Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00005/06.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO, GERÊNCIA DE FACTO VS GERÊNCIA DE DIREITO
Sumário:
I - Quer o n.º 1 do artigo 13.º do CPT quer o n.º 1 do artigo 24.º da LGT exigem para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
II - Compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente, o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do administrador, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da administração ou gerência, quer por força do artigo 13.º do CPT quer pelo disposto na alínea b) do artigo 24.º da LGT. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AMFG
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar procedente a oposição
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
AMFG, NIF n.º 19…538, residente no Bairro S…, Quinta V…, V…, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 05/07/2013, que julgou improcedente a Oposição à execução fiscal n.º 2720200201001280 e apensos e n.º 2720199901014072, do Serviço de Finanças de Viseu, instaurada contra a sociedade “BC, Restaurante Típico, Lda.” por dívidas de IVA, IRC, coimas e contribuições à Segurança Social, dos anos de 1998 a 2002, sendo o montante global revertido no valor de € 7.163,21.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Por douta sentença foi julgada extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, no tocante às dívidas relativas à Seg. Social e às coimas fiscais e no mais improcedente, prosseguindo a execução os seus normais termos.
2. Ora, em primeiro lugar, cumpre realçar que não foi carreada para os autos qualquer prova indicativa do exercício de funções de gerência de facto por parte da oponente aquando da ocorrência dos factos que originaram a dívida exequenda.
3. Ora, em virtude do disposto no art. 24.° e 73.° da LGT chega-se à conclusão que a gestão de facto cumpre ser provada pela Entidade Exequente.
4. O artigo 74º da LGT é peremptório ao dispor que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
5. Assim, a AT para além de ter de alegar a gerência de facto, tem de a provar no processo.
6. Ora, dos presentes autos resulta claramente que a AT não cumpriu com o ónus da prova que lhe incumbia, não tendo alegado suficientemente e muito menos provado a gerência de facto da revertida.
7. E, não tendo a Administração Tributária logrado obter tal prova no processo, temos de concluir que a douta decisão tinha de considerar a presente oposição procedente, por falta de prova da gestão de facto da aqui oponente.
8. Pois, dos factos provados na douta sentença nada resulta que permita concluir pela gerência de facto da devedora originária.
9. Aliás, a douta sentença recorrida mais não faz do que movimentar-se no campo da gerência de direito.
10. Mais, na douta sentença quer-se dar como provada a gerência de facto da devedora originária só porque a oponente era gerente de direito da sociedade “PCGRH” que alegadamente era gerente da devedora originária.
11. Contudo, o I. Tribunal a quo esqueceu-se que nem sequer provou a gerência de facto da oponente da sociedade “PCGRH”.
12. Assim, da douta sentença recorrida nada consta que permita concluir pela gerência de facto da devedora originária por parte da oponente.
13. Aliás, do que consta nos factos provados na douta sentença recorrida nem sequer se mostra provada a gerência de direito da devedora originária por parte da oponente.
14. No que toca à prova da gerência de facto por parte da oponente, a douta sentença peca, salvo o devido respeito, por falta de prova que a suporte e ausência de fundamentação.
15. Pelo que, a douta sentença padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 125.° do CPPT e 668.° do CPC.
16. Acresce que, a culpa pela falta de pagamento é um pressuposto essencial da reversão fiscal.
17. Ora, com base nos elementos de facto que foram trazidos aos autos, não foi feita prova de que a conduta da oponente foi minimamente censurável.
18. Acresce que, a quantia em causa no presente processo referente a IVA do ano de 1998 foi atingida pela prescrição.
19. O prazo de prescrição da dívida de IVA e juros compensatórios de 1998 iniciou-se, assim, em 1-1-1999.
20. Em 01-01-1999, porém, entrou em vigor a LGT e o prazo prescricional foi reduzido de dez para oito anos. A este novo prazo de prescrição aplica-se, porém, o artigo 297.° do CC.
21. Ora, conforme consta dos factos provados indicados na douta sentença recorrida, a recorrente foi citada.
22. Sucede que, aquela citação não produziu efeito interruptivo da prescrição, nos termos do artigo 49.°, n.º 1 da LGT.
23. Ou seja, o prazo da prescrição correu ininterruptamente, tendo já decorridos, para efeitos de prescrição.
24. Acresce que, mesmo que o processo fosse suspenso em 17.09.2007, nesta data a quantia referente ao ano de 1998 já se encontrava prescrita.
25. Assim, a prescrição é um facto consumado.
26. Pelo que, impõe-se que a prescrição seja conhecida oficiosamente.
27. Acresce que, não foi sequer assegurada a tutela jurisdicional efectiva dos direitos da oponente e a igualdade de armas entre o particular a administração fiscal.
28. Pois, para prova do articulado a aqui recorrente indicou três testemunhas.
29. Todavia, a douta decisão foi proferida sem a inquirição das testemunhas arroladas pela oponente.
30. Ora, no processo tributário vigora em pleno o princípio do inquisitório, patente nomeadamente no artigo 99.º da LGT.
31. Mas, o Tribunal a quo não deu cumprimento à diligência de prova requerida pela oponente.
32. O que, conduz inevitavelmente à nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 125.º, nº 1 do CPPT.
33. Por outro lado, mesmo que se considere que os fundamentos aduzidos pela oponente não se integram nos admitidos pelo n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo continua adstrito à descoberta da verdade material, de acordo com o disposto no artigo 265.° do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.° do CPPT.
34. Razão pela qual, temos de considerar que houve omissão de uma diligência essencial de prova, nos termos do artigo 114.°, 118.° do CPPT.
35. Igualmente, se consideram violados os artigos 58.° e 99.° da LGT, o art. 13.° do CPPT e o art. 625.° do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.° do CPPT.
36. Acresce que, a produção de prova testemunhal é essencial para a descoberta da verdade material.
37. Pelo que, a não produção da prova testemunhal indicada é de todo destituído de fundamento e de apoio legal, constituindo uma manifesta nulidade.
38. Assim, há aqui uma omissão ao não ser produzida a prova testemunhal indicada.
39. Sendo certo que, tal omissão importa a anulação de todos os actos posteriores.
40. Para além disso, a recorrente requereu que se solicitasse à Entidade Exequenda documentos comprovativos da realização das liquidações originadoras da dívida exequenda aqui em causa porque se tais liquidações não foram efectuadas esta dívida não pode existir e se o SF competente deu cumprimento ao disposto no artigo 160.°, n.º 1 e 236.°, n.ºs 1, 2 e 3 do CPPT.
41. E alegou ainda a nulidade da citação porque não veio acompanhada da totalidade das cópias dos títulos executivos.
42. Pois, a citação da oponente não continha os elementos essenciais da liquidação, nem a sua fundamentação, em violação do artigo 22°, n.º 4 da LGT.
43. Sendo certo que, a falta de tais elementos determina a ineficácia do acto tributário, de acordo com o art. 77.°, n.º 6 e 36.°, n.º 1 do CPPT.
44. Pelo que, o I. Tribunal a quo tinha de se pronunciar acerca das invocadas nulidades, ao invés de considerar que elas não constituem objecto de oposição.
45. Pois, a recorrente claramente invocou um fundamento de oposição à execução previsto no artigo 204.° do CPPT, mais precisamente na al. i) do seu n.º 1.
46. Mais, o Tribunal a quo não se pronunciou sequer quanto à diligência de prova requerida pela oponente.
47. Igualmente, o I. Tribunal a quo não se pronunciou acerca da falta de notificação das liquidações.
48. Pelo que, houve claramente omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo.
49. O que, conduz inevitavelmente à nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 125.°, n.º 1 do CPPT.
50. Assim, todas as ilegalidades alegadas em sede de oposição se mantêm, devendo ser conhecidas pelo Tribunal.
51. Por último, cumpre realçar que não podem restar dúvidas de que estamos aqui em presença de uma situação de falta de fundamentação e de prova da douta sentença.
52. De facto, a douta sentença padece de erro de julgamento e ausência de fundamentação.
53. Assim, e por tudo o que se deixa expresso, a douta decisão do Tribunal a quo enferma de diversas nulidades, designadamente de incorrecta apreciação de facto e de direito da presente questão, ao não ter reconhecido os invocados direitos ou interesses e a ignorar os elementos de prova requeridos pela oponente.
54. Logo, a douta sentença recorrida deve ser substituída por outra que conheça e valorize a prova produzida e requerida e que é apta precisamente a provar o alegado na p.i.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a douta decisão, com o conhecimento das ilegalidades invocadas e a consequente extinção da presente instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 287.°, al. e) do CPC ex vi do artigo 2.°, al. e) do CPPT.
Assim se fazendo a acostumada Justiça!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se as seguintes questões:
(i) Erro de julgamento de facto e de direito ao ter decidido que a Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto na sociedade originária devedora, (conclusões 1 a 14);
(ii) Nulidade da sentença por falta de prova e ausência de fundamentação (conclusões 15 e 16);
(iii) Erro de julgamento no que concerne à culpa na insuficiência do património para solver as dívidas fiscais (conclusões 17 e 18);
(iv) Erro de julgamento ao julgar não prescritas as dívidas de IVA do ano de 1998 (conclusões 19 a 26);
(v) Violação do princípio de tutela jurisdicional efectiva, na medida em que não foram inquiridas as testemunhas arroladas e produzida prova e nulidade da sentença (conclusões 27 a 40);
(vi) Erro de julgamento ao não julgar a citação nula (41 a 49).
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III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“III I Factos provados
Compulsados os autos, com relevo para a decisão dão-se como provados os seguintes factos:
A) Contra a sociedade BC, Restaurante Típico, Lda., foram instaurados os processos de execução fiscal nº 2720200201001280 e apensos, para cobrança de dívidas de coimas fiscais e IVA dos anos de 2000 e 2002 e IRC do ano de 1998 e nº 2720199901014072, relativo a contribuições dos anos de 1998 e 1999 – cfr. docs. de fls. 18 e sgs. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos.
B) No dia 03.11.2005, foram lavrados despachos de reversão das execuções fiscais referidas em A), contra a ora oponente, com os seguintes fundamentos:
“(…)
Através da análise da instrução do presente processo, constata-se a inexistência de quaisquer bens pertencentes à originária devedora “BC, Restaurante Típico, Lda” com NIPC 5…86, com sede na Rua G… - V….
As informações oficiais referem o seguinte, relativamente à firma;
1- A firma encontra-se colectada por este Serviço de Finanças desde 1996/10/11, não tendo cessado a actividade.
2 - Não são conhecidos nesta data qualquer tipo de bens penhoráveis.
3 - Durante o período a que respeitam as dívidas em execução, conforme informação de fls. 19 a 20, eram seus sócios gerentes, de direito e de facto, ininterruptamente, CANP, titular do NIF 11…64, residente na Rua A…, Quinta O… - V…, JMSM, titular do NIF 10…99, residente na Avenida A… - V…, CAMP, titular do NIF 16…20, residente na Urbanização Q… - V…, PCGRH, Lda., NIPC 50…70, com sede na Rua N… - V…, AJML, titular do NIF 11…89 residente na Estrada S... - Vivenda C… - V… e AJDM, titular do NIF 19…04, residente na Quinta D… - V…, únicos, que face ao disposto nos artigos 13° do Dec. Lei n° 103/80, de 9 de Maio e 23° da LGT, nos parece deverem ser tidos como subsidiários responsáveis relativamente à referida firma, e por toda a dívida exequenda que está na base da instauração desta execução fiscal e todos os seus apensos:
(…)
Face aos documentos apresentados e averiguações efectuadas, concluímos que a firma cessou de facto a actividade em 2002/04/30 e que a partir de 23/12/1997, a gerência da empresa passou a ser exclusivamente exercida por AMFG e MBGAP, em representação da firma PCGRH, Lda., pelo que por meu despacho de 2005/08/24, foi ordenado o cumprimento do n°4 do artigo 23° da LGT.
Cumprido o mesmo, os interessados não reagiram.
Assim, constatada a inexistência de bens da originária devedora, tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153, n°2 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário ORDENO a REVERSÃO DA EXECUÇÃO contra os subsidiários responsáveis MBGAP, com o n° fiscal 20…44 e residente em Qtª B… - V… - V… e AMFG, com o n° fiscal 19…38, residente em Br° S… - V…, representantes legais de PCGRH, Lda., relativamente a toda a dívida exequenda que esteve na origem da instauração deste processo e todos os seus apensos.
(…)” – vide docs. de fls. 28 a 43.
C) No dia 12.11.2012, o Serviço de Finanças de Viseu veio informar os presentes autos do seguinte:
“(…)
- O Processo de Execução Fiscal N° 2720199901014072 respeitante a Segurança Social que se encontrava na fase “reversão com despacho”, e assim discriminado, encontra-se na fase “extinto por prescrição” (fase 910), desde 2009/01/15.
(…)
- Os processos com a proveniência 106 Coimas Fiscais, já se encontram com o valor em divida a “zero”, em virtude da dissolução e encerramento da liquidação da firma, ter provocado a anulação dos mesmos (morte do infractor), mas continuam apensos, por se tratar de reversão.
- Mais informo de que existem no processo pagamento referentes a penhoras bancárias que tinham sido efectuadas às executadas por reversão. O processo encontra-se suspenso relativamente à revertida MBGAP, em virtude de a mesma ter apresentado garantia e estar pendente a aguardar decisão desse TAF.
(…)
- A revertida MB foi citada pessoalmente em 2005/11/22 e pela mesma foram oferecidos bens à penhora em 2007/0/17, com vista à constituição de garantia para efeitos de suspensão da execução.
- Não ocorreram paragens superiores a um ano, por razões estranhas ao executado.
(…)” cfr. doc. de fls. 67 e 67 Vº da oposição conexa, a 4/06, cuja junção se ordenou no despacho que antecedeu esta sentença.
D) No dia 17.07.2007 a revertida MB apresentou no Serviço de Finanças de Viseu um requerimento a pedir a suspensão dos processos executivos referidos em A), juntando uma lista de bens no valor de € 12.623,64 euros, para serem penhorados e servirem de garantia – vide doc. de fls. 69 e sgs. dos autos conexos e o demais referido na antecedente alínea.
E) No dia 17.09.2007 foi proferido despacho pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Viseu, no qual suspendeu o processo relativo à revertida MB – cfr. doc. de fls. 75 do processo conexo e idem anteriores alíneas.
F) A Oponente foi citada do despacho de reversão referido em B), no dia 18-11-2005 e remeteu, via postal, em 19-12-2005, a petição inicial que deu origem à presente oposição – vide fls. 44 a 47, 60, 61 e 2.

III II Factos não provados
Inexistem.

A convicção do Tribunal fundou-se nos elementos referidos em cada uma das alíneas dos factos assentes.”

Por resultar de documentos ínsitos nos autos e se revelar pertinente para a decisão do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, adita-se à decisão da matéria de facto a seguinte alínea, cuja factualidade se encontra igualmente provada:
G) Por deliberação de 23.12.1997, foi nomeada gerente da sociedade executada a sociedade “PCGRH, Lda., cujos gerentes de direito eram AMFG e MBGAP - conforme se retira da Certidão da Conservatória do Registo Comercial e da cópia da acta n.º 6 da sociedade executada (cfr. fls. 7 a 12 verso do processo físico).
*
2. O Direito
A primeira questão que cumpre resolver consiste em apreciar se incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento de facto e de direito ao ter decidido que a Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto na sociedade originária devedora.
Importa alertar que o recurso somente se refere à parte da execução fiscal que tem por objecto a cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas dos anos de 1998 a 2002, bem como dos respectivos juros compensatórios, uma vez que não abrange a decisão que julgou extinta a instância, por inutilidade da lide, no tocante às dívidas relativas a contribuições à Segurança Social e a coimas fiscais, que não se mostra impugnada no presente recurso.
A responsabilidade dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelas dívidas tributárias, na vigência do Código de Processo Tributário (em 1 de Julho de 1991) e até à entrada em vigor da Lei Geral Tributária (em 1 de Janeiro de 1999), é aferida nos termos do disposto no artigo 13.º daquele Código e, com a entrada em vigor da LGT, tal responsabilidade passou a estar definida no artigo 24.º da LGT.
Assim, à dívida tributária referente do ano de 1998, é de aplicar o regime decorrente do artigo 13.º do CPT e às dívidas posteriores a 01.01.1999 (dívidas de 1999 a 2002), aplica-se o regime decorrente do artigo 24.º da LGT, por serem estes os regimes que vigoravam à data dos factos tributários, já que a determinação da responsabilidade subsidiária afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade (artigo 12.º, do Código Civil).
O artigo 13.º do CPT previa que: “Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais”.
O artigo 13.º do CPT faz recair sobre os administradores ou gerentes que tenham exercido, ainda que somente de facto, a prova da inexistência de culpa na insuficiência do património social para a satisfação do crédito tributário, cujo facto constitutivo ou o seu vencimento tivessem ocorrido no exercício das suas funções.
Neste sentido, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JOSÉ LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis Editores, 4.ª edição, anotação 2 ao art.º 24.º, pág. 132.
Na Lei Geral Tributária retira-se da interpretação do exórdio do n.º 1 do art.º 24.º, onde se menciona expressamente o exercício de funções: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam […] funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados…”
A responsabilidade subsidiária aí prevista não exige a gerência nominal ou de direito quando refere que “ Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados” (destacado nosso).
Desde logo, resulta do citado normativo, que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, no Código do Procedimento e Processo Tributário, (III volume, anotação 24 ao art.º 204.º, pág. 473) “ (…) O mesmo se pode afirmar relativamente ao CPT e à LGT, pois nos citados arts. 13.º e 24.º respectivamente, faz-se referência ao exercício efectivo de funções ou do cargo, o que leva a concluir que não basta a mera qualidade jurídica de administrador ou gerente para servir de base à responsabilização subsidiária.
Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento.”(…).
E é esta também a jurisprudência pacífica deste Tribunal espelhada nos acórdãos n.ºs 00349/05.6 BEBRG de 11.03.2010, 00207/07.0 BEBRG de 22.02.2012, 001517/07.1 BEPRT de 13.03.2014, 01944/10.7 BEBRG de 12.06.2014 e 01943/10.9 BEBRG de 12.06.2014 e do Pleno da secção do CT do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2007, proferido no processo 01132/06 e 0861/08 de 10.12.2008, entre outros.
A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
Assim, quer o n.º 1 do artigo 13.º do CPT quer o n.º 1 do artigo 24.º da LGT exigem para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
E é jurisprudência pacífica que “(…) presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.”(cfr. Acórdão do STA n.º 0941/10 de 02.03.2011).
Nesta conformidade, não é possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de administrador pode-se presumir a administração de facto.
No entanto, é possível efectuar tal presunção se o tribunal, à face das regras da experiência, e acompanhado de outros meios de prova, entender que há uma forte probabilidade de nesse exercício a gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, não há apenas a ter em conta o facto de o revertido ter a qualidade de direito, pois havendo outros elementos que, em concreto, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram.
Daí que se possa concluir que as presunções influenciam o regime de prova, tal como foi afirmado pelo acórdão proferido no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no recurso n.º 1132/06 de 28.02.2007: “(…) Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342º nº 1, 350º nº 1 e 344º nº 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
3.3. Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13º do CPT, [e também no art.º 24.º da LGT] porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova (…)”(sublinhado nosso).
Em síntese, quer por força do artigo 13.º do CPT quer pela alínea b) do artigo 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente, o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do administrador, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da administração ou gerência.
Relativamente a esta questão a sentença recorrida aponta:(…) De acordo com o probatório desde 23.12.1997 a gerência da “BC” passou a ser exercida exclusivamente por AMFG e pela aqui Oponente, em representação da firma PCGRH, Lda., única gerente da “BC”.
A Oponente vem dizer que não praticou qualquer acto de gestão na sociedade “BC” (não especificando a que actos de gestão se refere), e que era gerente da sociedade comercial “PCGRH”. Consta dos autos que a sociedade “PCGRH” era a única gerente da sociedade “BC”. Ora, por maioria de razão, as gerentes da sociedade “PCGRH” também são as gerentes da sociedade “BC”, pois gerem esta sociedade em representação daquela.
Logo, não existem dúvidas de que a Oponente era a gerente da sociedade “BC”, enquanto representante da sociedade “PCGRH”, única gerente daquela.
Assim, improcede a oposição quanto a este fundamento. (...)”
Do probatório resulta da alínea B), e implicitamente, que a reversão foi efectuada com base em averiguações e documentos que apontam para a gerência de direito da Recorrente.
Na contestação a Fazenda Pública refere que a conclusão da gerência de facto baseia-se nas averiguações, na consulta do sistema informático e na certidão da Conservatória do Registo Comercial da sociedade PCGRH, Lda. E que carece de fundamento o alegado pela Recorrente na medida em que não provou que não tenha exercido a gerência de facto.
Dos documentos existentes nos autos e do probatório somente resulta provada a existência de uma gerência nominal a qual é imputada à sociedade PCGRH, Lda., que tinha por gerentes a Recorrente e MBGAP.
Como é bom de ver, as sociedades só podem exercer a gerência através de pessoas, dos autos e da prova produzida não resulta que a Recorrente – AG - tenha exercido de facto a gerência da sociedade PCGRH, Lda., e, consequentemente, a da sociedade devedora originária.
Pese embora a sentença recorrida inculque que a Recorrente era gerente de facto da sociedade PCGRH, Lda., não resulta da prova produzida nem mesmo a Recorrente aceita ou confessa tal facto.
Sendo o ónus da prova da Fazenda Pública de demonstrar a gerência de facto, este encargo não se encontra cumprido, pois não basta a identificação dos gerentes da sociedade PCGRH, para presumir a gerência de facto na sociedade BC Restaurante Típico, Lda.
No caso em apreço, a situação era mais complexa, atendendo a que a gerência estava afecta a uma sociedade, impunha-se que a Fazenda Pública procedesse a uma investigação mais alargada, sobre quem era(m) o(s) gerente(s) dessa sociedade PCGRH e se tinha(m) poder(es) para vincular(em) a mesma e qual (ais) dele (s) efectuou (aram) actos de gestão na sociedade BC Restaurante Típico, Lda.
Do probatório não resulta qualquer prova ou referência relativamente a quem tomava decisões no âmbito da gestão de pessoal, comercial ou da contratação em geral, quem assumia compromissos nas várias áreas de actividade, necessárias para a condução da vida e administração da sociedade BC Restaurante Típico, Lda., nem na sua representação perante terceiros.
E como bem alega a Recorrente, a sentença recorrida a dar como provada a gerência de facto de AMFG, na qualidade de gerente da sociedade PCGRH, Lda., mais não faz do que movimentar-se no campo da gerência de direito.
Nesta sequência, tendo em conta os factos dados como provados e o regime da responsabilidade subsidiária prevista nos artigos 13.º do CPT e 24.º da LGT, os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que a Recorrente foi gerente de facto da devedora originária, isto é, que praticou actos, quer interna quer externamente, animada de um espírito de gestão e de administração própria de um responsável por uma sociedade e titulada pelas deliberações da mesma.
Como supra se referiu, para que se verifique a administração efectiva é indispensável que o gerente actue, no exercício de funções de gerente, administrador, sustentadas nas deliberações, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade daquela perante terceiros.
Da matéria de facto dada como provada, constata-se que ficou por provar actos ou comportamentos concretos que indiciassem o exercício efectivo por parte da Recorrente, ónus que competia à Fazenda Pública.
Assim sendo, os elementos presentes nos autos não são suficientes para afirmar a prática de actos de gerência efectiva da Recorrente, pelo que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito – cfr., neste mesmo sentido, o Acórdão deste TCA Norte, de 07/12/2016, proferido no âmbito do processo n.º 4/06.0BEVIS.
Nesta conformidade, impõe-se conceder provimento ao recurso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pela Recorrente.
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Conclusões/Sumário
I - Quer o n.º 1 do artigo 13.º do CPT quer o n.º 1 do artigo 24.º da LGT exigem para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
II - Compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente, o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do administrador, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da administração ou gerência, quer por força do artigo 13.º do CPT quer pelo disposto na alínea b) do artigo 24.º da LGT.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a decisão na parte recorrida e julgar a oposição procedente nessa parte, determinando-se a extinção da execução fiscal contra a mesma.
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 15 de Novembro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro