Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00805/13.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/18/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:TEMPUS REGIT ACTUM ; LICENCIAMENTO DE OBRAS EM SOLO AGRÍCOLA (RAN); APROVEITAMENTO DE ATO NULO
Sumário:I-De acordo o princípio tempus regit actum, os atos administrativos regem-se pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportam e das circunstâncias que precederam a respetiva adoção.

II-Estando em causa pedido de informação prévia e de licenciamento de obras de construção relativos a uma moradia e anexo, em solo pertencente à RAN, na medida em que se trata de “utilização não agrícola” desse solo, a sua aprovação, sem prévio parecer favorável da RAN, tem como consequência a nulidade de tais resoluções administrativas, nos termos do disposto no art.º 52º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15/10, e do disposto no art. 34º, Decreto-Lei nº 196/89, de 14/06.

III-Aos atos nulos não pode aplicar-se o princípio do aproveitamento dos atos administrativos.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:Ministério Público
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

1.1.O Ministério Público propôs presente ação administrativa especial contra o Município de (...), indicando como contrainteressados H. e mulher, B., residentes na Rua (…), pedindo que sejam declaradas nulas as deliberações da Câmara Municipal de (...) de 23/8/1995, de 8/7/1996, de 13/9/1996 e de 24/10/1997.
Alega, para tanto, em síntese, que a 1.ª deliberação deferiu um pedido de informação prévia relativamente à viabilidade da construção de uma moradia e anexo num prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), propriedade dos autores; a 2.ª deliberação deferiu o licenciamento da construção da moradia; a 3.ª deferiu o licenciamento da construção do anexo de apoio à moradia e a última deliberação deferiu o pedido de licenciamento de obras de alteração e ampliação do anexo.
Mais alega que ao contrario do que foi referido no projeto, informado no procedimento e considerado na prática dos atos impugnados, o preconizado local de implantação da construção, bem como todo o prédio, inseria-se, segundo as plantas de ordenamento e de condicionantes integrantes do PDM de (...), em “Espaço Agrícola” e em área pertencente à Reserva Agrícola Nacional (RAN), pelo que, não tendo sido colhido parecer prévio da RAN, são nulos, nos termos do disposto no art.º 52º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15/10, e do disposto no art.º 34º, Decreto-Lei nº 196/89, de 14/06 (v. ainda artº 134º, do CPA).
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1.2. Citado, o Réu contestou a ação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por impugnação invocou, em síntese, que tendo sido obtido um parecer favorável da RAN, deixou de haver sentido na impugnação, por ter cessado a violação da ordem jurídica;
Mais alega que, os atos impugnados não licenciaram qualquer obra em solo da RAN, pelo contrário, a planta de síntese e a planta de condicionamento apresentadas pelo requerente localizavam o prédio em espaço urbanizável e isso foi confirmado pelas informações técnicas, pelo que, se o CI depois construiu em local diferente, isso não abala a legalidade dos atos impugnados.
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1.3. Os Contrainteressados não contestaram a ação.
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1.4. Proferiu-se despacho saneador que jugou improcedentes as exceções (dilatórias) suscitadas pelo Réu, dispensou a realização de diligências instrutórias atenta a prova documental e a posição das partes permitirem decidir sobre o mérito, e ordenou a notificação das partes para apresentarem alegações finais escritas, nos termos do artigo 91.º, n.º 4 do CPTA aplicável, o que ambas fizeram.
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1.5. O Réu não juntou aos autos o PA.
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1.6. O TAF de Coimbra proferiu decisão que julgou a ação procedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
«Pelo exposto, julgando a acção totalmente procedente declaro nulos os actos impugnados.
Custas pelo Réu: artigo 536º do CPC.
Registe e Notifique.»
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1.7. Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida, apresentando as seguintes conclusões:
« A questão essencial nos presentes autos era a de se saber se o acto de licenciamento era nulo por o espaço para onde foi requerido o licenciamento e concedida a licença estar ou não inserido na área da RAN, sendo a versão de ambas as partes e os documentos por elas juntos completamente contraditórios, uma vez que o Ministério Público alegou que o espaço em causa estava na RAN e juntou informações técnicas nesse sentido e o Município alegou que o espaço para onde fora requerido o licenciamento era espaço urbanizável e juntou informações técnicas nesse sentido.
Ora,
O aresto em recurso enferma de claro erro de julgamento ao dar por provado o ponto 26 da matéria de facto, pois não só os documentos em que se baseou o Tribunal a quo para dar por provado tal facto têm exactamente o mesmo valor probatório dos documentos que comprovam o facto contrário – e que pelo mesmo aresto foram dados por provados nos pontos 4º, 7º, 10º, 17º da matéria provada –, como seguramente os documentos em que se alicerçou aquele Tribunal apenas comprovam, no máximo, que a construção foi edificada na área da RAN mas já não que o local onde a Câmara Municipal licenciou a construção se inseria em tal reserva.
Refira-se, aliás, que se com base em determinadas informações técnicas o Tribunal a quo deu por provado que o Município considerou que a área onde se pretendia licenciar a construção não estava integrada na RAN, naturalmente que com base em outros pareceres técnicos não poderia dar por provado exactamente o contrário, sendo inquestionável que um julgador prudente, respeitador do princípio da igualdade das partes e que pretenda realizar uma verdadeira justiça não poderia deixar de abrir um período de prova ou de promover oficiosamente essa mesma prova (v.g. uma inspecção ao local ou uma perícia) para ficar habilitado a tomar uma decisão consciente e decidir qual das versões das partes era a verdadeira.
Consequentemente
Deve este douto Tribunal alterar a resposta à matéria de facto dada por assente pelo Tribunal a quo, até por esta resposta se ter baseado exclusivamente nos documentos juntos aos autos e estes serem contraditórios, impondo-se a realização de novos meios de prova que permitam esclarecer em termos minimamente seguros se o terreno para onde foi requerido o licenciamento se inseria efectivamente na RAN (v. neste sentido, o art.º 662º do CPC).
Acresce que,
Ao dar por provada a matéria de facto constante do ponto 26 da matéria de facto assente sem atender aos factos alegados pelo Município na contestação – v. artºs 15º a 19º – e sem abrir um período de prova destinado a permitir a prova de tais factos ou, ao menos, a promover oficiosamente os meios probatórios indispensáveis ao esclarecimento da questão controvertida essencial à boa decisão da causa – saber se o local para onde foi requerido o licenciamento se integrava ou não na RAN, matéria sobre a qual os factos alegados e os documentos apresentados pelas partes eram absolutamente contraditórios –, o aresto em recurso violou frontalmente o direito à tutela judicial efectiva e o princípio da igualdade das partes (v. artº 268º da CRP e artº 6º do CPTA), dos quais resulta seguramente a impossibilidade de, antes da realização da prova, o Tribunal só atender aos factos e à documentação junta por uma das partes e nem querer saber dos factos alegados e da documentação junta pela outra parte.
Por outro lado,
O aresto em recurso enferma de um claro erro de julgamento, pois não só declarou nulo um acto por não ter sido precedido do parecer da RAN quando in casu não havia lugar a tal parecer, mas também por se estar a declarar uma nulidade com fundamento no incumprimento de uma formalidade que na data em que a nulidade foi declarada já havia sido cumprida, pelo que mesmo que por hipótese houvesse causa invalidante já a mesma desaparecera supervenientemente do ordenamento jurídico, daí resultando que a nulidade declarada pelo Tribunal a quo viola os princípios da proporcionalidade e do aproveitamento dos actos administrativos, até por se dever ter presente que “... qualquer violação da lei não funciona em abstracto, isto é, só releva quando da sua concreta verificação derivem efeitos lesivos decorrentes da não salvaguarda dos fins a tutelar (v., entre outros, Ac.º do STA de 07/12/94, AD 409/16, e Acº do TCA Sul de 20/09/07, Proc. nº 11507/02).
Na verdade,
Se o Tribunal a quo tivesse permitido a realização de prova ou ao menos promovido a prova essencial à apreciação da matéria de facto controvertida, facilmente teria podido constatar que o local que foi assinalado pelo requerente nas plantas com que instruiu o seu pedido de licenciamento não estava integrado na RAN e antes em espaço urbanizável, pelo que não havia lugar à emissão de qualquer parecer pela RAN e, portanto, os actos impugnados não enfermavam de qualquer nulidade.
Para além disso,
Tendo antes da decisão do Tribunal a RAN emitido parecer favorável à legalização do edificado, há um desaparecimento superveniente da causa de ilegalidade, não sendo necessário, adequado nem estritamente proporcional que se declare nulo um acto quando a causa invalidante do mesmo deixou de subsistir no ordenamento jurídico, da mesma forma que essa mesma declaração de nulidade é totalmente contrária ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos.»
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1.8. O Ministério Público contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
«1. A sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento de facto ou de direito, nem viola qualquer dos princípios e/ou preceitos legais invocados pelo recorrente.
2. A questão essencial dos presentes autos era a de saber se todo o prédio rústico, identificado nos autos, que era objeto das pretensões urbanísticas que foram aprovadas e licenciadas se situava, segundo as plantas de ordenamento e de condicionantes que integravam o PDM de (...), em Espaço Agrícola, em área integralmente pertencente à Reserva Agrícola Nacional (RAN) e, consequentemente, se os atos impugnados eram nulos por falta de prévio parecer favorável da entidade competente em matéria de RAN;
3. A resposta afirmativa a essa questão resulta cabalmente demonstrada da prova documental juntos aos autos com a petição inicial;
4. Incluindo dos documentos nºs 5 6 e 7, dos quais resulta que o próprio R. Município de (...) veio ulteriormente a assinalar a correta, e real, localização desse prédio/terreno nas respetivas plantas de ordenamento e de condicionantes do PDM de (...) em Espaço Agrícola e área de RAN;
5. O ponto 26º da matéria de facto dada como provada mostra-se em plena consonância com a prova documental existente nos autos, designadamente, com os documentos que nele foram especificamente referenciados (docs. nºs 1, 2, 5, 6 e 7 juntos com a petição inicial);
6. Não ocorre qualquer contradição entre esse ponto da matéria de facto dada como provada e os demais dados como provados pelo Tribunal a quo, designadamente, os factos constantes dos pontos 4º, 7º, 10º e 17;
7. Aquele reporta-se à real localização do terreno que foi objeto das pretensões urbanísticas e os outros são referentes aos pareceres técnicos emitidos nos respetivos processos administrativos, que tiveram por base e aceitaram, sem mais, a localização das pretensões que – erradamente – fora assinalada pelo requerente nas plantas que apresentou para instruir os respetivos pedidos;
8. Ao contrário do sustentado, o recorrente não apresentou qualquer versão e/ou documentos e/ou pareceres técnicos que contrariassem, de forma relevante, a factualidade aduzida na petição inicial e sustentada nos documentos que com ela foram juntos;
9. Na verdade, ao apresentar a sua contestação, nunca alegou sequer que o prédio rústico/terreno objeto das pretensões urbanísticas se situasse, realmente, em espaço urbanizável;
10. Mas apenas, e tão-só, que, como também se alegara na petição inicial e resulta documentalmente demonstrado, o terreno foi assinalado nas plantas apresentadas pelo requerente como estando localizado em espaço urbanizável;
11. E, à exceção do ulterior parecer da ERRANC, não juntou sequer os respetivos processos administrativos, nem quaisquer outros documentos e/ou pareceres técnicos, nem requereu a produção de qualquer outro meio de prova;
12. Por outro lado, não está manifestamente em causa na presente ação a hipotética situação em que o requerente tivesse posteriormente edificado em terreno diferente do que foi objeto de licenciamento;
13. Já que resulta documentalmente demonstrado que o prédio rústico que foi objeto das pretensões urbanísticas e no qual o requerente veio a efetivar as edificações licenciadas é o mesmo (e, obviamente, pela sua própria natureza, não poderia mudar de localização);
14. De resto, a prova documental existente permite concluir, como na sentença recorrida, e sem necessidade de produção de qualquer outra prova, que todo o prédio rústico/terreno objeto das pretensões urbanísticas se situava, na realidade, e ao contrário do que fora assinalado e considerado nos respetivos processos camarários, em área que, nas plantas de ordenamento e de condicionantes integrantes do PDM de (...), se inseria em Espaço Agrícola e em RAN;
15. E, portanto, que a entidade administrativa demandada, induzida pela errada localização que fora assinalada nas plantas apresentadas pelo requerente e pelas subsequentes, e também erradas, informações técnicas, atuou em erro sobre os pressupostos de facto e, consequentemente, de direito;
16. E que, assim, os atos administrativos impugnados na presente ação foram praticados em violação do disposto no art. 20º, alínea a), do RPDM de (...), ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 107/94, publicada no DR I-B, de 28/10/94, e do disposto no art. 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 196/89, de 14/06, então vigentes;
17. Já que aprovaram e licenciaram a construção da moradia e anexo em causa e ampliação deste, integralmente localizados em solo de RAN, sem prévia consulta e obtenção do necessário parecer favorável da entidade competente em matéria de RAN;
18. E, por isso, são nulos, e de nenhum efeito, nos termos do disposto no art. 52º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15/10, e do disposto no art. 34º, Decreto-Lei nº 196/89, de 14/06 (v. ainda art. 134º, do CPA, na anterior redação, aqui aplicável);
19. Pelo que, a sentença recorrida, ao declarar essa nulidade, mais não fez do que aplicar corretamente a lei aos factos;
20. Sem que, de resto, o ulterior parecer favorável da ERRANC — que, aliás, também considera expressamente que o “prédio descrito integra-se na carta da RAN do PDM do concelho de (...)” – pudesse ter a virtualidade de implicar, para além e independentemente da questão da sua própria validade (também já impugnada na referida Ação Administrativa Especial), o “desaparecimento superveniente da causa de ilegalidade” e de tornar desproporcional a respetiva declaração de nulidade;
21. E sem que a esta declaração de nulidade pudesse obstar o princípio do aproveitamento dos atos administrativos;
22. Atento o princípio do tempus regit actum, o regime da nulidade aplicável ao caso em apreço (artº. 134º, do CPA, na anterior redação, aqui aplicável) e a impossibilidade legal de a nulidade ser sanável ou suprível;
23. Pelo que, e como foi notado na sentença recorrida, apenas um novo e legal ato de licenciamento, assente em novos pressupostos poderá vir a legalizar a situação dos autos.»
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1.9. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem resumem-se a saber se a decisão recorrida enferma:
(a) de erro de julgamento sobre a matéria de facto ao dar como provado o ponto 26 dos factos assentes;
(b) de erro de julgamento sobre a matéria de direito por violação do direito à tutela judicial efetiva e do princípio da igualdade das partes (v. artº 268º da CRP e artº 6º do CPTA) e, por violação dos princípios da proporcionalidade e do aproveitamento dos atos administrativos.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância deu como provados os seguintes factos:
«1º
Em 01 de Agosto de 1995 o indigitado C.I. H. apresentou à Câmara Municipal de (...) um pedido de informação prévia (PIP) – a que veio a caber o processo nº 170/95 – sobre a viabilidade da construção de “uma moradia c/ anexos” no prédio rústico sito no lugar de (…), freguesia de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 2713/911018 e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 4779, com a área de 1190m2 e as seguintes confrontações: Norte H.; nascente com A.; Sul com J.; Poente com Estrada (docs. nºs 1 e 2 juntos com a P.I).

Para instrução desse pedido juntou memória descritiva e justificativa da pretensão, plantas de localização e de implantação da operação urbanística, extractos das Plantas de Ordenamento e de Condicionantes de PDM de (...), com identificação do local da operação urbanística, fotografias do local e plantas e alçados do objecto da pretensão (Idem, maxime pag. 36 a 38 do doc. 1).

Segundo a memória descritiva e justificativa apresentada, a pretensão consistia na construção de uma moradia e anexo “no local assinalado na planta de localização”, tendo a primeira uma área de implantação de 195,12 m2 e uma área de construção de 359,16 m2 e o segundo uma área de implantação e uma área de construção de 96 m2 (Idem, maxime páginas 33, 36 e 37 do doc. 1).

Em 09/08/95, a pretensão foi objecto de parecer técnico favorável por, segundo a apreciação aí efectuada, o seu objecto se encontrar “dentro da área de intervenção do PROZAG, não sendo afectado pelas áreas pertencentes à RAN e à REN” e o terreno se encontrar “dentro do limite do perímetro urbano e (...) localizado em área designada por Espaços Urbanizáveis, conforme a Planta de Ordenamento e de Síntese do PDM”.

Tendo subjacente esse parecer, o pedido de informação prévia foi aprovado por deliberação da Câmara Municipal de (...) de 23 de Agosto de 1995 (docs. nºs 1 e 2).

Posteriormente, em 04 de Janeiro de 1996, o C.I. veio a apresentar, autonomamente, pedido de licenciamento para a construção da moradia e pedido de licenciamento para a construção do anexo de apoio à moradia, objecto do sobredito PIP, dando origem, respectivamente, aos processos nº 08/96 e 07/96 (docs. nºs 1, 3 e 4).

Em 17/01/96, no âmbito do processo nº 8/96, foi efectuada a apreciação técnica do pedido de licenciamento de construção da moradia, que foi favorável, mantendo-se o parecer emitido em sede de informação prévia (doc. nºs 1 e 3).

Na sua reunião de 27/02/96 a Câmara Municipal de (...) deliberou a aprovação do projecto de arquitectura (docs. nºs 1 e 3).

Porém, em 20/05/96, em decorrência da tramitação do processo nº 07/96 (que infra se referirá) e em simultâneo com a apresentação de um projecto de alterações aí efectuada, o técnico responsável pela execução do projecto de construção da moradia solicitou a reapreciação do processo com o objectivo de “alterar a implantação da moradia”, conforme planta de implantação que anexou, “devendo-se ao facto de a sua implantação estar condicionada, quanto à implantação do anexo, estando inicialmente situado em área designada por Espaços Agrícolas, implantando-se neste momento em área designada por Espaços Urbanizáveis (...)”– docs. nºs 1 e 3.
10º
Em 05/06/1996 tal proposta obteve a concordância dos serviços técnicos da Câmara Municipal de (...), considerando estes que a implantação da obra estava compreendida no perímetro urbano delimitado pelo PDM (docs. nºs 1 e 3).
11º
Depois de, em 04/06/96, terem sido apresentados os respectivos projectos de especialidades, que foram objecto de parecer favorável pelos serviços técnicos, a Câmara Municipal de (...) deferiu o licenciamento da construção da moradia, por deliberação de 08 de Julho de 1996 (docs. nºs 1 e 3).
12º
Subsequentemente, em execução de despachos proferidos em 18/03/97 e em 17/03/98, foram emitidos, respectivamente, o alvará de licença de construção nº 88/97, datado de 18/03/97, e o alvará nº 97/98, datado de 23/03/98, a prorrogar o prazo do anterior.
13º
Posteriormente, por despacho de 21/09/1999, foi autorizada a utilização do edifício, titulada através do alvará de licença de utilização nº 125/99 (docs. nºs 1 e 3).
14º
Por sua vez, no âmbito do processo nº 07/96 (iniciado com o requerimento apresentado pelo contra-interessado tendo em vista o licenciamento da construção do anexo de apoio à moradia, que igualmente fora objecto de aprovação em sede do sobredito PIP), o respectivo projecto foi sujeito a apreciação técnica, datada de 14/02/96 (docs. nºs 1 e 4).
15º
Nessa apreciação técnica, em divergência com o que fora anteriormente entendido no aludido PIP, foi considerado que “o local assinalado está dentro da área de intervenção do PROZAG, sendo ainda parte do terreno afectado pelas áreas pertencentes à RAN” e que, segundo o PDM, “o terreno está inserido em parte dentro nos limites do perímetro urbano, em área designada por Espaços Urbanizáveis, estando a restante área inserida em Espaços Agrícolas”, concluindo que “pelo descrito o processo não cumpre com o artº 20 do Regulamento do PDM, podendo contudo ser rectificado de modo a alterar-se a implantação da construção pretendida em que fique em área designada por Espaços Urbanizáveis” (docs. nºs 1 e 4).
16º
Em 20/05/96, depois de ter sido notificado para reformular o processo de acordo com aquele parecer técnico, o ora contra-interessado apresentou a alteração ao projecto, com uma nova implantação da construção do anexo, nos termos das plantas de localização e implantação que anexou (docs. nºs 1 e 4).
17º
O projecto assim alterado veio a ser objecto de apreciação pelos serviços técnicos da Câmara Municipal, em 05/06/96, merecendo a sua concordância por considerarem que, segundo o PDM, a pretensão se inseria dentro do perímetro urbano, em Espaço Urbanizável (docs. nºs 1 e 4).
18º
Por deliberação da Câmara Municipal de 18/06/96, foi aprovado o projecto de arquitectura do anexo (docs. nºs 1 e 4).
19º
Subsequentemente, em 26/07/96, foram apresentados os projectos de especialidades, que foram objecto de parecer favorável dos serviços técnicos.
20º
Por deliberação de 13 de Setembro de 1996, a Câmara Municipal de (...) deferiu o respectivo pedido de licenciamento de construção do anexo de apoio à moradia (docs. nºs 1 e 4).
21º
Sequencialmente, em decorrência do despacho de 26/03/97, que deferiu a sua emissão, e com aquela mesma data, foi emitido o respectivo alvará de licença de construção nº 93/97 (docs. nºs 1 e 4).
22º
Posteriormente, em 19 de Agosto de 1997, o ora contra-interessado apresentou, no mesmo proc. 07/96, um novo pedido de licenciamento tendo em vista a alteração e a ampliação do referido anexo, nos termos do projecto de alteração e ampliação e das plantas de localização e implantação que juntou (docs. nºs 1 e 4).
23º
Depois da emissão de parecer favorável pelos serviços técnicos, o respectivo projecto de arquitectura foi aprovado por deliberação da Câmara Municipal de 12/09/97 (docs. nºs 1 e 4).
24º
Apresentados os respectivos projectos de especialidades, em 08/10/97, e obtidos os pareceres favoráveis, a Câmara Municipal de (...), por deliberação de 24 de Outubro de 1997, aprovou-os, assim deferindo o pedido de licenciamento de alteração e ampliação do referido anexo (docs. nºs 1 e 4).
25º
Subsequentemente foi emitido o correspondente alvará de licença nº 86/98, datado de 23/03/98; a que se seguiu, na sequência de despacho de 21/09/99, a emissão do alvará de licença de utilização nº 124/99, relativo ao referido anexo de apoio à moradia, destinado a garagem, cozinha e arrumos (docs. nºs 1 e 4).
26º
Sucede, porém, que não só o local de implantação licenciado como até todo o sobredito terreno para o qual fora projectada e foi licenciada a construção da moradia e do anexo inseria-se em área que, nas plantas de ordenamento e de condicionantes do PDM de (...) ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 107/94, publicada no DR I-B, de 28/10/94, estava delimitada como “Espaço Agrícola” e como área pertencente à Reserva Agrícola Nacional – RAN (Docs 1, 2, 5, 6 e 7 da PI).
27º
Em 18 de Setembro de 2013 reuniu a Entidade Regional do Centro da Reserva Agrícola Nacional para analisar o pedido de parecer formulado no processo nº 288/ER-RAN.C/2013 em que era Requerente o aqui C.I. Henrique, tendo deliberado nos seguintes termos:
“2.2. Processo nº 288JER-RAN.CJ2013, de H. (concelho de (...)); DLB n.º 528J2013. Referente a um prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de (...), inscrito na matriz predial sob o artigo número U-2758, com a área total de 2470 metros quadrados, da qual pretende utilizar 980 metros Quadrados e cuja finalidade é a construção/legalização de habitação, anexo, muros e pavimento.
O prédio descrito integra-se na carta da RAN do PDM do concelho de (...).
Após reapreciação do processo a Entidade Regional deliberou, por unanimidade, o seguinte:
1.Emitir parecer FAVORÁVEL à legalização do edificado atento a que as autorizações/licenças de utilização emitidas (em 1996 e 1999) foram anteriores à publicação do PDM (ano de 2000).
2.Dar conhecimento da presente deliberação ao requerente, à Câmara Municipal de (...), à DRAPC e à CCDRC. (Doc. 1 da contestação).»
*
3.2. Por se revelarem essenciais à boa decisão da causa, determina-se oficiosamente, nos termos do art.º 640.º, n.º1 do CPC, o aditamento aos factos assentes, da seguinte matéria:
«28º Na sequência das diligências efetuadas relativamente ao processo de denúncia n.º RD/00415/12, referente à construção da moradia e anexos que os contrainteressados edificaram no prédio identificado em 1, foi elaborada pela inspetora Luísa Pinheiro, da IGAMAOT, em 07.01.2013, a informação n.º I/24/13/SE, junta com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, designadamente, o seguinte:
«1. Enquadramento
Tendo presente as conclusões alcançadas na análise da presente denúncia, que evidenciam o fundamento da mesma, face ao enquadramento das operações urbanísticas nos IGT e em área afeta ao regime da Reserva Ecológica Nacional (RAN), foram efetuadas as seguintes diligências:
1.1. Averiguar, com fundamente na al. g) do art.º n.º2 do Decreto-Lei n.º 23/2012, de 1 de fevereiro, da nulidade dos atos administrativos praticados pela C.M._, em sede de licenciamento das operações urbanísticas visadas no presente processo de reclamação. A referida diligência foi efetuada a coberto do N/ofício S/16530/12/SE de 17.10.2012, no qual s solicitaram os seguintes elementos:
“1.Extractos das Plantas de Ordenamento e de Condicionantes do PDM, que instruíram os pedidos de licenciamento acima identificados, com indicação precisa dos locais das obras.
2.Plantas de implantação de implantação que instruíram os pedidos de licenciamento.
(…)
6. Verificação, em sede de fiscalização/vistoria a desenvolver por esses Serviços, da conformidade das operações urbanísticas com as condições do licenciamento, remetendo, para o efeito, o enquadramento espacial das construções com a Planta de Condicionantes do PDM de (...), à escala 1:5000”
(…)
2. Apuramento dos resultados das diligências instrutórias
(…)
2.1.A Câmara Municipal de (...), através do ofício com a entrada E/19254/12/SE, de 08.11.12 remete fotocópia dos elementos solicitados, relativos aos processos camarários (…).
No que se refere ao solicitado no ponto 6 do ponto 1.1. da presente informação, a C.M._ junta as respetivas plantas de enquadramento das construções existentes com o PDM e planta de condicionantes.
Mais informa que não foi consultada a entidade regional da RAN do Centro ( ERRAN-C), no âmbito dos processos anteriormente identificados.
(…)
Dos Factos
(…)
Na sequência do pedido de vistoria/ fiscalização suscitado por esta Inspeção-Geral junto da C.M._, para efeitos da verificação da conformidade das operações urbanísticas executadas com os respetivos projetos licenciados, esta entidade procede ao levantamento de auto de notícia por contraordenação n.º 35/2012, em 31.10.12, pela construção de um anexo a tardoz da moradia e de um muro confinante com a via pública, sem o respetivo alvará de licenciamento.
Junta ainda, as respetivas plantas de enquadramento das construções existentes com o PDM e planta de condicionantes à escala 1/5000, nas quais se verifica que as mesmas se localizam integralmente em classe de Espaço Agrícola e em RAN ( dic, de fls. 7)
(…)».
29º Através do ofício n.º 1974/SCA/SP/2013, de 16.05.2013, o Subinspetor-Geral N. remeteu ao Procurador da República junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, nos termos e para os efeitos do n.º1 do art.º 69.º do Decreto-lei n.º 555/99, de 16.12, a informação interna n.º I/690/13/SE, de 29.04.2013, para efeitos de promoção da impugnação contenciosa dos factos geradores das nulidades ali suscitadas- cfr. documento junto com a p.i.
30º. Da informação referida no ponto que antecede, junta com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida, consta, designadamente, o seguinte:
«(….)
(24). Diga-se ainda, porque não de somenos importância para a ponderação de eventuais responsabilidades, que apesar das diferentes escalas de representação do local da implantação das operações urbanísticas e das incorreções de posicionamento entre as peças cartográficas, aquelas parecem ter sido executadas no local perspetivado à escala de maior detalhe que instruiu todos os processos de obras apreciados e subsequentemente deferidos pelo Município, conforme evidenciam as plantas de localização remetidas por esta última ( a primeira respeitante à localização que sustentou o licenciamento da moradia e anexo em sede de pedido de informação prévia- doc. de fls. 37- , a segunda concernente à implantação daquelas construções no terreno- doc. De fls. 68-).
(25). Esta aferição deve ser compaginada com a implantação das construções empreendida pela autarquia, a pedido desta Inspeção-Geral, nos extratos das Plantas de Ordenamento e de Condicionantes do PDM de (...) ( doc. De fls. 69-70), sendo que nesta última é percetível a interferência daquelas edificações com a RAN ( mancha mais escura), cuja identificação, na senda da determinação imposta pelo art.º 33.º do anterior RJRAN (Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de junho), foi materializada neste PDM, aprovado pela RCM n.º 107/94, de 28 de outubro.
CONCLUSÃO
(26) As operações urbanísticas aqui descritas, concernentes ao licenciamento, pela Câmara Municipal de (...), de uma moradia e um anexo, ocorreram em solos integrados na RAN….cuja delimitação alcança expressão territorial na Planta de Condicionantes do PDM de (...), aprovado pela RCM n.º 107/94, de 28 de outubro.
(…)».
31º. Em 27/04/15, o Ministério Público instaurou Ação Administrativa Especial, distribuída com o nº 420/15.6BECBR, para declaração de nulidade de vários atos administrativos, incluindo da deliberação da ERRANC de 18/09/2013 que foi referenciada no artigo 10º da contestação apresentada nos autos pelo Município de (...) (requerimento de fls. 285 SITAF)».
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III.B.DE DIREITO
b.1. Do erro se julgamento sobre a matéria de facto.
3.2. O apelante começa por assacar à decisão recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto, ao dar como provado no ponto 26 dos factos assentes, a seguinte facticidade: « Sucede, porém, que não só o local de implantação licenciado como até todo o sobredito terreno para o qual fora projetada e foi licenciada a construção da moradia e do anexo inseria-se em área que, nas plantas de ordenamento e de condicionantes do PDM de (...) ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 107/94, publicada no DR I-B, de 28/10/94, estava delimitada como “Espaço Agrícola” e como área pertencente à Reserva Agrícola Nacional – RAN (Docs 1, 2, 5, 6 e 7 da PI)».
Para tanto, sustenta, não só que os documentos em que o Tribunal a quo se baseou para dar por provado tal facto têm exatamente o mesmo valor probatório dos documentos que comprovam o facto contrário, e que foram dados como por provados nos pontos 4º, 7º, 10º, 17º da matéria provada, como seguramente os documentos considerados para a prova da matéria do ponto 26.º apenas comprovam, no máximo, que a construção foi edificada na área da RAN mas já não que o local onde a Câmara Municipal licenciou a construção se inseria em tal reserva. Adianta, em reforço da sua tese, que se com base em determinadas informações técnicas o Tribunal a quo deu por provado que o Município considerou que a área onde se pretendia licenciar a construção não estava integrada na RAN, naturalmente que com base em outros pareceres técnicos não poderia dar por provado exatamente o contrário, sendo inquestionável que um julgador prudente, respeitador do princípio da igualdade das partes e que pretenda realizar uma verdadeira justiça não poderia deixar de abrir um período de prova ou de promover oficiosamente essa mesma prova (v.g. uma inspecção ao local ou uma perícia) para ficar habilitado a tomar uma decisão consciente e decidir qual das versões das partes era a verdadeira.
Em função do exposto, o Apelante pretende que este Tribunal ad quem altere a resposta à matéria de facto dada por assente pelo Tribunal a quo, até por esta resposta se ter baseado exclusivamente nos documentos juntos aos autos e estes serem contraditórios, impondo-se a realização de novos meios de prova que permitam esclarecer em termos minimamente seguros se o terreno para onde foi requerido o licenciamento se inseria efetivamente na RAN (v. neste sentido, o art.º 662º do CPC).
Mas sem razão. Vejamos.
O Tribunal a quo, nos pontos 2º, 4º, 7º, 10.º e 17.º deu como provada a seguinte matéria:
- ponto 2.º: “Para instrução desse pedido juntou memória descritiva e justificativa da pretensão, plantas de localização e de implantação da operação urbanística, extractos das Plantas de Ordenamento e de Condicionantes de PDM de (...), com identificação do local da operação urbanística, fotografias do local e plantas e alçados do objecto da pretensão (Idem, maxime pag. 36 a 38 do doc. 1).”;
- ponto 4º: “ Em 09/08/95, a pretensão foi objecto de parecer técnico favorável por, segundo a apreciação aí efectuada, o seu objecto se encontrar “dentro da área de intervenção do PROZAG, não sendo afectado pelas áreas pertencentes à RAN e à REN” e o terreno se encontrar “dentro do limite do perímetro urbano e (...) localizado em área designada por Espaços Urbanizáveis, conforme a Planta de Ordenamento e de Síntese do PDM”.
- ponto 7º: “Em 17/01/96, no âmbito do processo nº 8/96, foi efectuada a apreciação técnica do pedido de licenciamento de construção da moradia, que foi favorável, mantendo-se o parecer emitido em sede de informação prévia (doc. nºs 1 e 3).”
- ponto 10º: “Em 05/06/1996 tal proposta obteve a concordância dos serviços técnicos da Câmara Municipal de (...), considerando estes que a implantação da obra estava compreendida no perímetro urbano delimitado pelo PDM (docs. nºs 1 e 3).”
-ponto 17º: “O projecto assim alterado veio a ser objecto de apreciação pelos serviços técnicos da Câmara Municipal, em 05/06/96, merecendo a sua concordância por considerarem que, segundo o PDM, a pretensão se inseria dentro do perímetro urbano, em Espaço Urbanizável (docs. nºs 1 e 4).”
Pretende o Apelante resultar da matéria assente nestes pontos do probatório quando confrontada com a matéria dada por demonstrada no ponto 26.º, a existência de uma contradição que impõe a alteração em conformidade da matéria dada como assente neste último ponto.
Na tese do Apelante, o Tribunal a quo, nos pontos 2º, 4º, 7º, 10º e 17º também deu como provado que os pedidos de informação prévia e de licenciamento foram instruídos com plantas de localização e de implantação ( ponto 2º) e que os pareceres técnicos comprovavam que o terreno indicado em tais plantas não estava integrado, nem na REN, nem na RAN, antes estando integrado em espaço urbanizável ( pontos 4º, 7º, 10º e 17º). Pelo que, se com base em determinados pareceres técnicos o Tribunal a quo deu como provado que a área onde se pretendia licenciar a construção não estava integrada em RAN, naturalmente que com base em outros pareceres técnicos não poderia dar como provado exatamente o contrário.
A questão primordial a decidir no âmbito da ação que foi intentada pelo Ministério Publico em ordem a saber se as deliberações impugnadas eram nulas, passava por determinar se o terreno/prédio dos contrainteressados, que foi objeto dos referidos pedidos de informação prévia e de licenciamento de construção por parte do Município de (...), cuja nulidade foi peticionada por falta de parecer prévio favorável da entidade competente em matéria de RAN se situava, de acordo com as plantas de ordenamento e de condicionantes que integravam o Plano Diretor Municipal de Tábua ( PDM) em zona integrada na RAN, ou seja em espaço agrícola.
E quanto a essa questão, não cremos que existam quaisquer dúvidas sobre a inserção do terreno/prédio dos contrainteressados em zona integrada na RAN. Essa prova resulta, desde logo, da consideração da matéria inserta nos pontos 28.º,29.º e 30.º que se aditaram aos factos assentes, ou seja, dos documentos números 5, 6 e 7 juntos com a p.i, donde se extrai que o próprio município, quando tal lhe foi solicitado pela Inspeção-Geral cuidou ulteriormente de assinalar a correta localização do aludido terreno/prédio dos contrainteressados nas respetivas plantas de ordenamento e de condicionantes do PDM de (...), em espaço de RAN.
Da análise conscienciosa da prova documental junta aos autos, salvo o devido respeito, resulta claramente demonstrado que o prédio dos contrainteressados, objeto das pretensões urbanísticas cuja nulidade foi peticionada pelo Ministério Público, se insere em zona agrícola, ou seja, em área integrada na RAN. O que sucedeu é que, não obstante o aludido terreno estar integrado em área da RAN, os requerentes (ora contrainteressados), aquando das pretensões urbanísticas que formularam junto da CMT, assinalaram a sua localização em zona urbanizável, sendo a esta realidade que se refere a matéria inscrita nos pontos 2º, 4º, 7º, 10º e 17º do probatório, pelo que, daí não decorre qualquer contradição com a matéria de facto dada como provada no ponto 26º. A matéria dada como assente nos pontos 2º, 4º, 7º, 10º e 17º reporta-se à localização do terreno/prédio assinalada nas referidas plantas pelos requerentes dos pedidos de informação prévia e de licenciamento, ao passo que a matéria dada como provada no questionado ponto 26º se refere à real localização do terreno/prédio dos requerentes.
A nosso ver, a prova documental junta aos autos é inequívoca quanto à demonstração de que o terreno/prédio dos contrainteressados se inclui, todo ele, em zona que integra a RAN. A própria deliberação de 18 de setembro de 2013 da Entidade Regional do Centro da Reserva Agrícola Nacional emitida na sequência do pedido de parecer formulado no processo nº 288/ER-RAN.C/2013 pelo aqui C.I. H. (concelho de (...)), relativamente ao prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de (...), inscrito na matriz predial sob o artigo número U-2758, com a área total de 2470 metros quadrados, da qual pretende utilizar 980 metros Quadrados e cuja finalidade é a construção/legalização de habitação, anexo, muros e pavimento, diz que: “O prédio descrito integra-se na carta da RAN do PDM do concelho de (...)” ( ver ponto 27 dos factos assentes). Os elementos probatórios comprovam antes que o terreno aedificandi foi erradamente assinalado nas plantas apresentadas pelos requerentes como situando-se em espaço urbanizável quando na verdade, o dito terreno, se localiza em espaço da RAN. Isso mesmo resulta patentemente da deliberação da ERRANC, reafirma-se.
Termos em que improcede o invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto.
*
b.2. Da violação dos princípios da tutela judicial efetiva e da igualdade.
3.3. O Apelante sustenta que ao dar por provada a matéria de facto constante do ponto 26 da matéria de facto assente sem atender aos factos alegados pelo Município na contestação – v. artºs 15º a 19º – e sem abrir um período de prova destinado a permitir a prova de tais factos ou, ao menos, a promover oficiosamente os meios probatórios indispensáveis ao esclarecimento da questão controvertida essencial à boa decisão da causa – saber se o local para onde foi requerido o licenciamento se integrava ou não na RAN, matéria sobre a qual os factos alegados e os documentos apresentados pelas partes eram absolutamente contraditórios –, o aresto em recurso violou frontalmente o direito à tutela judicial efetiva e o princípio da igualdade das partes (v. artº 268º da CRP e artº 6º do CPTA), dos quais resulta seguramente a impossibilidade de, antes da realização da prova, o Tribunal só atender aos factos e à documentação junta por uma das partes e nem querer saber dos factos alegados e da documentação junta pela outra parte.
Mas sem razão, como resulta da improcedência do assacado erro de julgamento sobre a matéria de facto.
Tendo este TCAN julgado improcedente o erro de julgamento sobre a matéria de facto que o Apelante imputou à decisão sob sindicância, torna-se inútil apreciar este fundamento de recurso que tem a sua sustentação num pretenso erro de julgamento sobre a matéria de facto assacado ao Tribunal a quo. Ao julgar-se que a decisão recorrida decidiu de forma correta ao julgar provada a matéria inscrita no ponto 26º dos factos assentes e que inexiste qualquer contradição entre essa matéria e a dada como assente nos pontos 2º, 4º, 7º, 10º e 17º, deixa de ter qualquer utilidade a pronúncia sobre o assacado erro de julgamento de direito consistente na violação dos princípios da tutela judicial efetiva e da igualdade das partes que o Apelante funda na invocação do erro de julgamento sobre a matéria de facto que lhe imputa.
Termos em que improcede o invocado erro de julgamento.
*
b.3. Da violação dos princípios da proporcionalidade e do aproveitamento do ato administrativo.
O Apelante assaca ainda erro de julgamento à decisão recorrida alegando que a mesma não só declarou nulo um ato por não ter sido precedido do parecer da RAN quando in casu não havia lugar a tal parecer, mas também por se estar a declarar uma nulidade com fundamento no incumprimento de uma formalidade que na data em que a nulidade foi declarada já havia sido cumprida, pelo que, mesmo que por hipótese houvesse causa invalidante já a mesma desaparecera supervenientemente do ordenamento jurídico, daí resultando que a nulidade declarada pelo Tribunal a quo viola os princípios da proporcionalidade e do aproveitamento dos atos administrativos, até por se dever ter presente que “... qualquer violação da lei não funciona em abstrato, isto é, só releva quando da sua concreta verificação derivem efeitos lesivos decorrentes da não salvaguarda dos fins a tutelar (v., entre outros, Ac.º do STA de 07/12/94, AD 409/16, e Acº do TCA Sul de 20/09/07, Proc. nº 11507/02).
Argumenta que o local que foi assinalado pelo requerente nas plantas com que instruiu o seu pedido de licenciamento não estava integrado na RAN e antes em espaço urbanizável, pelo que não havia lugar à emissão de qualquer parecer pela RAN e, portanto, os atos impugnados não enfermavam de qualquer nulidade.
Por fim, reitera que tendo antes da decisão do Tribunal, a RAN emitido parecer favorável à legalização do edificado, há um desaparecimento superveniente da causa de ilegalidade, não sendo necessário, adequado nem estritamente proporcional que se declare nulo um ato quando a causa invalidante do mesmo deixou de subsistir no ordenamento jurídico, da mesma forma que essa mesma declaração de nulidade é totalmente contrária ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos.
Sem razão.
O Ministério Público instaurou a presente ação tendo em vista obter a declaração de nulidade das deliberações impugnadas, por via das quais a Câmara Municipal de (...) deferiu um pedido de informação prévia e licenciou aos contrainteressados a construção da moradia e anexo em causa nos autos e ampliação deste, em espaço integrado na RAN, sem colher o necessário parecer prévio favorável da autoridade competente em matéria de RAN, parecer esse a que, nos termos do respetivo RPDM e do RJRAN estava legalmente sujeita a aprovação e a licença dessas operações urbanísticas.
A decisão judicial sob sindicância considerou a ação procedente, declarando nulas as deliberações impugnadas, nos termos invocados pelo Ministério Público, por ter dado como provadas as razões em que o Ministério Público sustentou a nulidade das referidas deliberações. E a sentença assim proferida, antecipe-se que não merece censura, não se confirmando as críticas que o apelante lhe dirige.
Em primeiro lugar, refira-se não ter qualquer fundamento a alegação do apelante segundo a qual a decisão recorrida errou ao declarar nulo um ato por não ter sido precedido do parecer da RAN uma vez que na situação em causa não havia lugar a tal parecer. E isso porque resulta provado nos autos, não subsistindo qualquer dúvida a esse respeito, que a construção da moradia e o anexo erigido pelos contrainteressados foram licenciados em solo integrante da RAN, sem prévio parecer favorável da entidade competente em matéria de reserva agrícola para a utilização de solo agrícola para fins urbanísticos.
A administração, na sua atuação, está sujeita ao princípio da legalidade que lhe impõe “o dever de obediência à Lei e ao Direito…”, estando a mesma nas diferentes vestes que hoje em dia se multiplicam, injungida a atuar no completo respeito pelo princípio da legalidade, consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da C.R.P. e concretizado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, no qual se estabelece que “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.” Sublinhe-se que no art.º 3.º do CPA, o princípio da legalidade, deixa as suas origens de uma formulação meramente negativa – como no estado liberal, em que este, apenas impunha os limites à atuação da Administração Pública – para passar para uma formulação positiva, onde, serve de “fundamento, critério e limite de toda a atuação administrativa”. Cfr. FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40. Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II, página 42;
Por conseguinte, “não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 42-43;
Relativamente ao direito administrativo, a jurisprudência tem considerado que, com referência ao direito administrativo, ao princípio tempus regit actum é geralmente imputado o sentido de que os atos administrativos se regem pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportam e das circunstâncias que precederam a respetiva adoção. Ou seja, “ a legalidade do ato administrativo afere-se pela realidade fática existente no momento da sua prática e pelo quadro normativo então em vigor, segundo a aludida regra, tempus regit actum. Neste sentido decidiram, pelo menos, os acórdãos da 1ª Secção, do STA de 24.2.99-Rº 43459, de 14.3.02-Rº 47804, de 7.10.03-Rº 790/03, de 5.2.04-Rº 1918/02, de 22.6.04-Rº 1577/04, e do Pleno, de 24.10.00-Rº 37621, de 6.2.02-Rº 35272, e de 5-05-2005-Rº 614/02.
Como ficou consignado no Parecer nº43/47 do Conselho Consultivo da PGR o momento da perfeição do ato fornece, pois, o critério temporal para a determinação da lei aplicável: aplicar-se-á a velha ou nova lei, conforme aquele momento for anterior ou posterior ao começo de vigência desta.
Em suma, como «emanação do princípio da legalidade a que toda a atividade administrativa está sujeita, os atos administrativos devem reger-se pelas normas que estiverem em vigor à data da sua prática (“tempus regit actum”)» Cfr. Parecer n.º 77/2005, do Conselho Consultivo da PGR..
Dito isto, impunha-se ao apelante que tivesse observado o quadro legal em vigor à data em que proferiu as deliberações impugnadas, o que não se verificou.
Na verdade, dispunha o art.º 20.º, al. a) do RPDM de (...), sob a epígrafe “Espaços Agrícolas”, que “Nas áreas incluídas na RAN pertencentes a este espaço, só serão permitidas as construções consideradas nos artigos 8º, 9º e 10º dos Decretos-Leis nºs 196/89, de 14 de Junho, e 274/92, de 12 de Dezembro, e de acordo com os pareceres emitidos pela Comissão Regional da Reserva Agrícola (...)”.
Por força do disposto neste preceito, era exigível ao apelante que, no âmbito dos referidos processos de informação prévia e de licenciamento de obras de construção de moradia e de anexo, na medida em que estava em causa “utilização não agrícola” do solo pertencente à RAN, tivesse efetuado a consulta à entidade competente nesta matéria, e só após a obtenção do respetivo parecer favorável é que estaria em condições de aprovar o pedido de informação prévia e deferir os ulteriores pedidos de licenciamento.
É que, de acordo com o disposto no artº. 8º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 196/89, de 14/06, na redação então vigente (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 274/92, de 12/12, e pelo Decreto-Lei nº 278/95, de 25/10), os solos da RAN devem ser exclusivamente afetos à agricultura, sendo proibidas todas as ações que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente, a construção de edifícios. Mais se previa no art.º 9, n.º 1 que carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integradas na RAN. Note-se ainda que o parecer favorável apenas podia ser concedido quando estivessem em causa, entre outras, nos termos do disposto no seu nº 2, alíneas b) e c), habitações para fixação em regime de residência habitual dos agricultores em explorações agrícolas viáveis, desde que não existissem alternativas válidas de localização em solos não incluídos na RAN; ou habitações para utilização própria e exclusiva dos seus proprietários e respetivos agregados familiares, quando se encontrassem em situação de extrema necessidade sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e dai não resultassem inconvenientes para os interesses tutelados por esse diploma. Por fim, determinava-se no art.º 34.º desse diploma legal, serem nulos todos os atos administrativos praticados em violação do disposto no nº 1 do art.º 9º.
No caso, tendo as deliberações impugnadas aprovado um pedido de informação previa e licenciado a construção da moradia e anexo em causa e ampliação deste em terreno integrante da RAN, sem que tivesse sido consultada a referida entidade e dela tivesse sido previamente obtido o pertinente parecer favorável, a que, nos termos do respetivo RPDM e dos referenciados preceitos legais, estava legalmente sujeita a aprovação e a licença dessas operações urbanísticas, enquanto relativa a utilização não agrícola do solo, não há qualquer dúvida em afirmar que aquelas resoluções administrativas são nulas, nos termos do disposto no art.º 52º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15/10, e do disposto no art. 34º, Decreto-Lei nº 196/89, de 14/06, por terem sido proferidas em violação do art.º 20º, alínea a), do RPDM de (...) e do disposto nos artigos. 8º e 9º, do Decreto-Lei nº 196/89, de 14/06, então vigentes, normas cuja observância se impunham à administração municipal.
Alega ainda o apelante que a decisão recorrida errou sobre a matéria de direito por se estar a declarar uma nulidade com fundamento no incumprimento de uma formalidade que na data em que a nulidade foi declarada já havia sido cumprida, pelo que, mesmo que por hipótese houvesse causa invalidante já a mesma desaparecera supervenientemente do ordenamento jurídico, daí resultando que a nulidade declarada pelo Tribunal a quo viola os princípios da proporcionalidade e do aproveitamento dos atos administrativos.
O princípio do aproveitamento dos atos administrativos, que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, vem sendo reconhecido quer pela doutrina cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES E PACHECO DE AMORIM, in CPA anotado;, quer pela jurisprudência, em certas e determinadas circunstâncias.
Como se sabe, a jurisprudência da nossa mais alta instância cfr. Acórdãos do Pleno do STA, de 12/07/1990, de 12.07.90, proc.22906 e de 20.03.97, proc.27930; tem aplicado este princípio naquelas situações em que conclui pela irrelevância das formalidades essenciais no conteúdo do ato, ou seja, quando num juízo rigoroso conclui que ainda que as formalidades inobservadas tivessem sido cumpridas, o sentido e o conteúdo do ato não sofreriam qualquer tipo de alteração.
Assim, entende-se que o tribunal pode negar relevância anulatória ao vício se ficar convencido que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa porque não afetou as ponderações compreendidas na discricionariedade ao mesmo tempo que, sendo o ato vinculado, o seu conteúdo seria sempre o que foi, mesmo que os vícios não existissem.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do STA de 22.02.2007, proferido no processo 0161/2007 no qual se afirma que “ À face deste princípio não se justifica a anulação de um acto, mesmo que enferme de um vício de violação de lei ou de forma, quando a existência desse vício não se veio a traduzir numa lesão em concreto para o interessado cuja protecção a norma visa, designadamente, no caso de um vício procedimental, quando a sua ocorrência não teve qualquer reflexo no procedimento administrativo.
Isto significa, assim, que, nos casos em que se apurar em concreto, com segurança, atentas as específicas circunstâncias do caso, que não ocorreu uma lesão dos direitos procedimentais dos interessados, por a sua intervenção no procedimento não poder ter virtualidade, à face da lei, para influenciar o sentido da decisão, não se justificará a anulação do acto.»
Note-se que, mesmo em relação a vícios de forma, o STA consagrou a doutrina segundo a qual “Os efeitos invalidantes, decorrentes da preterição do direito de audiência prévia, só serão de afastar, em conformidade com o princípio do aproveitamento do ato administrativo, quando puder afirmar-se, sem margem para quaisquer dúvidas, que o novo ato, praticado em execução do julgado anulatório, teria forçosamente idêntico conteúdo decisório” cfr. Ac. de 06-05-2010, no âmbito do Recurso n.º 088/10;.
Na mesma linha, tem-se pronunciado este TCAN, citando-se, a título de exemplo o Acórdão proferido no Processo n.º 00462/2000-Coimbra, em cujo sumário se firmou a seguinte jurisprudência: «I. O princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, princípio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio anti-formalista, a de princípio da economia dos atos públicos e a de princípio do aproveitamento do ato administrativo), vem sendo reconhecido quanto à sua existência e valia/relevância pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, admitindo-se o seu operar em certas e determinadas circunstâncias. II. Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v. g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance. (...) ».
Importa ainda ter presente que, como bem se adverte em Acórdão deste TCAN, de 19/02/2016, proferido no Processo n.º 2753/11.1BEPRT « (...) Não está em causa sanar os vícios detetados, mas tão-só tornar inoperante a força invalidante dos mesmos, em resultado da verificada inutilidade da anulação resultante do juízo de evidência quanto à conformidade material do ato com a ordem jurídica, uma vez que a anulação do ato não traduz vantagem real ou alcance prático para o impugnante.
Na realidade, se não obstante a verificação de vício anulatório do ato impugnado, se concluir que tal anulação não traria qualquer vantagem para o recorrente, deixando-o na mesma posição, a existência de tal vício não deve conduzir à anulação, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou “utile per inutile non vitiatur”.
A problemática do aproveitamento do ato administrativo coloca-nos, assim, “ante dois movimentos de sentido contrário que obedecem a preocupações, à partida, inconciliáveis. De um lado, uma preocupação de pendor economicista, que privilegia o resultado jurídico, que deverá ser aproveitado se for inequívoca a sua correcção substantiva; do outro, uma preocupação mais legalista e aparentemente garantística, que sacrifica a eficiência (necessária, designadamente, à realização do interesse público) à disciplina (obediência à lei) a fim de prevenir uma normatividade incompleta, porque desprovida de sanção”. Cfr. Margarida Cortez, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 37, pg. 38;
Em síntese, o aproveitamento do ato administrativo consiste «na desculpabilização dos vícios de que o ato padece pela Administração ou pelos tribunais», persistindo o ato impugnado não obstante o vício que o inquina, gerando efeitos jurídicos válidos Cfr. “Autoridade e Liberdade na Teoria do ato Administrativo”, Luiz S. Cabral de Moncada, Coimbra Editora, pág.446. Porém, se não for seguro que a decisão administrativa a proferir só pode ser aquela que concretamente foi proferida através do ato anulável, não pode haver lugar à aplicação do princípio do aproveitamento do ato. Cfr. Ac. do STA, de 25.02.99, rec. N.º 041848; Ac. do TCAN, de 17.04.2020, proc. 00240/10.4BEMDL;
Refira-se ainda que atualmente, com a aprovação do Novo Código do Procedimento Administrativo, operada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7.01., o princípio do aproveitamento do ato administrativo foi positivado, obtendo consagração legal expressa no art.º 163.º, n.º5, que vem inserido na Secção III, “Da Invalidade do ato administrativo”, aí se encontrando estabelecidas as situações em que não se produz o efeito anulatório do ato.
Determina-se no n.º 5 do art.º 163.º do CPA que o tribunal não invalide o ato, ou o contrato, quando se demonstre inequivocamente que o vício de que padece não implicaria uma modificação subjetiva, nem uma alteração do seu conteúdo essencial.
Apesar do recurso ao princípio do aproveitamento do ato administrativo ter um campo de aplicação privilegiado no domínio dos atos administrativos que enfermem de vícios formais e procedimentais -alínea b), do n.º 5 do artigo 163.º- também pode aplicar-se a atos que enfermem de vícios de outra natureza, designadamente materiais, desde que se verifiquem os pressupostos legais previstos, conforme alíneas a) e c), do n.º5 do artigo 163.º.
Diversamente do que se sucedia antes da entrada em vigor do novo CPA, o artigo 163.º, n.º 5 dirige-se quer ao tribunal, quer à Administração Pública, constituindo agora para o juiz, não uma faculdade mas um imperativo não anular o ato sempre que se verifiquem os pressupostos previstos na lei.
De qualquer forma, concordamos com Luiz S. Cabral de Moncada, quando adverte que « uma ampla abertura do juiz para a desconsideração de vícios de natureza formal leva a um automatismo de soluções que enfraquece o significado outrossim substancial daqueles vícios e elimina a ponderação a fazer em cada caso concreto». Cfr. Ob. citada, pág. 449;
No caso, importa ter presente que as deliberações impugnadas são nulas. Ora, os atos nulos não produzem quaisquer efeitos jurídicos independentemente da declaração de nulidade e são insuscetíveis de qualquer tipo de sanação ou sequer de revogação – v. arts. 134º, nº 1, 137º, nº 1, e 139º, nº 1, a), do CPA, na anterior redação, aqui aplicável, sendo que a “nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal” ( cfr. artº. 134º, do CPA, na versão aplicável).
Estando-se em presença de atos nulos, como é o caso, não pode aplicar-se o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, uma vez que , conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo “… nos casos de nulidade (aos quais se associam, por via interpretativa, os de anulabilidade grave, por ex. aqueles em que a norma de procedimento está ao serviço de um direito substantivo particularmente relevante) são os próprios fundamentos do sistema que são postos em crise por esse “vício absoluto”. A atribuição de quaisquer efeitos jurídicos, ainda que colaterais, ao ato nulo representaria uma entorse intolerável na estrutura normativa do Estado” Cfr. Ac. do STA, de 22.06.2006, proc. n.º 0805/03;( sublinhado nosso).
Note-se ainda que, na presente situação, o Ministério Público informou os autos, através do requerimento de 30.04.2015 (ver ponto 31 dos factos assentes) que intentou uma ação administrativa especial no TAF de Coimbra, a que corresponde o processo n.º 420/15.6BECBR, na qual pediu a nulidade de vários atos administrativos, incluindo da deliberação da ERRANC de 18.09.13, por alegadamente ter assentado em pressupostos que não correspondem à realidade, uma vez que, dessa deliberação consta que o parecer foi emitido favoravelmente “atento a que as autorizações/licenças de utilização emitidas (em 1996 e 1999) foram anteriores à publicação do PDM (ano de 2000)”, quando o RPDM de (...) ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 107/94, publicada no DR I-B, de 28/10/94, já se encontrava em vigor à data da prática de qualquer dos atos impugnados, e quando, sob pena de nulidade, nele deveria ter sido apreciada a respetiva pretensão em função do preenchimento (ou não) dos requisitos legalmente estabelecidos no art. 22º, nº 1 do atual regime de RAN, aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2009, de 31/03 (v. ainda art. 38º) ( ver processo no SITAF).
Deste modo, nunca poderia dar-se como certo que por via da referida deliberação da ERRANC foi eliminada supervenientemente a ilegalidade das deliberações impugnadas, pelo que, ainda que não estivéssemos perante atos nulos, nunca poderia lançar-se mão do princípio do aproveitamento dos atos impugnados na medida em que não era seguro que por via daquele parecer da ERRANC se impunha considerar legalizada ou legalizável as aludidas construções, dado que o mesmo ainda não estava consolidado na ordem jurídica. Ou seja, não era seguro que a decisão administrativa a proferir só pudesse ser aquela que concretamente foi proferida através dos atos impugnados.
Termos em que improcedem os invocados fundamentos de recurso.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante.
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Notifique.
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Porto, 18 de dezembro de 2020.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro