Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01614/06.0BEPRT-B
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/18/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:EXECUÇÃO; CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO; PERDA DE CHANCE
Sumário:1 – O Tribunal, em sede de Execução, concluindo pela verificação de uma causa legitima de inexecução, não pode em segmento decisório, limitar-se a decidir nos termos do Artº 178º nº 1 do CPTA que as partes deverão, no prazo de 20 (vinte) dias, “acordar numa indemnização destinada a compensar o Exequente pelo facto de, por causa legítima, não se proceder à execução do acórdão anulatório”, dando aí por concluída a sua intervenção, e não tirando quaisquer ilações da eventual falta de acordo das partes quanto à fixação de indemnização.

2 - Com efeito, a indemnização pela perda do direito à execução pode e deve ser avaliada no processo de Execução.
Decorre do artigo 173.º, n.º 1, do CPTA que “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.”

3 - Para mensurar a “Perda de Chance”, o Tribunal não se encontra vinculado ao apuramento do montante indemnizatório correspondente à perda sofrida pelo Exequente em face do ato anulado, o que determina que esteja dispensado do apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida em resultado da prática do ato anulado.
Não está em causa a atribuição de uma indemnização que se destine a cobrir todos os danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração, mas antes e apenas uma compensação decorrente da inexecução do julgado, em função da perda de oportunidade de poder obter um resultado favorável.

4 - Em sede de execução de sentença a indemnização pela impossibilidade absoluta de executar a sentença exequenda configura caso de indemnização por perda de chance, devendo o dano sofrido corresponder à perda de oportunidade do exequente ser nomeado para o lugar em causa.
Sendo impossível quantificar com rigor o grau de perda de chance, resta recorrer a um juízo de equidade, dentro dos limites do que se houver provado, visto a lei prever essa forma de cálculo da indemnização sempre que não for possível averiguar o valor exato dos danos (art. 566º n.º 3 do CC).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Centro Hospitalar de (...), EPE e Outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução para prestação de factos ou de coisas - arts. 162.º e seguintes CPTA - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
M., devidamente identificado nos autos, no âmbito da presente Execução de julgado que apresentou, tendente à “execução do julgado deste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datado de 21/12/2009 [confirmado pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte datado de 13/01/2011 e este confirmado, por sua vez, pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 30/05/2013], que, julgando parcialmente procedente a ação proposta pelo ora Exequente contra a ora Entidade Executada, anulou a deliberação datada de 04/04/2006 do Conselho de Administração do Hospital de (...), E.P.E., da qual resultou a nomeação de M., como Diretora de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia”, inconformado com a Sentença proferida em 24 de janeiro de 2020, na qual foi “decidido julgar procedente a invocada existência de causa legítima de inexecução e determino a notificação das partes para, no prazo de 20 (vinte dias), querendo, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, proferida em primeira instância no TAF do Porto.
Formulou o aqui Recorrente/M. nas suas alegações de recurso, apresentadas em 3 de março de 2020, as seguintes conclusões:

“A. O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, em 24.01.2020, que julgou procedente a existência de duas causas legítimas de inexecução do julgado anulatório, tendo notificado as partes para acordarem, no prazo de 20 (vinte) dias, nos termos do artigo 178.º, n.º 1, do CPTA, numa indemnização destinada a compensar o Recorrente pelo facto de, por causa legítima, não se proceder à execução do acórdão anulatório.
B. A Sentença recorrida é nula por oposição entre os seus fundamentos e decisão e/ou por conter ambiguidade(s) e/ou obscuridade(s) que tornam a decisão ininteligível, nulidade essa subsumível ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, pois que, se primeiro entende que da “execução” do Acórdão Exequendo não resulta qualquer pretensão do Recorrente de nomeação do mesmo nas funções de Diretor de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia, de pagamento de quantias devidas pelo exercício das referidas funções, ou atribuição de indemnização equivalente por forma a se proceder à reconstituição da situação atual hipotética que existiria, vem, depois, decidir que não é possível dar “execução” ao Acórdão Exequendo porque o Recorrente já não pode ser nomeado Diretor de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia, por referência ao triénio 2006-2009, e isto não só em função do decurso do tempo, mas também face à situação de reforma do Recorrente.
C. A Sentença recorrida é também nula, por Violação do Princípio da Proibição das Decisões Surpresa, na medida em que consubstancia uma decisão que passou a integrar o leque das denominadas Decisões Surpresa, com que o Recorrente não podia legitimamente contar, atendendo não só ao anteriormente decidido pelo douto Tribunal a quo no âmbito do Processo n.º 431/14.9BEPRT, onde reconheceu o interesse e legitimidade na passagem de certidões das quais constasse o percurso remuneratório da aqui Contrainteressada, para efeitos de concretização monetária do pedido formulado na presente Execução, como em função daquela que foi a tramitação processual ocorrida nos presentes autos, pois que, as duas “impossibilidades fáctico-jurídicas” apontadas como causas legitimas de inexecução – decurso do prazo da comissão de serviço relativa ao triénio de 2006-2009, e situação de reforma/aposentação do Recorrente em 09.05.2012 – não só já se verificavam na data de interposição da presente Acão Executiva em 17.03.2014, como foram confirmadas, a pedido do Tribunal a quo (12.01.2015), pelo Recorrente (28.03.2015) e pela Entidade Recorrida (01.04.2015), não se compreendendo, que volvidos que estão 5 (cinco) anos, possam servir de fundamento à Sentença recorrida (24.01.2020).
D. Sem prejuízo, a Sentença recorrida padece, ainda, de erro(s) de julgamento no que diz respeito à interpretação e aplicação, ao presente caso, do regime do processo de “Execução de sentenças de anulação de atos administrativos” ao caso em concreto, na medida em que as mesmas se assumem contrárias a Direitos Fundamentais, e a Princípios e Regras Gerais do Processo,
E. Pois que, um Estado de direito democrático que se caracteriza pelo respeito e pela garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (cf. artigo 2.º, da Constituição República Portuguesa), e pelo acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigo 20.º, da Constituição República Portuguesa; artigo 2.º, do CPC e artigo 2.º, do CPTA), onde vigoram os Princípios da Economia e Celeridade Processuais (cf. artigo 6.º, do CPC e artigos 7.º-A e 8.º, do CPTA) e da Resolução Global da Situação Litigiosa e da Promoção do Acesso à Justiça (cf. artigo 7.º, do CPTA), não se coaduna (nem pode) com a interpretação e aplicação do regime da “Execução de sentenças de anulação de atos administrativos” levada a cabo, sem mais não, pelo Tribunal a quo, no sentido de que este não é o meio adequado para fazer valer um pedido indemnizatório por responsabilidade civil por facto ilícito, com a complexidade inerente ao mesmo, como ocorre no presente caso, devendo o particular interessado socorrer-se da ação administrativa e não da utilização da ação de execução de sentenças de anulação de atos administrativos para o efeito,
F. Pois que, mais importante que a literalidade do preceito, é a sua própria teleologia, e os Princípios e objetivos que visa proteger e garantir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), e, também, a sua inserção sistemática no Código,
G. E, no presente caso, atendendo ao regime do processo de “Execução de sentenças de anulação de atos administrativos” (Capítulo IV, Título VIII) consagrado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redação conferida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, bem como o regime da Acão Administrativa Especial, determinavam que não era pelo facto de o Recorrente não ter formulado, em sede de Acão Administrativa Especial, o pedido a que alude o artigo 47.º, n.º 2, alínea b), do CPTA, que ficaria precludida a possibilidade de acionar essa pretensão no âmbito do processo de Execução da Sentença de Anulação – e foi o que o Recorrente fez –.
H. Ou seja, o Recorrente prevendo a impossibilidade da sua recolocação nas funções de Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia por referência ao triénio 2006-2009, pelo decurso do prazo, em função do impedimento de nomeação retroativa, e em função da sua aposentação, deduziu, pedido alternativo/autónomo de atribuição de indemnização equivalente, por forma a proceder-se à reconstituição da situação atual hipotética que existiria.
I. Mais, o Recorrente porque não se encontrava em condições de proceder ao cálculo do valor correspondente ao valor das remunerações, ajudas de custo, compensações, pensões e demais benefícios por referência às funções de Diretor de Serviço, no triénio (2006-2009), que deixou de auferir – pedido formulado em (ii) –, requereu que o concreto apuramento do montante indemnizatório aguardasse a disponibilização dos elementos documentais em posse da Entidade Recorrida; protestou juntar tais elementos, e juntou-os de facto, em 28.03.2015, onde também atualizou o valor peticionado.
J. Atendendo à previsão do n.º 5, do artigo 45.º, do CPTA, aplicável às Ações Administrativas Especiais – como a subjacente aos presentes autos –, ex vi, artigo 49.º, do CPTA, bem como à doutrina e jurisprudência proferida por relação à mesma, importa concluir que se o Autor tem o “direito de optar” por deduzir pedido autónomo de reparação de todos os danos resultantes da atuação ilegítima da Administração, o mesmo não pode apenas significar que o Autor está obrigado a deduzir uma outra Ação, prevendo-se a possibilidade de a Ação destinada a anulação do ato ser objetivamente convolada, face à impossibilidade superveniente da lide.
K. Tanto é assim, que para dissipar quaisquer dúvidas, o artigo 45.º, do CPTA, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10 e mantida pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, vem consagrar, agora expressamente, que o processo originário possa ser convolado, por opção do Autor, numa ação de responsabilidade civil extracontratual (cf. n.º 3), a não ser que o Autor já tenha cumulado na ação o pedido de reparação de todos os danos resultantes da atuação ilegítima da entidade demandada, altura em que o n.º 4, estabelece que não se torna necessário convolar o objeto do processo num processo indemnizatório, porque o processo já tem essa natureza em virtude de nele ter sido cumulado um pedido com esse objeto, decorrente do Principio da Livre Cumulação de Pedidos.
L. Ora, tratando-se de um regime aplicável à fase declarativa que vai beber inspiração à fase executiva, expectável seria que ocorrendo em fase executiva a mesma fosse beber inspiração à fase declarativa, ainda para mais quando a mesma lhe serve de fundamento/título executivo.
M. Recorde-se a este propósito, que já no Decreto Lei n.º 256/A/77, de 17 de Julho, a indemnização pela inexecução e pelos danos resultantes da atuação ilícita da Administração era tratada uniformemente nos artigos 7.º e 10.º, e se e verdade que o CPTA não prevê – pelo menos não literalmente – que o executado cumule a pretensão de indemnização no processo executivo, tal prede-se com razões de mera simplificação processual, na medida em que a doutrina tem entendido que a tramitação prevista no artigo 166.º, do CPTA, para cálculo da indemnização não parece adequada a uma complexa indagação de danos resultantes do ato ilícito, tendo este sido, também, o entendimento do douto Tribunal a quo, em fls. 22 e 23, da Sentença recorrida.
N. Ora, não pode proceder aquele entendimento, porque não só contraria a Jurisprudência que tem vindo a ser proferida pelo nosso Supremo Tribunal Administrativo, como é, ainda, suscetível de violar Direitos e Princípios Fundamentais, bem como Princípios do Processo.
O. Com efeito, não corresponde a verdade que do jugado anulatório não se retiram quaisquer factos que permitam prosseguir a presente execução aferindo da existência e quantitativo daqueles danos.
P. O Recorrente deduziu um segundo pedido alternativo ao primeiro de colocação do Recorrente nas funções de Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia por referência ao triénio 2006/2009, no sentido de atribuição de indemnização equivalente, por forma a se proceder à reconstituição da situação atual hipotética que existiria,
Q. Tendo para o efeito demonstrado que a mesma incluiria o pagamento de quantias pecuniárias correspondentes ao valor das remunerações, ajudas de custo, compensações, pensões e demais benefícios, por referência às funções de Diretor de Serviço, no triénio (2006-2009), que o Recorrente deixou de auferir por meio da prática do ato administrativo cuja invalidade foi decretada, no valor de € 36.382,03 (trinta e seis mil, trezentos e oitenta e dois euros e três cêntimos), apurado em função da documentação disponibilizada no Processo de Intimação para Passagem de Certidão n.º 431/14.9BEPRT, relativo às quantias recebidas pela Contrainteressada naquele triénio, junta aos autos em 28.03.2015, acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento; bem como correspondentes ao valor compensatório de danos morais sofridos pelo Recorrente, calculados no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), e, ainda, demais encargos, custos e despesas que o Recorrente teve que pessoalmente suportar com prática do Ato Administrativo Ilegal – i.e., para o afastamento dessa ilegalidade –, bem como aqueles resultantes da instauração da presente Execução, e que, por isso, se encontra numa relação de nexo causal com o afastamento dos efeitos decorrentes da atuação ilegal do Executado.
R. Este pedido é muito comum de se formular e ser deferido, pois que a nossa Jurisprudência tem sido unânime em considerar que, em casos semelhantes ao presente, a reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado implica a indemnização do Recorrente pela diferença entre a situação real e aquela que existiria se não tivesse sido praticado o Ato Administrativo anulado, devendo ser pagas as diferenças eventualmente existentes entre as remunerações que auferia e que deveria ter auferido, assim se reconstituindo a sua carreira profissional, como se peticionou.
S. Em face do exposto – e ao contrário do preconizado pelo douto Tribunal a quo – não se pode senão concluir que este pedido indemnizatório deve ser julgado procedente, porque provado.
T. Não obstante, mesmo que assim não se entendesse – o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se acautelou – a verdade é que o Recorrente sempre teria direito àqueles valores, sendo os mesmos facilmente delimitados no presente Processo de Execução, na medida em que do artigo 21.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro – norma legal invocada pela Entidade Recorrida para a cessação das funções do Recorrente – era clara ao estabelecer que “cessam igualmente as comissões de serviço dos titulares dos cargos de direção e chefia, mantendo-se os respetivos titulares até à designação dos novos titulares, nos termos previstos no Código do Trabalho.”
U. Ou seja, ainda que a comissão de serviço do Recorrente tivesse cessado em virtude daquela imposição legal, a mesma determinava que o mesmo se mantivesse em funções até a designação dos novos titulares nos termos previstos no Código de Trabalho.
V. Ora, tendo o Ato Administrativo que designou a Contrainteressada como novo titular daquelas funções, sido declarado ilegal, não se pode senão entender que o Recorrente manteve, para todos os efeitos, as suas funções a título daquela “gestão corrente”, pelo que, também por este motivo, o Recorrente teria direito a receber aquelas quantias pecuniárias, encontrando-se o Tribunal a quo em plena posse de documentação necessária à fixação de tal valor.
W. O presente pedido indemnizatório não tem a “complexidade” reportada pelo douto Tribunal a quo na Sentença recorrida, podendo, por isso, perfeitamente ser julgado no presente caso, na medida em que, conforme reconhecido pelo douto Tribunal a quo “o CPTA permita a abertura de uma fase declarativa, enxertada no processo e execução”.
X. Não obstante, mesmo que se considerasse que do julgado anulatório não resultavam factos de que o Recorrente seria nomeado como Diretor de Serviço para o triénio de 2006-2009 – o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se acautelou – e/ou que o mesmo se mantinha em funções de gestão corrente após a cessação da sua comissão de serviços – a verdade é que o Recorrente tinha a hipótese de vir a obter tal nomeação e de vir a auferir as diferenças remuneratórias referidas, e a mesma foi lhe privada, precisamente, pela conduta ilícita da Administração ao não executar o julgado anulatório, pelo que, conforme reconhecido pela Jurisprudência proferida pelo nosso Supremo Tribunal Administrativo, o mesmo sempre teria direito a uma indemnização a acrescer à indemnização pela inexecução, a ser calculada em termos equitativos.
Y. No mais, e como é consabido, no caso de erro na forma de processo, ao Tribunal cabe anular apenas os atos que não se possam aproveitar, devendo determinar a prática dos atos necessários para que o processo se aproxime tanto quanto possível da forma estabelecida por lei, devendo as normas convocadas para o caso ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas (cf. artigo 2.º, n.º 2, do CPC, e artigos 2.º, n.º 2 e 7.º, do CPTA),
Z. Sendo que “em caso algum a lei prevê que se possa julgar improcedente um pedido com o fundamento na falta ou erro de escolha do meio processual, o que traduziria, de resto, uma negação do direito de acesso à Justiça e à tutela Jurisdicional efetiva, garantido no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa” (cf. Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 20.11.2014, no âmbito do Processo n.º 00259/07.2BEBRG).
AA. Neste sentido, e considerando que a Ação Administrativa Especial subjacente à presente Execução foi intentada em 2006 (há 14 anos), e a presente Execução em 2014 (há 6 anos), uma interpretação como da Sentença recorrida no sentido de impossibilitar o Recorrente de obter uma indemnização pelos danos resultantes da prática do Ato Administrativo ilegal, obrigando-o a instaurar nova Ação por força da mesma relação jurídico-administrativa que aqui se equaciona para poder ver reintegrada a sua esfera jurídica, quando o mesmo formulou tal pedido, expressa e autonomamente, no Requerimento Inicial Executivo, não pode senão ser considerada como inconstitucional, por violação dos Princípios de Estado de direito democrático baseado no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (cf. artigo 2.º, da Constituição República Portuguesa), e no acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigo 20.º, da Constituição República Portuguesa; artigo 2.º, do CPC e artigo 2.º, do CPTA), inclusive, na dimensão do Direito à Decisão Judicial em prazo razoável, afrontando também o artigo 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
BB. Bem como ilegal porque violadora de importantes Princípios do Processo, como os Princípios da Economia e Celeridade Processuais (cf. artigo 6.º, do CPC e artigos 7.º-A e 8.º, do CPTA), da Resolução Global da Situação Litigiosa e da Promoção do Acesso à Justiça (cf. artigo 7.º, do CPTA).
CC. Em face de todo o exposto, deve ser proferido Acórdão a revogar a Sentença recorrida, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal a quo para realização das diligências instrutórias que se entendam necessárias à prova dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Recorrente, devendo considerar-se, para o efeito, as peças processuais apresentadas pelas Partes, para efeitos de fixação da indemnização devida, como o Requerimento Inicial Executivo, a Réplica, e o Requerimento apresentado em 28.03.2015 pelo Recorrente.
Termos em que, deve o presente Recurso Jurisdicional ser considerado procedente, por provado, e, em consequência, ser a Sentença recorrida julgada nula nos termos e com os fundamentos supra expostos e com as necessárias consequências legais;
Ou caso assim não se entenda,
Deve a Sentença recorrida ser revogada nos termos e com os fundamentos supra expostos e com as necessárias consequências legais;
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Em 27 de abril de 2020 veio o Centro Hospital apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, sem conclusões, nas quais se afirmou, a final, o seguinte:

“Finalmente, Não tendo o Recorrente, como se viu, qualquer direito ao lugar/função.
Nem exerceu essas funções.
E, uma vez que o Recorrente não exerceu (além de que entretanto, a em 2012, até passou à aposentação), evidentemente, que também por isso não tem direito a receber quaisquer dos valores/indemnizações que reclama.
Aliás, da parte do Recorrente esta é, como se viu, uma pretensão ilegal, abusiva no seu direito e até geradora de um inaceitável enriquecimento em causa do Recorrente (isto, se por hipótese viesse a singrar a absurda tese do Recorrente)
Termos em que deve o recurso interposto ser julgado improcedente, com as legais consequências, como é de inteira Justiça!”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por despacho de 22 de setembro de 2020, mais aí se reafirmando o seu teor, atenta a nulidade suscitada.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 6 de outubro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As questões aqui em apreciação cingem-se predominantemente à verificação das suscitadas invalidades “por oposição entre os seus fundamentos e decisão e/ou por conter ambiguidade(s) e/ou obscuridade(s) que tornam a decisão ininteligível, nulidade essa subsumível ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC”, mostrando-se “também nula, por Violação do Princípio da Proibição das Decisões Surpresa, na medida em que consubstancia uma decisão que passou a integrar o leque das denominadas Decisões Surpresa, com que o Recorrente não podia legitimamente contar, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade como provada:
“1) Em 21/12/2009, foi proferido acórdão no âmbito do processo n.º 1614/06.0BEPRT, em que foram partes M. (na qualidade de Autor), ora Exequente, Hospital de (...), E.P.E. (na qualidade de Entidade Demandada), ora Entidade Executada, e M. (na qualidade de Contrainteressada), ora igualmente Contrainteressada, referente a ação administrativa especial de pretensão conexa com ato administrativo, consubstanciado na deliberação do Conselho de Administração do referido Hospital, datada de 04/04/2006, que nomeou M. como Diretora de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital – cfr. documento a fls. 45 a 59 do suporte físico do processo.
2) No referido acórdão decidiu-se: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julgamos a presente ação parcialmente procedente, assim anulando a deliberação de 4.04.2006 do Conselho de Administração do Hospital R., que nomeou a contrainteressada Dra. M. como Diretora de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital R.
No mais, julgamos a ação improcedente, absolvendo o R. do demais pedido (…)” – cfr. documento a fls. 45 a 59 do suporte físico do processo.
3) No citado acórdão foi apurada a seguinte factualidade, que ora se reproduz:
“A) O ora Autor é Chefe de Serviço Hospitalar da Especialidade de Otorrinolaringologia do Hospital de (...) (HSJ) e foi Diretor de Serviço do Serviço do Otorrinolaringologia do mesmo Hospital de 3 de Janeiro de 1983 a 03.04.2006 (arts. Io e 2o da pi, não impugnados). ---
B) O Á. é também Professor Associado com Agregação da Faculdade de Medicina do Porto da Especialidade de Otorrinolaringologia (art. 3° da p.i., não impugnado).
C) O R. HSJ é um hospital universitário, que ministra ensinamentos práticos aos alunos da Faculdade de Medicina, nos termos do protocolo aprovado pela Portaria n° 320/86, de 27 de Junho, e ministra internato médico, num processo único de formação médica especializada, nos termos da Portaria n° 183/2006, de 22 de Fevereiro (arts. 14° e 15° da p.i., não impugnados). ---
D) O R., em reunião do Conselho de Administração de 04 de Abril de 2006, deliberou aprovar a proposta do Diretor Clínico de a nomeação dos Diretores dos Serviços que integram a Unidade Autónoma de Gestão de Cirurgia, entre os quais a Dra. M. para Diretora do Serviço de Otorrinolaringologia (cfr. doc. de fls. 13, que aqui dou por integralmente reproduzido). ---
E) É o seguinte o teor da referida deliberação de 04.04.20Q6, exarada na respetiva Ata n° 14/2006:
“Nomeação dos Diretores dos Serviços que integram a UAG de Cirurgia:
Verificados os requisitos legalmente exigíveis, compulsados os respetivos processos individuais e tendo em conta a aptidão e a reconhecida competência médica e de gestão para o cabal desempenho das funções de direção, o Conselho de Administração decidiu - em consonância com os artigos 20 e 41 do Regulamento Interno do Hospital de (...) e após auscultação do Diretor da Unidade Autónoma de Gestão de Cirurgia - aprovar a proposta do Senhor Diretor Clínico de nomeação dos seguintes Diretores de Serviço:
(…)
O Serviço de Otorrinolaringologia - Dra. M...............
(…)
(cfr. extrato da aludida Ata certificado a fls. 61-62 da providência cautelar apensa - doc. 1 junto com a oposição ali deduzida pela entidade demandada).---
F) Dou aqui por integralmente reproduzido o teor dos docs. n°s 2 a 11 juntos com a oposição da entidade demandada deduzida na providência cautelar apensa, atinentes ao processo individual da contrainteressada Dra. M.. ---
G) A nomeada Dr.ª M. iniciou 05.01.1987 no Hospital Réu as funções de médica interna do internato complementar de otorrinolaringologia, tendo concluído o internato em 26.01.91, com a classificação final de 19,4 (dezanove valores e quatro décimas), obtendo assim o grau de Assistente Hospitalar de Otorrinolaringologia, sendo que do exame final constou a discussão do “curriculum vitae”, prova teórica e prova prática, e foi Presidente do Júri o ora Autor (cfr. docs. 3 e 4 juntos com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, de fis. 66 a 69 desses autos, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido).
H) Tal contrainteressada, nos dias 27, 28 e 29 de Junho de 1991, prestou provas públicas, documentais e teórico-práticas, de habilitação ao título de Especialista de Otorrinolaringologia, perante Júri nomeado pela Ordem dos Médicos, tendo sido aprovada por unanimidade e com distinção (cfr. doc. 5 junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido).---
I) Relativamente ao concurso interno geral para provimento de dois lugares de Assistente de Otorrinolaringologia, da carreira médica hospitalar, aberto pelo Hospital de (...) por aviso publicado no DR, 2* Série, n° 221, de 24.09.92, a ora contrainteressada ficou graduada no 2° lugar, com a classificação final de 19,2 valores, tendo o A. presidido ao Júri do concurso (cfr. doc. 6 junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). ---
J) A ora contrainteressada é especialista do Quadro de Otorrinolaringologia, no Hospital Réu, desde 22 de Abril de 1993, onde é Assistente Hospitalar de Otorrinolaringologia e é responsável pela área de Rinologia (cfr. docs. n°s 3 e 7 junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido).
K) A 13 de Janeiro de 1998 a contrainteressada obteve o grau de Consultor da Carreira Médica Hospitalar, na área profissional de Otorrinolaringologia (cfr. doc. n° 8 junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). ---
L) A ora contrainteressada foi convidada, mediante proposta do Regente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Porto e aqui Autor, Pro£ Dr. M., datada de 09.01.1997, para ministrar essa mesma disciplina na Faculdade de Medicina do Porto, atentas, segundo aquele Prof., “...as características do mim da Disciplina de Otorrinolaringologia, eminentemente prática, e o perfil pedagógico da candidata... ” (cfr. doc. n.º 9 junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). ---
M) A ora contrainteressada é Assistente Voluntária da Faculdade de Medicina do Porto, onde ministra de forma gratuita (cfr. doc. n° 3 junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa). N) A ora contrainteressada exerceu as funções de Adjunta da Direção, Cínica de 06.03.2003 até 25.08.2004, e de Diretora do Internato Médico de 25.03.2004 até 25.08.2004 (cfr docs. 2,10 e 11 juntos com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). -
O) Em 17.05.95, o então Diretor do Serviço de O.R.L. do HSJ, ora Autor, prestou uma informação de serviço de igual teor ao doc. n° 7 junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, que aqui dou por integralmente reproduzido, em que, após “salientar que a Dra. M. ê a responsável pela área da Rinologia”, escreve o seguinte acerca do desempenho e qualidades desta enquanto Especialista do Quadro de Otorrinolaringologia do Hospital de (...): “A requerente tem desempenhado as suas Junções de especialista do quadro de otorrinolaringologia desde 22 de Abril de 1993 com extraordinário interesse e assiduidade, tendo provado possuir com a sua atuação não só uma invulgar capacidade de trabalho e de dedicação profissional, com. também excelentes qualidades humanas que lhe conferem enorme prestígio entre os doentes, colegas, restante pessoa (…).
Além de ser uma Especialista distinta, possui sobretudo um enorme senso clínico, que a habilita a resolver problemas complicados com lógica e coerência (…), e pelo seu elevado profissionalismo, competência, dedicação, (…)”---
P) E em 27.03.96, o Autor, também enquanto Diretor do Serviço de O.R.L. do HSJ, subscreveu a seguinte informação de serviço:
“A Dra. M. tem desempenhado as junções de Assistente Hospitalar de Otorinologia com zelo, assiduidade e elevada competência profissional.
É responsável pelo sector de rinologia desde há 3 anos, que tem desenvolvido com grande eficiência e dedicação (...)
Tem ainda colaborado no Ensino pré-graduado com a administração de aulas práticas aos alunos da Vacuidade de Medicina, bem como tem orientado o ensino da Especialidade aos Médicos Internos.
É uma especialista com invulgar senso clínico, grande sentido de responsabilidade e excelente relacionamento humano com os restantes profissionais de Saúde” - cfr. doc. 3 junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido. ---” – cfr. documento a fls. 45 a 59 do suporte físico do processo.
4) Resulta da fundamentação de direito do referido acórdão o seguinte:
“(…).
III. O DIREITO
Com a presente ação o A. impugna a deliberação do Conselho de Administração do Hospital de (...), E.P.E., de 4.04.2006, supra referida na alínea D) da matéria de facto provada (MFP), que nomeou como Diretora de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia do referido Hospital a Dra. M., assistente hospitalar graduada nesse Hospital, peticionando a anulação dessa deliberação e ainda que seja o A. nomeado como Diretor desse Serviço.
Fundamenta p pedido de anulação da deliberação recorrida, em síntese, na falta de fundamentação da mesma, e bem assim na falta de experiência e de qualidades de chefia e de organização da nomeada, alegando que é o Autor o candidato com maior aptidão científica, técnica e de experiência feita pata a direção do Serviço, pelo que entende que deve ser ele o nomeado para esse cargo.
À data da deliberação recorrida, os requisitos da nomeação dos diretores de serviço da carreira médica hospitalar eram os estabelecidos no art. 41º, nºs 2 e 3 do DL nº 73/90, de 6.03 (diploma que estabelecei o regime legal das carreiras médicas dos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde1), na redação do DL n° 396/93, de 24.11, que estabelecia o seguinte:
“(…)
2 – O diretor de serviço é nomeado pelo conselho de administração, sob proposta do diretor clinico, ouvido o diretor de departamento, quando exista.
3 – O diretor de serviço é nomeado de entre chefes de serviço ou, na sua falta ou mediante proposta fundamentada, de entre assistentes graduados que, em qualquer dos casos, manifestem notórias capacidades- de organização e qualidade de chefia; na falta de assistentes graduados e nas mesmas condições, poderá ser nomeado de entre assistentes.
(…)”.
Ora, resulta claramente dos citados n°s 2 e 3 do art. 41° do DL n° 73/90 de 6/3, na redação do DL n° 396/93, de 24/11, que o legislador estabeleceu uma escala de preferência valorativa, entre os médicos que podem ser nomeados para o cargo de diretor de serviço, já que dispõe que o diretor de serviço é nomeado de entre os chefes de serviço ou, na sua falta, que mediante proposta fundamentada, de entre assistentes graduados, ou finalmente, na falta destes, de entre assistentes, devendo, em qualquer dos casos, manifestar notórias capacidades de organização e qualidade de chefia.
Assim, a proposta fundamentada a que alude o n° 3 do art 41°, é equiparada à falta de chefe de serviço, o que revela a exigência de uma fundamentação específica da preterição do chefe de serviço, caso o haja (um ou mais) em condições de ser nomeado, e se se pretender nomear um assistente graduado (neste sentido, vide, por todos, Ac. do TCAS de 30-04-2009, in Proc. 02825/07, e jurisprudência para que nele se remete).
Ora, na deliberação impugnada nos presentes autos apenas se refere que é nomeada Diretora do Serviço de Otorrinolaringologia a ora contrainteressada Dra. M., a par da nomeação dos vários outros Diretores dos Serviços que integram a UAG de Cirurgia, fundamentando-se a nomeação de todos eles na ‘aptidão e reconhecida competência médica e de gestão para o cabal desempenho das funções de direção”, o que, para além de se traduzir num juízo puramente conclusivo, que nada diz acerca das qualidades individuais dos nomeados em causa para o desempenho das referidas funções de direção, e no que ao caso interessa, especificamente acerca das qualidades individuais da ora recorrida particular, nada esclarece igualmente sobre as razões por que havendo, pelo menos, um chefe de serviço em condições de ser nomeado - o ora Recorrente, Chefe de Serviço Hospitalar da Especialidade de Otorrinolaringologia -, se optou pela mencionada assistente graduada.
Ora, como resulta do que já se disse, a exigência de fundamentação resultante da regra especial do n° 3 do art. 41°, obriga a que a decisão de nomeação de um assistente graduado, havendo um chefe de serviço, que assim é afastado, seja fundamentada com os motivos da não escolha (e consequente preterição) do chefe de serviço, para além dos motivos da escolha do assistente graduado (neste sentido, vide o já referido Ac. do TCA Sul de 30-04-2009, Proc. 02825/07).
Assim sendo, não constando da deliberação impugnada nestes autos, nem sequer da proposta de nomeação do Diretor Clínico sobre que a mesma recaiu, os motivos da não escolha, e consequente preterição, do ora Autor, enquanto Chefe de Serviço, e de outros Chefes eventualmente em funções no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital R., tem de se considerar que aquela deliberação não está devidamente fundamentada, incorrendo assim igualmente na violação do n.º 3 do art. 41º do DL nº 73/90, de 6.03, na redação do DL nº 396/93, de 24.11, pelo que deve ser anulada.
No entanto, daí não resulta que se imponha a nomeação do ora A. como Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital R. nos termos pretendidos pelo mesmo, já que, para além de se desconhecerem os fundamentos que estiverem na base da sua preterição nessa nomeação, e a nomeação da ora contrainteressada para esse mesmo cargo, trata-se de matéria incluída na discricionariedade técnica da Administração, a qual só pode ser sindicada pelo Tribunal nos casos de preterição de formalidades essenciais ou havendo erro grosseiro ou notório na apreciação que for feita pela Administração quer dos motivos da não nomeação de Chefes de Serviço, caso existam, quer das concretas razões aduzidas pata Sustentar as “notórias capacidades de organização e qualidade de chefia” revelada pelos assistentes graduados ou assistentes que se intentem nomear, erro esse que não pode ser apreciado quanto à deliberação ora impugnada, uma vez que esta carece de fundamentação nos termos supra referidos.
(…)” – cfr. documento a fls. 45 a 59 do suporte físico do processo.
5) Do mesmo acórdão foi interposto recurso jurisdicional pelo Centro Hospitalar de (...), E.P.E. e por M., tendo sido negado provimento ao mesmo e mantido o acórdão recorrido, por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 13/01/2011, extraindo-se do mesmo, em suma, a seguinte fundamentação:
“(…).
QUESTÕES A DECIDIR:
Os recorrentes insistem neste recurso jurisdicional que tendo o Hospital de (...), passado a entidade pública empresarial, é-lhe aplicável o regime do DL n° 558/99 de 17/12, que determina que este sector empresarial do Estado passou a “atuar de harmonia com as regras normais do direito societário”, consagrando o direito privado como o direito aplicável por excelência.
E reiteram que face ao disposto no DL n° 233/2005 de 29/12, as relações de trabalho passam a reger-se pelo Código do Trabalho, pelo que, tendo a nomeação da recorrente Maria Margarida como Diretora de Serviço sido feita ao abrigo do disposto no art° 21° deste diploma legal, esta nomeação está sujeita às regras do Código do Trabalho, não se aplicando o regime jurídico das carreiras médicas, designadamente o art° 41° do DL n° 73/90 como fez a decisão recorrida.
Porém, relativamente a estes argumentos já foi emitida pronúncia por parte deste TCAN, em acórdão proferido em 27/11/2008 em que se analisaram e decidiram ás questões prévias suscitadas nestes mesmos autos, designadamente a competência dos Tribunais Administrativos, tendo-se decidido que o ato impugnado foi praticado no âmbito de uma relação de direito público e não no âmbito de uma relação laboral de direito privado, esclarecendo-se que "tendo a recorrida mantido o seu estatuto jurídico de relação jurídica de emprego público quando da transição, como resulta do art0 15° do referido DL 233/2005, sendo que era especialista no Hospital Réu desde 22/04/93 e já que não resulta que tenha optado pelo contrato de trabalho, a deliberação que a nomeia como diretora de serviço mantém as mesmas características de direito público".
"Ora, não obstante a natureza pública empresarial do ora Réu Hospital de (...), em que foi transformado pelo DL n° 233/2005 de 29/12 e o regime jurídico que lhe é basicamente aplicável - regime jurídico aplicável às entidades públicas empresariais, estabelecido no DL n° 558/99, de 17.12, que atendendo ao serviço público prestado por tal unidade de saúde, permita uma maior intervenção ao nível das orientações estratégicas de tutela e superintendência, a exercer pelos Ministros das Finanças e da Saúde (cfr. preâmbulo do DL n°233/2005, e respetivo art. 5º) - tal não obsta à prática pelos respetivos órgãos de administração de atos com a natureza de atos administrativos, já que o Hospital R, enquanto instituição prestadora de cuidados de saúde dependente do Ministério da Saúde, integra-se no Serviço Nacional de Saúde(…), sendo inequívoca a sua natureza pública, natureza esta que de resto ê afirmada no preâmbulo do referido DL n° 233/2005, do qual resulta também ter sido preocupação do legislador q salvaguarda desse princípio, compatibilizando-o com a adoção dos instrumentos de gestão considerados mais adequados à natureza específica das suas atividades.
Acresce que, de acordo com o disposto no art. 15.º, nº 1 do citado DL n° 233/2005, foi garantida a manutenção integral do estatuto jurídico do pessoal com relação jurídica de emprego público que, à data da entrada em vigor do citado DL (31.12.2005 - cfr. respetivo art. 23% estivesse provido em lugares dos quadros das unidades de saúde abrangidas peio art. 1º do mesmo DL, como é o caso do A., pelo que a relação jurídica de emprego que liga o A. ao R. é uma relação jurídica de emprego público, regida por normas de direito público, sendo tal relação um dos elementos da causa de pedir da presente ação.
Assim, como se disse, o facto de a gestão do Hospital ora R obedecer a critérios empresariais, não obsta à sua natureza pública, nem obsta à prática pelos respetivos órgãos de administração de atos com a natureza de atos administrativos, configurando-se como tal todos aqueles que se enquadrem na noção legal supra referida consagrada m art. 120a do CP A, a que se reconduz o ato objeto da impugnação deduzida nos presentes autos, constituído pela deliberação do Conselho de Administração do Hospital R., de 4,04.2006, que nomeou como Diretor de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia de tal Hospital a assistente hospitalar graduada Dra. M., já que tal deliberação configura uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, sendo tal ato impugnável contenciosamente já que de acordo com o posicionamento assumido pelo ora Autor, tal ato é lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos».
Deste modo, argumentação aduzida pelos recorrentes soçobra nos seus fundamentos, pois que, ao caso, por referência à deliberação impugnada, não se aplica o Código do Trabalho, em especial o art0 21° do DL n° 233/2005, nem tal facto colide de alguma forma com os princípios de gestão e organização que se pretenderam salvaguardar, designadamente, as normas da concorrência e da iniciativa económica pública.
E o facto de, efetivamente, competir ao Conselho de Administração designar o pessoal para cargos de direção e chefia [art0 7o, al. f) do anexo II do DL n° 233/2005], tal não significa que esta nomeação se possa fazer sem obediência a determinadas regras, não sendo legalmente assertiva a afirmação de que a designação da recorrente como Diretora de Serviço tenha sido efetuada nos termos previstos no Cód. do Trabalho (normas de direito privado).
Posto isto e, porque já existe decisão transitada quanto a este segmento de argumentação do recurso, com qual concordamos [que aliás subscrevemos] vejamos do acerto da decisão recorrida.
(…). não podemos deixar de corroborar o assim decidido.
Com efeito, a questão não está no facto do Conselho de Administração não poder nomear como diretor de serviço um assistente ou assistente graduado, mas sim no facto de, existindo chefes de serviço, a lei impor uma fundamentação que permita deixar claro porque se escolheu um e não outro, o que se percebe, dentro da “escala hierárquica normalmente preferencial”.
E esta interpretação também não põe em causa o poder conferido ao Conselho de Administração de nomear para os lugares de direção, as pessoas que entenda mais capazes e que melhor preencham as condições para cumprir o projeto que essa administração se encontra a implementar. Apenas exige que esta tomada de decisão seja fundamentada.
Aliás, a fundamentação deduzida posteriormente na contestação apresentada pelo HSJ seria mais do que suficiente para se perceber o critério que presidiu à nomeação da Dia Maria Margarida, só que esta fundamentação não consta ab inicio da deliberação impugnada, quando era aqui que devia constar; é claro que se percebe que o Conselho de Administração teve em consideração o processo individual da nomeada, que teve em conta a sua aptidão e competência para o desempenho destas funções, dai que tenha aprovado a proposta que lhe foi apresentada pelo Diretor Clinico, mas na verdade, não explicita em concreto, quais os elementos que julgou preponderantes, quando era apenas isso que se lhe impunha.
Com efeito, o que a lei exige é que da própria deliberação constem os motivos/razões que foram determinantes na escolha da nomeada, pois que havia um chefe de serviço que primacialmente podia ocupar o lugar, não sendo suficiente os termos conclusivos que constam da deliberação impugnada, que aliás servem de base a diversas nomeações para diferentes serviços, sem que haja uma palavra ou uma consideração especial para a nomeada.
Por último e tal como afirmado na decisão recorrida, importa deixar claro, que esta decisão agora proferida não significa que o lugar devesse ser ocupado pelo A./ora recorrido [de referir que a autoestima, reputação e elogios que o mesmo para si clama, quer profissional, quer pessoalmente, raia por vezes a falta de lisura e humildade em conjugação com as considerações menos lisonjeiras que atribui à recorrente, quando noutras circunstâncias, tantas qualidades profissionais e pessoais lhe encontrou], mas apenas que, impondo a lei que se justifique e fundamente [em relação aos assistentes e assistentes graduados] as capacidades de organização e qualidade de chefia, esta fundamentação tivesse de constar da deliberação impugnada.
Face ao exposto, nada há a apontar ao decidido na 1º instância.
E deste modo, também não se mostram violadas as Diretivas 80/723/CEE de 29/07 e 93/84/CEE de 30/09, pois, não estão em causa quaisquer princípios de concorrência, boa gestão e transparência, nem os art°s 81°, 82° 86 e 87 do Tratado UE, sendo descabida a alusão, neste caso concreto, à competência exclusiva do Tribunal de Justiça da União Europeia e consequentemente o pedido de reenvio prejudicial.
DECISÃO:
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
(…) – cfr. documento a fls. 60 a 74 do suporte físico do processo.
6) O Centro Hospitalar de (...), E.P.E. e M. interpuseram recurso de revista do aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, tendo sido proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo Acórdão em 30/05/2013, que negou provimento ao recurso, extraindo-se do mesmo, em suma, o seguinte:
“(…).
Passemos ao direito.
A ação administrativa especial dos autos - onde o autor pediu que se anulasse o ato de nomeação da interessada particular como Diretora do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de (...) e que se impusesse a nomeação dele nesse cargo - fundou-se num único vício: a falta de fundamentação do ato impugnado, mormente à luz do que dispunha o art. 41°, n.º 3, do DL n.º 73/90, de 6/3.
Nas contestações que apresentaram no TAF, os ora recorrentes sustentaram, para além do mais, que a deliberação impugnada não era um ato administrativo, já que fora emitida ao abrigo das normas de direito privado por que, nesse âmbito de atuação, o Hospital se regeria.
Contudo, essa tese dos aqui recorrentes não obteve acolhimento no despacho saneador, que encarou tal deliberação como um ato administrativo vero e próprio. E essa pronúncia foi confirmada pelo TCA-Norte, cujo acórdão de 27/11/2008, transitado no mês seguinte, negou provimento aos agravos que os ora recorrentes deduziram do saneador.
Em 21/12/2009, o TAF do Porto proferiu acórdão em que julgou a ação parcialmente procedente, anulando o ato impugnado por ele enfermar da arguida falta de fundamentação e emitindo uma pronúncia absolutória quando ao pedido de nomeação do autor.
Inconformados com essa decisão, o Hospital e a interessada particular recorreram dela para o TCA-Norte. Lendo-se a minuta desse recurso, vê-se que ele se centrou no problema de saber se o Conselho de Administração do Hospital, ao emitir a deliberação impugnada, agira dentro ou fora do direito administrativo; pois os recorrentes defendiam aí que a nomeação se fizera ao abrigo das normas do Código do Trabalho, ou seja, no espaço de liberdade que elas amplamente permitem em acuações do género. E, para melhor persuadirem dessa natureza do ato, afirmaram mesmo que o acórdão do TAF violara o direito comunitário e requereram ao TCA um reenvio prejudicial para melhor esclarecimento do assunto.
Impressivamente, esse recurso dirigido ao TCA nada disse, «expressis verbis», sobre a fundamentação do ato impugnado. O segmento do acórdão do TAF que tratara dessa questão - afinal, a decisiva - foi, no dito recurso, meramente atacado de viés: por um lado, mediante a afirmação de que o ato se regia pelo direito privado e, nessa medida, não necessitava de fundamentação; por outro lado, através da denúncia de que o art. 41°, n.º 3, do DL n.º 73/90, de 6/3 - que, segundo o TAF, representava o tipo legal do ato contenciosamente impugnado e continha os parâmetros da fundamentação exigível - não se aplicava ao caso e estava mesmo revogado.
Mas o primeiro desses ataques estava votado a um fatal insucesso, pela razão singela de que o aludido acórdão do TCA, de 27/11/2008, já decidira que o ato impugnado é um ato administrativo. Ora, o trânsito desse aresto estabeleceu um caso julgado formal impeditivo de que a questão voltasse a ser reapreciada no processo (art. 672° do CPC).
E aquele segundo ataque não tinha melhor sorte. Ele poderia ser frutífero se traduzisse a ideia de que o ato impugnado, por não se subordinar às especiais exigências do art. 41°, n.º 3, do DL n.º 73/90, continha a fundamentação devida à luz das regras gerais do CPA. Se assim fosse, teríamos de divisar nesse recurso uma crítica efetiva ao que o TAF decidira quanto ao vício anulatório. Contudo, se olharmos a conclusão 7.a desse recurso em correspondência com o «corpus» da respetiva minuta, logo vemos que não foi essa a perspetiva dos recorrentes. Ao dizerem que o mencionado art. 41°, n.º 3, não se aplicava ao caso, afirmaram-no porque, na sua cóptica, seria de aplicar «o Código do Trabalho». O que, portanto, revela que este segundo ataque, que só provisoriamente autonomizámos «supra», se reconduz por inteiro ao anterior: a não aplicação do preceito foi invocada, não para salvar da anulação o ato administrativo, por intermédio doutras regras legais, mas para negar a sua existência enquanto tal, por o ato se reconduzir a uma declaração de direito privado. Mas, como acima vimos, essa querela já se encontrava decidida nos autos, com trânsito em julgado.
Resta assinalar a absoluta inutilidade de outra afirmação dirigida ao TCA: a de que o DL n.º 73/90 já estava revogado. É verdade que o art. 4Io desse diploma foi revogado pelo DL n.º 177/2009, de 4/8; mas, sendo o ato de 2006, tal revogação posterior não permite dissociar o ato da norma e, assim, permanece a agregação de ambos, explicada pelo princípio «tempus regit actum».
Tudo o que dissemos conflui para duas certezas: «primo», a de que o recurso dirigido ao TCA se centrou numa matéria que já estava solucionada no processo, com a força de caso julgado formal; «secundo», a de que o fundamental juízo do TAF, quanto à existência de um vício de forma no ato impugnado, não foi acometido em tal recurso.
E porque o não foi, essa pronúncia do TAF sobre o vício também transitara, tomando- se, desde então, seguro que o ato impugnado realmente padece da falta de fundamentação em que o TAF estribou a sua pronúncia anulatória.
Esta era a linha de raciocínio que o aresto ora «sub specie» deveria ter seguido. Porém, o TCA só a observou em parte. Na verdade, e a propósito do ato radicar, ou não, no direito administrativo, o TCA clarificou que essa matéria já se encontrava resolvida no acórdão de 27/11/2008; mas, depois, excedeu-se ao concordar com a «decisão transitada», já que a força vinculativa do trânsito não depende de concordâncias e, obviamente, dispensa-as. Por outro lado, o acórdão recorrido disse «corroborar» o que o TAF decidira sobre o vício de forma, não reparando que tal questão não se incluía, em bom rigor, no «thema decidendum» - posto que a decisão dela até já estava transitada.
Estamos agora em condições de enfrentar a revista. Os recorrentes imputam ao acórdão recorrido três nulidades, que são de apreciação prioritária - por omissão de pronúncia, por falta de fundamentação e por contradição entre os fundamentos e a decisão. Mas nenhuma delas existe, como veremos de seguida.
Dizem eles que o acórdão é nulo porque não conheceu da alegada ofensa do direito comunitário. Mas vimos que esse assunto se ligava a uma matéria já resolvida com trânsito. Daí que o conhecimento dele estivesse prejudicado, afastando o dever de cognição (art. 660°, n.º 2, do CPC). Improcede, assim, a conclusão 3." da minuta dos recorrentes.
Eles também afirmam que a recusa do reenvio prejudicial não está fundamentada - o que determinaria a nulidade do acórdão. No entanto, o aresto fundou essa recusa no facto de não se mostrarem violadas certas Diretivas, nem estarem «em causa quaisquer princípios de concorrência, boa gestão e transparência», nem determinados artigos «do Tratado UE». Assim, este segmento decisório está fundamentado, ficando-se perplexo com a afirmação contrária dos recorrentes. Mas, mesmo que o não estivesse, o aresto não seria nulo por causa disso, em virtude duma tal invalidade pressupor uma falta de fundamentação total. Ao que acresce ainda a evidência de que a presente denúncia dos recorrentes se reporta a um assunto já decidido nos autos com a força de caso julgado formal, circunstância que sempre explicaria um qualquer silêncio do TCA sobre o tema. Soçobra, pois, a conclusão 4.a da revista.
Os recorrentes disseram ainda que o acórdão, ao pronunciar-se sobre o vício de forma, decidiu em contradição com os fundamentos que aduziu. Ora, nós já vimos que o TCA devia ter-se abstido de enfrentar esse assunto, já estavelmente decidido nos autos. Essa estabilização torna irrelevante tudo o que o TCA disse em excesso, seja isso correto ou incorreto, válido ou inválido. Mas nem sequer existe a «contradição» referida na conclusão 16.a dos recorrentes: pois o que o aresto verdadeiramente afirmou foi que as razões em que a nomeação se fundara não bastavam em face das exigências especiais que, em sede de fundamentação, o tipo legal do ato reclamava.
Assente que o acórdão «sub specie» não padece das nulidades que os recorrentes lhe imputam, atentemos na restante matéria da revista.
As duas primeiras conclusões são aqui irrelevantes, porque dirigidas à formação que recebeu o recurso.
E as conclusões 5.a a 15.a soçobram, já que continuam a insistir na ideia de que a deliberação impugnada não é um ato administrativo, quando tal assunto já foi definitivamente resolvido no processo, como «supra» dissemos e provámos.
Donde se conclui que o presente recurso não merece provimento.
(…)” – cfr. documento a fls. 76 a 86 do suporte físico do processo.
7) O ora Exequente exerceu funções no Centro Hospitalar de (...), E.P.E. até 09/05/2012, dia em que passou à situação de aposentação por limite de idade – cfr. documentos a fls. 598, 834 e 835 do suporte físico do processo.
8) A comissão de serviço que resultava da deliberação anulada tinha a duração de três anos, terminando, assim, em 04/04/2009 – facto não controvertido.

IV – Do Direito
Decidiu-se em 1ª instância:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar procedente a invocada existência de causa legítima de inexecução e determino a notificação das partes para, no prazo de 20 (vinte dias), querendo, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução.

Há desde logo uma perplexibilidade que resulta da decisão recorrida e que se prende com o facto de, em bom rigor a 1ª Instância ter, por assim dizer, decidido não decidir.

Infra se transcreve a parte final da Sentença Recorrida, segmento que conclui pela verificação de causa legítima de inexecução da decisão declarativa, pela singela razão que estando em causa a ocupação de um lugar de direção, e estando o Recorrente já aposentado, naturalmente que sempre se mostraria impossível a sua nomeação para o cargo, ao que acresce que está em causa uma comissão de serviço no triénio de 2006-2009.

Aqui chegados, importa referir que a pretensão do Recorrente visa predominantemente, e nas suas próprias palavras, que seja “proferido Acórdão a revogar a Sentença recorrida, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal a quo para realização das diligências instrutórias que se entendam necessárias à prova dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Recorrente ...”.

No que aqui releva, discorreu-se em 1ª Instância:
“(...) Espraiada a Jurisprudência e Doutrina que antecedem e atentando no caso dos autos, verifica-se que a presente execução incide sobre um julgado anulatório que se funda, precisamente, na existência de vício formal - a falta de fundamentação -, que, talqualmente como na Jurisprudência e Doutrina vertidas anteriormente, a execução do julgado anulatório em apreço sempre passaria pela repetição do ato, ou, dito doutro modo, pela renovação do ato, expurgado do vício que conduziu à anulação.
Posto isso, assumida a possibilidade e necessidade de execução do julgado em discussão, cumpre averiguar se ocorre causa legítima de inexecução.
De facto, existem casos em que a execução do julgado não pode ser realizada, quer porque a referida reconstituição é impossível, quer porque não é exigível atento o grave prejuízo para o interesse público que decorreria da mesma execução. Daí que, nesses casos, a lei admite que a Administração invoque ou que se reconheça essa impossibilidade ou essa inexigibilidade como fundamento para a recusa da reconstituição da realidade nos termos atrás mencionados, cumprindo ao Tribunal verificar da procedência dos fundamentos invocados e, sendo caso disso, desonerá-la da obrigação de executar a decisão judicial anulatória (cfr. artigos 175.º, n.º 2, e 163.º, n.º 1, ambos do CPTA).
De acordo com o n.º 1 do artigo 163.º do CPTA, só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o grave (agora excecional) prejuízo paraexcecionale público na execução.
Resulta do n.º 3 do artigo 177.º do CPTA que, não o tendo sido antes, pode ser invocada na contestação a existência de causas legítimas de inexecução.
Ora, o Tribunal entende que considerando o período temporal definido para o exercício do cargo em causa, o de Diretor de Serviço, por comissão de serviço por três, anos e decorrido esse período de tempo, ocorre a impossibilidade de o ora Exequente poder vir a exercer o cargo.
Efetivamente, já não é possível retomar o procedimento por referência ao triénio 2006-2009. Por decurso do período temporal a que corresponde o exercício do cargo de Diretor de Serviço, não é possível dar execução ao acórdão exequendo, ocorrendo causa legítima de inexecução, por impossibilidade fático-jurídica.
E, de resto, sempre se verifica a impossibilidade fáctico-jurídica de dar execução ao acórdão exequendo porque ocorreu, entretanto, a aposentação do Exequente. Existe, assim, uma outra causa legítima de inexecução, consistente na impossibilidade absoluta de executar, face à situação de reforma do Exequente. Isto é, uma impossibilidade superveniente absoluta e objetiva de o Exequente participar na execução do ato – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25/02/2009, processo n.º 047472A.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2018, página 1124: “(…), a instituição legal da impossibilidade absoluta como uma das modalidades que integram o instituto das causas legítimas de inexecução é útil e reveste-se de grande importância: não, naturalmente, para o efeito de permitir que a Administração não faça o que se tornou impossível fazer, mas para o efeito de estabelecer que, sempre que o cumprimento da obrigação a cargo da Administração se torne impossível, seja por que motivo for, esta tem de indemnizar o interessado no cumprimento pelo facto de se ver privado da situação em que esse cumprimento o deveria colocar”.
E não se diga que os atos do procedimento podem repetir-se apenas para se verificar quem seria nomeado no lugar em causa se o ato fosse validamente praticado. O que a Lei prevê é a repetição de atos administrativos eficazes, não de ficções. É que à possibilidade lógica e legal da repetição do ato obsta a realidade de o período temporal definido para o exercício do cargo em causa, o de Diretor de Serviço, por comissão de serviço por três anos, já ter decorrido, bem como a realidade de o Exequente já se encontrar desligado do serviço, pelo que, por uma e outra razão, nunca poderia o Exequente ser, hoje, nomeado para Diretor de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia, por referência ao triénio 2006-2009.
Determina o artigo 178.º, n.º 1, do CPTA, que o Tribunal ordena a notificação do exequente e do executado para acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução.
Na falta de acordo, seguem-se os trâmites previstos no artigo 166.º do CPTA.
Na interpretação deste preceito é pacífico o entendimento que se pretende por esta via legal assegurar ao exequente, no âmbito de um processo declarativo simplificado, uma compensação “pelo facto da inexecução”, e apenas por este facto.
“O processo executivo não podia proporcionar ao exequente a reparação de todos os possíveis danos que a atuação ilegal da Administração lhe pudesse causar. Não faz, por isso, sentido atribuir esse alcance ao mecanismo indemnizatório previsto neste artigo, que apenas visa compensar o exequente pelo facto de o processo executivo se ter frustrado” – cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, página 1079.
Remetendo para o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 20/01/2020, processo n.º 47578A: “I – O mecanismo indemnizatório previsto no artigo 166.º do CPTA visa compensar o exequente pelo facto de o processo executivo se ter frustrado e, com ele, o dever de executar o acórdão anulatório por parte da Administração (cf. artº 173º do CPTA) e o correspondente direito do exequente a essa execução. II – Sendo já impossível a execução do acórdão anulatório, torna-se também impossível a reapreciação da pretensão do exequente, daí a compensação prevista na lei para ressarci-lo dos danos decorrentes dessa impossibilidade, ou seja, os danos decorrentes da perda do direito à execução do acórdão anulatório, que alguns também denominam de expropriação da execução. III – Essa perda constituiu, em si, um dano para esfera jurídica do exequente, pois consubstancia a perda de uma situação jurídica, que lhe poderia proporcionar proventos patrimoniais (…)”.
Neste sentido também se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/12/2010, processo n.º 047579A.
Do que se trata é de determinar “uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado” – cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, página 821.
Entendimento que se firmou na jurisprudência sintetizada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/09/2009, recurso n.º 634/09, deste modo:
“i) o afastamento ilegal de um concurso, com perda de uma oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, com repercussão remuneratória, é um bem cuja perda é indemnizável e que (ii) não pode ser efetuada com exatidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no n.º 3 do art. 566º do C. Civil”.
Ou, como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25/02/2009, proc. 47472-A: “(…) entendemos que a perda da situação vantajosa da exequente merece ressarcimento, tendo em conta, primeiro, que a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho, a exequente estava em situação de poder vir a alcançá-lo, isto é, estava investida de uma oportunidade real, segundo, que esta é um bem em si mesmo, um valor autónomo e atual, distinto da utilidade final que potencia, terceiro, que, por isso, a perda da oportunidade de conseguir o ganho, não é uma mera expectativa mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração e quarto, que a perda da situação jurídica, por causa legítima de inexecução, dá lugar a um dever objetivo de indemnizar”.
Termos em que, perante todo o exposto, de facto e de Direito, será de julgar procedente a existência de uma causa legítima de inexecução do julgado anulatório (...)”

Em função do Recurso interposto, acompanhamos o sentido do discorrido em 1ª instância, quando entende ter-se verificado uma causa legítima de inexecução do julgado anulatório, ainda que nos afastemos já da igualmente entendida impossibilidade de fixação de indemnização por via da presente Execução.

Importa pois verificar o suscitado recursivamente.
São predominantemente suscitados os seguintes vícios:
a) Nulidade por oposição, ambiguidade, obscuridade entre os seus fundamentos e a decisão, que a tornam ininteligível
b) Nulidade por violação do princípio da proibição das decisões surpresa
c) Erro de julgamento quanto ao regime da execução das sentenças de anulação

Por uma questão de lógica argumentativa, comecemos por analisar o último dos vícios invocados, a saber, o Erro de Julgamento quanto ao regime da execução das sentenças anulatórias, pois que a verificar-se o mesmo, ficará desde logo prejudicada a análise dos restantes vícios, por desnecessidade.

Do Erro de Julgamento
Em síntese, verifica-se que entendeu o Tribunal a quo que a presente Execução não encontra suporte na decisão exequenda, na medida em que esta apenas determinou a anulação do ato administrativo objeto de impugnação, nada havendo, na sua ótica, a executar.

O Tribunal de 1ª instância entende que tendo sido peticionado na AAE enquanto prática de ato devido, apenas a condenação do Hospital a nomear o Recorrente como Diretor de Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de (...), não poderá em sede de execução peticionar a atribuição de uma indemnização, em decorrência da verificada causa legítima de inexecução do julgado anulatório.

Em qualquer caso, e ainda assim, o tribunal no segmento decisório da execução, determina a notificação das partes “para acordarem, no prazo de 20 (vinte) dias, nos termos do artigo 178.º, n.º 1, do CPTA, numa indemnização destinada a compensar o Exequente pelo facto de, por causa legítima, não se proceder à execução do acórdão anulatório”, dando aí por concluída a sua intervenção, e não tirando quaisquer ilações da eventual falta de acordo das partes quanto à fixação de indemnização.

É certo que nos termos do n.º 1, do artigo 178.º, do CPTA, “Quando julgue procedente a invocação da existência de causa legítima de inexecução, o tribunal ordena a notificação da Administração e do requerente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, podendo o prazo ser prorrogado quando seja previsível que o acordo se possa vir a concretizar em momento próximo”.

No entanto, na falta de acordo, terá o tribunal de intervir corretivamente, em face do que tal comando, não poderá ser, sem mais, a última intervenção do tribunal.

Com efeito, a indemnização pela perda do direito à execução pode e deve ser avaliada no processo de Execução.
Decorre do artigo 173.º, n.º 1, do CPTA que “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.”

Por outro lado, mas no mesmo sentido, refere-se no artigo 176.º, n.º 3, do CPTA, que “Na petição, o autor deve especificar os atos e operações em que considera que a execução deve consistir, podendo, para o efeito, pedir a condenação da Administração ao pagamento de quantias pecuniárias, à entrega de coisas, à prestação de factos ou à prática de atos administrativos.”

Em sede de pedido da originária Ação Administrativa Especial, peticionou o aqui Recorrente, designadamente, que “Deve a presente ação ser julgada procedente e ser anulada a deliberação do Conselho de Administração do R. de 4.4.2006, que nomeou como Diretora de Serviço de Otorrinolaringologia a R. Dra. M. e nomear como diretor desse serviço o A.”

Apenas o primeiro pedido foi julgado procedente nas várias instâncias Administrativas.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN em 13.01.2012, no âmbito do Processo n.º 73/05.0BEMDL-A “Na execução de julgado anulatório os atos e operações a ordenar pelo tribunal da execução são os mesmos que podia ter ordenado na ação especial, caso o autor tivesse cumulado o respetivo pedido.”

Afirmaram igualmente Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, 2010, Almedina, pág. 1115, que “(...) o pressuposto em que assenta o regime que se estabelece neste capítulo do Código é que tenha sido proferida uma sentença de anulação de um ato administrativo no âmbito de um processo de impugnação no qual, embora o pudessem ter sido, não tenham sido cumulados todos (ou pelo menos algum) dos pedidos elencados no artigo 47.º, n.º 2. Pois do que se trata é de regular um processo que – tal como anteriormente sucedia com aquele se encontrava regulado no Decreto-Lei n.º 256-A/77 – serve para complementar o processo de anulação de atos administrativos.”

Mais aí se refere que “Como é evidente, pois que se trata de apreciar, pela primeira vez, pretensões que, embora já pudessem ter sido apreciadas no processo de impugnação, não o foram, este processo vai ser um processo eminentemente declarativo, dirigido a condenar a Administração a extrair as consequências da anulação (ou declaração de nulidade ou inexistência) do ato administrativo.”

No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.05.2007, no âmbito do Processo n.º 030373A.

Assim, independentemente do que se venha a decidir a final, mostra-se perfeitamente legitimo que o Autor, em sede de Execução tenha peticionado que o Hospital procedesse, designadamente, “(...) ao pagamento de quantias pecuniárias correspondentes ao valor das remunerações, ajudas de custo, compensações, pensões e demais benefícios, por referência às funções de Diretor de Serviço, no triénio (2006-2009), que o ora Exequente deixou de auferir por meio da prática do ato administrativo cuja invalidade foi decretada, e que se calculam ser devidas num montante global de € 32.484,35 (trinta e dois mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), ao que deverá acrescer o pagamento dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, sobre todas as quantias acima referidas, desde as datas em que as deveria ter recebido até integral pagamento”.

Como referido já, tendo o Recorrente requerido em sede de Execução que “(...) deve ser proferido Acórdão a revogar a Sentença recorrida, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal a quo para realização das diligências instrutórias que se entendam necessárias à prova dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Recorrente”, importa encontrar uma solução conforme o regime lega vigente.

De facto e como se sumariou no recente acórdão deste TCAN nº 02150/06.0BEPRT-A de 31.01.2020 “Para mensurar a “Perda de Chance”, o Tribunal não se encontra vinculado ao apuramento do montante indemnizatório correspondente à perda sofrida pelo Exequente em face do ato anulado, o que determina que esteja dispensado do apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida em resultado da prática do ato anulado.
Não está em causa a atribuição de uma indemnização que se destine a cobrir todos os danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração, mas antes e apenas uma compensação decorrente da inexecução do julgado, em função da perda de oportunidade de poder obter um resultado favorável.”

Em função do peticionado, e sendo manifesto que se verifica uma causa legitima de inexecução da decisão anulatória originariamente adotada, confirmada em todas as instâncias, importa verificar se o Recorrente deverá ser compensado em resultado da impossibilidade de execução do julgado anulatório.

Como se sumariou no acórdão deste TCAN nº 814/2000-Coimbra, de 09.10.2015, “Em sede de execução de sentença a indemnização pela impossibilidade absoluta de executar a sentença exequenda configura caso de indemnização por perda de chance, devendo o dano sofrido corresponder à perda de oportunidade do exequente ser nomeado para o lugar posto a concurso.
Sendo impossível quantificar com rigor o grau de perda de chance, resta recorrer a um juízo de equidade, dentro dos limites do que se houver provado, no caso dos autos um grau reduzido, visto a lei prever essa forma de cálculo da indemnização sempre que não for possível averiguar o valor exato dos danos (art. 566º n.º 3 do CC)”

Refere Vera Eiró, in Novos temas da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, coordenação de Carla Amado Gomes e Miguel Assis Raimundo, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 5 de Dezembro de 2012, que “a «teoria da perda de chance» (nas suas diversas formulações) é a resposta dada, nalguns ordenamentos jurídicos e fundada essencialmente no labor da doutrina e da jurisprudência, aos casos em que, por força de um especial contexto da prática do ato lesivo, não é possível afirmar que os danos verificados não teriam ocorrido não fora a ilegalidade praticada. A teoria da perda de chance, pensando agora nas suas diversas formulações, permite portanto ultrapassar a lógica do tudo ou nada associada à responsabilidade civil e abre a porta à atribuição de uma indemnização mesmo quando não fique provado que o comportamento do lesante foi a causa adequada do resultado final.
Numa palavra, a «perda de chance» permite atribuir uma indemnização mesmo naqueles casos em que não é possível demonstrar a certeza do dano”.

Nas palavras de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra, 2ª ed. 2011, pag. 107-108, “quando se nos depare um pedido indemnizatório por inexecução de sentença, não pode falar-se, por conseguinte, numa indemnização correspondente ao interesse contratual negativo ou ao interesse contratual positivo, mas antes - e, designadamente, em situações de afastamento ilegal ou preterição num concurso - numa indemnização pela perda de oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, e que terá de ser fixada segundo critérios de equidade”.

Em concreto, a decisão recorrida limitou-se a “(...) julgar procedente a invocada existência de causa legítima de inexecução” mais determinando “a notificação das partes para, no prazo de 20 (vinte dias), querendo, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução”, não cuidando de verificar, caso as partes não chegassem a acordo, qual o passo seguinte a adotar, o que potencialmente geraria uma situação de denegação de justiça.

O valor que possa vir a ser estabelecido em sede de “Perda de Chance”, visa compensar o Exequente pelo dano decorrente da frustração da execução da decisão anulatória, não visando fazer face às despesas incorridas, ou às diferenças remuneratórias verificadas entre o lugar de origem e o almejado lugar de Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia, ou a eventuais danos não patrimoniais.

O que se pretende é assegurar uma indemnização que, sem cobrir a totalidade dos danos que o Exequente possa ter sofrido com o não provimento no lugar de Direção, o compense em resultado da impossibilidade de execução da sentença anulatória.

Tal não significa que esteja em causa uma indemnização que se destine a cobrir os danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração, mas antes e apenas uma compensação decorrente da inexecução do julgado, em função da perda de oportunidade de poder obter um resultado favorável.

Em face do exposto, pode concluir-se, que a invocação de causa legítima de inexecução, admitida judicialmente como válida, não permite conceder ao interessado uma indemnização típica da responsabilidade civil, mas antes a atribuição de uma compensação pela inexecução do julgado.

Efetivamente, o Tribunal não se encontra vinculado ao apuramento do montante indemnizatório correspondente à invocada perda sofrida pelo Exequente em face do ato anulado, o que determina que esteja dispensado do apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida em resultado da prática do ato anulado.

Independentemente da argumentação aduzida pelas partes, no que concerne à possibilidade do Exequente ocupar o lugar de Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia, tal não deixa de constituir uma mera conjetura, tanto mais que atenta a falta de fundamentação judicialmente declarada do ato anulado, tal impede a apreciação dos critérios adotados, bem como a ponderação e mensuração adotada, no âmbito da discricionariedade da Administração, insindicáveis nesta fase pelo Tribunal.

Assim, o único facto objetivamente relevante e suscetível de ser ponderado e mensurado do ponto de vista indemnizatório, prende-se com a perda de oportunidade ou perda de chance para o Exequente, em virtude da impossibilidade de repetição do procedimento anulado.

Reitera-se que, em função de tudo quanto supra se discorreu, na presente Execução apenas está em causa uma “compensação pelo facto da inexecução” (Mário Aroso e Fernandes Cadilha – CPTA Anotado – 3ª Ed – pag. 1079).
É certo que, não podendo reconhecidamente ser efetuada com exatidão a quantificação desta perda, é legítimo fixar essa indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no n.º 3 do art. 566.º do CC.
Neste Sentido vg acórdão do STA de 29-11-2005, recurso n.º 41321A.

Do que se trata pois é de determinar “uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado” (Mário Aroso de Almeida, “Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, pág. 821).

O que interessa é determinar como é que essa perda deve ser compensada.

É apenas essa perda que está em causa. O que falta determinar é o “dano de cálculo”, isto é, “a expressão pecuniária de tal prejuízo” (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª edição, pág. 545).

Atento o circunstancialismo do caso presente, afigura-se que efetivamente o tribunal não poderia fixar a indemnização senão através da formulação de um juízo equitativo (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil), não havendo, naturalmente, parâmetros únicos que devam ser considerados.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 02589/14.8BEPRT de 07.10.2016, aqui aplicável, mutatis mutandis, “(…) a apreciação do mérito científico e pedagógico dos trabalhos e da prestação de um candidato em matéria concursal, … insere-se no âmbito da discricionariedade técnica, competindo, no caso, ao júri a apreciação subjetiva, proferida no âmbito da sua livre, cientifica e legitima apreciação (…).”

Em qualquer caso, não podendo ficar demonstrado irrefutavelmente que o aqui Exequente teria seguramente direito ao lugar de Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia, ainda assim, e perante a anulação do procedimento, não se poderia ignorar a sua posição, sob pena de se lhe negar qualquer tutela.

É pois razoável admitir a “Perda de Chance” como fonte autónoma da obrigação de indemnizar para situações, como a vertente, em que está em causa a impossibilidade de ser retomado o Procedimento entretanto anulado, pelo que importará compensar o potencial lesado.

A figura da “Perda de Chance” tem como pressupostos a existência de um determinado resultado ainda que não apresentando como certo.

Se o tribunal anulou o procedimento, tal significa que o Exequente teria direito a que o mesmo fosse renovado, avaliando-se fundamentadamente o mérito de cada um dos candidatos.

Perante a impossibilidade de ser renovado o referido procedimento, impõe-se que o tribunal a quo, ao invés de se refugiar num mero comando determinativo que as partes cheguem a acordo, terá de adotar uma postura proactiva, mais interventiva, perante a eventual inexistência de acordo indemnizatório entre as partes.

Não dispondo o Tribunal do exato grau de probabilidade de que o aqui Exequente tinha de obter a almejada colocação no lugar de Direção em causa, não se mostra possível arbitrar uma indemnização sem recurso à equidade nos termos do artigo 566º, n.º 3, do CC, não sendo possível concluir com plena certeza que, independentemente da perda de Chance, viesse aquele a obter colocação pretendida.

Sublinha-se, mais uma vez, que não está em causa a concessão ao Exequente de uma indemnização típica da responsabilidade civil, mas antes a atribuição de uma compensação pela mera inexecução do julgado, o que terá de ser refletido no eventual montante a atribuir.

Atenta a solução adotada, fica prejudicada, por desnecessidade, a análise dos restantes vícios suscitados, pois que mesmo que procedessem os mesmos, nunca a decisão a proferir seria diversa daquela que se adotará.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao Recurso:
a) Revogando-se a Sentença Recorrida;
b) Determinando-se a baixa dos Autos ao Tribunal de 1ª Instância para que possa ser promovida a notificação das partes para “acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução do julgado”;
c) Perante a eventual falta de acordo das partes quanto ao valor indemnizatório a fixar, deverá o tribunal de 1ª Instância promover a fixação de um valor, em função da verificada impossibilidade de execução do julgado anulatório, a título de “Perda de Chance”.
*
Custas pelo Recorrido
*
Porto, 18 de dezembro de 2020


Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa