Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00250/15.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/29/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:REVERSÃO
GERÊNCIA
CULPA
Sumário:I - Revelando o material probatório dos autos que o oponente exerceu o cargo de gerente da sociedade devedora originária no período de constituição da dívida tributária (IRC/2008), cujo prazo de pagamento terminou (29/02/2012), já depois do exercício comprovado do cargo, a reversão só podia operar nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º24.º da LGT, o que vale por dizer que a prova dos pressupostos constitutivos da culpa do oponente na situação de insuficiência patrimonial da sua gerida para solver a dívida cabia à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:I...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE
1 – RELATÓRIO
I…, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º3190201201037102 contra si revertida e originariamente instaurada contra “D.,.., S.A.” por dívidas de IRC referentes a 2008 e acréscimos legais, perfazendo o montante de 1.770.718,10€.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.272).
Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
1. É importante e decisivo para a apreciação da questão material submetida a juízo o aditamento aos factos provados dos seguintes dois novos factos;
9-A - Do mesmo documento referenciado no ponto anterior decorre que a 31 de Dezembro de 2007 a D…, SA apresentava empréstimos bancários de custo prazo de €24 976 167,36.
10-A - Do mesmo documento referenciado no ponto anterior decorre que a 31 de Dezembro de 2008 a D…, SA apresentava empréstimos bancários de curto prazo de €3 019 683,37.
2. Destes factos decorre que após a transmissão de imóveis realizada no dia 19 de Novembro de 2008, pelo preço de € 22 592 757,00, referida no ponto 8 dos factos provados, os empréstimos bancários (de curto, médio e longo prazo) se reduziram em € 24 920 411,82.
3. A alienação dos ativos da sociedade conduziu a uma redução das existências no valor de €22 174 643,73 para €3 629 751,65, tendo existido uma redução dos débitos bancários que excedeu esta diminuição.
4. Dos referidos pontos 9-A e 10-A decorre claramente que o produto da venda foi utilizado para pagamento de dívidas a entidades bancárias.
5. Assim, conclui-se que não houve da parte do oponente qualquer conduta culposa na diminuição do património da sociedade executada que tenha provocado a insuficiência do mesmo para responder ás dividas fiscais, que no caso das dívidas exequendas, são de génese o vencimento ulterior à alienação de imóveis para pagamento de passivo bancário.
6. A sentença recorrida deve ser alterada através do aditamento da matéria de facto relevante ao nível da eventual existência ou não de culpa do revertido.
7. Por outro lado, ao nível da decisão de direito, a douta sentença recorrida violou o disposto no n° 1 do artigo 24º da LGT (em ambas as suas alíneas), ao considerar que estavam verificados os pressupostos da reversão.
8. O recorrente terminou as suas funções de administrador, pelo menos, em 22/12/2008.
9. O facto tributário de que resulta a dívida exequenda ocorreu em 31/12/2008.
10. O prazo de pagamento da dívida tributária correspondente terminou em Maio de 2008.
11. Em qualquer das duas datas, o recorrente já não era administrador da devedora originária.
12. O julgado recorrido errou quando considerou preenchidos os pressupostos da reversão, uma vez que nos factos provados não há qualquer referência no sentido de que a insuficiência de património tenha resultado de culpa do revertido.
13. Por outro lado, o despacho de reversão, e as informações que o suportam, não contêm qualquer referência à culpa do revertido e neste caso a AT não goza de qualquer presunção legal da existência dessa culpa.
14. A citação da reversão não contém qualquer referência aos elementos essenciais da liquidação que deu origem á dívida revertida.
15. Ao considerar que o despacho de reversão contém todas as referências e fundamentações obrigatórias previstas na lei, a sentença recorrida violou o nº 5 do artigo 22º e o n° 4 do artigo 21° da LGT.
E consequentemente,
Deve ser o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a sentença recorrida e dando-se provimento à Oposição.
Como é de inteira JUSTIÇA».
A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.
2 – DO OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente (cf. artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC), são estas as questões que importa decidir: (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto, tendo omitido do probatório factos provados com relevância para a decisão; (ii) se a sentença, em vista do probatório, incorreu em erro de julgamento ao fazer recair sobre o oponente o ónus da prova da ausência de culpa na insuficiência patrimonial da executada para satisfazer a dívida; (iii) se, no caso, o acto de reversão deveria integrar os pressupostos da culpa do oponente na situação de insuficiência patrimonial da executada; (iv) se a omissão, no acto de citação, dos elementos essenciais relativos à liquidação da dívida inquina a legalidade da reversão.
3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

FACTOS PROVADOS

1- A Administração Tributária, em 2012, instaurou o Processo de Execução nº 3190201201037102 contra a sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, com vista à cobrança coerciva de créditos de IRC referentes a 2008, no montante de € 1.383.238,70, acrescido de juros contabilizados em € 141.583,00, que corre termos no Serviço de Finanças do Porto-5.
2- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 103 que constitui cópia do “print” da lista de pedidos de penhora relativos à sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5….
3- No processo de execução fiscal identificado em 1 foi determinada a notificação do ora Oponente, I…, para exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão da execução, nos termos exarados no ofício que se encontra a fls. 90 e se dá por reproduzido, datado de 15/4/2015, que foi remetido ao Oponente acompanhado da documentação de fls. 91/92 da qual se extracta, “OBJECTO E FUNÇÃO DA NOTIFICAÇÃO
(…) determinei a preparação do processo para efeito de reversão da(s) execução(ões) fiscal(ais) infra indicada(s) contra V. Exª., na qualidade de Responsável Subsidiário.
Face ao disposto nos normativos do nº 4 do Artº. 23º e Artª. 60º da Lei Geral Tributária, fica notificado(a) para, no prazo de __ dias a contar da presente notificação, exercer o direito de audição prévia para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Exª. (…)
IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO
D… SA
(…)
PROJECTO DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis subsidiários, sem prejuízo do benefício da excussão (artº 23º/ nº 2 da LGT)
Insuficiência de bens do devedor originário (artigos 23º/ 1 a 3 da LGT e 153º/1/2/b/ do CPPT) decorrente do resultado de penhoras efectuadas por este órgão de execução fiscal sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento ou entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis.
TOTAL DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA
TOTAL 1.524.821,72 EUR
PER TRIB D. LIM PAG VOL TRIBUTO VALOR
2008-01-01 2008-12-31 2012-02- 29 IRC 1.383.238,72
2008-01-01 2008-12-31 2012-02- 29 IRC juros 141.583,72
TOTAL (EUR): 1.524.821,72”
4- O Oponente, em 8/9/2014, apresentou no Serviço de Finanças do Porto – 5, o requerimento que se encontra a fls. 17 e se dá por reproduzido, do qual se extracta, “Tendo sido notificado para exercer o direito de audição no âmbito do projecto de decisão de reversão referente à execução fiscal supra referenciada, cumpre-me transmitir que, à data (2008), não exercia de facto qualquer função de gerência na empresa D…, sendo mero consultor para a avaliação imobiliária com vista a possíveis investimentos. Isso mesmo poderá ser atestado pelo então presidente do Conselho de Administração. Assim sendo, solicito que o projecto de reversão seja anulado.”.
5- Em 9/10/2014, no Processo de Execução Fiscal identificado em 1, foi lavrada a informação e despacho de reversão que constam a fls. 94/96, documentos que se dão por reproduzidos, dos quais se extracta, “(…) Atendendo à informação que antecede e verificando-se que o projectado revertido não logrou provar as alegações da petição apresentada e confirmando-se que estão reunidos os pressupostos necessários para que seja elaborado o despacho de reversão deverá prosseguir o presente projecto.
(…) A dívida em cobrança nos presentes autos é relativa ao IRC do ano de 2008 na importância de € 1.524.821,72 (…)
Pela consulta à certidão do Registo Comercial que antecede são gerentes da sociedade desde a sua constituição (08-10-2007) o exponente que renunciou à gerência em 22/12/2008, C… (nif: 2…) que renunciou à gerência em 28/10/2011 e A…;
Pela consulta às informações prestadas pelo Instituto da Segurança Social, verifica-se que desde 2007/10 descontaram como Membros do Órgão Estatutário (MOE s) da sociedade devedora originária, A… até 09/2012, C… até 09/2012 e I… até 05/2008.
Nas reversões automáticas, um dos fundamentos da gerência de facto baseia-se na existência da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária onde o sistema identifica os gerentes e administradores que, constando do cadastro, auferiram remuneração da categoria A na devedora originária e nos períodos em questão, tendo por base o cruzamento efectuado com as declarações modelo 3 e modelo 10 do IRS.
(…)
Conforme se verifica, também I… , auferiu rendimentos da categoria A no ano de 2007 e 2008 e interveio em negócios da sociedade como administrador em 19/11/2008 conforme se constata da escritura de compra e venda agora junta aos autos.
Desta forma entendo que será de prosseguir a reversão contra o projectado revertido, por estarem reunidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária nos termos do nº 1 do artigo 24º da LGT”.
6- O Oponente foi citado como revertido em 22/10/2014.
7- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 99/102 que constitui cópia da nota curricular do Oponente, publicada na página da “E...”, da qual se extracta, “Em finais de 2009, é reconduzido como administrador executivo da E..., E.M.M., em referência ao mandato com término em 2013;De Novembro de 2007 até Novembro de 2010, é administrador da P…, S.A. (…) Como empresário (…)Desenvolveu, em nome individual, diversas promoções directas de construção para venda;
Em 2001, funda a D…, S.A. (50%) de que é administrador;
Em 2001, funda a “A…, Lda.”, (50%), de que é sócio-gerente;
Em 1997, funda a “S…, Lda.”, (50%), de que é gerente;
Em 1993, adquire 50% das quotas da D…, Lda.;
Em 1984, funda a E…, S.A.;
Em 1975, funda a D…, Lda., gabinete de projectos.”
8- No dia 19/11/2008, no Cartório Notarial de Lisboa, perante a Notária J…, A… e I…, na qualidade de administradores da sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, declararam vender ao Fundo representado pelos Segundos Outorgantes, pelo preço de € 22.592.757,00, os imóveis identificados no documento de fls. 104/134 que se dá por reproduzido.
9- Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 137/160 que constitui a Informação Empresarial Simplificada e anexos da sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, relativa ao exercício de 2007, da qual consta que as obrigações a médio e longo prazo contraídas junto das instituições bancárias ascendem a € 9.912.837,31, e as existências contabilizadas elevam-se a € 22.174.543,73.
10- Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 162/186 que constitui a Informação Empresarial Simplificada e anexos da sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, relativa ao exercício de 2008, da qual consta que as obrigações a médio e longo prazo contraídas junto das instituições bancárias ascendem a € 6.948.909,48, e as existências contabilizadas elevam-se a € 3.629.751,55.
11- Na Conservatória do Registo Comercial do Porto, pela Ap.24/20071019 foi registado o contrato de constituição da sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, nela figurando como membros do Conselho de Administração A…, C… e I….
12- Na Conservatória do Registo Comercial do Porto, pela Ap.6/20090121, foi registada a renúncia, em 22/12/2008, por parte do Oponente, ao cargo de vogal do Conselho de Administração da sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5….
13- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 27/28 constituído por cópia de um “print” da Segurança Social relativo às remunerações auferidas por A…, na qualidade de Membro de Órgão Estatutário, da sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, desde Outubro de 2007 a Setembro de 2012.
14- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 29 constituído por cópia de um “print” da Segurança Social relativo às remunerações auferidas por C…, na qualidade de Membro de Órgão Estatutário, da sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, desde Outubro de 2007 a Setembro de 2012.
15- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 30 constituído por cópia de um “print” da Segurança Social relativo às remunerações auferidas por I…, na qualidade de Membro de Órgão Estatutário, da sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, desde Outubro de 2007 a Agosto de 2008.
16- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 32 constituído por cópia de um “print” da Administração Tributária relativo aos rendimentos declarados por I…, referente aos exercícios de 2006 a 2012, entre os quais constam remunerações pagas pela sociedade comercial “D…, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, auferidas em 2007 e 2008, respectivamente nos montantes de € 18.056,16 e € 30.093,60.
17- A presente oposição foi apresentada sob registo postal de 22/12/2014.

FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir, designadamente não se provou que o Oponente, em 2008, não exercesse qualquer função na devedora originária, sendo um mero consultor para avaliação imobiliária de possíveis investimentos, e que a única actividade “exercida a tempo inteiro, sempre foi a de Presidente do Conselho da Administração da empresa E…, E.M.”, actividade que o impedia de exercer qualquer outro cargo, nem que o produto da venda aludida em 8 do probatório tivesse sido utilizado para pagamento de dívidas a entidades bancárias.
*
A factualidade provada resultou da matéria alegada e não contestada, da prova documental junta aos autos referida no probatório, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º Código de Processo Civil, bem como da análise crítica do depoimento das testemunhas inquiridas.
A testemunha A… foi gestor de projectos nas sociedades comerciais “S…, Lda.” e “D…, S.A.”, e declarou que o Oponente era administrador formalmente, “tinha uma presença muito pontual, só interagia com o A…”, fazia avaliação de terrenos e “depois haveria alguma interacção com o A…”.
Em relação a reuniões com terceiros declarou: “Não digo que não pudesse participar, mas a «linha da frente» era o A…”. Contudo, assumiu que nunca assistiu a essas reuniões, e portanto não sabia o que lá se passava, e nem sequer sabia qual o vencimento auferido pelo Oponente, tendo ainda declarado que o mesmo não controlava as contas bancárias da sociedade e nunca assinou qualquer escritura em representação da sociedade, o que contraria frontalmente a prova documental junta aos autos, designadamente o documento de fls. 104/134, levado ao probatório em 8.
Confrontado com a existência deste documento esclareceu que “terá sido o desfecho do negócio, quando estava em liquidação”, explicação que não convence pois a sociedade manteve-se em actividade pelo menos durante 4 anos, até 2012, data em que ainda efectuou pagamento de remunerações aos restantes administradores.
A testemunha Maria da Conceição Carneiro foi trabalhadora da devedora originária desde 2007 até 2010, como secretária de André Marques, que a entrevistou e contratou, embora tivesse sido apresentada pelo Oponente, a quem também secretariou, “mesmo no início”, nas instalações da devedora principal, designadamente elaborou e enviou cartas e um ou outro fax por ordem do Oponente.
Declarou que o Oponente lhe entregou uma carta, em finais de 2007, de renúncia ao cargo de administrador, afirmação contrariada pelos elementos documentais juntos aos autos que apontam para a renúncia em finais de 2008, que foi registada em 2009. Esta afirmação revela alguma preocupação e tentativa de afastar a responsabilidade do Oponente.
Esclareceu ainda que o Oponente era o administrador que menos vezes se deslocava às instalações da sociedade, e que o André Marques “tinha que confirmar as ordens dadas pelos outros administradores”. Tal afirmação está em manifesta oposição com a prova documental junta aos autos e com o seu depoimento inicial, e com o depoimento da anterior testemunha, pois declarou que o Oponente nunca assinou nada, e não iam à Maia para colher a sua assinatura, mas “se fosse urgente iam”. Declarou que não havia reuniões da administração (!!!), e que era o André Marques que decidia os negócios, mas nunca assistiu a conversas entre o Oponente e o André Marques, e nem sequer se recorda se emitiam recibo de vencimento em relação ao Oponente e à outra administradora.
Confrontada com a enorme discrepância de vencimentos do Oponente e da testemunha André Pinto, que também efectuava avaliações, declarou que seria “porque o Oponente era sócio”.
O seu depoimento não convenceu o tribunal, e acabou por reforçar a convicção de que o Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade uma vez que esta testemunha recebeu ordens do Oponente para quem efectuou trabalho de secretariado, assinou documentação em representação da sociedade, e participou nas reuniões para tomada de decisões da sociedade.
A testemunha Luís André Branco Brito, Engenheiro Civil na “E…, E.M.M.”, declarou que o Oponente é o único administrador dessa entidade, que obriga a “intensa actividade” pois gere 2500 fracções habitacionais e 1000 fracções não habitacionais, com 7 assistentes sociais e 26 trabalhadores.
Acabou por reconhecer que o Oponente se deslocava às instalações dessa entidade todos os dias, mas que se “ausenta pontualmente”, quer em deslocações à Câmara da Maia quer a Lisboa, pelo que pode ter outra actividade.
Curiosamente declarou desconhecer a sociedade comercial “D…”, desconhecimento em que se não crê dadas as relações que mantém com o Oponente, e tendo em conta que a sua criação consta da nota curricular do Oponente levada ao probatório em 7, que se encontra publicada na página da “E...”, entidade patronal da testemunha. Este depoimento revelou uma nítida preocupação em afastar a possibilidade do Oponente exercer outras actividades, versão desmentida pela prova documental junta aos autos, designadamente pela nota curricular já referida, e pelo depoimento da testemunha K… que aludiu à existência de mais dois administradores daquela entidade.
A testemunha K…, Jurista na “E…, E.M.M.”, declarou que o Oponente é o único administrador dessa entidade, mas há mais dois administradores não executivos. Declarou que o Oponente, além desta entidade, também foi administrador da “P…”, e apesar do Oponente se deslocar à “E…” diariamente, onde “entrava cedo e saía tarde por causa do trânsito”, ausentava-se para reuniões com o Presidente da Câmara da Maia, administração de condomínio, e “não sabe se para tratar de assuntos dele” pois tem ideia de que o Oponente era sócio de uma empresa imobiliária.
A factualidade não provada resultou da inexistência de prova credível relativamente a tais factos, para além da prova documental e testemunhal acima mencionada, da qual resultou inequivocamente que o Oponente se dedicava a outras actividades, desconhecendo-se qual o destino do produto da venda aludida em 8».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Pretende o Recorrente que sejam levados ao probatório os seguintes dois factos e deles extraídos outros dois factos:

«9-A. Do mesmo documento referenciado no ponto anterior decorre que a 31 de Dezembro de 2007 a D…, SA apresentava empréstimos bancários de custo prazo de €24 976 167,36.
10-A - Do mesmo documento referenciado no ponto anterior decorre que a 31 de Dezembro de 2008 a D…, SA apresentava empréstimos bancários de curto prazo de €3 019 683,37».

De facto, a prova documental indicada, nomeadamente, a informação financeira constante de fls.142 e 167, suporta objectivamente a alegação de que à data de 31/12/2007 e 31/12/2008, os balanços da sociedade executada relativos a esses períodos reflectiam na rubrica do passivo, respectivamente e para além dos empréstimos de médio e longo prazo que a sentença relevou, empréstimos bancários de curto prazo de 24.976.167,36€ e 3.019.683,37€; como suporta a alegação de que o balanço relativo a 31/12/2007 reflectia na rubrica do activo «existências» no valor de 22.174.543,53€ (fls.140) e o relativo a 31/12/2008, reflectiva «existências» no valor de 3.629.751,55€ (fls.165). E que o valor dos débitos bancários de curto, médio e longo prazo reflectidos no balanço de 31/12/2008 apresenta uma redução face a 31/12/2007 superior à que reflecte o activo das existências. Todavia, tal prova documental, exclusivamente de relato financeiro, não suporta objectivamente a afirmação de que o produto da venda dos activos da sociedade referido no ponto 8 do probatório foi todo ele destinado à redução dos débitos bancários, de curto, médio e longo prazo, à falta de elementos de natureza contabilística que titulem as operações de redução do passivo e permitam uma conciliação congruente e consistente com as operações de alienação de bens do activo no período considerado.

Assim, aditam-se ao probatório os seguintes factos, por susceptíveis de revestirem interesse para a decisão da causa:

18. À data de 31/12/2007 e 31/12/2008, os balanços da sociedade executada relativos a esses períodos reflectiam na rubrica do passivo, respectivamente e para além dos empréstimos bancários de médio e longo prazo, empréstimos bancários de curto prazo de 24.976.167,36€ e 3.019.683,37€;
19. O balanço relativo a 31/12/2007 reflectia na rubrica do activo, «existências» no valor de 22.174.543,53€ (fls.140) e o relativo a 31/12/2008, reflectiva «existências» no valor de 3.629.751,55€ (fls.165);
20. O valor dos débitos bancários de curto, médio e longo prazo reflectidos no balanço de 31/12/2008 apresenta uma redução face a 31/12/2007 superior à que reflecte o activo das «existências».

Estabilizado o probatório, avancemos no conhecimento das demais questões recursivas, sendo que o Recorrente aponta à sentença erro de julgamento quanto ao regime normativo aplicável à reversão, pois o probatório não suporta a conclusão de que exercia a gerência da devedora originária no período subsequente a 22/12/2008, data em que renunciou ao cargo de gerente e após a qual se venceu a dívida em cobrança. Vejamos.

Constitui jurisprudência pacífica do STA que “a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos” – cf. Acórdão daquele alto tribunal de 29/06/2011, proferido no proc.º0368/11.

Estando em causa dívidas de IRC e juros compensatórios relativas ao exercício de 2008, como se alcança do ponto 3 do probatório, o regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o decorrente do art.º24.º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o citado normativo, no segmento relevante:
“1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Como lapidarmente se sintetiza no acórdão do TCA Sul de 08/05/2012, tirado no proc.º05392/12 e que reflecte a linha de jurisprudência que tem vindo a ser seguida no STA quanto ao regime normativo aplicável à reversão contra responsáveis subsidiários, «Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do artigo 24.º, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr. al. b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24.º, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr. Sérgio Vasques, “A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária”, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, “Lei Geral Tributária comentada e anotada”, Vislis, 2003, pág.142 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, “C.P.P.Tributário anotado e comentado”, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.342 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b) do artº.24, da L. G. Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr. al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac. S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10)».

Assim, importa desde já indagar se o termo do prazo legal de pagamento da dívida (29/02/2012) ocorreu durante o período da gerência do oponente, aqui Recorrente, ou depois desse período, pois esse elemento é determinante no regime aplicável de repartição do ónus da prova da culpa na insuficiência patrimonial da sociedade executada para solver a dívida.

Como se deixou consignado no Acórdão do STA, de 02/03/2011, tirado no proc.º0944/10, «…não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar».

Posto isso e regressando ao caso em apreço, conforme se alcança do ponto 5 do probatório, a reversão operou contra o oponente, com base nos seguintes factos: (i) a dívida é relativa a IRC do ano de 2008; (ii) oponente renunciou à gerência em 22/11/2008; (iii) por consulta à Segurança Social, descontaram como membros do órgão estatutário da sociedade devedora originária…I… (oponente), até 05/2008; (iv) o oponente auferiu rendimentos da categoria A na devedora originária nos anos de 2007 e 2008; (v) interveio em negócios da sociedade, como administrador, em 19/11/2008, conforme se constata da escritura de compacta e venda junta aos autos.

Da prova produzida em tribunal, resultou «não provado» que o oponente, em 2008, não exercesse qualquer função na devedora originária, sendo um mero consultor para avaliação de possíveis investimentos, como alegado na petição inicial.

A factualidade em causa, quer a que integra os pressupostos da reversão e que foi assumida no probatório (pontos 11, 12, 15 e 16), não impugnado nesse segmento, quer a resultante da prova produzida em tribunal, se permite concluir, num juízo de normalidade, pelo exercício efectivo das funções de gerente do oponente na sociedade devedora originária pelo menos até à data da renúncia ao cargo em 22/11/2008, nada revela quanto à continuidade do exercício do cargo para além dessa data e, nomeadamente, quanto à efectividade do cargo à data de 29/02/2012, que corresponde à do termo do prazo de pagamento da dívida (cf. certidão de dívida a fls.16 e 16v.).

Na verdade, nada há nos autos que suporte minimamente a conclusão de que o oponente exercia o cargo de gerente da executada, bem que só de facto, à data do termo do prazo de pagamento da dívida (29/02/2012). Tudo o que os autos evidenciam é que o oponente foi gerente inscrito da sociedade executada e exerceu as correspondentes funções no período de constituição da dívida tributária exequenda, mas nada resulta dos elementos dos autos quanto à efectividade dessas funções na data em que ocorreu o termo do prazo de pagamento da dívida.

Nesse pressuposto entendimento, a Administração tributária, se queria fazer operar a reversão nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT e desonerar-se do ónus da prova dos factos constitutivos da culpa do oponente na insuficiência patrimonial da devedora originária para solver as suas obrigações tributárias, tinha primeiro de demonstrar factos que evidenciassem (ou partindo dos quais se pudesse concluir num juízo de normalidade) a efectividade do cargo de gerente do oponente na executada sociedade à data do termo do prazo de pagamento da dívida tributária, ónus de que se não desincumbiu minimamente e lhe competia enquanto titular do direito de reversão.

Revelando os elementos dos autos que o oponente aqui Recorrente, exerceu o cargo de gerente da sociedade devedora originária no período de constituição da dívida tributária (IRC/2008), cujo prazo de pagamento terminou já depois do exercício comprovado do cargo (29/02/2012), a reversão só podia operar nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º24.º da LGT (salientando-se que nenhuma alínea foi expressamente invocada no despacho de reversão), o que vale por dizer que a prova dos pressupostos constitutivos da culpa do oponente na situação de insuficiência patrimonial da sua gerida para solver a dívida cabia à Fazenda Pública.

Ora, a Fazenda Pública nenhuma prova produziu, ou sequer ensaiou, visando a demonstração de factos integrativos da culpa do oponente na situação de insuficiência patrimonial da sua gerida pelo que a ausência de prova a tal respeito contra ela tem de ser valorada, que é a parte onerada com a prova dos pressupostos da culpa, julgando-se o oponente parte ilegítima na execução por «não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida» (art.º204.º, n.º1 alínea b), do CPPT).

Cumpre salientar que o que a sentença refere em sede de apreciação jurídica da culpa – “que a alienação dos activos da sociedade fez variar as existências de um valor de €22.174.543,73 para €3.629.751,55, sem a correspondente diminuição dos débitos bancários da sociedade a médio e longo prazo”, sendo verdade, não reflecte rigorosamente a realidade das coisas, porque como resulta do aditado probatório a sociedade contava no passivo do balanço a 31/12/2007 com dívidas bancárias de curto prazo, que se consideradas, reflectem uma redução em 31/12/2008 na dívida bancária em todos os prazos superior à variação do activo das «existências» por alienação de bens.

A sentença recorrida ao concluir com base na factualidade dos autos que ao oponente incumbia provar que a falta de pagamento das quantias em execução não lhe pode ser imputada, designadamente, que a não satisfação dos créditos fiscais decorrente da insuficiência do património da sociedade não lhe pode ser assacada (fls.250/251), incorreu em erro de julgamento quanto ao critério concretamente aplicável de repartição do ónus de prova, não podendo manter-se na ordem jurídica.
O recurso merece provimento por este fundamento, sendo inútil conhecer das restantes questões suscitadas por em nada aproveitarem ao Recorrente.
5 - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição.
Custas a cargo do Recorrido em 1.ª instância (não contra-alegou).
Porto, 29 de Setembro de 2016
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro