pensão, que a lei objectivamente potenciava, o regime legal permitia a uma categoria de contribuintes obter pensões de valor elevado que não tinham correspondência com os rendimentos médios declarados ao longo da carreira contributiva.
Em todo o caso, importa notar que a fórmula de cálculo da pensão aplicável a esses beneficiários, segundo o novo regime, é mais favorável que a que resulta da aplicação do critério geral, visto que permite que uma parcela da pensão seja ainda apurada em função dos últimos anos da carreira contributiva. E, por outro lado, o limite superior da pensão imposto pelo artigo 101º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007 tem um efeito correctivo, destinando-se a impedir que a ponderação da parcela da pensão que deverá ser calculada segundo as antigas regras conduza a um valor desproporcionado, por virtude da concentração de contribuições mais elevadas nos últimos anos da actividade profissional, não sendo já aplicável, por força das excepções previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 101º, nas situações em que se efectuaram descontos elevados durante toda a carreira contributiva ou houve uma regressão do volume das contribuições na fase final da actividade profissional.
Sendo certo que os titulares de órgãos de pessoas colectivas beneficiavam de um regime privilegiado, e de sinal diametralmente oposto às exigências da sustentabilidade do sistema, não é possível afirmar que seria expectável, contra toda a evidência, a continuidade, no futuro, desse regime.
Para além de que não estamos aqui perante quaisquer direitos adquiridos, mas meros direitos em formação, relativamente aos quais o legislador apenas estava vinculado a estabelecer um regime transitório que, com respeito pelo princípio da proporcionalidade, permitisse relevar os períodos contributivos cumpridos ao abrigo da legislação anterior.
A norma do artigo 101º, n.º 1, não viola, por conseguinte, o princípio da protecção da confiança.
Princípio da proporcionalidade
5. Alega, ainda, o Provedor de Justiça que o limite do artigo 101.º, n.º1, viola o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso na medida em que o seu objectivo seja sancionar quem geriu ou manipulou as contribuições para a segurança social descontando desproporcionadamente mais nos anos da carreira contributiva relevantes para o cálculo da pensão do que nessa carreira contributiva considerada no seu todo.
Nesta medida, entende o requerente que a norma não é adequada pois abrange, também, todas as pessoas que não determinaram (por não poderem ou quererem) o valor da sua pensão, o que sucede nomeadamente com a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem.
Neste caso, parece ter-se pretendido pôr em causa a própria idoneidade ou aptidão do meio usado para a prossecução dos fins que são visados pela lei.
Como observa REIS NOVAIS, o princípio da idoneidade ou da aptidão significa que as medidas legislativas devem ser aptas a realizar o fim prosseguido, ou, mais rigorosamente, devem, de forma sensível, contribuir para o alcançar.
No entanto, o controlo da idoneidade ou adequação da medida, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, refere-se exclusivamente à aptidão objectiva e formal de um meio para realizar um fim e não a qualquer avaliação substancial da bondade intrínseca ou da oportunidade da medida. Ou seja, uma medida é idónea quando é útil para a consecução de um fim, quando permite a aproximação do resultado pretendido, quaisquer que sejam a medida e o fim e independentemente dos méritos correspondentes. E, assim, a medida só será susceptível de ser invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a aproximação do fim visado (Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, págs. 167-168).
No caso vertente, seria uma petição de princípio afirmar que o objectivo da regra é sancionar situações de manipulação de pensão. Na verdade, o objectivo da norma é repor, na medida do possível, a equidade contributiva, efectuando uma aproximação ao princípio da equivalência entre as contribuições e as prestações.
Objectivamente o regime precedente propiciava a obtenção de pensões mais elevadas através do aproveitamento, para efeito do cálculo do montante da pensão, do período contributivo mais favorável da fase final da actividade profissional. A nova lei intentou uma alteração estruturante do sistema de segurança social, com base em razões de justiça social e de sustentabilidade financeira, visando assegurar que a pensão reproduza com maior fidelidade as remunerações auferidas ao longo da vida profissional.
O regime legal não foi, pois, estabelecido em vista de exigências pragmáticas de combate a situações de aproveitamento de deficiências legais para obtenção de benefícios injustificados, mas é antes a decorrência de um critério de cálculo do montante de pensões que se entende socialmente mais justo e que pretende responder, nesse plano, às modificações resultantes das alterações demográficas e económicas que têm reflexo no sistema de segurança social.
Não pode dizer-se, neste contexto, que a fixação de um limite superior da pensão, abrangendo indistintamente quem tenha ou não manipulado o cálculo da pensão, deixe de contribuir para esse desígnio legislativo, nada permitindo concluir no sentido da invocada violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
Princípio da igualdade
6. Alega o requerente que a limitação do valor das pensões não é genericamente estabelecida pelo legislador, antes se destina a uma categoria bem determinada de destinatários - os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 - e, entre estes, de forma mais gravosa, atendendo ao nível das expectativas criadas, os que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016.
É necessário começar por dizer que a mera sucessão no tempo de leis relativas a direitos sociais não afecta, por si, o princípio da igualdade.
Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal.
Por outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respectivo regime jurídico a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas pode brigar com o princípio da igualdade se vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio da igualdade não opera diacronicamente (acórdãos nº 34/86, 43/88 e 309/93, os dois primeiros publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7º vol, pág. 42, e 11º vol., pág. 565, e, em matéria de sucessão de regimes legais de pensões, os acórdãos n.ºs 563/96, 467/03, 99/04 e 222/08).
É elucidativo, a esse propósito, o acórdão n.º 99/04, onde se discutia um caso de sucessão de regimes de aposentação e se concluía:
Basicamente o que está em causa nas duas situações são as diferenças de regime decorrentes da normal sucessão de leis, havendo que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (acórdão nº 467/03, publicado no Diário da República – II Série, de 19/11/03, págs. 17331/17335), este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos – tal como aqui sucede – na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, “em termos diacrónicos”.
Um diferente entendimento conduziria a transformar o princípio da igualdade numa proibição geral de retrocesso social, em matéria de direitos sociais, no sentido de que nunca poderia ser criado um novo regime legal que pudesse afectar qualquer situação jurídica que se encontrasse abrangida pela lei anterior.
Este princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude sob pena de destruir a autonomia da função legislativa, cujas características típicas, como a liberdade constitutiva e a auto revisibilidade, seriam praticamente eliminadas se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado a manter integralmente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os direitos por ele criados (assim, VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Coimbra, págs. 408-409).
É também esta acepção restrita do princípio que tem sido acolhida pela jurisprudência constitucional, como se depreende do seguinte excerto do acórdão n.º 509/2002:
Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a generalidade da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se distingam as situações.
Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar, com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade» (cfr. acórdão nº 474/02), a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de protecção já atingido é necessariamente mínima, já que só o poderá fazer na estrita medida em que a alteração legislativa pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão – e terá sido essa a situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no caso tratado no já referido acórdão nº 39/84.
Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode funcionar em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância democrática, sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência meramente formal, inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas assumam o carácter de opções legislativas fundamentais.
A proibição do retrocesso social opera assim apenas quando se pretenda atingir «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial» (GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Coimbra, págs. 339-340). Ou, ainda, como sustenta VIEIRA DE ANDRADE, quando a alteração redutora do conteúdo do direito social afecte a «garantia da realização do conteúdo mínimo imperativo do preceito constitucional» ou implique, pelo «arbítrio ou desrazoabilidade manifesta do retrocesso», a violação do protecção da confiança (ob. cit., págs. 410-411).
Isso não significa que a igualdade não tenha qualquer protecção diacrónica. O que sucede é que essa protecção apenas pode ser realizada através do princípio da protecção da confiança associado às exigências da proporcionalidade (neste sentido, também, REIS NOVAIS, O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais – o Direito à Segurança Social, in Jurisprudência Constitucional n.º 6, pág. 10).
No caso concreto, já vimos que o novo regime legal não envolve uma directa violação do princípio da protecção da confiança e do princípio da proporcionalidade.
Assente, por outro lado, que o legislador dispõe de liberdade de conformação para modificar o sistema legal, designadamente em matéria de direitos sociais, e estabelecer aí diferenciações de regime (fora das situações limite em que se encontre condicionado pelo princípio da proibição do retrocesso social), a única questão que pode colocar-se, no estrito plano da igualdade é a possível violação da proibição do arbítrio.
É patente, porém, que a delimitação do campo subjectivo de aplicação da fórmula proporcional do cálculo do montante das pensões, bem como do limite superior do valor da pensão, apenas por referência aos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 não é, de nenhum modo, uma medida arbitrária.
O novo critério do cálculo das pensões, tomando por base os rendimentos de trabalho revalorizados de toda a carreira contributiva, foi estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, para produzir efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2002. E esse diploma passou, desde logo, a prever um regime de transição para os interessados que a essa data se encontrassem já inscritos no regime de segurança social, de modo a tutelar os direitos em formação, e que permitia, na prática, que continuassem a ser aplicadas, quando mais favoráveis, as regras de cálculo do Decreto-Lei n.º 329/93 (artigos 12º e 13º).
O Decreto-Lei n.º 187/2007, no ponto em que tinha como objectivo a aceleração do período de passagem à nova fórmula de cálculo e a introdução de um limite às pensões mais elevadas, não poderia deixar de incidir sobre o universo de contribuintes que se encontravam abrangidos pelo regime transitório do anterior diploma - os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 - , visto que todos os demais beneficiários, tendo efectuado a sua inscrição no sistema previdencial posteriormente a essa data, e, portanto, já na vigência do novo regime de cálculo das pensões instituído pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, estavam já sujeitos ao regime geral decorrente deste diploma.
Por outro lado, através da segmentação dos períodos de transição, aplicando cálculos com diferentes modulações para os que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016 ou após essa data, o legislador mais não pretendeu, em ordem ao objectivo traçado, do que assegurar que a parcela da pensão que deverá ser calculada segundo as novas regras (P2) venha a assumir proporcionalmente um maior peso relativo na média ponderada das duas fórmulas de cálculo.
Como logo se entrevê, não faz qualquer sentido pretender que a limitação do montante da pensão (que integra o regime transitório aplicável aos inscritos até 31 de Dezembro de 2001) devesse ser genericamente prevista para todos os beneficiários.
Por um lado, a aplicação de um factor correctivo do limite da pensão só tem cabimento em relação àqueles que, por se encontrarem abrangidos pelo regime de transição, beneficiam ainda da aplicação parcial do regime de cálculo, mais favorável, do Decreto-Lei n.º 329/93, e que propiciava, especialmente em relação aos titulares de órgãos de pessoas colectivas (que estavam dispensados de qualquer limite contributivo), a obtenção de pensões muito elevadas.
Por outro lado, o novo critério de cálculo das pensões, baseado no princípio da contributividade e justificado por razões de sustentabilidade financeira do sistema, aplicável integralmente aos beneficiários inscritos a partir de 1 de Janeiro de 2002, integra ele próprio já mecanismos de contenção do valor da pensão, quer através da ponderação das remunerações auferidas durante toda a carreira contributiva (artigo 28º), quer por via da aplicação de taxas de formação regressivas para os níveis remuneratórios mais elevados (artigo 32º), quer ainda pela introdução de um factor de sustentabilidade relacionado com o indicador de esperança média de vida (artigo 35º).
Acresce que através do regime previsto no artigo 33º, o legislador prolongou o período de transição para além do limite temporal de 31 de Dezembro de 2016 (que era estipulado no Decreto-Lei n.º 35/2002) para, mediante uma diferenciação de fórmulas de cálculo por referência a essa data, assegurar uma progressiva e gradual aproximação do montante da pensão daquele que resultaria da aplicação das novas regras de cálculo.
E, desse modo, garante a aplicação de um princípio de proporcionalidade, salvaguardando de forma mais intensa as expectativas daqueles que se encontram mais próximos da situação de reforma.
Não há, por conseguinte, qualquer motivo para considerar verificada a violação do princípio da igualdade.
Princípio da contributividade
7. O requerente entende, ainda, que a norma do artigo 101.º, n.º 1, enferma de ilegalidade, por violação do princípio da contributividade consagrado no artigo 54º da Lei de Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, no ponto em que impõe um limite superior à parcela da pensão calculada nos termos do Decreto-Lei n.º 329/93 sem prever a correspondente devolução das contribuições que tenham sido pagas e deixem de ter reflexo no cálculo do montante da pensão.
Neste caso, o pedido parece fundamentar-se em ilegalidade por violação de lei de valor reforçado – a que se reconduziria a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, enquanto caracterizável como lei de bases -, correspondendo a um pedido de declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
Independentemente da correcção da qualificação do vício apontado, o argumento mostra-se ser improcedente.
A Constituição é omissa sobre o financiamento do sistema de segurança social, limitando-se a dizer que cabe ao Estado subsidiar esse sistema, implicando que este constitua, em parte, um encargo estadual que deverá ser suportado pelo respectivo orçamento (artigo 63º, n.º 2). O que pressupõe - ou, pelo menos, não exclui -, um financiamento privado directo através das contribuições dos beneficiários.
A norma abre, por conseguinte, um amplo campo de liberdade de conformação legislativa, quer quanto à concretização das fontes e formas de financiamento, quer quanto à afectação dos recursos financeiros aos objectivos de protecção social (cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob cit., pág. 817; JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob cit., pág. 648).
A actual Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, contempla um sistema de protecção social, que engloba os subsistemas de acção social, de solidariedade e de protecção familiar, cujos objectivos são de prevenção e reparação de situações de carência, erradicação de situações de pobreza e de exclusão, e compensação de encargos familiares acrescidos (artigos 26º a 49º), e um sistema previdencial, que visa garantir prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho por virtude de certas eventualidades definidas na lei (artigos 50º a 66º). Mas prevê igualmente um sistema complementar, que compreende um regime público de capitalização, de adesão voluntária individual, e cuja organização e gestão é da responsabilidade do Estado, e regimes de iniciativa colectiva ou de iniciativa individual, de instituição facultativa, que, em qualquer caso, deverão articular-se com o sistema previdencial, e estão sujeitos a mecanismos de regulação, supervisão e garantia (artigos 81º a 86º).
Os subsistemas de protecção social, destinados a garantir direitos básicos dos cidadãos e a promover a igualdade de oportunidades (artigo 26º), são regimes não contributivos, que, como tal, são financiados por transferências do Orçamento do Estado e por consignação de receitas fiscais (artigo 90º, n.º 1). Os regimes complementares são da responsabilidade financeira das pessoas ou entidades instituidoras, embora o seu desenvolvimento possa ser estimulado através de incentivos estaduais (artigo 81º, n.º 2). Por seu lado, as prestações substitutivas dos rendimentos de actividade profissional, atribuídas no âmbito do subsistema previdencial, são financiadas por quotizações dos trabalhadores e por contribuições das entidades empregadoras (artigo 90º, n.º 2).
O princípio da contributividade está consignado no artigo 54º da Lei de Bases da Segurança Social, disposição que se insere no capítulo referente ao sistema previdencial (Capítulo III), e encontra-se enunciado nos seguintes termos: «[o] sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações».
O mesmo princípio estava consagrado, em idênticos termos, na precedente Lei de Bases (art. 30.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro), e constava ainda da anterior Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, através da seguinte formulação: «[o] subsistema previdencial tem por base a obrigação legal de contribuir».
A referência legal a uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações parece pressupor um princípio contratualista de correspectividade entre os direitos e obrigações que integram a relação jurídica de segurança social. Mas diversos outros indicadores apontam no sentido de que o legislador pretendeu apenas referir-se à necessária interdependência entre o direito às prestações e a obrigação de contribuir, o que não significa que exista uma directa correlação entre a contribuição paga e o valor da pensão a atribuir (cfr. ILÍDIO DAS NEVES, Direito da Segurança Social. Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva, Coimbra, 1996, págs. 303 e segs.).
Em primeiro lugar, o âmbito material do sistema previdencial não se circunscreve às pensões de invalidez e velhice, mas abrange diversas outras eventualidades que determinam perda de rendimentos de trabalho, como a doença, maternidade, paternidade e adopção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais, ou a morte, não estando excluído, sequer, que a protecção social que assim se pretende garantir seja alargada, no futuro, em função da necessidade de dar cobertura a novos riscos sociais (artigo 52º da Lei n.º 4/2007).
E, pela natureza das coisas, não há, em relação a cada situação e categoria de beneficiários, uma plena correspondência pecuniária entre os valores comparticipados ao longo da carreira contributiva e os benefícios obtidos em consequência da verificação das eventualidades que se encontram cobertas pelo sistema previdencial.
Por outro lado, a obrigação de contribuir não impende apenas sobre os beneficiários, mas também, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, sobre as respectivas entidades empregadoras (obrigação que para estas se constitui com o início do exercício da actividade profissional dos trabalhadores ao seu serviço - artigo 56º, n.ºs 1 e 2), sendo o respectivo montante determinado por aplicação de taxa legalmente prevista às remunerações que constituam a base de incidência contributiva (artigo 57º, n.º 1).
Além disso, a lei pode prever limites contributivos, quer através da aplicação de limites superiores aos valores das remunerações que servem de base de incidência, quer por via da redução da taxa contributiva, isto é, do valor em percentagem que deve incidir sobre a base salarial para a determinação do quantitativo exacto da contribuição ou quotização (artigo 58º).
Acresce que a falta do pagamento de contribuições relativas a períodos de exercício de actividade dos trabalhadores por conta de outrem, que lhes não seja imputável, não prejudica o direito às prestações (artigo 61º, n.º 4), e na determinação dos montantes das prestações podem ser tidos em consideração, para além do valor das remunerações registadas, que constitui a base de cálculo, outros elementos adicionais, como a duração da carreira contributiva e a idade do beneficiário (artigo 62º, n.ºs 1 e 2).
A lei garante ainda a atribuição de uma pensão mínima quando a prestação resultante da aplicação das normais regras de cálculo se mostre inferior ao valor legalmente previsto (artigo 62º, n.º 3) e, no sentido inverso, introduziu um factor de sustentabilidade no cálculo do montante da pensão, que permite uma regressão do seu valor em função da alteração da esperança média de vida (artigo 64º).
O Decreto-Lei n.º 187/2007 veio concretizar alguns destes princípios gerais, definindo o regime de atribuição do valor mínimo de pensão (artigo 44º), fixando em 40 anos o limite máximo de duração da carreira contributiva relevante para a formação da pensão, e que será considerado ainda que esta tenha excedido de facto esse período temporal (artigos 28º, n.º 2, e 29º, n.º 2), e estabelecendo a fórmula pela qual o factor de sustentabilidade interfere no cálculo do montante da pensão (artigos 26º, n.º 2, e 35º). Mas estipulou também critérios diferenciados de cálculo das pensões que permitem o favorecimento das carreiras mais longas, através da progressão da taxa de formação da pensão (artigos 29º, n.º 1, 30º, 31º e 32º, n.ºs 1 e 2), e, bem assim, o favorecimento dos titulares de menores rendimentos por via da regressão da taxa de formação na proporção inversa do nível de grandeza da remuneração de referência (artigos 31º, n.º 1, e 32º, n.º 2, alíneas a) a e)).
Todos os referidos aspectos do regime legal conduzem a concluir que o cálculo do montante da pensão não corresponde à aplicação de um princípio de correspectividade que pudesse resultar da capitalização individual das contribuições, mas radica antes num critério de repartição que assenta num princípio de solidariedade, princípio este que aponta para a responsabilidade colectiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e se concretiza, num dos seus vectores, pela transferência de recursos entre cidadãos – cfr. artigo 8º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), da Lei n.º 4/2007 (neste sentido, JOÃO LOUREIRO, ob. e loc. cit.).
O sinalagma a que se alude no artigo 54º da Lei de Bases não pretende significar, por conseguinte, a existência de um vínculo de correlatividade entre o montante da pensão e o valor das remunerações sobre que incidiram as contribuições; antes revela um nexo de dependência recíproca que se estabelece entre duas obrigações: a obrigação contributiva, que recai sobre os beneficiários e entidades empregadoras, e a obrigação prestacional, que incumbe ao Estado, através das instituições de segurança social (quanto a estes conceitos, ILÍDIO DAS NEVES, ob. cit., págs. 354-357 e 440-441).
Nestes termos, o princípio da contributividade, tal como se encontra formulado no artigo 54º da Lei n.º 4/2007, pretende caracterizar essencialmente a ideia de autofinanciamento do sistema previdencial, distinguindo essa modalidade de protecção social, daquelas outras que assentam em regimes não contributivos.
E o que é da maior importância notar é que, por força do novo critério do cálculo das pensões, baseado nos rendimentos de trabalho de toda a carreira contributiva, o princípio da contributividade passa igualmente a pressupor que a relação sinalagmática, com o já assinalado sentido compreensivo, se estabelece entre o direito à atribuição de uma pensão e a obrigação de contribuir durante toda a actividade profissional de acordo com as remunerações reais que tiverem sido auferidas.
Por isso que a alteração legislativa apareça justificada por considerações de justiça social e de equidade contributiva (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 35/2002).
Em todo este contexto, bem se compreende que o legislador não tenha previsto a devolução das contribuições que, em resultado do disposto no artigo 101º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007, não devam ser consideradas por efeito do estabelecimento do limite superior da pensão.
Na verdade, essa disposição integra o regime transitório aplicável aos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (antes do início de vigência das novas regras de cálculo) e cuja pensão de reforma é calculada através da fórmula proporcional prevista nos artigos 33º e 34º, em que releva uma parcela que é ainda apurada segundo o critério do Decreto-lei n.º 329/93, para a qual apenas interessa considerar os 10 melhores dos últimos 15 da carreira contributiva.
E é sobre essa parcela que recai o referido limite, que é fixado em 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais.
Esse regime é, ainda assim, mais favorável do que aquele que resulta da aplicação das regras gerais do artigo 32º, em que se tem em linha de conta, para efeito do cálculo do montante da pensão, as contribuições de toda a carreira contributiva.
Visando o legislador, como se deixou esclarecido, acelerar a transição para a nova fórmula de cálculo, a desconsideração de parte das contribuições efectuadas sobre as remunerações mais elevadas de um determinado período da actividade profissional, por efeito da imposição de um valor máximo ao montante da pensão, constitui uma (outra) medida legislativa de concretização do princípio da contributividade tal como é hoje entendido. No ponto em que, em relação a esse universo de beneficiários, atenua a disparidade do sistema, por via da introdução de um factor correctivo, e possibilita uma aproximação ao regime geral.
Não estando aqui em causa uma qualquer violação dos princípios da protecção da confiança, da proporcionalidade ou da igualdade, como se constatou, a norma em apreço não contraria também o princípio da contributividade, e antes constitui um expediente jurídico destinado a realizar, de um modo mais eficiente, em relação àquele conjunto de beneficiários, a aplicação desse princípio.
III - Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade nem a ilegalidade das normas resultantes do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, quando conjugadas com as dos artigos 33.º e 34.º do mesmo diploma.”
Aderindo a todos os fundamentos do referido acórdão, não se envereda por julgar inconstitucional a norma do artigo 101º nº 1 do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10.05, pelo que não merece provimento o presente recurso com este fundamento.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a acção por violação o n° 5 do artigo 4° do Decreto-Lei n° 361/98).
B) Julgam a acção procedente e anulam o acto impugnado pela verificação deste vício.
C) Mantém a decisão recorrida na parte em que julgou não verificado outro vício no acto impugnado.
Custas em parte iguais por Recorrente e Recorrido
Porto, 12.04.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre