Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02662/11.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/27/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL; PRESCRIÇÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO; ANALOGIA PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA; TUTELA JUDICIAL EFETIVA; INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA.
Sumário:1 - O prazo de prescrição da dívida de I.V.A. de 1997 é de oito anos, contado a partir de 1999.01.01 — artigos 297.° do Código Civil e 48.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.° 55-B/2004, de 30.12.
2 - A instauração da impugnação judicial onde seja discutida a legalidade da liquidação correspondente interrompe a prescrição, o que tem como efeitos a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente e a sustação do novo prazo de prescrição enquanto pender esse processo, a menos que venha a estar parado por mais de um ano e por motivo não imputável ao sujeito passivo — artigo 49°, n.°s 1 e 2, da Lei Geral Tributária, na mesma redação.
3 - A citação para a execução fiscal onde seja cobrada essa dívida, ocorrida após a instauração da impugnação judicial e antes de terem cessado os efeitos — para a prescrição — dela decorrentes, também tem potenciais efeitos interruptivos da prescrição, que sobrelevam no caso de cessarem os efeitos da primeira interrupção;
4 - Pelo que a degradação dos efeitos interruptivos da prescrição, decorrente da paragem do processo de impugnação judicial por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte, não obsta à sustação do novo prazo de prescrição, se a execução fiscal não esteve, por sua vez, parada por mais de um ano e por motivo não imputável ao contribuinte, antes da revogação do artigo 49°, n.° 2, da Lei Geral Tributária pela Lei n.° 53-/2006, de 29.12.
5 - O artigo 49°, n°s 1 e 2, da Lei Geral Tributária, na redação a que aludem os números anteriores, não ofende o princípio da segurança jurídica, da proteção da confiança e das legítimas espectativas dos cidadãos, imanente ao princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.” da Constituição da República Portuguesa, porque dele não resulta um alargamento das causas de interrupção ou dos seus efeitos face ao regime anterior e porque nele foi estabelecido um limite aos efeitos duradouros da interrupção da prescrição, acautelando a inércia no andamento dos processos que Lhe deram causa e conferindo, assim, objetividade, previsibilidade e equilíbrio na sua aplicação.
6 - O artigo 49°, nos 1 e 2, da Lei Geral Tributária, na mesma redação, também não poderia padecer de inconstitucionalidade material, por violação do disposto no artigo 20.”, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa, porque as normas que disciplinam as causas da interrupção da prescrição e os seus efeitos, não impedindo o andamento de nenhum processo nem interferindo com a prolação da decisão respetiva, nunca poderiam contender com o direito à decisão em prazo údl e razoável.
7 - O artigo 49.°, n°s 1 e 2, da Lei Geral Tributária, na mesma redação e na parte aqui aplicável, também não poderia padecer de inconstitucionalidade material e orgânica, por violação da respetiva lei de autorização legislativa, porque contém um regime de interrupção da prescrição essencialmente semelhante ao regime anterior.
Data de Entrada:07/30/2012
Recorrente:SP, S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. SP, S.A., n.i.f. (…), com os demais sinais dos autos, recorre da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal, interposta a coberto do disposto nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que teve por objeto o despacho proferido pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos no processo de execução fiscal n.º 1821200101026461, que indeferiu o requerimento ali apresentado, onde pedia fosse declaradas extintas as dívidas exequendas, por prescrição.

1.2. Com a interposição do recurso, apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões:

1. Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos acima referidos.

2. E deve ser aditada a factualidade acima referida, nos termos aí referidos, porque relevante para apreciação de mérito.

Relativamente ao facto tributário ocorrido em 31.12.1997,

3. O prazo de prescrição, no caso, é de 8 anos, contado de 01.01.1999.

4. A apresentação de impugnação judicial, em 28.02.2002, interrompeu o decurso do referido prazo de prescrição.

5. Contudo, e ao contrário do que se afirma na douta Sentença recorrida, do artigo 49º nº 2 da LGT, redacção à data, não se pode extrair que o prazo de prescrição apenas começou a correr a partir do trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo de impugnação.

6. Desde logo, a data desse trânsito em julgado não foi fixada na douta Sentença recorrida – pelo que a douta Sentença padece de erro de julgamento, ao ter por base pressupostos de facto que não foram dados por provados.

7. Por outro lado, daquele preceito resulta simplesmente que, se o processo de impugnação judicial estiver parado por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, deve contar-se, para efeitos do cômputo do prazo prescricional, todo o tempo decorrido até à data da instauração da impugnação, somando-lhe o tempo decorrido desde que se perfez aquele ano de paragem.

8. O processo de impugnação esteve parado, por motivo não imputável ao contribuinte, entre 21.04.2005 e 24.07.2007.

9. Assim, ao tempo decorrido entre 01.01.1999 e 28.02.2002, deveria ser somado o período decorrido desde 21.04.2006 e a presente data.

10. Com efeito, fruto da sobredita paragem do processo de impugnação, o efeito interruptivo da prescrição decorrente da apresentação da impugnação judicial “converteu-se” em efeito meramente suspensivo do decurso do prazo prescricional, entre a data da apresentação da impugnação e data em que se perfez um ano de paragem do processo de impugnação por motivo não imputável ao contribuinte.

11. Do que decorre que o período prescricional, de 8 anos, já decorreu.

12. Por outro lado, não releva a citação para o processo de execução fiscal, ocorrida em 11.07.2002.

13. Com efeito, nessa data o prazo de prescrição estava parado, ou seja, não estava a decorrer – esteve parado entre 28.02.2002 e 21.04.2006, como anteriormente se referiu.

14. Logo, não faz qualquer sentido conferir efeito interruptivo do decurso de um prazo prescricional quando, à data do respectivo facto alegadamente interruptivo, esse prazo não estava a decorrer; estava parado.

15. Por outro lado, à data da citação para a execução fiscal, 11.07.2002, ainda não havia cessado o efeito interruptivo da prescrição decorrente da apresentação da impugnação judicial.

16. Com efeito, essa cessação só ocorreu posteriormente, em 21.04.2006, como acima se mencionou.

17. Com efeito, está hoje assente, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, que são admissíveis interrupções sucessivas da prescrição, em virtude da sucessão temporal de factos interruptivos, desde que anteriormente haja cessado o efeito interruptivo da prescrição motivado pelo facto interruptivo precedente.

18. Assim, e no caso, não é legalmente admissível considerar que a posterior citação para a execução fiscal, em 11.07.2002, fez eclodir nova interrupção da prescrição,

19. porque, naquela data, ainda não havia cessado o efeito interruptivo da prescrição motivado pela instauração da impugnação – essa cessação só ocorreu em 21.04.2006, data em que se perfez um ano de paragem do processo de impugnação por motivo inimputável ao contribuinte e em que, por isso, o prazo de prescrição reiniciou a sua contagem.

20. Apesar de, em 05.01.2005, ter sido efectuada penhora de imóvel, e de, em 27.12.2005, a Reclamante ter prestado garantia bancária, a suspensão do processo de execução fiscal apenas veio a ser determinada por despacho do SF de 05.01.2006, notificado à Reclamante em 20.01.2006 (cfr. 31. e 32. dos “factos provados”).

21. Seja como for, naquele período temporal (entre Janeiro de 2005 e Janeiro de 2006) o prazo de prescrição já estava parado – esteve parado entre 28.02.2002 e 21.04.2006, como acima se referiu.

22. Logo, não se pode considerar, como considera a douta Sentença recorrida, que se suspendeu o decurso de um prazo de prescrição num momento em que este já se achava suspenso.

23. Mais: se a citação para o processo de execução fiscal, no caso, não teve efeito interruptivo da prescrição, como se reconhece na douta Sentença recorrida, mal se compreende, por maioria de razão, que a penhora ou a garantia nele prestada produzam efeito suspensivo da prescrição.

24. Sendo que, do disposto no artigo 169º do CPPT advém que a suspensão do processo de execução fiscal depende da pendência do processo de impugnação judicial – não bastando a mera prestação de garantia ou penhora.

25. Essa relação de dependência entre a suspensão do processo de impugnação e a apresentação e pendência da impugnação judicial resulta, aliás, do disposto no artigo 49º nº 3 da LGT, redacção em 2002.

26. Deste modo, na contagem do prazo de prescrição não se pode abstrair do facto do processo de impugnação ter estado parado entre 21.04.2005 e 24.07.2007.

27. Sem prescindir, ainda que, por mera hipótese, se considerasse que o prazo de prescrição esteve suspenso entre 05.01.2005 e 05.02.2010, como preconiza a douta Sentença recorrida, ainda assim decorreu o prazo de prescrição, de 8 anos.

28. Com efeito, computado todo o período temporal decorrido entre 01.01.1999 e 05.01.2005, e somando-lhe o período temporal decorrido entre 05.02.2010 e a presente data, verifica-se que já decorreram mais de 8 anos.

29. Sendo certo que, ao contrário do que se afirma na douta Sentença recorrida, também do disposto no artigo 49º nº 1 da LGT, redação de 2002, não se pode extrair o entendimento segundo o qual o prazo de prescrição só se inicia a partir da data do trânsito em julgado da decisão proferida sobre a impugnação judicial.

30. Não pode ser convocado o disposto no artigo 327º nº 1 do CC para considerar que o prazo de prescrição só se iniciaria com o trânsito em julgado da decisão final proferida sobre o processo de impugnação – desde logo, atendendo a letra daquele preceito, que nenhuma relação tem o caso dos autos.

31. Por outro lado, a questão da prescrição é matéria de direito material, substantivo (e não meramente adjectivo ou processual), incluída no âmbito das garantias dos contribuintes.

32. Sobre as “garantias dos contribuintes” vigora o princípio da legalidade tributária (cfr. artigos 8º nº 1 e 2 a) da LGT, 103º nº 2 e nº 3, e 165º nº 1 i) da CRP).

33. O regime legal da prescrição não é um regime legal “sobre procedimento e processo”, ou seja, não é um regime legal adjectivo.

34. Outrossim, contende directamente com os direitos e garantias substanciais dos contribuintes.

35. E as “garantias dos contribuintes” constituem, pois, um dos elementos essenciais do direito tributário.

36. É que, “quer a prescrição, como a caducidade, do direito de liquidação, encontram a sua explicação fundamentalmente em razões de certeza, de segurança e de paz jurídicas, quer para o Estado, quer para os cidadãos” (cfr. Benjamim Silva Rodrigues, “A Prescrição no Direito Tributário”, in “Problemas Fundamentais do Direito Tributário”, 1999, pág. 263).

37. E esses princípios essenciais construíram o regime da prescrição da obrigação tributária como uma garantia dos contribuintes.

38. A ser assim, como é, trata-se, indubitavelmente, de matéria sujeita a reserva de lei parlamentar.

39. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja cobrança não se faça nos termos da lei (cfr. artigo 103º nº 3 da CRP),

40. e sendo a finalidade das garantias dos contribuintes, precisamente, protege-los contra pretensões de liquidação e cobrança de tributos fora das condições previstas na lei, tem de concluir-se, forçosamente, que respeitam às garantias dos contribuintes as normas de que resulte, para os mesmos, a extinção do dever de pagamento de tributos.

41. Consequentemente, a sua regulação exige lei parlamentar ou decreto-lei autorizado.

42. Deste modo, não é possível considerar que, por aplicação do disposto no artigo 327º nº 1 do Código Civil, o artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT, na redação em causa, deve ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição reinicia a sua contagem apenas partir do trânsito em julgado da decisão proferida sobre a impugnação judicial - e não a partir da data da apresentação da impugnação.

43. Por uma razão muito simples – a letra do disposto no nº 1 e nº 2 do artigo 49º da LGT não permite semelhante interpretação.

44. Sendo certo, nos termos do artigo 9º nº 2 do CC, ex vi do artigo 11º nº 1 da LGT, que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso”.

45. Sobre questões de “suspensão” do prazo de prescrição, regia, à data, o nº 3 do artigo 49º da LGT – que constituía, assim, “norma especial quanto à suspensão do prazo de prescrição” e, por isso, prevalecente e aglutinadora do respectivo regime legal (cfr. artigo 7º nº 3 do CC).

46. E daí não se extraía a suspensão do início do prazo de prescrição por todo o período em que durar a impugnação judicial – desde a sua apresentação e até ao seu trânsito em julgado.

47. Sem prejuízo, diga-se que o artigo 326º nº 1 do CC é claro ao afirmar que a “a interrupção (da prescrição) inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo” – “in casu”, o acto de apresentação de impugnação judicial, em 28.02.2002.

48. E que o artigo 327º nº 1 do CC determina que “o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processoúnica e exclusivamente nos casos em que a interrupção da prescrição resulte de “citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral – o que não é, manifestamente, o caso em que a interrupção da prescrição advém da apresentação de uma impugnação judicial contra um acto de liquidação de imposto.

49. Seja como for, e por força do princípio da legalidade consagrado no nº 2 do artigo 103º da CRP, complementado com o disposto no artigo 11º nº 4 da LGT, é constitucionalmente inadmissível invocar o disposto no artigo 327º nº 1 do Código Civil, como fez o Tribunal a quo, uma vez que, em matéria de garantias dos contribuintes – como é o caso da prescrição das obrigações tributárias – está legalmente vedada a pretensa integração de lacunas por aplicação analógica, ou outra, de normas de outros ramos de Direito, designadamente de normas de direito civil ou direito privado comum.

50. Aliás, sempre estariam em causa obrigações jurídicas e ramos de direito completamente distintos – o direito fiscal, ramo de direito público, e o direito civil, ramo de direito privado - com normativos, objectos de regulação e ratios completamente distintas,

51. pelo que sempre faleceria a exigência do confronto de “situações análogas”, ou mesmo a coincidência de “razões justificativas” de regulamentação (cfr. artigo 10º nº 1 e 2 do CC).

52. Sendo certo que dispõe o nº 4 do artigo 11º da LGT que “As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.

53. De facto, estabelece o artigo 8º nº 1 da LGT que “Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações fiscais”.

54. Acrescentando o nº 2 a) do mesmo preceito que “Estão ainda sujeitos aos princípios da legalidade tributária a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade”.

55. Sendo certo que (i) interrupção da prescrição motivada pela apresentação de impugnação judicial contra acto de liquidação (cfr. artigo 49º nº 1 da LGT) nada tem que ver com a (ii) interrupção da prescrição motivada por “citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral” (cfr. artigo 327º nº 1 do CC).

56. O artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT (redacção anterior da Lei nº 53-A/2006, de 29.12), na interpretação segundo a qual a apresentação de impugnação judicial protela o inicio do prazo de prescrição para o momento em que aquela transitar em julgado, padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 103º nº 2 da CRP.

57. Uma vez que essa dimensão normativa, conferida ao artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT pela decisão recorrida, baseia-se em norma do Código Civil (artigo 327º nº 1) cuja aplicação está legal e constitucionalmente vedada pelo princípio da legalidade consagrado no artigo 103º nº 2 da CRP.

58. Já que a prescrição integra uma das “garantias dos contribuintes” e a dimensão normativa que foi conferida ao artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT não tem qualquer correspondência com a literalidade deste preceito.

59. Aliás, julgamos que não chega sequer a haver qualquer “lacuna” no artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT, pelo que a aplicação do regime do artigo 327º nº 1 do CC seria de todo legalmente inadmissível.

60. Mas, na pior das hipóteses, está-se perante uma integração lacunar por via da aplicação pretensamente analógica do artigo 327º nº 1 do CC – legalmente inadmissível por força do sobredito princípio constitucional da legalidade e pelo artigo 11º nº 4 da LGT.

61. Só com o aditamento do novo nº 4 ao artigo 49.º da LGT, por meio do artigo 89.º da Lei nº 53-A/2006, de 29.12, é que o legislador, inovadoramente, veio considerar que o prazo de prescrição legal se suspende enquanto não houver decisão transitada em julgado.

62. Contrariamente ao entendimento do douto Acórdão recorrido, se fosse já esta a interpretação que se deveria retirar do nº 1 do artigo 49º da LGT, certamente que o legislador não teria sentido necessidade de aditar, por meio da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, aquele novo nº 4 ao artigo 49.º da LGT – este, sim, veio consagrar, expressa e claramente, que o prazo de prescrição legal não se reinicia enquanto não houver decisão transitada em julgado.

63. Embora aquele nº 4 do artigo 49º da LGT, aditado pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, seja inaplicável ao caso, já que entrou em vigor em 01.01.2007 e o caso dos autos reporta-se a impugnação judicial apresentada em 2002.

64. A questão da prescrição das dívidas tributárias foi sempre regulada pelo direito tributário - desde o Código das Execuções Fiscais de 1913 até à LGT e ao CPPT - sem qualquer remissão, intra ou extra sistemática, para as normas de direito civil.

65. Por outro lado, existe uma dificuldade inultrapassável na aplicação das normas de sobre a prescrição em direito civil à prescrição da obrigação tributária.

66. É que, enquanto no direito civil a prescrição encontra a sua base na «negligência, no desinteresse, do credor, que seriam interpretados como renúncia tácita ao seu direito» ( Sic, Soares Martinez, Direito Fiscal, 7.ª Ed., Almedina, p. 274, destaque nosso.),

67. no direito fiscal o instituto da prescrição encontra o seu fundamento «na certeza e estabilidade das relações sociais, que não se compadecem com a cobrança de impostos cujos pressupostos, ou cujo vencimento, se situem em épocas muito remotas» ( Idem.).

68. Assim, a questão da prescrição das dívidas tributárias é (deve ser) matéria não regulada por normas civis, não só pela natureza da relação (pública) de imposto, mas, sobretudo, porque, diferentemente dos créditos civis, os créditos tributários são indisponíveis e irrenunciáveis ( Cfr. art. 36.º n.º 2 e 3 da LGT.),

69. e, como se viu, o regime civil da prescrição tem inscrita na sua matriz, precisamente, a consideração de que existiu renúncia tácita do credor ao seu direito.

70. No caso de impugnação judicial, é manifesto que a interrupção da prescrição, à luz do artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT, advém da instauração daquela, e não de qualquer “citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral”, como se afirma no artigo 327º nº 1 do CC.

71. O artigo 49º nº 1 de nº 2 a LGT, redacção à data, não atribuía eficácia interruptiva da prescrição ao trânsito em julgado da decisão que pusesse termo ao processo de impugnação judicial.

72. Outrossim, atribuía esse efeito à apresentação da impugnação judicial.

73. Por outro lado, o entendimento propugnado pelo Tribunal “a quo” fere de morte os princípios da certeza, da segurança e da paz jurídicas, para além de violar o princípio constitucional da legalidade tributária consagrado primacialmente no artigo 103º nº 2 da CRP – como anteriormente se referiu.

74. Efectivamente, na dimensão normativa conferida ao artigo 49º nº 1 e 2 da LGT aqui concretamente recorrida, a prescrição jamais ocorreria.

75. Como acima se disse, com a apresentação de impugnação judicial e prestação de garantia, suspende-se o processo de execução fiscal emergente da liquidação impugnada, até trânsito em julgado da decisão a proferir sobre a impugnação (artigo 169º nº 1 do CPPT).

76. Se a decisão judicial da impugnação for procedente, a execução fiscal extingue-se por anulação da liquidação e a questão da prescrição, obviamente, não se coloca (artigos 176º nº 1 b) e 270º nº 1 do CPPT).

77. Contudo, se ocorrer o trânsito em julgado de decisão de improcedência da impugnação judicial, isso acarreta necessariamente o pagamento imediato (voluntário ou por execução da garantia entretanto prestada) da liquidação exequenda, com a consequente extinção da execução fiscal (cfr. artigos 176º nº 1 a), 200º nº 2 e 269º do CPPT).

78. Assim sendo, e na interpretação do artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT aqui contestada, o prazo de prescrição só se iniciaria no momento em que o contribuinte é forçado a pagar a liquidação exequenda.

79. Ora, uma vez paga a liquidação exequenda, é sabido que a invocação da prescrição da obrigação tributária entretanto paga deixa de ter qualquer utilidade.

80. Deste modo, e para além da violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 103º nº 2 da CRP, a dimensão normativa conferida ao artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT pela decisão recorrida viola os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança e das legítimas expectativas, imanências do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da CRP.

81. Com efeito, não pode a interpretação preconizada conduzir a uma solução prática em que a prescrição jamais ocorre, seja em que circunstância for – a isso se opõe o ideal de segurança jurídica que o próprio instituto da prescrição, em direito tributário, visa salvaguardar.

82. A dimensão normativa conferida ao nº 1 e nº 2 do artigo 49º da LGT – de que o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão da impugnação judicial apresentada contra a liquidação exequenda - leva à conclusão de que a prescrição, em direito tributário, jamais ocorre – apesar de legalmente prevista – ao contrário do que sucede, designadamente, no domínio do direito criminal.

83. Acresce que, a constatação de que a prescrição tributária virtualmente não existe, está em contraciclo com a evolução legislativa e, mesmo, com a vontade declarada do legislador ( Cfr. Preâmbulo do Decreto – Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, que aprovou a LGT, de onde resulta o desígnio do «encurtamento pontual ou genérico dos prazos de caducidade do direito de liquidação e de prescrição das obrigações tributárias.».), no sentido do encurtamento dos prazos de caducidade e prescrição.

84. Efectivamente, o artigo 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos estabelecia que o prazo de prescrição era de 20 anos; o Código de Processo Tributário reduziu o prazo de prescrição a 10 anos; e a Lei Geral Tributária veio encurtar esse mesmo prazo para 8 anos.

85. Ao encurtar expressamente o prazo de prescrição, certamente que não foi propósito do legislador protelar “ad eternum” a ocorrência da prescrição, inviabilizando, na prática, a sua ocorrência.

86. Sendo certo que, uma vez paga a dívida tributária, passa a ser legalmente impossível e, por isso, inútil, invocar a sua prescrição.

87. No entendimento da douta Sentença recorrida, o prazo de prescrição, de 8 anos, só se inicia com o trânsito em julgado, o qual, se vier a ser desfavorável, acarretará necessária e inelutavelmente o pagamento da dívida cuja prescrição se invoca – o que inviabiliza, de todo, a verificação da prescrição, seja neste caso, seja em que caso for.

88. Aliás, há muito que decorreu o próprio prazo legal de 10 anos, de arquivo dos documentos e registos contabilísticos (cfr. artigos 40º do Código Comercial e 115º nº 5 do CIRC).

89. Poder-se-ia dizer que o artigo 49º nº 2 da LGT, na redacção em vigor em 2002, na medida em que estipula o reinicio do prazo de prescrição assim que o processo complete um ano de paragem, por motivo não imputável ao contribuinte, atenuaria este adiamento eterno da verificação da prescrição.

90. Contudo, na prática não é isso que se verifica, de que é caso sintomático o dos autos, já que ficou provado que a impugnação judicial esteve parada por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte,

91. e nem por isso a interpretação que se preconiza deixa de ser a de que a prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão proferida sobre a impugnação judicial.

92. Sendo certo, de todo o modo, que aquele artigo 49º nº 2 da LGT, embora admita a suspensão do prazo de prescrição entre a data da apresentação da impugnação e o momento em que se perfizer um ano de paragem da impugnação por motivo inimputável ao contribuinte,

93. não admite, de todo, que o prazo de prescrição fique “em suspenso” durante todo o período de duração do processo de impugnação judicial, ou seja, deste a data da sua apresentação e até à data do trânsito em julgado da decisão que lhe puser termo – o que pode corresponder a décadas.

94. Aliás, ao fazer depender o início do prazo de prescrição do trânsito em julgado da decisão da impugnação judicial deduzida contra a liquidação, permite-se o protelamento “ad eternum” daquele processo judicial, em contravenção com as mais elementares regras de celeridade processual e do direito a uma decisão judicial célere e em tempo útil.

95. Com efeito, e por força do disposto no nº 4 do artigo 20º da CRP, “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.

96. Transferindo para o contribuinte o ónus da morosidade da Justiça na resolução dos litígios tributários, ainda que tal morosidade não lhe seja atribuível, e premiando injustificadamente a inércia do Estado na cobrança dos tributos, viola-se o direito a uma decisão judicial “em prazo razoável” – na medida em a prescrição deixa de constituir o “ónus” que “pressionaria” a celeridade processual e a obtenção de uma decisão judicial em tempo útil e razoável.

97. Efectivamente, o Estado Fiscal não se sente minimamente pressionado a decidir os litígios jurídico tributários, ficando o contribuinte, indefinidamente, refém de uma dívida fiscal com várias dezenas de anos - como é o caso dos autos - e com o agravamento financeiro decorrente da morosidade na resolução do litígio, designadamente ao nível do empolamento dos juros de mora e dos encargos com a garantia que foi obrigado a prestar,

98. morosidade, essa, que o contribuinte não consegue controlar e que não lhe é imputável,

99. e com o efectivo risco de diminuição das suas garantias de defesa, na medida em que, fruto do enorme lapso de tempo decorrido, o contribuinte pode não conseguir fazer prova da inexigibilidade da dívida, designadamente por já não ter, nem ser obrigado a ter, em sua posse, recibos comprovativos do pagamento de dívidas com dezenas de anos.

100. Com efeito, a interpretação do artigo 49º nº 1 da LGT preconizada no douto Acórdão recorrido “dá cobertura” à ineficiência na resolução dos litígios tributários, já que a contagem do prazo de prescrição se mantém interrompido e só se reinicia quando transitar em julgado a decisão da impugnação judicial.

101. Não pode essa interpretação servir para colmatar aquilo que o legislador e o poder político se revelaram incapazes de dar solução – de resolver os litígios jurídico-tributários em tempo útil.

102. Nos últimos anos, temos assistido a um notório acréscimo das prerrogativas da administração tributária, a que corresponde, em igual medida, uma compressão, diminuição e eliminação injustificadas dos direitos e garantias dos contribuintes.

103. É conhecido e reconhecido o esforço feito no sentido da modernização da máquina administrativa fiscal, mas é de lamentar que a eficácia obtida apenas se verifique na arrecadação de receita, deixando a descoberto as garantias dos contribuintes.

104. E, ainda mais lamentável, será considerar que o intérprete e aplicador da lei pode passar por cima dessas mesmas garantias, tão só para salvaguardar a obtenção da receita tributária, sem olhar a meios e atropelando garantias fundamentais salvaguardas aos contribuintes pelo princípio fundamental da legalidade.

105. Recorde-se que outra regra do contencioso tributário determina que, sempre que um contribuinte recorra a meios impugnatórios da liquidação, e pretenda beneficiar de efeito suspensivo, terá sempre de prestar uma garantia idónea ( Art. 52.º n.ºs 1 e 2 LGT.).

106. Com efeito, os contribuintes que apresentem impugnação judicial estão obrigados a manter a garantia prestada de molde a suspender a execução fiscal até que haja decisão judicial transitada em julgado.

107. Ora, como se isso não bastasse, na dimensão normativa aqui contestada o prazo de prescrição só inicia a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão que julgar improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de imposto.

108. Estamos, assim, perante o “cerco absoluto” do contribuinte, por muito que o processo judicial se arraste nos Tribunais – não competindo ao contribuinte a função judicial e legislativa, jamais ocorrerá a prescrição de qualquer dívida tributária.

109. Semelhante entendimento preconiza uma linha interpretativa da lei que tem por único escopo salvaguardar a receita tributária, em violação do princípio da proporcionalidade e atropelo das garantias dos contribuintes.

110. Pelo que o artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT, na interpretação preconizada no douto Acórdão recorrido, padece ainda de inconstitucionalidade material por violação do disposto no artigo 20º nº 4 da CRP.

111. Acresce que, o artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT, na interpretação segundo a qual o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão do processo de impugnação judicial, para além de materialmente inconstitucional, é organicamente inconstitucional, por violação da respectiva lei de autorização legislativa.

112. Deste modo, contrariamente ao decidido, o artigo 49º nº 1 e 2 da LGT, redacção aplicável a 2002, é orgânica e materialmente inconstitucional, na interpretação segundo a qual o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão proferida sobre a impugnação judicial.

113. Acresce que, à data da apresentação da impugnação judicial, 28.02.2002, existia norma especial sobre a questão da suspensão do prazo de prescrição.

114. Era ela o artigo 49º nº 3 da LGT, cuja redacção, então, era a seguinte: “O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestação legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”.

115. Do teor da lei advém, desde logo, que o prazo de prescrição não se suspendia por motivo de pendência de impugnação judicial,

116. muito menos que o prazo prescricional só se iniciava quando a impugnação judicial fosse objecto de decisão transitada em julgado.

117. Sendo certo que a apresentação de impugnação judicial, só por si, sem a prestação de garantia ou a efectivação de penhora, não produz qualquer paragem ou suspensão do processo de execução fiscal – como, aliás, resulta do disposto no artigo 169º do CPPT.

118. Só com o aditamento de um novo nº 4 ao artigo 49º da LGT, por meio do artigo 89º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (entrado em vigor em 01.01.2007, conforme o respectivo artigo 163º),

119. é que o legislador, inovadoramente, veio considerar que o prazo de prescrição legal se suspende enquanto não houver decisão transitada em julgado, no caso de impugnação judicial.

120. Aliás, se já fosse aquela a interpretação a retirar da anterior redacção dos nºs. 1, 2 e 3 do artigo 49º da LGT, certamente que o legislador não teria aditado este novo nº 4.

121. De facto, até 01.01.2007 em nenhum lugar da economia do artigo 49º da LGT se fazia qualquer referência ao “trânsito em julgado” da decisão da impugnação, fosse como fundamento de suspensão do prazo de prescrição, fosse como momento a partir do qual se deveria iniciar a contagem e decurso do prazo de prescrição.

Quanto ao facto tributário ocorrido em 30.11.1999,

122. Dá-se aqui por integralmente reproduzido, na parte aplicável, o que acima se afirmou quanto ao facto tributário verificado em 31.12.1997, com ressalva das seguintes especificidades:

123. Neste ano de 1999, e em matéria de prescrição das dívidas tributárias, já vigorava a LGT, em cujo artigo 48º da LGT (redacção vigente em 30.11.1999) previa-se que o novo prazo de prescrição, de 8 anos, contava-se a partir da data da ocorrência do facto tributário - já que o IVA é, reconhecidamente, um imposto “de obrigação única”, e não de “obrigação periódica”.

124. Assim, aqui, o prazo de prescrição, de 8 anos, iniciou-se em 01.12.1999 (cfr. artigo 48º nº 1 da LGT).

125. Atento o disposto no artigo 49º nº 1 da LGT, redacção aplicável, a apresentação da impugnação judicial, em 28.02.2002, interrompeu o prazo de prescrição.

126. Contudo, este processo de impugnação esteve parado entre 21.04.2005 e 24.07.2007, como acima se referiu.

127. De modo que, também neste caso decorreu o prazo de prescrição, de 8 anos.

128. Com efeito, e fruto da referida paragem, importa somar todo o tempo decorrido entre 01.12.1999 e 28.02.2002, por um lado, com o período decorrido entre 21.04.2006 e a presente data, por outro.

Assim,

129. Contrariamente ao decidido, quer quanto ao facto tributário de 1997, quer quanto ao facto tributário de 1999, já decorreu o prazo de prescrição.

130. Padecendo a douta Sentença recorrida de erro de julgamento e de errónea interpretação e aplicação, e consequente violação, das sobreditas disposições legais.

131. E padecendo as acima mencionadas disposições legais das ditas inconstitucionalidades materiais e orgânicas, contrariamente ao decidido.

1.3. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão. Apesar de ter sido notificada da sua admissão, a Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. Neste Tribunal, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

1.5. Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

1.6. A partir das conclusões do recurso, perspetivam-se as seguintes questões a decidir:

1.ª saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento na fixação dos factos provados nos pontos 1, 3, 7, 28 e 34;

2.ª saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento sobre a irrelevância dos factos tributários referentes à indevida dedução do imposto, demonstrada no processo de impugnação judicial em apenso;

3.ª saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento sobre a irrelevância para a decisão de mérito da data do trânsito em julgado da decisão proferida no processo de impugnação, bem como da paragem do processo por motivo imputável ao contribuinte;

4.ª saber se o tribunal recorrido interpretou erradamente as disposições que regulam as causas de interrupção e de suspensão da prescrição das obrigações tributárias;

5.ª saber se é constitucionalmente inadmissível chamar à colação as normas que regem sobre a interrupção da prescrição em direito civil, por força do princípio da legalidade consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, complementado com o artigo 11.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária;

6.ª saber se a interpretação que o tribunal recorrido fez do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, viola os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da tutela judicial efetiva;

7.ª saber se o artigo 49.º da Lei Geral Tributária, na interpretação que dele é feita na sentença recorrida, é organicamente inconstitucional.

2. Fundamentação de Facto

2.1. É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados:

1. Em 28.02.2002, a Reclamante apresentou impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA n.º 01167770, respeitante ao ano de 1997 (48.810.000$00 – 248.451,23 Euros), e n.º 01167792, respeitante ao ano de 1999 (44.812.000$00 - 223.521,31 Euros), e liquidações dos respectivos juros compensatórios sob os n.ºs 01167768, 01167769, 01162076, 01162977, 01162978, 01162979, 01162980, 01162981, 01162982, 01162983, 01162984, 01162985, 01162986, 01162987, 01167787, 01167788, 01167789, 01167790, 01167791, 01162990, 01162991, 01161992, 01162993, 01162994, 01162995, 01162996, no valor global de 658.327,36€ (fls. 35 e ss, dos presentes autos, e certidão extraída de fls 2 a 57, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1378 a 1432 dos presentes autos);

2. O processo de impugnação judicial, supra identificado, correu os seus termos no Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, sob o n.º 52/02/11, com a seguinte tramitação:

- Em 18.07.2002, foi apresentada a contestação (certidão extraída de fls 146, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1434 dos presentes autos);

- Em 22.05.2003, foram apresentadas as alegações (certidão extraída de fls 206, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1435 dos presentes autos);

- Em 11.11.2003, foi proferida sentença (certidão extraída de fls 218 e ss, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1436 a 1478 dos presentes autos);

- Em 10.12.2003, foi apresentado recurso daquela sentença para o Supremo Tribunal Administrativo (certidão extraída de fls 264, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1479 dos presentes autos);

- Em 17.03.2004, foram apresentadas as alegações de recurso (certidão extraída de fls 271, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1480 dos presentes autos);

- Em 12.01.2005, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo a declarar-se hierarquicamente competente (certidão extraída de fls 330, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1481 dos presentes autos);

- Em 14.03.2005, foi emitido parecer pelo Ministério Público, junto do Tribunal Central Administrativo do Norte (certidão extraída de fls 340, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1482 dos presentes autos);

- Em 31.03.2005, 07.04.2005 e 14.04.2005, foram os autos a vistos (certidão extraída de fls 341, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1483 dos presentes autos);

- Em 21.04.2005, foram os autos conclusos (certidão extraída de fls 341 verso, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1483 verso dos presentes autos);

- Em 16.01.2006, após nova distribuição, foram os autos novamente conclusos (certidão extraída de fls 342, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1484 dos presentes autos);

- Em 24.07.2008, foi proferido despacho a determinar a remessa dos autos para julgamento (certidão extraída de fls 342, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1484 dos presentes autos);

- Em 31.07.2008, foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo do Norte (certidão extraída de fls 369, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1485 dos presentes autos);

- Em 11.09.2008, foi pedido o esclarecimento do acórdão (certidão extraída de fls 375, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1486 e 1487 dos presentes autos);

- Em 30.10.2008, foi indeferido aquele pedido (certidão extraída de fls 385, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1488 dos presentes autos);

- Em 14.11.2008, foi pedida a reforma do acórdão e apresentado recurso de oposição de acórdãos (certidões extraídas de fls 389 e 401, daquele processo de impugnação e que constam a fls 1489 e 1490 dos presentes autos);

- Em 18.12.2008, foi indeferido o pedido de reforma de acórdão (certidão extraída de fls 415, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1491 dos presentes autos);

- Em 29.01.2009, foi admitido o recurso de oposição de acórdãos (certidão extraída de fls 421, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1492 dos presentes autos);

- Em 05.03.2009, foi emitido parecer pelo Ministério Público (certidão extraída de fls 442, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1493 dos presentes autos);

- Em 31.03.2009, foram apresentadas as respectivas alegações (certidão extraída de fls 496, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1494 dos presentes autos);

- Em 20.01.2010, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativo ao recurso apresentado pela Reclamante, por oposição de acórdãos (certidão extraída de fls 629, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1495 dos presentes autos);

- Em 22.01.2010, foi enviada a sua notificação à Impugnante (certidão extraída de fls 632, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1496 dos presentes autos).

3. Em 17.03.2002, o Serviço de Finanças de Matosinhos 1, instaurou a execução fiscal n.º 1821299291926461, contra a aqui Reclamante, visando a cobrança coerciva das dívidas de IVA dos seguintes períodos: 1998-01; 1998-02; 1998-03; 1998-04; 1998-05; 1998-06; 1998-07; 1998-08; 1998-09; 1998-10; 1998-11; 1998-12; 2000-01; 2000-02; 2000-03; 2000-04; 2000-05; 2000-06; 2000-07; 1997-12; 1999-11; 1999-01; 1999-02; 1999-11; 1999-12; 1997-12;1999-12; e a quantia exequenda de 658.327,36 Euros (fls. 1 a 29, dos presentes autos);

4. Em 11.07.2002, a Reclamante, foi citada neste processo de execução fiscal (aviso de recepção junto a fls 29, dos autos);

5. A Reclamante apresentou em 07.08.2002, oposição à indicada execução (processo n.º 62/02/32, do extinto Tribunal Tributário da 1.ª Instância, 3.º juízo, 2.ª secção), que correu os seus termos sob o n.º 62/02, do 3.º Juízo do Tribunal Tributário da 1.ª Instância do Porto, (fls 31 e 32 dos autos);

6. Em 08.08.2002 a aqui Reclamante veio requerer a suspensão do processo de execução fiscal, (fls. 34, dos presentes autos);

7. Em 19.06.2003, a Reclamante foi notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar garantia idónea, com referência ao processo executivo indicado no n.º 2, da matéria assente e ao processo de oposição identificado sob o n.º 1821-02/900051.8 (oficio e registos de fls 173, dos autos);

8. Em 03.07.2003, a Reclamante, apresentou junto do 1.º Serviço de Finanças de Matosinhos, requerimento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e de onde se extrai o seguinte pedido: “Nestes termos, e tendo em conta o expresso em 3. 4. e 5. supra, requer-se a V. Exa., ao abrigo do disposto no artigo 37.º do CPPT, se digne remeter à Executada certidão escrita onde conste a totalidade das operações de cálculo e apuramento subjacente à fixação da garantia” (fls 174 e 175, dos autos);

9. Em 23.09.2003, foi a Reclamante notificada do despacho que veio a recair sobre o requerimento indicado no número anterior, e no qual se determinava que a mesma fosse novamente notificada para prestar garantia (fls 182 e 183, dos autos);

10. Em 09.10.2003, a Reclamante apresentou uma Reclamação (com efeito suspensivo e carácter urgente), nos termos do artigo 276.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, relativamente ao despacho indicado no número anterior (fls 184 e ss, dos autos);

11. Por sentença proferida em 10.12.2003, essa Reclamação foi considerada improcedente (fls 251 e ss, dos autos);

12. Em 25.12.2003, a Reclamante interpôs recurso desta sentença (fls 260, dos autos);

13. Por acórdão proferido em 13.05.2004, foi negado provimento àquele recurso (fls 281 a 289, dos autos);

14. Em 16.07.2004, o processo executivo foi remetido ao 1.º Serviço de Finanças de Matosinhos (fls 301, dos autos);

15. Em 27.07.2004, foi emitido o mandado de penhora, dos bens da Reclamante, no âmbito do processo executivo referido no n.º 2, da matéria assente (fls 304, dos autos);

16. Em 22.09.2004, a Reclamante requereu a redução do montante da garantia a prestar, invocando a procedência parcial do processo de impugnação judicial referido no número 1, supra, e a notificação do novo valor (fls 321 e 322, dos autos);

17. Em 29.10.2004, a Reclamante foi notificada para apresentar garantia, no valor de 804 658,86 € (fls 373, dos autos);

18. Por ofício datado de 03.11.2004, a Reclamante foi para apresentar garantia, no valor de 1.005.823,58 €, e ainda, considerar sem efeito o ofício indicado no número anterior (fls 378, dos autos);

19. Em 11.11.2004, a Reclamante apresentou o requerimento cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e de onde se extrai o seguinte pedido “Nestes termos, requer-se a V. Exa se digne ordenar a emissão e remessa à Requerente de certidão escrita que contenha os fundamentos de direito e a totalidade das operações de cálculo e apuramento que serviram de base à fixação do valor da garantia no montante de Euro 1.005.823,58, particularmente no que concerne ao montante de juros de mora para o efeito considerado, bem como a indicação dos meios e prazos de reacção à disposição do contribuinte para que este eventualmente reaja contra tal acto de fixação” (fls 379 e 380, dos autos);

20. Em 25.11.2004, a Reclamante foi notificada do despacho que recaiu sobre os requerimentos referidos nos números 16 e 19, supra, e do qual se extrai o seguinte: “Este Serviço de Finanças não tomou conhecimento da sentença a que se refere a Impugnação Judicial deduzida pela impugnante, SP, S.A., pelo que não possui elementos para poder certificar o requerido, assim sendo aguarde-se a descida da Impugnação Judicial, para conhecimento da sentença e do seu transito em julgado, para que posteriormente se possa certificar o requerido pela exponente, neste requerimento.

Até que seja prestada garantia bancária prossiga a execução fiscal para penhora de bens.

Notifique-se.” (fls 383-A);

21. Em 06.12.2004, a Reclamante apresentou uma Reclamação, nos termos do artigo 276.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, relativamente ao despacho indicado no número anterior (fls 384 e ss, dos autos);

22. Em 19.12.2004, o Serviço de Finanças de Matosinhos iniciou diligências para efectuar penhora sobre o prédio da freguesia de Benfica, inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º (…) (fls 466, dos autos);

23. Em 03.01.2005, a Reclamante apresentou requerimento a solicitar a remessa do processo executivo, ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, para apreciação da Reclamação apresentada (fls 472, dos autos);

24. Em 05.01.2005, foi efectuada penhora sobre o prédio da executada, inscrito na respectiva matriz sob o n.º (…), da freguesia de Benfica, concelho de Lisboa, com o valor patrimonial de 32.826.611,36 Euros e ao qual foi atribuído, no auto de penhora, o valor de 33.000.000,00 Euros, a qual foi registada na respectiva Conservatória pela apresentação AP.(…) (476 e ss e 761-G);

25. Em 13.01.2005, foi A(…), notificado de que foi nomeado fiel depositário, daquele bem penhorado (fls 482, dos autos);

26. Em 18.01.2005, a Reclamante requereu, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, através do requerimento cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a intimação do “Exmo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos a fim de que este: (i) remeta de imediato a dita Reclamação Judicial ao TAF do Porto e (ii) reconheça que só se pode passar à penhora depois do TAF do Porto se pronunciar sobre o mérito da Reclamação, com a consequente anulação e levantamento da penhora efectuada.” (fls 496, dos autos);

27. Em 22.03.2005, foi proferida sentença que concedeu provimento parcial ao pedido identificado no número anterior, e determinou a remessa da reclamação apresentada pela Reclamante em 06.12.2004, ao Tribunal (fls 748 e ss, dos autos);

28. Em 06.05.2004, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a oposição apresentada pela Reclamante, e indicada no n.º 6, supra, a qual foi remetida ao Serviço de Finanças de Matosinhos em 05.05.2005, e aí recebida a 18.05.2005 (fls 769-B e ss, dos autos);

29. A Reclamação indicada em 21, foi considerada improcedente por sentença proferida em 09.12.2005 e notificada à Reclamante em 13.12.2005, essa Reclamação foi considerada improcedente (fls 791 e ss, dos autos);

30. Em 27.12.2005, a Reclamante apresentou no processo executivo, garantia bancária no montante de € 1.005.823,58, para efeitos de suspensão do indicado processo, requerendo ainda o levantamento da penhora efectuada e o cancelamento do respectivo registo (fls 803 e ss, dos autos);

31. Por despacho de 05.01.2006, foi determinada a requerida substituição e conforme se extrai ainda do aludido despacho a suspensão da “execução, nos termos do n.ºs 1 e 2 do Art.º 52º da LGT e n.º 1 do Art.º 169º do CPPT, até à decisão do pleito.” (fls 803-C e 303-D, dos autos);

32. Em 20.01.2006, a Reclamante foi notificada do despacho indicado no número anterior (fls 803-E, dos autos);

33. Em 11.03.2010, a Reclamante apresentou um requerimento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e onde peticiona a extinção do processo de execução fiscal, indicado supra no n.º 2, com fundamento em prescrição da dívida exequenda (863 e ss, dos autos);

34. Em 16.11.2010, deu entrada no Serviço de Finanças de Matosinhos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo de impugnação judicial indicado no número um da matéria assente (fls 873 e ss, dos autos);

35. Em 21.11.2011, oº Serviço de Finanças de Matosinhos notificou o Banco Espírito Santo, SA, na qualidade de garante da divida exequenda, do processo executivo, dos presentes autos, para proceder ao pagamento de 706.765,77€, atendendo à decisão da indicada impugnação judicial (fls 917, dos autos);

36. Por despacho de 31.01.2011, foi indeferido o requerimento indicado no número 33, supra (fls 1084 e ss);

37. Em 01.02.2011, a Reclamante apresentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, um requerimento de decretamento de providência cautelar (fls. 1103 e ss, dos autos);

38. Em 03.02.2011, a Reclamante foi notificada do despacho que indeferiu o requerimento indicado no número 33, supra (fls 1091 e ss, dos autos);

39. Em 14.02.2011, a Reclamante deduziu a presente reclamação (fls 1220, dos autos).

40. Em 15.11.2011, foi julgada extinta a instância a que se reportava o requerimento de decretamento de providência cautelar, por inutilidade superveniente da lide (fls 360 e ss, do processo cautelar, apenso aos presentes autos).

41. A sentença proferida no processo de impugnação judicial a que se reporta o número 1, supra, e que foi confirmada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de anulou as liquidações de juros compensatórios, com os seguintes números: 01167769, 01162976, 01162977, 01162978, 01162979, 01162980, 01162981, 01162982, 01162983, 01162984, 01162985, 01162986, 01162987, 01167788, 01167789, 01167790, 01167791, 01162990, 01162991, 01162992, 01162993, 01162994, 01162995, 01162996 (certidão extraída de fls 218 e ss, daquele processo de impugnação e que consta a fls 1436 a 1478 dos presentes autos).

Mais se consignou em primeira instância que «Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir».

E que «A convicção do tribunal baseou-se na análise do processo executivo em que a presente reclamação se integra, bem como nos documentos constantes do processo de impugnação judicial que correu os seus termos no Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, sob o n.º 52/02/11, e que foi junto aos presentes autos a título devolutivo, todos devidamente identificados na matéria assente, por referência à numeração das respectivas folhas».

2.2. Nos artigos 1.º a 8.º das doutas alegações de recurso, para que remete a 1.ª conclusão do mesmo, a Recorrente opõe à decisão de facto em primeira instância um conjunto de incongruências (divergências entre o que ali e provou e o que resulta dos documentos para que ali se remete) que a M.mª Juiz assumiu como erros materiais e se apressou a corrigir em despacho de fls. 1765, a coberto do artigo 667.º do Código de Processo Civil. Tendo as correções ordenadas sido anotadas em lugar próprio, como se anuncia na cota de fls. 1768.

Devidamente notificada deste despacho, a Recorrente nada disse, nem para clamar da irregularidade da retificação nem para insistir no erro, designadamente porque tivesse sobrevivido à retificação.

A Recorrente que ficasse inconformada com a retificação teria o ónus de o alegar perante o tribunal superior nos termos do artigo 667.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sendo no caso admitida a fazê-lo em requerimento autónomo (neste sentido, ALBERTO DOS REIS, in «Código de Processo Civil Anotado», Volume V, pág. 135). Nada sendo contraposto à retificação, desaparece a causa de recurso por ato superveniente do tribunal recorrido, visto que a sentença recorrida dá lugar a uma sentença retificada.

Assim sendo, e face à inércia da Recorrente, sobreveio impossibilidade superveniente da lide neste segmento do recurso.

2.3. Nos artigos 9.º e 10.º das doutas alegações de recurso, para que remete o ponto 2 das respetivas conclusões, a Recorrente pretende que o tribunal recorrido errou ao julgar irrelevantes factos tributários que relevariam para a decisão. Seria o caso da «indevida dedução do I.V.A.» que, em seu entender, estaria demonstrada pelo teor do processo de impugnação em apenso.

No entanto, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes nas peças do processo respetivo (artigos 13.º, n.º 1 in fine, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conjugado com o artigo 264.º do Código de Processo Civil), e a Recorrente não invoca ali que o tivesse alegado no processo.

Por outro lado, o juiz só tem que se pronunciar sobre a matéria relevante para a decisão da causa (como decorre, ademais, do artigo 511.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e a Recorrente também não explica porque é que a questão da existência ou legalidade do direito à dedução do I.V.A. aqui cobrado coercivamente releva diretamente para o conhecimento da prescrição, nem se vê como poderia relevar.

Finalmente, a questão de saber se o I.V.A. foi ou não devidamente deduzido não é uma questão a dirimir na resposta à matéria de facto, porque não traduz nenhum facto, mas uma conclusão a extrair de factos (conclusão de facto) e/ou de regras de direito que disciplinem o direito à dedução (conclusão de direito). O seu lugar próprio não seria, por isso, o da resposta à matéria de facto mas o da aplicação dos factos ao direito.

Pelo que o recurso não merece provimento nesta parte.

2.4. Nos artigos 11.º e 12.º das doutas alegações de recurso, para que também remete o ponto 2 das respetivas conclusões, a Recorrente pretende que o tribunal recorrido errou ao julgar irrelevantes dois outros factos tributários, que também relevariam para a decisão: a data do trânsito em julgado da decisão da impugnação e a paragem do processo, por motivo não imputável ao contribuinte, entre 2005.04.21 e 2007.07.24.

Ao contrário do que se concluiu no ponto anterior a respeito do direito à dedução, é manifesto que as questões ora colocadas são relevantes para o conhecimento da prescrição. O que não significa, porém e mais uma vez, que sejam questões a dirimir na resposta à matéria de facto.

Para se saber se determinada decisão transitou em julgado importa, antes de mais, consultar a lei processual e aferir se ocorreu algum dos factos a que a lei atribui esse efeito (a sentença não admitir recurso ou ter caducado o direito da sua interposição ou ainda se terem esgotado os recursos admissíveis).

Para saber se o processo parou por motivo imputável ao contribuinte entre dois momentos processuais, importa aferir se houve algum impulso processual entre esses dois momentos e se, em caso afirmativo, esse impulso releva como andamento do processo para este efeito. Mais importa saber a quem incumbia o impulso do processo, de acordo com a lei, e se havia algum obstáculo ao seu andamento a que fosse alheio.

A sua comprovação exorbita, por isso, da mera averiguação de factos e convoca regras jurídico-processuais. Integrando, portanto, verdadeiras conclusões de direito.

Por outro lado, o ponto 2 dos factos provados contém toda a factualidade necessária à apreciação da segunda questão, nada havendo a aditar nesta parte. Apenas quanto à primeira se justifica adicionar os factos que permitam aferir a data do trânsito em julgado do último acórdão proferido nos autos de impugnação judicial, o que se fará nos seguintes termos e ao abrigo do artigo 712.º do Código de Processo Civil:

42. Do acórdão a que alude o número anterior recorreu a ali Impugnante para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, recurso este que veio a ser julgado findo por acórdão deste Tribunal de 2010.01.20, que integra fls. 620 a 628 do processo respetivo em apenso e que aqui se tem também por reproduzido, notificado à ali Impugnante por carta remetida a 22 do mesmo mês (cfr., para além do documento para que se remete, também fls. 632 daqueles autos).

3. Fundamentação de Direito

3.1. A questão fundamental a dirimir nos autos é a de saber se o tribunal recorrido, ao concluir que a dívida exequenda não se encontrava prescrita (à data da reclamação e à data da sentença que a apreciou) aplicou corretamente as disposições legais que regem sobre o instituto da prescrição das obrigações tributárias e em particular do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, que prevê as suas causas de interrupção e de suspensão.

E sobre esta questão, a Recorrente começa por afirmar que a citação para o processo de execução fiscal não releva como causa interruptiva da prescrição se na data em que foi efetuada o prazo de prescrição não estava a correr, em virtude de outra causa interruptiva.

Diga-se, antes de mais, que a Recorrente não se apresenta em divergência com o decidido em primeira instância neste particular: como refere no artigo “34.” das doutas alegações de recurso, na interpretação que fez da douta sentença recorrida, ficou ali reconhecido que não releva para a prescrição a citação para o processo de execução fiscal, ocorrida em 2002.07.11, porque nessa data o prazo de prescrição já estava parado, por causa interruptiva anterior (a instauração da impugnação judicial da liquidação subjacente, que ocorreu em 2002.02.28). Mas como a prescrição é do conhecimento oficioso, este tribunal sempre estaria obrigado a reavaliar essa decisão.

Ora, este tribunal também concorda que a citação para a execução fiscal não pode interromper a prescrição se, na data em que foi efetuada, o decurso do prazo de prescrição da dívida exequenda já estava «parado» por causa interruptiva anterior. Mas isso não significa que não se reconheçam os efeitos da segunda causa interruptiva se, por alguma razão, cessarem os da primeira causa interruptiva.

E a verdade é que é precisamente neste sentido que o artigo 49.º da Lei Geral Tributária, na redação então em vigor, tem vindo a ser interpretado pela jurisprudência nos tribunais superiores, nomeadamente nos acórdãos que tiveram que se confrontar com esta questão específica (o que, adiante-se, não sucedeu com os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 2007.10.24 – Rec. n.º 0244/07 – e de 2012.01.18 – Rec. n.º 0348/11 – citados pela Recorrente, visto que em nenhum deles se verificava a sobreposição de potenciais efeitos interruptivos).

Assim, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2008.05.28 (recurso n.º 0840/07, disponível in www.dgsi.pt, bem como os demais adiante citados), deparou-se com duas causas interruptivas, como tal reconhecidas pela lei que ao tempo vigorava (o Código do Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril): interposição de reclamação graciosa em 1998.10.12 e instauração da execução fiscal em 1998.10.27; verificou que a primeira esteve parada por mais de um ano e a segunda não; e concluiu que os efeitos da segunda não poderiam deixar de ser considerados.

Posteriormente, o acórdão da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo de 2009.08.12 (recurso n.º 0748/09), deparou-se também com duas causas interruptivas sucessivas, ocorrendo a segunda antes de cessarem os efeitos duradouros da primeira. Assim, numa execução para cobrança de dívidas de IVA e IRS de 1995/1996, verificou-se o que o executado foi citado em 2000.02.03 e que a execução parou após a citação. Porém, volvido menos de um ano, em 2000.06.16, sobreveio reclamação graciosa. Tendo-se ali decidido relevar os efeitos interruptivos da reclamação graciosa posteriores à cessação dos efeitos da primeira interrupção.

Mais recentemente, no acórdão da mesma Secção do mesmo Tribunal, de 2011.01.12 (recurso n.º 0949/10), verificou que, estando em causa dívida de I.R.S. de 2000, teria havido uma primeira causa interruptiva em 2002.11.21, com a citação para a execução fiscal respetiva, e outra em 2002.12.02, tendo concluído que haveria dois factos interruptivos a considerar e que eram ambos relevantes para efeito do cômputo do prazo. Neste processo, verificou-se ainda que a execução esteve parada por mais de um ano e por facto não imputável ao executado a partir de 2003.09.19 e, como não havia elementos para aferir se também a impugnação judicial esteve parada por mais de um ano por facto que não lhe fosse imputável, anulou-se a decisão recorrida e ordenou-se a baixa dos autos para aquisição de melhor prova.

Num acórdão ainda mais recente do mesmo Tribunal (Rec. n.º 0177/11), estando em causa dívida de I.V.A. de 1998, e tendo a devedora principal tinha sido citada em 2002.03.23 e o responsável subsidiário em 2002.06.18, concluiu-se que ambos os factos tinham o seu «efeito interruptivo próprio». O que há de curioso neste aresto, é que cita toda a doutrina e jurisprudência que é enfatizada no presente recurso, denunciando, inequivocamente, que o acórdão do Pleno de 2007.10.24 (recurso nº 244/07) está ali a ser interpretado de forma bem diversa da que a Recorrente aqui propõe.

Na verdade, o que se pretendeu dizer neste aresto foi que, ocorrendo sucessivas causas de interrupção no regime inicial da Lei Geral Tributária, deviam todas elas ser consideradas, não propriamente quando ocorressem após a cessação do efeito interruptivo das anteriores, mas mais precisamente quando os efeitos respetivos perdurassem após a cessação dos efeitos interruptivos das anteriores.

É nesse sentido que, de resto, se pronuncia a doutrina mais avalizada sobre esta matéria: O Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (in «Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária», 1.ª edição), refere a fls. 70: «mesmo que, quando ocorreu a segunda causa de interrupção da prescrição, o período anterior à primeira estivesse eliminado e não tivesse decorrido qualquer período para a prescrição por o processo que determinou a primeira interrupção estar pendente e não ter parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, a segunda causa de interrupção mantém a sua própria potencialidade para produzir os mesmos efeitos em relação ao período anterior (eliminação) e durante o seu próprio processo (obstando ao decurso do prazo)».

Diga-se, finalmente, que é esta posição que também se nos afigura mais razoável: não faria sentido que o contribuinte tivesse que suportar sucessivas causas de interrupção da prescrição por causa de paragens processuais (por mais de um ano) que não lhe fossem imputáveis e não as tivesse que suportar quando as paragens não tivessem ocorrido ou, tendo ocorrido, lhe fossem imputáveis. Porque isso equivaleria a potenciar prazos de prescrição mais longos onde o Estado negligenciou o impulso processual, contrapondo-lhes prazos mais reduzidos onde o impulso processual não foi negligenciado ou foi obstaculizado, mas por motivos imputáveis ao devedor.

Este entendimento, que aqui sufragamos, tem um alcance importante na resolução do presente litígio. É que, tendo a ali executada, ora Recorrente, sido citada por carta registada com aviso de receção em 2002.07.11, e tendo a impugnação das liquidações, que serviu de base à emissão dos títulos executivos correspondentes, dado entrada em 2002.02.28, estamos perante duas causas interruptivas, como tal reconhecidas pela lei vigente à data em que ocorreram (a Lei Geral Tributária, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 acima citada): a citação e a impugnação.

Sendo embora a citação para a execução fiscal posterior à impugnação judicial e anterior à paragem desta execução por mais de um ano (fosse qual fosse o motivo dessa paragem), esta segunda causa de interrupção conservou a sua potencialidade para produzir os seus efeitos interruptivos próprios, seja o efeito instantâneo de inutilização, para a prescrição, de todo o tempo decorrido anteriormente, seja o efeito duradouro de impedir que o novo prazo de prescrição voltasse a correr, enquanto pendesse a própria execução (que, no caso, foi o processo onde foi praticado o ato a que a lei atribui esse efeito interruptivo – cfr. artigo 327.º do Código Civil).

Assim sendo, a paragem do processo de impugnação por mais de um ano não poderia relevar, por si só, para a prescrição: necessário seria que também tivessem desaparecido os efeitos interruptivos da citação na execução para que o prazo de prescrição voltasse a correr.

Não se acompanham, por isso e nomeadamente, as conclusões “9.” a “19.” com que a Recorrente remata as doutas alegações de recurso: o prazo de prescrição não voltou a correr por causa da paragem da impugnação judicial por mais de um ano. Tal só poderia suceder nessa data se também a execução tivesse estado parada por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte.

E isso não sucedeu: como a própria Recorrente reconhece (designadamente no ponto “52.” das doutas alegações de recurso), «o processo de execução fiscal só parou, efectivamente, em Janeiro de 2006».

O que significa que a paragem do processo de execução fiscal por mais de um ano, qualquer que fosse a razão subjacente, só se teria completado em 2007.

Nesta data, porém, já o artigo 49.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária tinha sido revogado pelo artigo 90.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, pelo que a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo já não relevava para o cômputo da prescrição.

Esta constatação sempre tornaria inútil a apreciação de outro fundamento do recurso (o de saber se a sentença recorrida teria interpretado erradamente o artigo 49.º da Lei Geral Tributária ao atribuir efeito suspensivo da prescrição à prestação de garantia na execução fiscal). Não interessa ao caso saber qual o motivo da paragem da execução (nomeadamente se ele decorreu da prestação da garantia e, por isso, o motivo da paragem é imputável ao executado) se nem a paragem da execução pode já afetar o efeito duradouro decorrente da citação.

Pelo que, em conclusão, estando em causa dívida de I.V.A. de 1997 (a mais antiga a considerar nos autos), o prazo de prescrição a considerar seria de 8 anos a que alude a Lei Geral Tributária, com termo inicial em 1999.01.01 (pelas razões mencionadas na douta sentença e com as quais a Recorrente concorda).

A instauração da impugnação judicial em 2002.02.28, interrompeu a prescrição – por força do artigo 49.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – quando tinham decorrido 3 anos, um mês e 27 dias. O que teve como efeito instantâneo a inutilização, para a prescrição, de todo o tempo decorrido anteriormente e como efeito duradouro que o novo prazo de prescrição não voltaria a correr enquanto pendesse esse processo.

A paragem do processo de impugnação por mais de um ano (em 2006.04.22) e por motivo não imputável ao contribuinte (que também não está em causa e decorre do ponto 2 dos factos provados) faria cessar os efeitos próprios da sua instauração sobre o decurso do prazo prescricional, por determinação do artigo 49.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (na redação então em vigor). Haveria, pois, somar o tempo que decorresse após esse período ao que tivesse decorrido até à data da sua autuação. «Tudo se passando como se o facto que era interruptivo fosse um facto suspensivo» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 55).

No entanto, muito antes de ter parado a impugnação e, por isso, muito antes de ter cessado o respetivo efeito interruptivo da prescrição, ocorreu um novo facto a que a lei também atribui efeito interruptivo: a citação da ali executada para a execução fiscal, em 2002.07.11.

Assim, apesar da degradação dos efeitos interruptivos da prescrição decorrentes da instauração da impugnação, sobrelevam aqui os efeitos interruptivos decorrentes da citação para a execução fiscal, nomeadamente o efeito instantâneo de inutilização, para a prescrição, de todo o tempo decorrido anteriormente e o efeito duradouro de impedir que o novo prazo de prescrição voltasse a correr enquanto pendesse esse processo.

Efeitos que, por sua vez, não se degradaram, ao menos até que o artigo 49.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária fosse revogado pelo artigo 90.º da Lei n.º 53-A/2006 (já acima mencionada). Porque a execução não voltou a estar parada por mais de um ano senão em virtude da prestação da garantia e esse ano só se completou depois da revogação daquela norma.

Pelo que esta dívida ainda não prescreveu. E, por maioria de razão, também não prescreveu a dívida de 1999.

3.2. Contrapõe, no entanto, a Recorrente que não pode ser convocado o disposto no artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, para considerar que o prazo de prescrição só se iniciaria com o trânsito em julgado da decisão final proferida no processo de impugnação.

Abre-se aqui um parêntesis para anotar que, na interpretação que fazemos da lei, o prazo de prescrição só se iniciará a partir do termo da execução fiscal, porque foi nesta que se verificou o facto com efeito interruptivo que ainda perdura.

Fechado o parêntesis, há que observar que não decorre da douta sentença recorrida que a M.mª Juiz tivesse ali concluído pela existência de caso omisso nesse particular e convocado o artigo 237.º do Código Civil por analogia. O que sucede é que, não estando a duração da interrupção da prescrição da obrigação tributária integralmente regulada no artigo 49.º da Lei Geral Tributária e não sendo admissível a analogia com outras normas do direito tributário constantes dessa lei ou dos diversos códigos tributários, que permitissem a reconstituição da respetiva regulamentação a partir desse sistema normativo, se recorreu ao Código Civil para extrair a norma aplicável, a coberto da alínea d), do artigo 2.º deste diploma.

Dizendo de outra forma: o tribunal teria recorrido à analogia se tivesse extraído a norma pretendida de outras normas de direito tributário que regulassem casos semelhantes (por exemplo, outas normas que se debruçassem sobre o âmbito temporal da relação jurídica tributária); ou se deparasse com a inexistência de previsão normativa que contemplasse o caso sequer no Código Civil e recorresse a outras normas de direito para, por sua vez, a reconstituir. Mas não recorre à analogia se extrai a respetiva regulamentação de norma de direito civil que, abstratamente, preveja aquela situação, por imposição da própria Lei Geral Tributária.

Contrapõe a Recorrente que o artigo 327.º do Código Civil nada tem a ver com o caso em apreço, porque dele resulta que a interrupção pode ser duradoura, quando resulta de citação, notificação ou ato equiparado e o ato interruptivo em questão nos autos não é nenhum desses, mas a instauração da impugnação judicial.

Mas, se bem interpretamos a douta sentença, não houve recurso ao Código Civil para determinar em que casos é que a interrupção é «duradoura». Porque (como melhor se explicitará no ponto seguinte) resultava de regulamentação própria – no caso, no artigo 49.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária – que, em direito tributário, a interrupção era sempre «duradoura», não havendo, nesta parte, que recorrer subsidiariamente ao Código Civil.

Houve recurso ao Código Civil apenas para determinar quando cessa o efeito duradouro da interrupção.

Pelo que também não existe fundamento para opor à sua aplicação o princípio da legalidade tributária e a proibição da analogia.

Pelo que a douta sentença não mereceria censura, nesta parte. O que, de qualquer modo, não conduziria à procedência do recurso, porque, pelas razões que acima expusemos, também haveria que contar com a citação para a execução fiscal como causa interruptiva da prescrição. Que cabia sem esforço na letra daquele dispositivo legal.

3.3. Insiste, porém, a Recorrente que a natureza «duradoura» da interrupção da prescrição também não decorre do artigo 49.º da Lei Geral Tributária. Só com o aditamento do n.º 4 àquele dispositivo legal pelo artigo 89.º da Lei n.º 53-A/2006 (já acima citada) é que o legislador, inovadoramente, veio considerar que o prazo de prescrição legal se suspende enquanto não houver decisão transitada em julgado. E argumenta que, se assim não fosse, o legislador não teria sentido necessidade de aditar esta norma.

Deve, contrapor-se, em primeiro lugar que o efeito duradouro da interrupção da prescrição decorria diretamente do n.º 2 daquele artigo 49.º da redação então em vigor. E por duas razões: de um lado, a expressão ali utilizada («faz cessar…») remete-nos para um efeito duradouro que ainda não cessou (e não para a inutilização de um efeito instantâneo); de outro lado, a paragem do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo não poderia redundar em prejuízo para o sujeito passivo (que sucederia se, havendo apenas o efeito instantâneo de inutilização do prazo inicial, dele tivesse decorrido menos de um ano, visto que a reposição do prazo inicial eliminando o primeiro ano do prazo novo implicaria, então, menos prazo decorrido de que a manutenção do novo prazo a partir do ato interruptivo).

Não havia, por isso, e nesta parte, nenhuma lacuna. O recurso aos fatores de interpretação para determinar o sentido desta norma, em particular o elemento gramatical e o elemento lógico, chegariam para aceder à vontade legislativa.

Em segundo lugar, não é verdade que o artigo 49.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária tivesse sido aditado ex novo pela Lei n.º 53-A/2006 citada. O dispositivo que foi aditado em termos inovatórios foi o seu n.º 3 na atual redação, resultando o atual n.º 4, no essencial, do anterior n.º 3. A explicitação, em linguagem mais cuidada de que a suspensão se mantém até ao trânsito em julgado não chega para a encarar como uma inovação, porque se já anteriormente a reclamação, a impugnação e o recurso suspendiam a prescrição (se suspendessem a execução), devia entender-se que a suspensão durava enquanto durasse o processo a que a lei atribuía esse efeito.

Em terceiro lugar, o efeito duradouro da interrupção da prescrição (que é equivalente ao da sua suspensão) não torna desnecessário ou redundante nem o primitivo artigo 49.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, nem o atual n.º 4 do mesmo dispositivo. Ali, porque a paralisação do prazo de prescrição não ficava, então, condicionada pelo andamento do processo que deu origem à paragem da execução. Aqui, porque a interrupção só tem lugar uma única vez, ressalvando-se neste número as circunstâncias em que pode haver paragens subsequentes do decurso do prazo de prescrição.

Pelo que a Recorrente também não tem razão nesta parte.

3.4. Importa, agora, saber se este entendimento afronta princípios constitucionais, como o princípio da segurança jurídica, da proteção da confiança e das legítimas espectativas, imanentes ao princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

O Estado de Direito pressupõe a subordinação dos diversos poderes do Estado à lei e ao direito e reflete, entre outras, uma preocupação de segurança jurídica dos cidadãos, traduzida na garantia de que esses poderes atuam com objetividade, previsibilidade e isenção, respeitando os seus direitos. A segurança jurídica exprime, assim, a certeza do direito e acautela e promove a confiança nas instituições do Estado. Mas vai mais longe, chegando a proteger, em determinadas circunstâncias, meras expetativas nos cidadãos quanto ao exercício desses poderes.

Incluindo o poder legislativo. «Os particulares têm não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento legislativo normal» (REIS NOVAIS, in «Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa», Coimbra, 2004, pág. 263).

A prescrição da prestação tributária opera uma função relevante na defesa dos direitos dos contribuintes, delimitando temporalmente o poder de cobrar do Estado e promovendo estabilidade a segurança nas relações tributárias. Não é, por isso, de excluir, em abstrato, que alterações legislativas nesta área agravem injustificadamente a posição dos contribuintes e contendam com este princípio. Também não é de excluir que contrariem fundadas e legítimas expetativas de que esse agravamento não teria lugar.

Se bem interpretamos, a Recorrente alega, nesta parte, que a mutação legislativa produzida pelo artigo 49.º da Lei Geral Tributária, na interpretação seguida pela sentença recorrida, inflete uma tendência de redução de prazos de prescrição das obrigações tributárias e desmente a vontade declarada no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, que ia nesse sentido. E que, por outro lado, permite protelar “ad eternum” a ocorrência da prescrição, deixando-a na permanente insegurança de ver contra si exercido o direito do credor.

Assim, na alegação da Recorrente, o quadro legislativo introduzido por esta lei condena os contribuintes a uma permanente insegurança, traduzida no receio constante de que, a qualquer momento lhe seja exigida alguma prestação tributária ou sejam confrontados com a imposição do seu pagamento. Para além disso, contraria a legítima expectativa de que qualquer alteração legislativa iria no sentido da redução efetiva dos prazos de prescrição.

Reconheça-se que, nas últimas décadas, se tem assistido a uma progressiva compressão dos prazos de prescrição, acompanhando os ganhos em eficiência da máquina fiscal potenciados pelo alargamento dos deveres de colaboração dos contribuintes e da introdução de novas tecnologias no cruzamento de dados.

Mas também não foi o alargamento dos prazos de prescrição que a Lei Geral Tributária veio introduzir. Pelo contrário: o prazo geral de prescrição das obrigações tributárias foi ali encurtado de dez para oito anos. Por outro lado as causas e o regime da interrupção da prescrição não sofreu mutações significativas, sendo geralmente aceite que, nesta parte a Lei Geral Tributária apresentou soluções de continuidade face ao regime anterior. O que vale por dizer que, à data em que foi gerada a dívida mais antiga (quando ainda vigorava o Código de Processo Tributário), já eram adotadas regras semelhantes e que conduziam ao mesmo resultado (cfr. artigo 34.º, n.º 3, do Código de Processo Tributário). E com as quais, por conseguinte, a Recorrente podia já então contar.

Por outro lado, não existia então – nem a Recorrente alega tal – nenhuma expetativa de que o legislador iria extinguir causas de interrupção da prescrição ou modificar os seus efeitos. Muito menos, que aquela tivesse atuado legitimamente em função dessa expetativa ou que não subsistissem as razões de interesse público que justificassem a sua manutenção.

Finalmente, não é verdade que a Lei Geral Tributária, na sua redação inicial não contivesse regras que temperassem os efeitos da interrupção da prescrição e obviassem eternamente à conclusão do prazo respetivo. O seu artigo 49.º, n.º 2, constituía, inequivocamente uma disposição que visava precisamente obviar aos efeitos duradouros da interrupção do prazo de prescrição a que fosse alheio. Assegurando, por isso, que a interrupção do prazo não subsistiria se os poderes do Estado (administrativo ou judicial) negligenciassem o andamento dos respetivos processos. O que obviaria, seguramente ao protelamento excessivo e irrazoável da sua conclusão.

É verdade que, não havendo paragem do processo por mais de um ano, o prazo não corria e a prescrição só voltaria a correr com o trânsito em julgado da decisão. E que isso poderia acarretar, na data em que viesse a ocorrer, o pagamento ou a cobrança imediata da dívida. E que tal podia até frustrar a expectativa do sujeito passivo de que a prescrição ocorresse entretanto ou não fosse obrigado a tal pagamento. Mas isso não significa que fosse uma expetativa legítima. Porque não leva em conta também os legítimos direitos e interesse do credor Estado, à sustação do prazo enquanto se discuta a dívida pelos meios e nos termos legais e à cobrança, a final, do que lhe for devido.

No regime atual, não existe, como se disse, norma semelhante àquele n.º 2 do artigo 49.º citado. O que sucede, porém, foi que o legislador opta agora por obviar aos efeitos indesejados da interrupção do prazo de prescrição de outro modo: em vez de condicionar a duração de cada uma das interrupções ao andamento célere dos processos que lhes deram origem, limita as causas da interrupção a uma só (seu n.º 3, redação atual). Depois desta ocorrer, só podem sobrevir suspensões do prazo e por causa imputável ao contribuinte.

Em suma, não se vê que qualquer das soluções legislativas afete, de forma desfavorável, legítimas expetativas dos cidadãos, ou afronte de forma intolerável o mínimo de a certeza e segurança jurídicas abaixo do qual se deva considerar que está em causa esta dimensão essencial do Estado de Direito. Até porque, ao contrário do que também alega a Recorrente, não é virtualmente impossível a ocorrência da prescrição. De um lado, porque o termo inicial do prazo não depende da instauração de nenhum processo; do outro lado, porque na versão inicial, foram estabelecidos limites aos efeitos duradouros da interrupção e, na versão atual, foram estabelecidos limites às causas de interrupção. Em termos adequados, em qualquer dos casos, à compatibilização entre o interesse público na cobrança dos tributos devidos com o interesse legítimo do sujeito passivo na limitação temporal do seu exercício.

Pelo que o recurso também não procede por aqui.

3.5. Mas a Recorrente também refere adiante, que este regime da prescrição da obrigação tributária a priva do direito a uma decisão judicial célere e em tempo útil, transferindo para o contribuinte o ónus da morosidade da justiça na resolução dos litígios tributários, mesmo quando a não pode controlar e não lhe é imputável. E que, por isso, o artigo 49.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, na interpretação preconizada na sentença recorrida, padece ainda de inconstitucionalidade material, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

No entanto, as normas que disciplinam as causas da interrupção da prescrição e os seus efeitos nunca poderiam contender com o direito à decisão em prazo útil e razoável, porque não impedem o andamento de nenhum processo nem interferem com a prolação da decisão respetiva. Elas apenas impedem o andamento do prazo de prescrição.

O que a Recorrente pretendia dizer é que a interrupção da prescrição não estimula ou encoraja as decisões céleres, porque o «Estado Fiscal» não se sente pressionado a decidir se não estiver em causa o direito a cobrar o tributo. Trata-se, porém, de uma hipótese que não tem cabimento indagar nos autos porque nenhuma interrupção da prescrição resultou aqui de processo gracioso conduzido pelo «Estado Fiscal». Em que, naturalmente, não estão incluídos os Tribunais Tributários, que não se subordinam a nenhum interesse que não seja o da realização da justiça.

De qualquer modo, as normas que regulam a prescrição nunca poderiam afrontar o direito à tutela judicial efetiva pelo facto de não promoverem a celeridade no andamento dos processos. Tal só poderia ocorrer se obstaculizassem o seu andamento ou protelassem injustificadamente a respetiva decisão. E nem tal vem alegado nem se vê que pudesse, no caso, ter ocorrido.

Pelo que o recurso também não poderia merecer provimento, nesta parte.

3.6. Por último, alega a Recorrente que a Lei de Autorização Legislativa n.º 41/98, de 04.08, ao abrigo da qual foi aprovada a Lei Geral Tributária apenas autorizou o governo a alterar os pressupostos da interrupção do prazo de prescrição no sentido do seu encurtamento – seu artigo 2.º, n.º 18. Pelo que qualquer interpretação desta lei que vá em sentido contrário, isto é, que redunde no alargamento dos prazos de prescrição, é material e organicamente inconstitucional.

Está em causa o artigo 49.º, nºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária (cfr. ponto “212” das doutas alegações de recurso) na sua redação inicial e na interpretação segundo a qual, não ocorrendo paragem do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte, o prazo de prescrição ficaria em suspenso durante todo o período de duração desse processo e até ao trânsito em julgado da sua decisão final.

Ora, o que a Recorrente não explica é porque é que esta interpretação redunda num alargamento do prazo de prescrição face ao regime anterior. E nem se vê que exista, porque nesta parte não houve qualquer rutura com o que estava previsto no n.º 3 do artigo 34.º do Código Processo Tributário, fosse em que sentido fosse.

A verdadeira inovação esteve no n.º 3 daquele artigo 49.º, visto que os Códigos anteriores não previam expressamente causas de suspensão do prazo de prescrição. O que previam – e a Lei Geral Tributária continuou a prever (diga-se outra vez: sem qualquer agravamento face ao regime anterior) – era o efeito duradouro da interrupção.

Sendo precisamente a este n.º 3 (e não aos números anteriores), que o Sr. Conselheiro Benjamim Rodrigues alude na passagem que a Recorrente transcreve no ponto “208” das suas alegações, com o objetivo de o compatibilizar com esses números anteriores e, simultaneamente, com a lei de autorização legislativa. Para dizer que o efeito da suspensão deste n.º 3 também deve deixar de existir se estes processos estiverem parados por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo.

Questão que aqui não se coloca porque – pelas razões já acima referidas – no caso dos autos a prescrição não foi obstaculizada pela suspensão da execução com prestação de garantia, mas também e antes de mais, pelo efeito interruptivo da citação nessa execução (visto que a execução nunca parou por mais de um ano até à revogação do n.º 2 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária pela Lei do Orçamento de Estado para 2007).

De qualquer modo, nem esse n.º 3 do artigo 49 da Lei Geral Tributária seria organicamente inconstitucional, agora pelas razões que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2012.03.28 (recurso n.º 0213/12) apresenta e que a Mm.ª Juiz “a quo” transcreve na douta sentença recorrida. Para as quais, por isso, nos limitamos a remeter.

Pelo que o recurso também não merece provimento nesta parte.

4. Conclusões

4.1. O prazo de prescrição da dívida de I.V.A. de 1997 é de oito anos, contado a partir de 1999.01.01 – artigos 297.º do Código Civil e 48.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30.12.

4.2. A instauração da impugnação judicial onde seja discutida a legalidade da liquidação correspondente interrompe a prescrição, o que tem como efeitos a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente e a sustação do novo prazo de prescrição enquanto pender esse processo, a menos que venha a estar parado por mais de um ano e por motivo não imputável ao sujeito passivo – artigo 49.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Geral Tributária, na mesma redação.

4.3. A citação para a execução fiscal onde seja cobrada essa dívida, ocorrida após a instauração da impugnação judicial e antes de terem cessado os efeitos – para a prescrição – dela decorrentes, também tem potenciais efeitos interruptivos da prescrição, que sobrelevam no caso de cessarem os efeitos da primeira interrupção;

4.4. Pelo que a degradação dos efeitos interruptivos da prescrição, decorrente da paragem do processo de impugnação judicial por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte, não obsta à sustação do novo prazo de prescrição, se a execução fiscal não esteve, por sua vez, parada por mais de um ano e por motivo não imputável ao contribuinte, antes da revogação do artigo 49.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária pela Lei n.º 53-/2006, de 29.12.

4.5. O artigo 49.º, nºs 1 e 2, da Lei Geral Tributária, na redação a que aludem os números anteriores, não ofende o princípio da segurança jurídica, da proteção da confiança e das legítimas espectativas dos cidadãos, imanente ao princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, porque dele não resulta um alargamento das causas de interrupção ou dos seus efeitos face ao regime anterior e porque nele foi estabelecido um limite aos efeitos duradouros da interrupção da prescrição, acautelando a inércia no andamento dos processos que lhe deram causa e conferindo, assim, objetividade, previsibilidade e equilíbrio na sua aplicação.

4.6. O artigo 49.º, nºs 1 e 2, da Lei Geral Tributária, na mesma redação, também não poderia padecer de inconstitucionalidade material, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, porque as normas que disciplinam as causas da interrupção da prescrição e os seus efeitos, não impedindo o andamento de nenhum processo nem interferindo com a prolação da decisão respetiva, nunca poderiam contender com o direito à decisão em prazo útil e razoável.

4.7. O artigo 49.º, nºs 1 e 2, da Lei Geral Tributária, na mesma redação e na parte aqui aplicável, também não poderia padecer de inconstitucionalidade material e orgânica, por violação da respetiva lei de autorização legislativa, porque contém um regime de interrupção da prescrição essencialmente semelhante ao regime anterior.

5. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 27 de Setembro de 2012

Ass.: Nuno Bastos

Ass.: Irene Neves

Ass.: Pedro Marques