Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00187/22.1BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:PROCESSO CAUTELAR;
PERICULUM IN MORA
Sumário:1. Compete ao requerente de uma providência cautelar alegar factos que importem a verificação do requisito periculum in mora, seja na vertente de receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, sendo certo e consabido que não são as meras conclusões ou proposições conclusivas que podem substanciar esse requisito; o que pode ser objecto de prova, seja documental ou mesmo testemunhal, são factos, não conclusões.
2. A prova testemunhal destina-se a comprovar factos alegados, impugnados, que não meras conclusões, pelo que nenhum dever processual a cargo do juiz impõe a correcção alegatíoria, seja pelo convite a um aperfeiçoamento, seja por um entendimento correctivo, olvidando a independência e equidistância de ambas as partes, sem que se possa perspectivar qualquer violação, quer do dever de gestão processual, quer ainda do princípio de um processo equitativo.
Recorrente:FREGUESIA de P… e C...,
Recorrido 1:INSTITUTO de FINANCIAMENTO de AGRICULTURA e PESCAS, I.P. (IFAP)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I. RELATÓRIO
1. A FREGUESIA de P… e C..., com sede no Largo ..., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Viseu, datada de 07 de Setembro de 2022, que julgou totalmente improcedente o Processo Cautelar que havia instaurado contra o INSTITUTO de FINANCIAMENTO de AGRICULTURA e PESCAS, I.P. (IFAP), no qual requeria a suspensão da eficácia da deliberação do Requerido/Recorrido através da qual foi modificado unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas, ordenando a reposição do apoio recebido no valor de 18.517,28€, recebido a título de subsídio ao investimento.
*
2. Nas suas alegações recursivas, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que, julgou improcedente o Procedimento Cautelar de Suspensão da Eficácia da decisão da Vogal do Conselho Directivo da Entidade da Recorrida, que determinou a reposição do apoio recebido no valor de €18.517,28, no âmbito da operação da Recorrente com o nº 02...18, porquanto entendeu o Tribunal a quo que “(...) “Do periculum in mora “.. analisada a alegação feita pela Requerente, outra conclusão não pode este Tribunal retirar senão a de que não se encontram minimamente alegados, de forma concreta e circunstanciada, os factos que entende consubstanciarem o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação. (...) (.....) Assim, nada mais resta ao Tribunal senão do que dar como não verificado, in casu, o requisito do periculum in mora (art.º 120º, n.º 1, primeira parte do CPTA)” Cfr. fls. 18 a 22 da Sentença. [sublinhado nosso]
B) Salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, incorre em: Erro de julgamento ao não admitir os meios de prova requeridos pela Requerente, aqui Recorrente, e que o despacho a quo viola o dever de gestão processual consagrado nos art.º 7º-A e 118º n.º 1 e 5 do CPTA; Insuficiência da matéria de facto prevista na sentença. Faz uma incorreta interpretação dos factos e do direito aplicável, tendo em conta os factos dados como provados na sentença, considerando só os documentos juntos aos autos, conforme se retira da sentença.
C) Com efeito, a Recorrente no seu requerimento inicial, veio, além do mais, requerer a produção de prova testemunhal, indicando as testemunhas seguintes: “PROVA TESTEMUNHAL: AA, Presidente da Junta de Freguesia de Prova e C..., com domicílio profissional no Lugar da ...; BB, com domicílio profissional no Lugar da ...;”
D) Por despacho prévio à prolação da Sentença recorrida, o Tribunal a quo, indeferiu a diligência de prova requerida, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente, porquanto, entendeu que “Atentos os documentos juntos aos autos, considero que tais elementos de prova permitem o apuramento de todos os factos relevantes para a prolação de decisão. Por conseguinte, estando em causa matéria exclusivamente de direito e não existindo matéria de facto controvertida sobre a qual deva ser produzida prova adicional, a realização de diligências de prova consubstanciaria a prática de actos meramente dilatórios e inúteis, tendo desde logo em atenção que estamos em presença de autos de processo cautelar que, pela sua urgência, exigem e pressupõem uma análise meramente sumária e a prolação de uma decisão célere. Assim, ao abrigo do disposto no art.º 118º, n.os 3 e 5 do CPTA, dispenso a produção da prova testemunhal. Outrossim, indefiro o requerido pela Requerente no requerimento que antecede [fls. 4262 do SITAF], por se afigurar inútil para a decisão a proferir (art.º 130º do CPC, aplicável ex vi art.º 1º do CPTA).”
E) Entende-se que, o despacho “a quo” viola o dever de gestão processual consagrado nos art.ºs 7º-A e 118º n.º 1 e 5 do CPTA;
F) Ao não admitir os meios de prova requeridos pela Requerente, o despacho a quo pôs em crise as condições do processo para a justa composição do litígio.
G) A matéria articulada nos art. 132º a 148º do requerimento inicial da providência contem verdadeiros factos que consubstanciam o requisito do “periculum in mora” para o decretamento da providência.
H) A matéria articulada nos art. 132º a 148º do requerimento inicial pode ser provada por prova documental, testemunhal ou pela tomada de depoimento do representante legal da Recorrente.
I) As testemunhas indicadas pela Recorrente eram precisamente o Presidente e Tesoureiro da Junta de Freguesia de C..., que visavam comprovar a incapacidade financeira da Requerente para o pagamento da quantia exigida no ato suspendendo, consubstanciando o requisito do “periculum in mora”.
J) A prova testemunhal indicada é relevante, senão mesmo essencial, para provar que, a não suspensão da decisão, causará à recorrente prejuízos não apenas de difícil reparação mas mesmo de natureza irreparável, na medida em que tratando-se de uma Autarquia Local, que depende essencialmente de receitas/apoio financeiro que recebe do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), i. é uma subvenção geral consagrada na lei que estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais, prevista no n.º 1 do artigo 25.o conjugado com o artigo 27.o da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, não tem qualquer capacidade para devolver no imediato os subsídios que lhe foram atribuídos, sem por em causa o cumprimento dos demais encargos financeiros previstos no orçamento da autarquia (esclarecendo ainda quais os recursos financeiros, disponíveis anualmente, qual o orçamento e ou se detém outras receitas próprias), porquanto, os subsídios pagos à Recorrente foram por esta integralmente aplicados na execução dos trabalhos previstos na operação.
K) Por outro lado, a Recorrente, protestou juntar documentos contabilísticos no Art. 140º do requerimento inicial para prova de que não dispõem de meios financeiros que permitam pagar os montantes em causa e ainda no Art. 142º do requerimento inicial, protestou juntar, documentos comprovativos dos encargos da Recorrente designadamente com os membros da junta /trabalhadores.
L) Sendo que, a prova documental, protestada juntar pela Recorrente, é relevante e essencial, para provar os encargos e a dimensão da Recorrente, cuja prova, ficou irremediavelmente, prejudicada.
M) A Recorrente, requereu ainda, através do requerimento de 10-08-2022 de fls. 3825 do SITAF para “...notificar o Requerido para vir juntar aos autos os documentos em falta e que a seguir se indicam: a) vir completar o processo administrativo instrutor relativo à operação PA 02...18, em causa nos autos, com todos os documentos que se encontram em falta, designadamente os indicados em 2º do presente requerimento. b) Quanto à Freguesia C2... na operação n.º 4...52, não consta do respetivo PA junto ao SITAF cópia da decisão final proferida pelo Requerido/IFAP, cuja junção se requer; c) Mostrando-se incompletos os PA relativo às operações 51455, 51840 e 51842 de que é beneficiária o Município B..., requer-se que seja notificado o Requerido para vir juntar aos autos cópia dos documentos em falta, designadamente os indicados em 19º e 20º do presente requerimento. d) Quanto às nas operações n.º 45955, 46119 e 46116 em que é beneficiário o Município Ab..., requer-se que seja notificado o Requerido para vir juntar aos autos cópia dos documentos em falta, designadamente os indicados em 22º e 24º do presente requerimento. e) Tendo-se apurado por consulta à Base de dados BASE GOV que a Freguesia B2..., além do processo de candidatura junto pelo Requerido também foi beneficiária de outra operação designadamente “ Constituição de Rede Primária de Faixas de Gestão de Combustível” – cfr. pesquisa que se junta sob os doc. n.º 1 e 2 – requer-se a V. Ex.ª se digne notificar o Requerido para juntar aos autos copia do Processos administrativo dessa operação que ocorreu precisamente no mesmo período temporal (2015).”
N) Sendo que, os documentos requeridos pela Recorrente, que fossem juntos pela Recorrida (por se tratarem de documentos na posse da parte contraria) são essenciais para provar a decisão, suspendenda, padece de vício de violação da lei por ofender o conteúdo essencial de um direito essencial da Recorrida nomeadamente o Principio da igualdade.
O) Ao não admitir a prova testemunhal, os documentos protestados juntar pela Recorrente nos pontos 140º e 142º do requerimento inicial e bem assim ao ter indeferido o requerido pela Recorrente, o Tribunal a quo prejudicou irremediavelmente a prova quanto ao alegado nos pontos 132º a 148º do requerimento inicial, impossibilitou que fosse junto aos autos os documentos em falta no Processo Administrativo Instrutor (PA) e violou o dever da boa gestão processual.
P) Ao decidir como decidiu, impedindo a produção de prova requerida pela Recorrente, o despacho “a quo” não permitiu o exercício do direito de contraditório da Recorrente violando o princípio do contraditório e os princípios da igualdade das partes (cfr. Art. 3 e 4º do CPC.
Q) O despacho “a quo” violou o direito da Recorrente à prova dos factos alegados, em desrespeito manifesto do princípio do processo equitativo consagrado no art. 10º da Declaração Universal do Direito do Homem e no art. 20º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
R) A sentença “a quo” é também errada quando não sujeitou aqueles factos a uma fase de instrução, para a prova dos prejuízos e das suas consequências para a Recorrente.
S) A decisão em causa rejeitou e não se pronunciou sobre a produção de qualquer meio de prova indicado pela Recorrente, mais concretamente a produção da prova testemunhal, em violação do artº 90º nºs 2 e 3 do CPTA e não procedeu à análise crítica da prova documental – 12 documentos – o que configura a nulidade do despacho por violação do artº 90º nºs 2 e 3 do CPTA.
T) A decisão recorrida constitui uma obstrução ao exercício do direito da Recorrente produzir a sua prova e provoca um desequilíbrio entre as partes, violando o princípio da igualdade das partes, o Mmo. Juiz do douto Tribunal a quo, apenas refere e identifica prova documental produzida pela entidade Recorrida que proferiu o acto cuja suspensão era requerido.
U) A sentença é nula pois foi omitido um acto que a lei prescreve - artº 90º nºs 2 e 3 CPTA -, que consistia em dar a possibilidade, à Recorrente de produzir prova e exercer o contraditório às oposições do Recorrido e lograr cumprir com o ónus da prova a seu cargo, tratando-se de um princípio estruturante do direito processual civil - artº 3 do CPC, que a decisão final ao dar cobertura a esse desvio processual acaba por assumi-lo, ficou inquinada desta nulidade processual ainda que enunciada como uma das nulidades previstas no art.º 615.º n.º 1do CPC, acaba por inquinar a decisão in totum ferindo-a de nulidade.
V) Acresce que, o juiz só pode indeferir, mediante “despacho fundamentado”, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando considere que são factos assentes ou irrelevantes ou que a prova é meramente dilatória, (artigo 118º do CPTA), o que não é seguramente o caso e, o despacho objecto do presente recurso não cumpriu essas exigências legais.
W) Pelo que, a decisão em crise deve ser declarada nula, por não especificar os fundamentos de direito que o justificam (artigo 615.º n.º 1, alínea b), do CPC e artº 90º nºs 2 e 3 do CPTA) ou, caso assim não seja entendido, o que só por mero dever de patrocínio se admite, a decisão sob recurso deve ser revogado, por impedir injustificadamente que a recorrente produza a prova que indicou para defesa dos seus direitos e interesses em violação directa das normas dos artigos 498º e ss., bem como dos artºs 423º e sgs todos do CPC aplicável ex vi artº 90º do CPTA.
X) Nestes termos deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se a baixa do processo para que seja aberta uma fase de instrução para a prova dos factos alegados nos arts 132º a 148º do requerimento inicial.
Y) Ainda quanto à Insuficiência da matéria de facto prevista na sentença.
Z) O Tribunal a quo omitiu diversos factos alegados no requerimento inicial da Recorrente, que se afiguram relevantes para a boa decisão da causa.
AA) A Recorrente sustentou, além do mais, e no que reporta ao “periculum in mora” no seu requerimento inicial “... que se não for objeto de suspensão, causará a ora Requerente prejuízos não apenas de difícil reparação mas mesmo de natureza irreparável.” e alegou igualmente factos nos pontos 132º a 148º que substanciam a invocação de “periculum in mora” e que se propunha provar de molde a suportar o seu pedido de decretamento da providência requerida.
BB) Estes factos são relevantes para provar que se encontram reunidos os requisitos do “Periculum in mora”.
CC) Porém, o Tribunal a quo não levou estes factos à matéria instrutória, não os tendo considerados como provados ou como não provados.
DD) A Recorrente arrolou ainda testemunhas, bem como protestou juntar diversos documentos (concretamente nos Art. 140º e 142º do requerimento inicial) para provar outros factos relacionados com os acima referidos
EE) Factos esses que são relevantes para provar o pressuposto do periculum in mora.
FF) Não obstante a sentença recorrida referir que “A formação da convicção do Tribunal baseou-se ainda no teor dos documentos juntos aos autos pelas partes e daqueloutros que integram o processo administrativo. Tais documentos não foram impugnados e encontram-se especificados em cada um dos pontos do probatório.”, o Tribunal a quo nada refere quanto aos documentos juntos pela Recorrente ou se pronunciou quanto aos documentos protestados juntar – cfr. página 13 da decisão.
GG) Pelo que, entendendo o Tribunal a quo que a prova documental junta aos autos era suficiente para tomar uma decisão sobre a matéria de facto, dispensando a produção de prova testemunhal e documental protestada juntar pela Recorrente – cfr. página 1 da decisão, sempre lhe caberia tomar uma decisão sobre os factos supra elencados.
HH) No mínimo, para os dar como não provados.
II) E ainda que o Tribunal a quo viesse a concluir, como concluiu que os factos alegados pela Recorrente “... não se encontram minimamente alegados...” – cfr. página 18 da decisão) sempre lhe cabia, em primeiro lugar, levar os supra elencados factos à matéria instrutória.
JJ) Não o tendo feito, e revelando-se os mesmos relevantes para a boa decisão da causa, maxime para a resposta à questão central dos presentes autos (de verificar os pressupostos do “periculum in mora”), encerra a sentença recorrida um manifesto vício de insuficiência da matéria de facto.
KK) Termos em que, se requer a V. Exas. se dignem ampliar a matéria de facto, incluindo todos os factos supra elencados, na matéria de facto dada como provada, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi pelo n.º 3 do artigo 140.º do CPTA.
LL) Caso se repute insuficiente a prova junta aos autos, para dar como provados algum dos factos alegados (e se considere que o mesmo é relevante para a boa decisão da causa), requer-se que seja ordenada a produção de nova prova, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi pelo n.º 3 do artigo 141.º do CPTA.
MM) Por outro lado, o Tribunal a quo fez incorreta interpretação dos factos e do direito aplicável, no que toca ao “periculum in mora”, tendo em conta os factos dados como provados na sentença, considerando só os documentos juntos aos autos, conforme se retira da sentença recorrida
NN) Entendeu o douto Tribunal a quo, com revelo para o sentido da decisão que proferiu “...analisada a alegação feita pela Requerente, outra conclusão não pode este Tribunal retirar senão a de que não se encontram minimamente alegados, de forma concreta e circunstanciada, os factos que entende consubstanciarem o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.(....) que a Requerente alude genericamente ao facto de ser uma autarquia de pequena dimensão (ignorando-se o que isso possa significar em termos de recursos financeiros disponíveis) e não dispor de meios financeiros para pagar as quantias que lhe estão a ser exigidas pelo Requerido no âmbito de três operações do PRODER em que beneficiou da atribuição de ajudas financeiras. Na verdade, a Requerente nada alega de concreto para substanciar essas suas alegações vagas e genéricas, ficando o Tribunal sem saber quais são os recursos financeiros disponíveis anualmente, qual o seu orçamento, quanto recebe de transferências, quer da Administração central quer do Município M..., ou sequer quais as suas receitas próprias. Relativamente aos encargos que suporta, limita-se, uma vez mais, a uma indicação vaga e genérica, sem concretizar devidamente quais são esses encargos e qual a sua respectiva dimensão, o que seria de extraordinária facilidade no que tange quer aos membros da Junta de Freguesia, quer quanto aos seus trabalhadores ou quanto aos compromissos que indica ter com “serviços locais junto da população”. Cfr. fls 18 a 22 da Sentença. [sublinhado e negrito nosso]
OO) Daqui resulta um dos erros de julgamento da sentença recorrida, que contribuiu decisivamente para o juízo decisório formulado a final.
PP) Contrariamente ao afirmado na douta decisão recorrida do Tribunal a quo, a Recorrente alegou factos concretos relativos a situação da Recorrente, os quais, aliás, se propôs provar, tanto mais que, protestou juntar documentos para prova do por si alegado nos pontos 143º e 146º no requerimento inicial.
QQ) Pelo que, a douta decisão é errada padecendo de “error in procedendo”, tendo violado o disposto no artº 590º nº 4, 615º b) todos do CPC.
RR) Pois que, tais factos, não obstante, estarem alegados como demonstrado, eram suscetíveis de prova testemunhal o que não foi aceite em clara violação do artº 90º nºs 2 e 3 do CPTA – por ter entendido o Mmo. Juiz a quo que os autos se bastavam como prova documental o que conduziu a uma decisão desfavorável.
SS) Mais, não aceitou que a Recorrente pudesse juntar os documentos que protestou juntar (art. 140º e 142º do requerimento inicial), e desta forma prejudicou a análise da prova da Recorrente, pois que, não valorou a situação financeira, as receitas e orçamento da Recorrente por não ter permitido à Recorrente juntar os documentos contabilísticos que esta protestou juntar no ponto 140º do requerimento inicial, e da mesma forma, não valorou os encargos e a respetiva dimensão da Recorrente uma vez que não admitiu à Recorrente juntar os documentos que a mesma protestou juntar no artigo 142º do requerimento inicial, não procedendo à análise crítica da prova, nem logrou apurar a descoberta da verdade material para a boa decisão da causa.
TT) Do mesmo modo a douta decisão sob recurso não procedeu como é exigido à análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, limitando-se a considerar a prova documental trazida aos autos pela Recorrida e desconsiderando toda a prova requerida da Recorrente.
UU) Mas ainda que assim não se entenda, salvo o devido respeito, e se dúvidas suscitassem ao Tribunal a quo quanto ao factos alegados pela Recorrente sempre o mesmo poderia, ao abrigo do princípio da cooperação consagrado no art. 7º nos 1 e 2 do C.P.Civil e o dever de gestão processual previsto nos arts. 6º e 590º, nos 2, 3 e 4 do mesmo diploma impunha, que o Tribunal, findos os articulados, ao invés de proferir sentença, como fez, convidasse Recorrente, a esclarecer o exato sentido dos factos alegados, dada a sua desarmonia e/ou alegada insuficiência.
VV) De acordo com o disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b) e 3 do CPC, incumbe ao juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, dirigindo o correspondente convite à parte.
WW) O Tribunal a quo não cuidou, pois, de analisar convenientemente a prova requerida pela Recorrente no requerimento inicial, nem logrou convidar a Recorrente a aperfeiçoar o seu articulado ao abrigo do princípio da cooperação consagrado no art. 7º nos 1 e 2 do C.P.Civil e o dever de gestão processual previsto nos arts. 6º e 590º, nos 2, 3 e 4 do mesmo diploma impunha, o que culmina na sua nulidade.
XX) O Tribunal a quo incorre num manifesto erro de julgamento quando dá como não verificado o pressuposto do “periculum in mora”, sem admitir a prova apresentada pela Requerente”.
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3. Notificado da interposição do recurso, o Recorrido “IFAP, IP”, não apresentou contra-alegações.
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4. A Digna Magistrada do M.º P.º neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
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5. Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
1. Em 05.11.2012, a Requerente submeteu candidatura à Autoridade de Gestão (AG) do PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural do Continente), ao abrigo da Acção n.º 2.3.1, «Minimização de Riscos», da medida n.º 2.3, «Gestão do espaço florestal e agroflorestal», integrada no subprograma n.º 2, «Gestão sustentável do espaço rural», do PRODER - (cfr. documento n.º 01 junto com o requerimento inicial);
2. À qual foi 02...18 - (cfr. processo administrativo);
3. Por decisão da AG do PRODER de 13.02.2013 foi aprovada a candidatura da Requerente, com atribuição de um subsídio no montante de EUR 78.149,86 - (cfr. documento n.º 02 junto com o requerimento inicial);
4. Em 19.04.2013, entre a Requerente e o Requerido foi outorgado o contrato de financiamento n.º 020...1/0, referente àquela operação, com um montante de investimento total de EUR 78.149,86, totalmente elegível e não reembolsável (sendo EUR 62.519,89 referentes a comparticipação comunitária e EUR 15.629,97 referentes a comparticipação nacional), com uma taxa de comparticipação atribuída de 100% - (cfr. documento n.º 03 junto com o requerimento inicial);
5. Tal contrato prevê como data de início da execução material da operação o dia 01.02.2013 e como data de fim dessa execução o dia 31.12.2014 - (cfr. documento n.º 03 junto com o requerimento inicial);
6. O contrato referido nos pontos anteriores estipula, entre o mais, o seguinte:
“(...)
1 – CLÁUSULAS ESPECÍFICAS
(...)
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]

(...)
3. CONDIÇÕES GERAIS
(...)
B. OBRIGAÇÕES GERAIS
Sem prejuízo de outras, designadamente de natureza legal ou regulamentar, e sempre que aplicável, constituem obrigações do Beneficiário:
(...)
B.9. Cumprir os preceitos legais a que se encontra obrigado no que respeita à realização da despesa e sempre que aplicável, comprovando-a com documentos fiscalmente aceites e sem prejuízo do cumprimento das regras relativas à contratação pública;
(...)” - (cfr. documento n.º 03 junto com o requerimento inicial);
7. Em 301.01.2014, a Requerente submeteu ao Requerido um pedido de pagamento, a título de adiantamento, no valor de EUR 39.074,93 - (admitido por acordo – cfr. artigos 8º do requerimento inicial e 9º da oposição);
8. O qual foi processado e pago pelo Requerido à Requerente -(admitido por acordo – cfr. artigos 8º do requerimento inicial e 9º da oposição);
9. Em 15.09.2014, a Requerente submeteu ao Requerido um pedido de pagamento, a título de subsídio, no valor de EUR 37.074,93 - (cfr. documento n.º 05 junto com o requerimento inicial);
10. O qual foi processado e pago pelo Requerido à Requerente - (cfr. processo administrativo);
11. Em 17.12.2014, a Requerente submeteu ao Requerido um pedido de pagamento, a título de subsídio, no valor de EUR 40.746,00 - (cfr. documento n.º 06 junto com o requerimento inicial);
12. O qual foi processado e pago pelo Requerido à Requerente - (cfr. processo administrativo);
13. Em 13.05.2015, o Requerido procedeu à devolução da garantia prestada pela Requerente em 04.07.2013, no valor de EUR 42.982,42, a favor do Requerido, “por não subsistirem os pressupostos que determinaram a sua apresentação” - (cfr. documento n.º 07 junto com o requerimento inicial);
14. A Inspeção-Geral de Finanças (IGF), no âmbito das funções de Organismo de Certificação para o FEAGA e o FEADER (Fundos Agrícolas), desenvolveu acção de controlo com vista à verificação da conformidade das despesas incorridas pela Requerente na execução do projecto com as disposições legais aplicáveis, designadamente comunitárias, sendo este objecto de reanálise - (cfr. documento de fls. 03 e 04 do processo administrativo);
15. Através do ofício n.º 0060.../...16 DAI-UREC, o Requerido comunicou à Requerente o seguinte:
“1. A operação supra identificada, foi aprovada no âmbito da Ação 2.3.1. “Minimização de Riscos”, do PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural do Continente”, enquadrada no Regulamento (CE) nº 1698/2005, de 20 de setembro, e regido a nível nacional pela Portaria n.º 1137-C/2008, de 09 de outubro, com as consequentes alterações.
2. Em 05/11/2012, candidataram-se à operação em assunto, designada por “Freguesia de PROVA”, tendo o respetivo contrato de financiamento nº 02028.../0 sido outorgado a 19/04/2013, com um investimento elegível de € 78.149,86.
3. Em sede de Certificação de Contas 2015, a IGF, constatou que a Junta de Freguesia de P,,,celebrou três contratos para constituição de redes primárias de faixas de gestão de combustíveis, sendo que um deles foi também para a beneficiação da rede viária, todos precedidos de procedimentos de ajuste direto.
4. Contudo, atendendo ao objeto contratual e à data da decisão para contratar os procedimentos, concluiu estar-se perante uma situação de fracionamento de despesa, não tendo sido assegurado um adequado grau de publicitação na formação dos respetivos contratos, pelo que foi apurado um erro financeiro, do qual resulta uma correção financeira de 25%, por aplicação da Tabela COCOF.
5. Face ao exposto, a operação em apreço foi objeto de reanálise e apurado o montante em dívida de € 18.517,28.
6. Assim, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 121º e 122º do Código do Procedimento Administrativo, ficam notificados da intenção deste Instituto de determinar a modificação contratual e consequente devolução do valor indevidamente recebido, no montante de € 18.517,28, podendo informar por escrito sobre o que se lhes oferecer, no prazo máximo de dez dias úteis, contados a partir da data da receção do presente ofício ou, supletivamente, contados a partir do terceiro dia após a data constante no carimbo de expedição dos CTT.
(...)”- (cfr. documento de fls. 05 e 06 do processo administrativo);
16. A Requerente pronunciou-se em audiência prévia sobre as irregularidades constatadas por requerimento apresentado no dia 24.06.2016 - (cfr. documento de fls. 08 a 20 do processo administrativo);
17. O Requerido comunicou à Requerente a decisão final através do ofício n.º 0111.../...16 DAI-UREC, de 04.11.2016, com, além do mais, o seguinte teor:
“(...)
9. Em resposta, veio pronunciar-se por carta com registo de entrada neste Instituto ENT-CT 1101...16, cujos argumentos nela apresentados merecem a seguinte apreciação:
a) Em síntese, sobre o vertido nos artigos 12º a 13º da pronúncia, não colhem os argumentos de que a aplicação da correção financeira é ilegal e que viola o disposto de diversas disposições do CCP, porquanto não foi a atuação, aliás, do IFAP, I.P., enquanto organismo pagador dos apoios financeiros concedidos ao abrigo, nomeadamente, do PRODER (e não da DRAPC) que violou regras relativas à formação de contratos financiados através de Fundos concedidos pela União Europeia, mas sim a própria beneficiária do apoio, correspondendo-lhe, por isso, a aplicação de uma correção financeira de acordo com a já citada Tabela aprovada pela Decisão da Comissão Europeia C (2013) 9527, de 19.12.2013.
b) De igual modo, também não se concorda com os argumentos constantes dos artigos 14º a 18º da pronúncia, em concreto os que rejeitam a existência de uma disposição legal que impedisse a Junta de Freguesia de exercitar a operação com recurso a procedimentos diferentes, como fez, “sem perder de vista as regras da contração pública”.
Desde logo, a junta de freguesia é uma entidade adjudicante nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 2º do CCP, pelo que à formação de quaisquer contratos públicos que celebre, está obrigada à aplicação das regras da contratação pública. Como se isto não bastasse, a legislação específica aplicável à medida de apoio em causa também remete para essas regras da contratação pública, sendo que essas regras, concretamente a do artigo 22º do CCP, ditam que perante aquisições do mesmo tipo, suscetíveis de constituir objeto de um único contrato, ainda que divididas em vários lotes, deve ser tido em consideração o somatório dos vários lotes na escolha do tipo de procedimento a adotar o que no caso não se verificou.
Também não é correto afirmar que a entidade adjudicante, no caso a Junta de Freguesia, pode escolher livremente o procedimento pré-contratual que entenda na formação dos seus contratos: de acordo com os artigos 17º a 33º do CCP essa escolha está condicionada ou ao valor contrato a celebrar, ou a critérios materiais, ou ao tipo de contrato a celebrar ou, ainda à entidade adjudicante. Tratando-se da escolha do procedimento em função do valor do contrato, o valor a ter em consideração será o do custo total das aquisições do mesmo tipo, suscetíveis de constituir objeto de um único contrato, quer as mesmas sejam adquiridas através de um só contrato, quer sejam divididas em vários lotes, correspondendo a cada um deles um contrato separado.
Se, perante aquisições do mesmo tipo, suscetíveis de constituir objeto de um único contrato, não for respeitada a unicidade da despesa correspondente ao custo total dessas aquisições e se fracionarem essa despesa de modo a subtrai-la à aplicação das regras relativas à escolha do procedimento de formação em função do valor total, estamos perante uma conduta reprovável, contrária ao princípio da unidade da despesa pública, regulado no já citados nos n.os 1 e 2 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 197/99, como se verificou.
c) De igual modo, também não se concorda com os fundamentos invocados nos artigos 21º a 38º da pronúncia. É certo que para a execução da operação nº 02...18 foi celebrado um contrato de prestação de serviços no valor de € 74.069,10€3, precedido de um procedimento de ajuste direto, adotado nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 20º do CCP e que o valor do contrato, só por si, permitia a escolha deste procedimento [assim para a execução da operação n.º 020...17 também foi celebrado outro contrato de prestação de serviços no valor de € 68.134,004, precedido de igual procedimento de ajuste direto, adotado nos mesmos termos] e que para a execução da operação n.º 020...14 foi celebrado um contrato de empreitada no valor de € 74.006,255, precedido de um procedimento de ajuste direto, adotado nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 19º do CCP e que o valor do contrato, só por si, permitia a escolha deste procedimento.
Todavia, não obstante a designação de “empreitada”, aquele primeiro contrato tem o mesmo objeto contratual que os contratos de prestação de serviços - ou seja, destinam-se todos à constituição da rede primária de faixa de gestão de combustível - e, apesar de prever também a beneficiação da rede viária na Freguesia da Prova, o valor desses trabalhos é de apenas € 375,00, o que corresponde a menos de 0,5% do valor total do contrato!
Ora, considerando o disposto no 3.º parágrafo da alínea d) do n.º2 do artigo 1.º da Diretiva 2004/18/CE que determina: “Um contrato público que tenha por objecto serviços, na aceção do anexo II, e que, só a título acessório em relação ao objecto principal do contrato, inclua actividades na acepção do anexo I (leia-se, “empreitadas”), é considerado um «contrato público de serviços»”, aquele contrato, a que chamaram de “empreitada”, na verdade é também ele um contrato de prestação de serviços.
Depois, não é verdade que não estão em causa “prestações do mesmo tipo”, “suscetíveis de constituir objeto de um único contrato”. Desde logo, recorrendo, como diz e bem, a Freguesia de P,,,e C..., ao estatuído na legislação comunitária e na jurisprudência, nomeadamente, do Tribunal de Justiça da União Europeia, resulta que “prestações do mesmo tipo” se referem a prestações do mesmo tipo contratual, o que no caso se verifica, já que nos 3 contratos em apreço, em causa estão prestações do mesmo tipo contratual, em concreto, “projetos” (na aceção daquelas Diretivas) de aquisição de serviços necessários à constituição de rede primária de faixa de gestão de combustível, ainda que um deles tivesse atividades relativas às empreitadas, mas como já demonstrou, a título resumidamente acessório.
É igualmente certo que para aferir a “suscetibilidade de constituir objeto de um único contrato”, ambas as fontes citadas pela Freguesia de P,,,e C... (o legislador e a jurisprudência comunitários) consideram que o critério mais importante é o critério funcional, todavia, preenchem esse critério com recurso à definição de “obra” e, por conseguinte, às empreitadas, o que o caso é irrelevante já que em causa estão, como se viu, contratos de prestação de serviços.
Ora, exatamente a mesma legislação comunitária citada pela Freguesia de P,,,e C... refere que para aferir se estamos perante serviços suscetíveis de constituir objeto de um único contrato, quando estamos perante prestações de serviços, como é o caso, devemos reportar-nos às categorias de serviços referidas, nomeadamente, no anexo II da Diretiva 2004/18/CE, aqui devendo entender-se as categorias de serviços classificadas de acordo com o Vocabulário Comum para os Contratos Públicos (CPV), instituído pelo Regulamento (CE) n.º 2195/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de novembro. De acordo com os dados constantes do registo dos 3 contratos no portal dos contratos públicos, a chamada Base.Gov, disponível www.base.gov.pt, os serviços adquiridos pela Freguesia de P,,,e C... através dos 3 contratos – mesmo aquele que designaram por empreitada – pertencem, todos eles, à mesma categoria: 7...00-0 Serviços de agricultura, silvicultura, horticultura, aquicultura e apicultura. Logo, tratando-se de serviços da mesma categoria, eram serviços suscetíveis de ser objeto de um único contrato.
Mais: se forem tidos em consideração outros elementos que a Freguesia de P,,,e C... na sua pronúncia parece menosprezar, não há quaisquer dúvidas quanto a isso: com efeito, tratava-se de serviços a serem prestados na mesma área geográfica, ou seja, na área circunscrita da mesma freguesia; resultaram da iniciativa da mesma entidade adjudicante, a junta de freguesia e, ainda, os respetivos procedimentos de ajuste direto para a formação destes contratos tiveram início no decurso de um ano contado desde a data de início do 1.º, respetivamente, a 02.03.2013 e a 14.07.2013. Ademais, todos os serviços apontavam para o mesmo universo de operadores económicos, ou seja, era expetável que um único operador económico possuísse as habilitações necessárias para responder à prestação de todos os serviços, e tanto assim era que foram convidados, nos 3 procedimentos de ajuste direto, sempre a Floponor – Florestas e Obras Públicas do Norte SA, e em 2 deles a Biostilhas Biomassas e Estilhas, Lda e a Bosques Projetos de Engenharia, Lda.
d) Por outro lado, não se vislumbra o alcance do conteúdo dos artigos 39º a 40º da pronúncia, porquanto, sendo certo que é ao órgão competente para a decisão de contratar que cabe a escolha do procedimento, essa escolha não é feita de livre arbítrio e a seu bel-prazer, mas tem que obedecer as regras sobre essa mesma escolha.
e) Do mesmo modo, também não colhem os argumentos aludidos nos artigos 41º a 50º da pronúncia, porque não é verdade que toda a área a intervencionar num único contrato/procedimentos não fosse capaz de despertar em termos de dimensão e risco, o interesse de um único operador económico. Como bem sabe a Freguesia de P,,,e C..., o interesse de um operador económico, concretamente o da Floponor – Florestas e Obras Públicas do Norte, SA, foi efetivamente despertado porque, não só respondeu ao convite quer lhe foi dirigido nos 3 procedimentos apresentando 3 propostas, como também lhe foram adjudicados 2 destes contratos. Por outro lado, não era um único contrato/procedimentos que se defende, nem a Freguesia de P,,,e C... estava obrigada a adjudicar todas as prestações na mesma fase, podendo, se assim necessitasse e conforme refere no artigo 40º da pronúncia, dar preferência às áreas de intervenção mais pertinentes. Com efeito, tudo quanto antes se disse, serve para demonstrar que os serviços adquiridos pela Freguesia de P,,,e C... constituíam “prestações do mesmo tipo suscetíveis de constituir objeto de um único contrato” e que por isso, na formação dos respetivos contratos deveria ter sido cumprido o disposto no artigo 22.º do CCP, não serve para demonstrar – nem é isso que o artigo 22º determina – que a Freguesia de P,,,e C... devia ter instaurado um único procedimento de formação pré-contratual e celebrado um único contrato.
Como refere a própria Freguesia de P,,,e C..., não é proibida a divisão das prestações integráveis num único contrato, sendo mesmo aconselhável faze-lo para promover a concorrência e permitir a participação de pequenas e médias empresas que não teriam capacidade de resposta caso todas as prestações fossem agregadas num único contrato. O que é proibido é que dessa divisão resulte, nomeadamente, a violação das regras relativas à escolha do procedimento de formação em função do custo total dos serviços a adquirir, tendo sido exatamente isso que a Freguesia de P,,,e C... fez, porque adotou procedimentos de ajuste direto, correspondentes ao valor, de per si, de cada lote, na formação de cada contrato.
Depois, a Freguesia de P,,,e C... bem sabia que para execução das 3 operações apresentadas e provadas para benefício dos mesmos apoios financeiros públicos, ao abrigo do mesmo quadro legal, e para executar num período temporal muito próximo6 iria necessitar de adquirir exatamente o mesmo tipo de serviços (recorde-se que, de acordo com os dados constantes do registo dos 3 contratos no portal dos contratos públicos, todos eles pertencem à mesma categoria: 7...00-0 Serviços de agricultura, silvicultura, horticultura, aquicultura e apicultura). Logo, ainda que tivessem que adjudicar estes serviços para a execução de determinada operação antes de os terem que adjudicar para as outras, era mais do que expectável que à adjudicação do primeiro lote de serviços, inevitavelmente se seguiria a adjudicação dos restantes.
f) Também não se concorda com os argumentos apresentados no artigo 51º da pronúncia quanto ao alegado cumprimento das regras da concorrência, na medida em que estas pressupõem, de acordo, nomeadamente, com o princípio da concorrência (o princípio-tronco dessas mesmas regras) que a contratação pública se realiza pública e abertamente no mercado, através dele, dirigindo-se a entidade adjudicante à concorrência ai existente para que o maior e melhor número de pessoas ou empresas se interessem pela celebração do contrato em causa e para tanto, concorram ou licitem umas contra as outras7, e no caso isso não se verificou.
De facto, considerando que “o convite incorpora a decisão sobre a delimitação do universo concorrencial, a sua qualificação, nessa parte, é a de um ato administrativo – em que se determina não apenas quem pode apresentar propostas, mas também (pela negativa) quem não pode fazêlo” 8, o convite apenas das entidades escolhidas pela Freguesia de P,,,e C... obstruiu a verdadeira concorrência já que todos os restantes operadores económicos, potenciais interessados na celebração dos contratos em causa foram privados da informação sobre essa pretensão da Freguesia de P,,,e C... e como tal não podiam apresentar a sua proposta. Além do mais, recorda-se que, atendendo ao custo total das aquisições aqui em causa, o procedimento que devia ter sido adotado exigia a publicação do anúncio do procedimento do Jornal Oficial da União Europeia, exigência que que o mero envio de convites, de todo, não supre.
g) Igualmente se rejeitam os argumentos vertidos nos artigos 52ª a 54ª porquanto, como ficou demonstrado exatamente pelos elementos de facto e de direito aqui enunciados, a Junta de Freguesia de P,,,e C... não cumpriu nem com a legislação específica aplicável à medida de apoio a que se candidatou, dado que incumpriu com o disposto na alínea b) do artigo 11º do Regulamento de Aplicação da Ação 2.3.1 «Minimização de riscos» que a obrigava a cumprir os normativos legais em matéria de contratação pública, nem cumpriu esses mesmos normativos legais, nomeadamente, o princípio da unidade da despesa previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 197/99, a regra relativa à adjudicação em lotes prevista no artigo 22º do CCP e, em conjugação com este último, a alínea b) do nº1 do artigo 20º do mesmo Código, do qual em suma resulta que o procedimento de formação de contratos de valor superior ao limiar comunitário, devem ser publicados no JOUE.
De igual modo, a aplicação da correção financeira notificada não incorre em qualquer erro sobre os pressupostos de facto, nem numa errada aplicação do direito, dado que, conforme antes se referiu, a mesma resulta da aplicação dos n.os 1 e 2 da Tabela aprovada em anexo à Decisão da Comissão Europeia C (2013) 9527, de 19.12.2013 em conjugação com o princípio da proporcionalidade, considerando a orientação da IGF, já que a aplicação do disposto naquela Tabela, por si só, corresponderia à uma correção de 100% e não de 25%.
10. Em razão de tudo quanto antecede, verifica-se que a pronúncia apresentada não permite concluir que a Freguesia de P,,,e C..., na execução da operação nº 02...18, não cometeu a irregularidade melhor identificada na alínea supra, pelo que não colhe a pretensão formulada pela própria quanto à extinção do procedimento administrativo instaurado, sem efeitos quanto à modificação contratual e à recuperação de montantes pagos.
11. Consequentemente, após audição da Autoridade de Gestão do PRODER, decide-se em conformidade com os n.os 1 e 2 da Tabela aprovada pela Decisão da Comissão Europeia C (2013) 9527, de 19.12.2013, e considerando a orientação da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) no âmbito da certificação de contas de 2015, pela aplicação da correção financeira anteriormente notificada, correspondente à taxa de 25% sobre o valor do apoio pago relativamente ao contrato celebrado pela Freguesia de P,,,e C..., para execução da operação nº 02...18 e, por conseguinte, pela recuperação do valor de € 18.517,28.
(...)” - (cfr. documento de fls. 21 a 29 do processo administrativo);
18. Em 28.11.2016, a Requerente deduziu reclamação contra a decisão final referida no ponto anterior, pedindo a extinção do procedimento administrativo e a revogação do acto administrativo que determinou a modificação contratual e consequente correcção financeira de 25% - (cfr. documento de fls. 30 a 41 do processo administrativo);
19. Através do ofício n.º 005070/20..., o Requerido comunicou à Requerente o indeferimento daquela reclamação e a manutenção do acto administrativo reclamado- (cfr. documento de fls. 117 a 120 do processo administrativo);
20. O requerimento que deu origem aos presentes autos de processo cautelar foi apresentado em juízo, via SITAF, no dia 29.03.2022 - (cfr. documento de fls. 01 do SITAF);
21. Tendo sido apresentado na pendência da acção principal de que os presentes autos dependem e que tramita neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu sob o n.º de processo 1.../22...BEVIS - (cfr. SITAF).
2. MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, delimitando o objecto do recurso, atentas, por um lado, as conclusões das alegações supra transcritas, e, por outro, a sentença recorrida, nos seus fundamentos e dispositivo, o dissídio que nos cumpre apreciar decidir situa-se em saber se a sentença do TAF de Viseu ao julgar inverificado o requisito cumulativo das providências cautelares – periculum in mora - incorreu em erro de julgamento, devendo ter providenciado pela instrução dos autos – realizando audiência de julgamento para inquirição das testemunhas arroladas – e assim ter possibilitado à Recorrente a prova desse requisito.
Mesmo sem produção de prova testemunhal, deve (ou não) ser entendido verificar-se esse requisito, bem como os demais e assim ser deferida a providência ou então ordenar-se a baixa dos autos à 1.ª instância para produção de pertinente prova.
Vejamos, antes de mais, o discurso fundamentador do Sr. Juiz de direito do TAF de Viseu, de modo a melhor se aferir da bondade (ou não) da sentença recorrida, onde consta, no essencial o seguinte -- destacando nós os pontos mais relevantes para melhor aferição, cotejo dos seus fundamentos com a posição dicotómica da Recorrente, veiculada nas muito longas e mesmo prolixas conclusões das alegações:
Do periculum in mora:
O requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objecto de litígio. Seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Nas palavras de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “(...) o fundado receio há-de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível ou justificada» a cautela que é solicitada” [in “Justiça Administrativa. Lições”, 15ª edição, Almedina, 2016, pág. 317].
Além disso, como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, “deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente” [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2. ao art.º 120º)].
Importa, ainda, ter presente que, como salienta ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, o fundado receio a que a lei se refere é o receio “(...) apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões (...)” [in “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume III, 3ª edição, Almedina, pág. 103].
Daí que se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni iuris) se admite que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de protecção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas acções principais – cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.03.2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A).
Por conseguinte, à semelhança da petição inicial numa acção administrativa, o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito em que fundamenta a sua pretensão, derivando do disposto no art.º 114º, n.º 3, alínea g) do CPTA que “No requerimento, deve o requerente: (...) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência”.
Impõe-se, pois, ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida [art.º 342º do CC], não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo.
O requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos art.os 112º, n.º 2, alínea a), 114º, n.º 3, alíneas f) e g), 118º e 120º do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção iuris tantum da existência dos aludidos requisitos como simples decorrência da execução dum acto, pelo que o requerente não está desobrigado ou desonerado de fazer a prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, alegando, para o efeito, de modo especificado e concreto tais factos, já que não é idónea uma alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.
Com efeito, o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida cabe ao requerente [cf. art.os 342º do CC, 114º, n.º 3, alínea g), 118º e 120º do CPTA e 365º, n.º 1 do CPC], assim como lhe cabe o ónus do oferecimento de prova sumária de tais requisitos – neste sentido, cf., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14.07.2008 (proc. n.º 0381/08), de 19.11.2008 (proc. n.º 0717/08) e de 22.01.2009 (proc. n.º 06/09); assim como os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 11.02.2011 (proc. n.º 01533/10.6BEBRG), de 08.04.2011 (proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A), de 08.06.2012 (proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B), de 14.09.2012 (proc. n.º 03712/11.0BEPRT), de 30.11.2012 (proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A), de 25.01.2013 (proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A), de 25.01.2013 (proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A), de 08.02.2013 (proc. n.º 02104/11.5BEBRG), de 17.05.2013 (proc. n.º 01724/12.5BEPRT), de 31.05.2013 (proc. n.º 00019/13.1BEMDL), de 14.03.2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A), de 17.04.2015 (proc. n.º 03175/14.8BEPRT), de 31.08.2015 (proc. n.º 00370/15.6BECBR) e de 14.02.2020 (proc. n.º 00264/19.6BEMDL).
No caso vertente, alega a Requerente que a não suspensão do acto administrativo suspendendo causar-lhe-á “prejuízos não apenas de difícil reparação mas mesmo de natureza irreparável”.
Para tanto, sustenta que, sendo uma autarquia local de pequena dimensão, não tem qualquer capacidade para devolver de imediato os subsídios que lhe foram atribuídos para a execução de diversas operações em que foi parte, porquanto estes foram por si integralmente aplicados na execução dos trabalhos previstos em cada operação, designadamente no pagamento aos fornecedores e prestadores de serviços que os realizaram.
Refere que, além do acto aqui suspendendo, foi também notificada para proceder à devolução de verbas no âmbito das operações n.º 020...14 (onde foi determinada a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas que celebrou com o IFAP e a consequente devolução da quantia de EUR 18.407,81) e n.º 020...17 (em que foi determinada a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas que celebrou com o IFAP e a devolução da quantia de EUR 17.033,50). Pelo que, no conjunto das três operações, ver-se-á na obrigação de restituir a quantia global de EUR 53.958,59, não dispondo de meios financeiros que permitam pagar tal quantia.
Mais refere que não tem capacidade para prestar garantia das quantias que lhe estão a ser exigidas pelo IFAP, nem é possuidora de qualquer património que lhe possa permitir a constituição de garantia.
Aduz ainda que tem actualmente ao seu serviço os membros da Junta de Freguesia, que dependem directamente desta, a quem tem que garantir/providenciar pelo pagamento do vencimento mensal e contribuições legais.
Por fim, refere que a não suspensão de eficácia do acto suspendendo impossibilitá-la-ia de garantir serviços essenciais que constituem suas competências e atribuições, numa altura em que as receitas não chegam sequer para cobrir os custos mínimos das despesas, colocando em causa o cumprimento integral dos seus compromissos face a trabalhadores e outros serviços locais junta da população.
E nada mais alega que substancie a invocação de periculum in mora no sentido de suportar o seu pedido de decretamento das providências requeridas.
Ora, analisada a alegação feita pela Requerente, outra conclusão não pode este Tribunal retirar senão a de que não se encontram minimamente alegados, de forma concreta e circunstanciada, os factos que entende consubstanciarem o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.
Atente-se que a Requerente alude genericamente ao facto de ser uma autarquia de pequena dimensão (ignorando-se o que isso possa significar em termos de recursos financeiros disponíveis) e não dispor de meios financeiros para pagar as quantias que lhe estão a ser exigidas pelo Requerido no âmbito de três operações do PRODER em que beneficiou da atribuição de ajudas financeiras.
Contudo, a Requerente nada alega de concreto para substanciar essas suas alegações vagas e genéricas, ficando o Tribunal sem saber quais são os recursos financeiros disponíveis anualmente, qual o seu orçamento, quanto recebe de transferências, quer da Administração central quer do Município M..., ou sequer quais as suas receitas próprias.
Relativamente aos encargos que suporta, limita-se, uma vez mais, a uma indicação vaga e genérica, sem concretizar devidamente quais são esses encargos e qual a sua respectiva dimensão, o que seria de extraordinária facilidade no que tange quer aos membros da Junta de Freguesia, quer quanto aos seus trabalhadores ou quanto aos compromissos que indica ter com “serviços locais junto da população”.
Repare-se que não está aqui em causa a ausência de prova da factualidade alegada, mas a inexistência de factos substanciadores do periculum in mora por si invocado, pois que a sua alegação não chega, nem serve, para uma invocação clara e concreta desse requisito, por total ausência de factos sobre os quais pudesse recair a instrução, mediante a produção de diferentes meios de prova, sejam documentais ou testemunhais.
Pelo que, esmiuçada a alegação da Requerente, constata-se que além de assentar em meros juízos e conclusões por si retirados de factos que não alega e que, por tal motivo, não se compreendem, nada substancia no sentido de apurar se a execução do acto suspendendo e o não decretamento da providência requerida causará efectivamente prejuízos de difícil reparação ou se levará à constituição de uma situação de facto consumado ao ponto de a eventual procedência da acção principal se revelar inútil para a satisfação da pretensão da Requerente e da sua necessidade de tutela jurisdicional.
Repare-se que nem para uma apreciação meramente hipotética (mas que ainda assim se revelaria insuficiente para o decretamento das providências requeridas) o Tribunal dispõe de elementos para formular um juízo sobre o critério do periculum in mora, tal é a escassez de factos alegados pela Requerente.
Nenhum facto é alegado relativamente à situação financeira da Requerente ou sequer relativamente à sua actividade diária, nomeadamente encargos, seja com pessoal, fornecedores ou com a mera execução das suas competências e atribuições.
É certo que a Requerente chega a referir que actualmente as suas “receitas (...) não chegam sequer para cobrir os custos mínimos das despesas”, mas não diz quais são essas receitas e qual o seu volume, assim como nada concretiza relativamente às suas despesas, quedando-se por uma mera abstracção alegatória que nada diz em concreto acerca da sua situação financeira por forma a que o Tribunal possa ajuizar da premência da adopção da providência cautelar requerida no que tange ao requisito do periculum in mora.
Cingindo-se a uma mera articulação de juízos conclusivos, sem qualquer factualidade subjacente que pudesse permitir a mais pequena e breve incursão por parte do Tribunal no raciocínio que trilha para alegar o periculum in mora da tutela cautelar que pretende.
Como é unanimemente referido pela jurisprudência, incumbe ao requerente da providência alegar factos concretos aptos ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento da providência cautelar, nos termos do artigo 120º do CPTA. É, pois, obrigação do requerente da providência alegar factos e situações concretas da vida, em face das quais se mostre que a decisão administrativa controvertida, prejudica de imediato e irremediavelmente a sua posição jurídica. Ou seja, exige-se ao requerente da providência que alegue factos concretos e circunstanciados, na medida em que sobre ele impende o ónus de alegar e de provar factos concretos e relevantes que permitam ao Tribunal concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.
Olhando criticamente para a alegação que a Requerente, nesta parte, traz a juízo, é não apenas evidente como manifesta a insuficiência alegatória no que concerne ao periculum.
Ainda que a Requerente refira que “não tem capacidade para prestar garantia das quantias que são objecto da decisão da Entidade Requerida”, certo é que nada de concreto vem alegado relativamente a essa impossibilidade e muito menos vem demonstrado que a Requerente não disponha de recursos financeiros para o seu pagamento ou que esse eventual pagamento, quer através da prestação de um qualquer tipo de garantia ou da sua cobrança coerciva, seja susceptível de causar prejuízos sérios e irreparáveis à Requerente, afectando a sua situação económica e financeira durante o período temporal em que durará a acção principal ou até mesmo fazendo perigar a prossecução da sua actividade autárquica.
Por conseguinte, fica o Tribunal sem perceber, por falta de uma alegação, concreta, circunstanciada e densificada, quais as concretas e precisas condições de exercício da actividade da Requerente que poderão ser afectadas de forma irreversível ou em que medida a não suspensão do acto e poderá constituir uma situação de facto consumado.
E como já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 30.10.2014 (proc. n.º 0681/14), “A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º nº 1 al. b) e c) do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva” não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito”.
Assim, nada mais resta ao Tribunal senão do que dar como não verificado, in casu, o requisito do periculum in mora (art.º 120º, n.º 1, primeira parte do CPTA).
Sendo os requisitos de decretamento de providências cautelares cumulativos, basta a improcedência de um deles para que a pretensão cautelar não possa ser provida, ficando, assim, prejudicada a análise do requisito do fumus boni iuris, atinente à probabilidade da procedência da pretensão formulada em sede de acção principal, nos termos do disposto no art.º 608º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art.º 1º do CPTA.
Fica também prejudicada, ao abrigo do mesmo preceito, a realização do juízo de ponderação de interesses previsto no n.º 2 do art.º 120º do CPTA, uma vez que tal ponderação apenas releva nas situações em que se verifiquem os requisitos para o decretamento das providências previstos no n.º 1 daquele preceito, o que não sucede in casu”.
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Vejamos!
Pese embora a longa, mas sempre douta, alegação recursiva (alongando-se no que se refere, essencialmente, ao fumus boni iuris) e consequentes conclusões - sem o pertinente poder de síntese – adiantamos, desde já, que carece de total razão a recorrente.
Para tanto, temos que ter em consideração o seguinte:
- a decisão recorrida julgou improcedente a providência cautelar unicamente em apreciação do requisito cumulativo previsto no n.º1 do art.º 120.º do CPTA - periculum in mora - sem que se tenha pronunciado quanto aos demais, por prejudicados;
- os onze (11) documentos juntos com o requerimento inicial (r.i.) têm a ver exclusivamente com o procedimento administrativo;
- os documentos que, nos termos previstos nos arts. 140.º e 142.º do r.i., a Recorrente protestou juntar, mas que ao longo de todo o processado, desde a sua apresentação (29/3/2022) até à data da sentença (7/9/2022) nunca chegou a juntar --- nem mesmo, “tentando” fazê-lo nesta sede recursiva ---, têm apenas a ver com o facto alegado de que “a Requerente não dispõe de meios financeiros que permitam pagar os montantes em causa, no global de €53.958,59 (cinquenta e três mil novecentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos) [ cfr. documentos contabilísticos que se protestam juntar] e “… a Requerente atualmente tem ao seu serviço os membros da Junta de Freguesia, que dependem diretamente desta, a quem têm que garantir/ providenciar pelo pagamento do vencimento mensal e contribuições legais. [cfr. Documentos que se protestam juntar], ”, respectivamente;
- o requerimento apresentado em 10/8/2022 apenas se destinou a pronunciar-se, no seguimento de notificação/convite para tal, quanto aos documentos (PA e outros) juntos, após diversos e deferidos pedidos de prorrogação junto pelo IFAP,IP, bem como solicitar documentos ainda em falta, tudo referente a processos alegadamente similares ao da Recorrente, decididos diversamente (v,g., aplicação de correcção financeira diferente, 5% versus 25%, esta aplicada à Recorrente, ainda que, na oposição, contraditada pela Entidade Recorrida), com vista a que a Requerente/Recorrente evidenciasse/comprovasse uma das invalidades suscitadas com vista ao preenchimento do fumus boni iuris, in casu, entre outros, da violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade;
- o requerimento inicial, no que se refere ao periculum in mora – arts. 132.º a 143.º tem o seguinte conteúdo:
Quanto ao “periculum in mora”
132º
O despacho suspendendo, se não for objeto de suspensão, causará a ora Requerente prejuízos não apenas de difícil reparação mas mesmo de natureza irreparável.
133º
O periculum in mora está consagrado no n.º 1 do art. 120º do CPTA, consiste no “ fundado receio da constituição de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” e implica a realização de um juízo de prognose assente em factos concretos, objetivos e reais, que permitam, à luz do critério do bónus pater familiae, concluir por um risco sério e efetivo.”
134º
A Requerente é uma entidade de direito público que se destina a assegurar a prossecução necessária de interesses públicos junto da Autarquia Local que representa.
135º
A Requerente, sendo uma Autarquia Local de pequena dimensão, não tem qualquer capacidade para devolver de imediato os subsídios que lhe foram atribuídos para a execução das diversas operações em que foi parte.
136º
Os subsídios pagos à Requerente foram por esta integralmente aplicados na execução dos trabalhos previstos em cada operação, designadamente no pagamento a fornecedores e prestadores de serviços que realizaram os diversos trabalhos previstos. Ademais,
137º
O ato Requerido impõe à Requerente a devolução do valor do subsídio pago à Requerente nas operações executadas e aprovadas. Porém,
138º
Acresce que, além do ato suspendendo a Requerente foi ainda notificada para proceder à devolução de verbas no âmbito da Operação n.º 020...14 - que determinou a modificação unilateral do contrato de Atribuição de Ajuda celebrado entre o IFAP e a Beneficiária e a consequente devolução da quantia de € 18.407,81 e ainda no âmbito da Operação n.º 020...17 - que determinou a modificação unilateral do contrato de Atribuição de Ajuda celebrado entre o IFAP e a Beneficiária e a devolução, respetivamente, das quantias € 17.033,50.
139º
O acumulado dos valores a restituir no âmbito das três operações perfaz o valor global de €53.958,59 (cinquenta e três mil novecentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos).
140º
Acontece que, a Requerente não dispõe de meios financeiros que permitam pagar os montantes em causa, no global de €53.958,59 (cinquenta e três mil novecentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos) [ cfr. documentos contabilísticos que se protestam juntar]
141º
Por outro lado, não tem capacidade para prestar garantia das quantias que são objeto da decisão da Entidade Requerida que ordenaram a devolução do subsídio atribuído e pago à Requerente, nem é possuidora ou proprietária de qualquer património que lhe possam permitir a constituição de garantia, o que determina a adoção da presente providência cautelar ao abrigo do n° 6 do art° 120º CPTA.
142º
Além do referido, a Requerente atualmente tem ao seu serviço os membros da Junta de Freguesia, que dependem diretamente desta, a quem têm que garantir/ providenciar pelo pagamento do vencimento mensal e contribuições legais. [cfr. Documentos que se protestam juntar], Acresce que,
143º
Por outro lado, a não suspensão da eficácia da deliberação do IFAP, causaria prejuízos incalculáveis à Requerente, na medida em que ficaria impossibilitada de garantir serviços essenciais e que dependem das suas competências e atribuições no âmbito da Autarquia.
144º
A Requerente, ao ver-se confrontada com a reposição dos apoio em causa, numa altura em as receitas da Requerente não chegam sequer para cobrir os custos mínimos das despesas, irá colocá-la numa situação económica muito difícil, atentando perigosamente e de uma forma irreparável à sua capacidade de sobreviver e de ultrapassar a situação de crise, colocando em causa, a muito breve trecho, o cumprimento integral dos seus compromissos face a trabalhadores e outros serviços locais junto da população.
145º
A manutenção dos serviços da Requerente depende da imediata suspensão dos efeitos do ato requerido, como já vem demonstrado. Porquanto,
146º
A devolução do subsídio atribuído, no momento atual, conduz ao estrangulamento financeiro da Requerente.
147º
Conclui-se, desta forma, que só a suspensão imediata da deliberação sub judice pode evitar a verificação de danos irreparáveis.
148º
O que significa que a não suspensão da eficácia da deliberação dos autos acarretaria, para a Requerente, prejuízos não só de difícil reparação mas até mesmo irreparáveis, encontrando-se desta forma verificado o pressuposto do periculum in mora”.
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Perante esta factualidade, facilmente se poderá concluir que a recorrente
não provou, porque não alegou, minimamente factos que importem a verificação do requisito periculum in mora, seja na vertente de receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, sendo certo e consabido que não são as meras conclusões ou proposições conclusivas que podem substanciar esse requisito; o que pode ser objecto de prova, seja documental ou mesmo testemunhal, são factos, não conclusões.
Prova documental quanto a este requisito que se impunha à Recorrente a sua apresentação – o que não efectivou, mesmo protestando juntar documentos (no articulado que não, a final do requerimento inicial), mas que ao longo de 6 meses de duração da tramitação processual, num processo urgente, nunca juntou… sibi imputet..
Referir, agora, in extremis, que pretendia fazer prova dessa alegação requerimental pela inquirição das testemunhas que arrolou, não permite colmatar uma manifesta deficiência factual alegatória; a prova testemunhal destina-se a comprovar factos alegados, mas impugnados, que não meras conclusões, pelo que, nesta esteira e entendimento, nenhum dever processual a cargo do juiz impõe essa correcção, seja pelo convite a um aperfeiçoamento, seja por um entendimento correctivo, digamos “amigável”, mas olvidando a independência e equidistância de ambas as partes, sem que se possa perspectivar qualquer violação, quer do dever de gestão processual, quer ainda do princípio de um processo equitativo, como suscitado pela Recorrente.
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Tiradas estas assertações conclusivas, temos que se mostra correcta e assertiva a decisão do TAF de Viseu, sem que se mostre, igualmente, ferida de nulidades, seja, por alegadas falta de fundamentação, seja por omissão de pronúncia – als. b) e c) do n.º1 do art.º 615.º do Cód. Proc. Civil – cfr. alíneas U) e W das conclusões recursivas -, na medida em que, embora dela possa a Recorrente discordar – o que, em tese, poderia constituir erro de julgamento, que não nulidade – a mesma se mostra devida e objectivamente fundamentada, sem necessidade, pelas razões que supra já aduzimos, de produção de prova, de instrução, no que se refere aos “pretensos factos” alegados nos arts. 132.º a 148.º do requerimento inicial.
Aliás, a existir esta alegada nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, tal não poderia interpretar-se como verdadeira nulidade da sentença, mas antes e apenas como nulidade processual, omissão de procedimento instrutório devido, que – como vimos - também, nesta asserção, inexiste.
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Das ilações justificativas supra, torna-se inútil, inconsequente, a pretensa ampliação da matéria de facto ou convite ao aperfeiçoamento, constantes das conclusões KK), UU) e VV das alegações supra transcritas.
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Tudo visto e ponderado, improcedendo toda a douta argumentaria da Recorrente, em negação do provimento do recurso, impõe-se apenas a manutenção da sentença recorrida.
III. DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique-se.
DN.
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Porto, 25 de Novembro de 2022
Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho