Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02813/17.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/16/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:DECRETO-LEI N.º 117/2010, DE 25 DE OUTUBRO;
DIRECTIVA 98/34/CE; COMBUSTÍVEIS;
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO;
Sumário:
1 - O disposto no artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” [na aceção do artigo 1.º, ponto 11, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 22 de junho de 1998] a qual só seria oponível aos destinatários particulares se o respetivo projecto tivesse sido comunicado à Comissão Europeia, nos termos previstos no artigo 8.º n.º 1 daquela Directiva.

2 – Assim não tendo sucedido, e falta de idónea base legal substantiva, os actos praticados pela Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, EPE, ao abrigo do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro são inválidos e contenciosamente anuláveis por violação de lei, por erro nos seus pressupostos de direito, por promanados em desconformidade com o direito da União Europeia.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO


[SCom01...], Ld.ª [devidamente identificada nos autos] intentou acção administrativa contra a Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, EPE [também devidamente identificada nos autos] na qual formulou pedido no sentido de ser anulada a decisão proferida pelo seu Presidente do Conselho de Administração, que no âmbito do processo UB/04/2017 e nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, determinou que pagasse a quantia de € 3.754.000,00, a título de compensações do 1.º trimestre de 2017.
*

Por despacho datado de 08 de abril de 2019 [a fls. 640 dos autos - SITAF], foi determinada a apensação aos autos do Processo n.º 2928/17.0BEPRT, o qual tem por objecto a decisão datada de 12 de setembro de 2017, também proferida pelo Presidente do Conselho de Administração da ENMC, que no âmbito do processo UB/08/2017 e nos termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de Outubro, determinou que a Autora pagasse a quantia de 12.188.000,00€, a título de compensações para o ano de 2016.
*

No dia 09 de abril de 2021 o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu Sentença, pela qual julgou improcedentes as acções e absolveu a entidade demandada dos pedidos, sendo que é por referência ao assim julgado que a Recorrente [Autora em ambas as acções], inconformada, veio interpor recurso de Apelação.
*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
A. Vem o presente recurso deduzido da Sentença, de 14 de Abril de 2021, que julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, manteve na ordem jurídica a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Administração da ENMC, que no âmbito do processo UB/04/2017 e nos termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de Outubro, determinou que a Recorrente pagasse a quantia de 3.754.000,00€ a título de compensações do 1.° Trimestre de 2017.

B. Que por despacho de fis. 640 do SITAF, foi determinada a apensação dos autos sub judice, aos autos do processo n.° 2928/17.0BEPRT, que têm por objecto a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Administração da ENMC, que no âmbito do processo UB/04/2017 e nos termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de Outubro, determinou que a autora pagasse a quantia de 12.188.000,00€, a título de compensações para o ano de 2016.

C. O Tribunal a quo deu como provada a matéria de facto identificada de fls. 13 a 23 da sentença, tendo por base quer os documentos juntos aos autos, quer o processo administrativo.

Sucede, que:

D. O Tribunal a quo não julgou provado que a actividade do grupo [SCom02...] se encontrava à data dos factos, plenamente regulada, controlada e sancionada pelas competentes autoridades espanholas, mormente quanto às exigências ambientais e de incorporação de biocombustíveis.

E. O Tribunal recorrido também não considerou o facto de o grupo [SCom02...] ter entregue à Recorrente fichas técnicas relativas às especificações técnicas do combustível, onde expressamente é indicada a existência de incorporação de biocombustível numa percentagem até 7% v/v.

F. Impunha-se apurar se a actividade deste grupo se encontrava devidamente regulada para estes efeitos em Espanha, uma vez que, prevendo-se neste Estado-Membro, igualmente, quotas obrigatórias de incorporação de biocombustíveis, a legalidade no exercício da actividade do grupo [SCom02...], implicaria o sancionamento pelas autoridades espanholas da existência efectiva de incorporação de biocombustível no combustível fornecido por esse grupo,

G. Igualmente se impunha dar como provado, por manifesta prova documental, que o combustível introduzido ao consumo pela Recorrente continha biocombustível incorporado.

H. O Tribunal a quo não considerou como facto provado ou, pelo menos, facto controvertido, o facto de o Estado Português não ter efectuado, no decorrer do procedimento legislativo que conduziu à promulgação do Decreto-Lei n.º 117/2010, a comunicação desse projecto legislativo à Comissão Europeia e aos restantes Estados-Membros.

I. Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo manifestou erro na apreciação das provas, na fixação dos factos materiais da causa e na interpretação e consequente aplicação do Direito.

J. Sobre a violação do disposto nos termos do art.º 11.º e 24.° do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de Outubro, entendeu o Tribunal estar em causa a comprovação do cumprimento da obrigação de incorporação, e não o cumprimento da obrigação não comprovado, porém, em erro.

K. Cumpre esclarecer aquela que é uma incorrecta interpretação do diploma em crise - a entidade responsável pela emissão dos títulos de biocombustíveis ou TdB, era a entidade Recorrida – não está em causa um “documento” próprio que a Recorrente tinha na sua posse para entrega junto daquela entidade, para efeitos de comprovar o cumprimento da meta de incorporação.

L. Os TdB representam no caso em apreço, uma unidade de medida – aquando a entrega pelo balcão único, declarada a totalidade de combustíveis introduzidos ao consumo – é gerada uma determinada quantidade de TdB - parte dessa quantidade tem de obedecer às metas definidas pelo art.º 11.º do Decreto-Lei 117/2010, de 25 de Outubro.

M. Uma vez que existem apenas duas formas de obtenção de TdB, (i) a emissão pela entidade Recorrida e a (ii) aquisição em leilão (ou aquisição a quem adquire em leilão),

N. A não emissão dos títulos por parte da entidade Recorrida dita que a Recorrente não possa juntar ou comprovar a incorporação, isto é, a não emissão de TdB é imputável à entidade recorrida e não à Recorrente,

O. Que não pode ter o ónus de juntar um título não emitido pela entidade Recorrida, a quem pertence essa competência.

P. Termos em que, é incorrecto a interpretação do regime do Decreto-Lei 117/2010, de 25 de Outubro pelo Tribunal a quo, referindo-se a um regime ou a um acto de apresentação que inexiste sem a actuação da Recorrida.

Q. Desconsiderou o Tribunal que o que está em causa é o não reconhecimento pela Recorrida do documento fornecido pelos operadores espanhóis onde a Recorrente adquire o combustível, isto é, ignora a sentença

R. Não está em causa a inércia da Recorrente em comprovar que o combustível que introduz ao consumo tem incorporado parte de biocombustível, enquanto administrando, mas antes o desconsiderar dos elementos entregues, sem que nunca tenham sido impugnados.

S. Inexistem dúvidas de que o combustível introduzido ao consumo pela Recorrente contêm biocombustível incorporado pelo que, o que está em causa é apenas a verificação do seu cumprimento – pela emissão de títulos de biocombustível.

T. Como resulta do art.º 413.º do CPC, “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.”

U. No presente caso, a leitura restrita da norma do art.º 11.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, quanto à questão da comprovação, traduz um ignorar da prova documental produzida pela Recorrente.

V. Decidindo o Tribunal a quo como decidiu, impôs à ora Recorrente um duplo ónus de cumprimento das metas de incorporação previstas nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro.

W. E mais gravemente, deixou de pronunciar-se sobre questões que devia ter apreciado, mormente verificar cumpridos os critérios de incorporação de biocombustíveis pelo que é nula a sentença, por violação do art.º 615.º, n.º 1 al. d) do CPC, aplicável ex vi o art.º 1.º do CPTA.

X. Importava verificar que a aplicabilidade das normas do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, depreenderia determinar se a Recorrente é incorporadora para efeitos do referido diploma,

Y. Até às alterações dadas ao Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro pelo Decreto-Lei n.º 8/2021, de 20 de janeiro, que define como incorporador todo o operador que introduza ao consumo, inexistia qualquer suporte para qualificar a Recorrente enquanto tal,

Z. À data dos factos, a qualificação jurídica de incorporador não era a mesma conferida pelo Decreto-Lei n.º 8/2021, de 20 de janeiro, porém, a ENMC EPE, enquadrava a Recorrente como tal – não está em causa a natureza interpretativa da norma, questão que o tribunal a quo não sindicou, porquanto não estão cumpridos os requisitos, designadamente o facto de ser controvertida.

AA. A referida norma, define expressamente que são incorporadores as entidades que “incorporem combustível no mercado para o consumo final (…)” - A pedra toque da referida alteração é o conceito de “mercado” alterada para a “introdução ao consumo”.

BB. Importa esclarecer que no caso sub judice, está em causa a diferença entre mercado nacional – um operador que realiza de facto esta operação de incorporar biocombustível no combustível rodoviário, e o mercado europeu – o mercado único, criado pela Decisão 93/465/CEE e posteriormente pela Decisão n.º 768/2008/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 Julho de 2008.

CC. Há que verificar que a actuação da Recorrente pautava-se pela introdução ao consumo em Portugal, isto é, em regime de suspensão, introduzia ao consumo liquidando o imposto nos termos do CIEC.

DD. Ora o regime de suspensão, um conceito fiscal, em nada se confunde com o conceito de introduzir no mercado único – este segundo, um conceito de Direito da União Europeia, anteriormente designado comunitário.

EE. O combustível adquirido pela Recorrente já se encontrava inserido no mercado pela entidade espanhola de acordo com as normas europeias - simplesmente, o introduzia ao consumo em Portugal, esta introdução ao consumo é um conceito que define o “incorporador” apenas após as alterações introduzidas pela norma Decreto-Lei n.º 8/2021, de 20 de janeiro.

FF. Até à referida alteração, o Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro define como incorporador quem introduz o combustível no mercado – o que claramente acontece no estado espanhol e não em Portugal, onde é introduzido ao consumo.
GG.

HH. Não tendo o Tribunal a quo fixado a questão enquanto decidenda, e não se tendo pronunciado sobre a mesma, deixou de pronunciar-se sobre questões que devia ter apreciado, termos em que, é nula a sentença por violação do art.º 615.º, n.º 1 al. d) do CPC, aplicável ex vi o art.º 1.º do CPTA.

II. É manifesto que o combustível comercializado e introduzido ao consumo tem biocombustível incorporado - não pode simplesmente determinar-se a compensação a que se referia o art.º 24.º do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, porquanto não está em causa a aplicação de uma sanção à Recorrente pela falta de comprovação

JJ. Está em causa a aplicação de uma compensação por falta de cumprimento da meta de incorporação e não pela falta de comprovação, que o Tribunal a quo parece ter olvidado.

KK. Em cumprimento da norma do art.º 11.º do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, a Recorrente introduziu ao consumo combustível rodoviário cuja meta de incorporação de combustíveis estava cumprida pelo que a decisão ora Recorrida manifesta a perpetuação da errónea aplicação do diploma pela Recorrida.

LL. Foi demonstrado ao Tribunal, por prova documental, que a Recorrente não exerce qualquer actividade de refinação (de transformação do petróleo bruto em produtos de petróleo) ou de armazenamento, transporte ou distribuição dos produtos petrolíferos – razão pela qual necessita de se fornecer junto de empresas refinadoras, por intermédio de sociedades trader, in casu, adquiridos à [SCom03...], tendo a Recorrente junto prova documental que atesta que esta entidade se encontra certificada pela [SCom04...] GmbH, em nome da [SCom03...], concluindo que esta empresa dos requisitos do RED e do sistema de certificação ISCC EU (regime voluntário aprovado pela União Europeia), relativamente à Directiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2009, de promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis.

MM. Como decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 05/12/2007, proferido no processo 07P3406, “Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”.

NN. A entidade Recorrida, nunca especificou expressamente por que razão desconsidera os elementos probatórios entregues pela Recorrente – incumprindo o dever de fundamentação do acto administrativo - coartando indubitavelmente o direito à defesa da Recorrente, quer em sede administrativa, quer em sede judicial.

OO. Lê-se do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 11/09/2008 e proferido no processo 01497/06.0BEBRG queO instituto do abuso do direito traduz e concretiza a ideia de que cada direito subjectivo deve ser exercido com correcção e equilíbrio e de acordo com as exigências da ideia de direito bem como de harmonia com a finalidade que justifica a sua atribuição ou reconhecimento.”.

PP. No presente caso, o direito a exigir as compensações a que se refere o Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, contrapõe-se ao dever da Recorrente em comercializar productos que cumpram as metas de incorporação de biocombustível, seja através da incorporação, seja através da aquisição de combustíveis com o biocombustível já incorporado.

QQ. Quer o critério da exigência de equilíbrio, quer a harmonia com a finalidade do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, manifestam-se profundamente violados, pelo que, decidiu erradamente o Tribunal a quo quando entendeu que “No caso, a entidade demandada, com a emissão dos actos impugnados, limitou-se a aplicar estritamente as referidas normas legais, pelo que o princípio da boa-fé invocado não teve qualquer operacionalidade na actuação em causa.”

RR. A aplicação de compensações strictu senso – não pode no caso sub judice ser reconduzido à aplicação de uma norma sem que se atenda, (i) quer ao enquadramento como incorporador, (ii) como à aplicação de compensações, desconsiderando por completo o enquadramento fáctico – o combustível introduzido ao consumo conter percentagens de biocombustível incorporado,

SS. Porquanto a ENMC EPE, enquanto entidade reguladora do mercado de transação de TdB, nos termos do art.º 1.º, n.º 4 do Decreto-lei n.º 117/2010, tem como atribuição garantir que os diversos operadores no mercado dos combustíveis garantam o cumprimento das obrigações em matéria de biocombustíveis, de acordo com o Decreto-lei 117/2010, de 25 de Outubro.

TT. Quer isto dizer, que a entidade administrativa ora Recorrida, tinha a responsabilidade de zelar pelo bom funcionamento do mercado de transacção de TdB, apoiando os operadores a cumprirem as suas obrigações em matéria de biocombustíveis.

UU. Porém, como foi expresso ao Tribunal a quo, após tentativas reiteradas, verifica-se impossível adquirir TdB no mercado nacional, sem que isso coloque em causa a sua própria viabilidade económica.

VV. Não permite o mercado nacional de TdB, ao diversos operadores, nomeadamente os de menor dimensão, suprir as suas necessidades de TdB, em condições de igualdade com os grandes operadores.

WW. Foi demonstrado por prova documental que a Recorrida tomou todas as diligências inerentes à aquisição de TdBs através de leilões próprios para o efeito – e como foi expresso, o valor pelos quais os mesmos são arrematados são manifestamente superiores aos valores que a Recorrida podia suportar.

XX. Está em causa, não a aplicação da norma do art.º 24.º do Decreto-lei 117/2010, de 25 de Outubro como referia a sentença do Tribunal a quo, mas antes, o desconsiderar da matéria de facto a que se refere a omissão dos deveres de regulação do mercado de transacção de TdB, não permitindo a Recorrida, que a Recorrente tenha a possibilidade de adquirir os TdB exigidos em condições de igualdade e a preços que se reportem justos e dentro da lógica que preside ao mercado nacional de TdB.

YY. Está em causa a obrigação de praticar ou assumir comportamentos manifestamente impossíveis de cumprir e deixou o Tribunal a quo de se pronunciar sobre este facto.

ZZ. A Recorrida:

a) Desconsidera a percentagem de biocombustível (já incorporado) que a Recorrida introduz ao consumo,
b) Não oferece meios de conversão dessa percentagem já incorporada em títulos de TdB que exige,
c) Não permite ou pratica quaisquer actos que permitam um livre acesso ao mercado,
d) Não diligencia pela abertura de leilões de TdB que permitam sanar as falhas de mercado,
e) Não oferece qualquer esclarecimento ou fundamentação pela qual não podem as percentagens de biocombustível, que integra o combustível introduzido ao consumo em Portugal, ser consideradas para efeitos de metas de incorporação,

AAA. Ignorou o Tribunal a quo que a Recorrida não pode posteriormente aos incumpridos deveres, exercer o seu poder-dever de aplicação das compensações, previstas no artigo 24º do Decreto-Lei n.º 117/2010.

BBB. Facto, que na melhor opinião da Recorrente, constitui violação do princípio da proibição do tu quoque e o desequilíbrio no exercício jurídico, em claro abuso de direito a que se refere o art.º 334.º do Código Civil, que na melhor opinião da Recorrente, contraria igualmente o art.º 5.º, n.º 2 al. b) do CPC.

CCC. Sobre os art.º 8º e 9º da Directiva 98/34/CE de 22 de junho de 1998, importava que o Tribunal a quo considerasse que as metas de incorporação obrigatória previstas no artigo 11º do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, são normas técnicas que obrigatoriamente implicavam que a aprovação daquele diploma legal estivesse sujeito à necessidade da sua comunicação prévia à Comissão e aos restantes Estados-Membros, como previsto nos artigos.

DDD. Entendimento plenamente acolhidos e sufragados pelos Juízes do TJUE no Acórdão “Belgische Petroleum Unie V ZW”, de 31 de Janeiro de 2013.

EEE. Decidiu erradamente o Tribunal a quo quando determinou que “manifestamente, não estamos perante qualquer regra técnica e, por conseguinte, não há que convocar o disposto no citado artigo 8.° da Directiva 98/34/CE, de 22 de Junho de 1998, que, assim, não se mostra violado pela norma em análise e cuja aplicação esteve na origem dos actos impugnados.”

FFF. A norma do art.º 11.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro condiciona a comercialização de um producto - pela exigência que o combustível tenha uma determinada percentagem em teor energético de biocombustíveis - exigência que se traduz numa característica do producto a introduzir ao consumo.

GGG. Se assim não fosse, inexistia qualquer base para a prática do acto impugnado em sede de acção administrativa.

HHH. Evidentemente, influencia a sua comercialização, até pelo custo adicional que aumentará o preço final do combustível comercializado, como aliás se demonstrou por prova documental

III. Para além da decisão do Tribunal a quo ser contrária ao Acórdão “Belgische Petroleum Unie V ZW”, de 31 de Janeiro de 2013, não tendo sido pelo Estado Português elaborada a comunicação prévia, conforme resultava provado pelo DOC 18 junto à PI, violou o Estado o art.º 8º, da Directiva 98/34/CE, de 22 de Junho de 1998 – o que deveria ter sido dado por provado, em manifesta incorrecta valoração da matéria de facto.

JJJ. Nesta matéria da comunicação prévia, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado, por ser uma questão que importava apreciar e não o tendo feito, é nula a sentença nos termos do art.º 615.º, n.º 1 al. d) do CPC.

Ainda,
KKK. Considera a Recorrente ter havido um erro de julgamento quanto à interpretação do artigo 5.º, da Directiva 98/70/CE e, bem assim, das Directivas 2003/30/CE e 2009/28/CE de promoção do uso de biocombustíveis.

LLL. Deveria ter sido dado por provado que o art.º 11º do Decreto-lei 117/2010, de 25 de Outubro, que fundamentou o acto impugnado, é violador do art.º 5º da Directiva 98/70/CE, de 13 de Outubro de 1998, que dispõe que “Nenhum Estado-membro pode proibir, restringir ou impedir a colocação no mercado de combustíveis que preencham os requisitos da presente directiva”.

MMM. Porquanto a circulação do combustível que cumpra as especificações previstas no Anexo II, não pode ser restringido pelos Estados-Membros, em consonância com as normas do art.º 34º e 35º do TFUE, através da introdução de regimes mais restritivos que os critérios definidos na referida Directiva,

NNN. O Estado português não pode impor “restrições” à livre circulação de mercadorias – in casu combustíveis já em livre prática no mercado europeu

OOO. Bem como em consonância com a jurisprudência do TJUE, designadamente o Acórdão do TJUE “Belgische Petroleum Unie VZW” proferido no processo C-26/11,

PPP. O não reconhecimento pela entidade Recorrida, da percentagem de biocombustível incorporado no combustível que a Recorrente introduz ao consumo, implica a imposição de uma limitação à livre circulação de combustível, contrariando o princípio da livre circulação.

QQQ. Aliás, a norma do art.º 11º do Decreto-lei n.º 117/2010 é efectivamente restritivo da livre circulação de combustíveis, previsão do art.º 5º da Directiva 98/70/CE, de 13 de Outubro de 1998, mormente na interpretação e aplicação feita pela Recorrida no acto administrativo em crise.

RRR. Decidiu erradamente o Tribunal a quo quando entendeu que a imposição de limitações à livre circulação não viola o princípio da libre circulação já que o combustível já refinado em Espanha, foi sujeito a exigências de incorporação de biocombustíveis, cuja verificação e controlo foi efectuado pelas Autoridades congéneres da Recorrida nesse Estado.

SSS. E, ademais, as fichas técnicas que foram entregues à Recorrente pela [SCom02...], eram em tudo iguais às especificações ambientais do anexo II, da Directiva 98/70/CE.

TTT. Logo, a aplicação das metas/quotas de incorporação nacional de biocombustível, de acordo com o referido artigo 11.º, do Decreto-Lei, à introdução de combustível rodoviário que já se encontrava incorporado com as metas/quotas de incorporação previstas em outro Estado-Membro, e até esse limite, como está subjacente no acto impugnado, vai além das obrigações e exigências decorrentes das Directivas 2003/30/CE e 2009/28/CE, de promoção do uso de biocombustíveis,

UUU. Configurando uma violação do artigo 5.º, da Directiva 98/70/CE e, consequentemente, do princípio da livre circulação de mercadorias/ combustíveis no espaço da União Europeia.

VVV. Do parecer da Prof. Doutora Inês Quadros, que a Recorrente juntou aos autos em conformidade com o disposto nos termos do art.º 426.º do CPC, aplicável ex vi o art.º 1.º do CPTA, com a referência ...20 entregue via SITAF a 20/03/2018 resulta que “o art.° 11° do decreto-lei 117/2010, quando interpretado no sentido de exigir, aos operadores que colocam no mercado português combustível que adquiriram no mercado de um outro Estado-membro onde ele já se encontrava em livre prática, a comprovação do caráter sustentável do biocombustível que só poderia ser obtida por meio de contacto direto com o produtor, sem levar em conta a conformidade do produto com a legislação do Estado-Membro no qual ele foi introduzido em livre prática, viola o princípio da livre circulação de mercadorias previsto no art.° 340 TFUE, concretizado a respeito dos combustíveis no art.° 5° da diretiva 98/70/CE, de 13 de outubro, e inscrito como finalidade dos artigos 17° a 19° da “diretiva combustível” que aquele mesmo artigo 11° pretende transpor para a ordem jurídica portuguesa.”

1. As normas europeias cuja interpretação é necessária para resposta à consulta — a saber, os art.°s 17°-19° da “diretiva promoção”, que foram transpostos para a ordem jurídica portuguesa pelo art.° 11º do decreto-lei 117/2010 (cujo incumprimento originou a decisão de cobrança de compensações que esta na origem do litigio) — apontam claramente para o objetivo do estabelecimento de um mercado único de combustíveis e da remoção de obstáculos a sua circulação no espaço intracomunitário, o que vem ao encontro do principio de liberdade de circulação dos combustíveis inscrito no art.° 5° da “directiva combustíveis”;
2. Mesmo admitindo que a referida diretiva deixa aos Estados uma ampla margem de apreciação (designadamente quanto a extensão subjetiva da obrigação de demonstração do carater sustentável do biocombustível aos operadores que o introduzem em território nacional importando-o de um Estado-Membro onde ele circula legalmente), e jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os Estados devem exercer esse poder no respeito pelo princípio geral da livre circulação de mercadorias constante do art.° 34º TFUE;
3. Este princípio da livre circulação de mercadorias no território da União abrange os produtos originários de um Estado-Membro da União e igualmente aqueles que se encontrem em livre pratica no território de um Estado-Membro, isto e, que tendo sido importados para a União a partir de um Estado terceiro, tenham cumprido as formalidades de importação e se encontrem em comercialização legal no Estado-Membro de importação;
4. O art.° 11° do decreto-lei 117/2010 constitui uma restrição a livre circulação de mercadorias porquanto e suscetivel de entravar diretamente o comercio de combustíveis entre os Estados-Membros da União;
5. Uma tal medida e desnecessária em vista da protecção do ambiente, na sua aplicação aos importadores indiretos de combustível, tendo em conta que o produto por eles comercializado já terá sido apreciado quanto a conformidade com os objetivos da “diretiva promoção”, na medida em que as autoridades do Estado-Membro no qual o produto foi introduzido pela primeira vez se encontram também vinculados aquela diretiva e terão feito aplicação da sua legislação nacional que necessariamente a implementa e satisfaz os mesmos propósitos;
6. Tal medida, alem do mais, e excessiva na medida em que impõe a um importador indireto, na posição da Consulente, a obtenção de informações que só podem ser prestadas por um operador — o produtor — com o qual a Consulente não tem contato;
7. Por estas razoes, impõe-se, a todas as autoridades nacionais que apliquem o Direito — Administração e Tribunais — a obrigação de interpretação da norma nacional no sentido que for mais favorável as normas de Direito da União relevantes, designadamente o princípio da liberdade de circulação de mercadorias inscrito no art.° 34º TFUE e visado também pela “directiva promoção;
8. Tal interpretação terá de conduzir a exclusão da necessidade de as entidades na posição da Consulente (importadoras de combustível em livre pratica num outro Estado-Membro) satisfazerem a prova da sustentabilidade do biocombustível quando não tenham contacto direto com o produtor do mesmo. Este resultado e imposto pelo princípio da efetividade do Direito da União, na sua dupla dimensão de dever de interpretação conforme ao Direito da União e de primado deste sobre o direito nacional.

WWW. Por conseguinte, a sentença recorrida deve ser revogada com as demais consequências legais.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser o presente recurso julgado procedente, por provado, ordenando-se, em consequência, a anulação da sentença recorrida, por estarem verificados os fundamentos da sua anulação e, bem assim, do acto de aplicação de compensação, tudo com as necessárias consequências legais.
[…].”

**

A entidade Recorrida apresentou Contra Alegações, no âmbito das quais elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
A. Vem a Recorrente apresentar recurso da sentença proferida nos autos de processo supra, por alegados erro de apreciação das provas, erro na fixação de factos materiais da causa e sua interpretação, incorreta aplicação do princípio da boa fé no instituto do abuso de direito, erro de julgamento do artigo 5.º da Diretiva 98/70/CE e erro de julgamento dos artigos 8.º e 9.º da Diretiva 98/34/CE da mesma.
B. Ora, salvo melhor opinião, não assiste razão à Recorrente, tendo andado bem o douto tribunal a quo na leitura que fez dos elementos probatórios trazidos aos autos pela ora Recorrida e pela Recorrente, e bem assim, dos dispositivos legais aplicáveis aos presentes, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer reparo. Assim,
C. Começa a Recorrente por impugnar o julgamento do douto tribunal a quo quanto à suficiência da matéria de facto e dos elementos probatórios nos autos, para a decisão do mérito da causa, porquanto, no seu entender, não foram considerados, pelo mesmo, outros factos que a mesma julga essenciais para a decisão do mérito da causa, não tendo os mesmos sido erradamente (no seu entender) nem julgados provados, nem considerados como factos controvertidos, nomeadamente:
· se a atividade da [SCom02...] se encontrava plenamente regulada, controlada e sancionada pelas autoridades espanholas, mormente quanto às exigências e incorporação de biocombustíveis, no período em referência;
· se a [SCom02...] entregou à Recorrente fichas técnicas correspondentes ao combustível importado pela Recorrente no período em referência, e nos termos das quais resulta indicada a existência de incorporação de biocombustível numa percentagem de 7% v/v, o que (alegadamente) comprovaria a efetiva incorporação de biocombustível no combustível rodoviário introduzido no consumo.
D. Ora, salvo melhor opinião, não assiste razão à Recorrente, e isto porque,
E. Por referência ao facto considerado essencial pela Recorrente de que a atividade da [SCom02...] se encontrava plenamente regulada, controlada e sancionada pelas autoridades espanholas, mormente quanto às exigências e incorporação de biocombustíveis, no período em referência, diga-se que, o Doc. ...0 junto pela Recorrente à PI, é uma declaração (não oficial), obtida do sítio institucional na internet da CNMC (Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia) sobre as características da [SCom02...], S.A., pretendendo a Recorrente da mesma inferir que a atividade da [SCom02...] é conforme com as regras de incorporação de biocombustíveis vigentes na União Europeia e em Portugal.
F. Ora, nem só a referida declaração serve para comprovar a conformidade e o cumprimento das regras europeias e nacionais de biocombustíveis, nem tão pouco serve para assegurar que o combustível fornecido por este grupo, no entreposto de Vigo, encontra-se em conformidade com as normas ambientais espanholas e, consequentemente comunitárias. Tanto que, sendo a CNMC uma entidade reguladora de mercados, com competências semelhantes à Autoridade da Concorrência, não pode a mesma se pronunciar, por não lhe competir, sobre o cumprimento da legislação ambiental e de incorporação de biocombustíveis. Mais não sendo, de resto, a [SCom02...] sujeito da obrigação de incorporação de biocombustíveis nos termos do artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei 117/2010, nem produtor de biocombustíveis (como melhor veremos infra), pelo que aferir da conformidade da sua atividade com as normas espanholas de incorporação de biocombustíveis, no período em referência, não está em causa nos presentes.
G. Por referência ao facto considerado essencial pela Recorrida de que a [SCom02...] entregou à Recorrente fichas técnicas correspondentes ao combustível importado pela Recorrente no período em referência, e nos termos das quais resulta indicada a existência de incorporação de biocombustível numa percentagem de 7% v/v (cfr. Doc. ... e ... junto pela Recorrente à PI), diga-se que aqueles documentos, que são fichas técnicas de produto, se referem a especificações técnicas do produto importado, i.e., aspetos de qualidade, nada referindo sobre a sustentabilidade do biocombustível incorporado no produto. Nem tão pouco configuram os mesmos qualquer certificado de sustentabilidade ou qualquer título de biocombustível, nos termos dos artigos 13.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, com a virtualidade de comprovarem a incorporação de biocombustíveis sustentáveis.
H. Com efeito, recaía sobre a Recorrente o ónus de prova quanto ao cumprimento dos requisitos e as exigências de sustentabilidade do combustível por si adquirido em Espanha no período em referência, o que não logrou demonstrar, não tendo a mesma apresentado documentação demonstrativa do cumprimento, alegando, ao invés, genérica e conclusivamente, que o combustível introduzido no consumo se encontra devidamente certificado e é oriundo de Espanha, país também obrigado ao cumprimento das metas de incorporação de biocombustível até 2020. Assim, andou bem o douto Tribunal recorrido ao considerar que a Recorrente não apresentou os títulos de biocombustíveis a que estava obrigada no período em referência.
I. A Recorrente mais alega que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre se a Autora Recorrente é incorporadora para efeitos do Decreto-Lei n.º 117/2010. Para justificar a sua não qualificação como incorporador, a Recorrente começa por referir que “(..) até às alterações dadas ao Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro pelo Decreto-Lei n.º 8/2021, de 20 de janeiro, que define como incorporador todo o operador que introduza ao consumo, inexistia qualquer suporte para qualificar a Recorrente como tal.”, sendo que, atento o seu estatuto fiscal (Destinatário Registado), introduzia ao consumo em Portugal em regime de suspensão, termos em que, alega, o combustível por si adquirido em Espanha já se encontrava inserido no mercado.
J. Ora, não se compreende como poderá a qualificação da Recorrente como incorporadora materializar um facto controvertido, sobre o qual o Tribunal a quo se devesse pronunciar.
K. É que, à data dos factos (introduções ao consumo do ano de 2016 e do 1.º Trimestre de 2017), a redação do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 em vigor era a que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 6/2012, de 17 de Janeiro, sendo que o Decreto-Lei n.º 6/2012, de 17 de janeiro, veio clarificar o conceito de incorporador para efeitos do cumprimento das metas previstas no artigo 11.º, passando a definição a abranger todas “As entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo, processando as declarações de introdução no consumo (DIC) nos termos do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (..)”.
L. Ora, tanto na sua PI como agora nas suas alegações (artigo 85 e 88 das Alegações), é a própria Recorrente que confessa que, no período em referência, introduziu combustível no consumo em Portugal e, bem assim, que processou as respetivas DIC.
M. Por outro lado, e quanto ao seu estatuto fiscal como Destinatário Registado, nem o mesmo a isenta, à data dos factos, da obrigação de incorporação de biocombustíveis do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010. É que, para efeitos do cumprimento da obrigação de incorporação de biocombustíveis do Decreto-Lei 117/2010, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 6/2012, em vigor à data dos factos, o que é determinante para a qualificação de um operador como incorporador é a introdução de biocombustíveis no consumo acompanhada pela emissão da DIC correspondente e não pela possibilidade ou faculdade de armazenar e manipular os combustíveis que importa, de forma a introduzir nestes a quantidade de biocombustíveis necessária ao cumprimento das metas de incorporação do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei.
N. Sendo que, nos termos do Decreto-Lei n.º 117/2010, a obrigação de comprovação da incorporação de biocombustíveis faz-se pela apresentação de TdB, podendo cada incorporador comprovar o cumprimento da sua meta através dos TdB ou provenientes da incorporação física de biocombustíveis no combustível fóssil ou da aquisição desses títulos a outros agentes que os tenham em excesso. I.e., as obrigações de incorporação de biocombustíveis podem ser cumpridas “em papel” – ou seja, através de TdB transacionados entre operadores, cfr. resulta do Preâmbulo do Decreto-Lei e do n.º 4 do artigo 13.º do mesmo diploma, na redação em vigor à data dos factos. Pelo que o seu estatuto fiscal não a isenta da obrigação de apresentar TdB para comprovar o cumprimento das metas daquela incorporação, podendo adquirir TdB no mercado para o efeito.
O. Em suma, a Recorrente ao emitir as DIC, aquando da introdução de combustíveis fósseis no consumo no período em referência nos autos, ficou automaticamente sujeita à obrigação de incorporação de uma determinada percentagem de biocombustíveis, preenchendo o âmbito de aplicação subjetivo do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 e ficando, por conseguinte, vinculada às obrigações de incorporação de biocombustíveis, e bem assim, à obrigação de apresentação de TdB como prova da referida incorporação. Assim, a definição de “incorporador” do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 é clara e determinada, dispensando o exercício de concretização e determinação que a Recorrente se propôs fazer na sua PI e agora nas alegações de recurso ora em contra-alegação.
P. De resto, é a própria Recorrente que se subsume no âmbito de aplicação subjetivo do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 6/2012, pelo que andou bem o Tribunal a quo em não considerar como facto controvertido a qualificação ou não da Recorrente como incorporadora.
Q. Ainda a propósito da (alegada) demonstração pela Recorrente da incorporação de biocombustíveis no combustível por si comercializado no período em referência, a Recorrente mais imputa à sentença recorrida uma incorreta interpretação do Decreto-Lei n.º 117/2010, porquanto, no seu entender, não está em causa nos presentes a comprovação do cumprimento da obrigação de incorporação. Ao invés, alega a Recorrente que “(..) não está em causa um “documento” próprio que a Requerente tinha em sua posse para entrega junto daquela entidade, para efeitos de comprovar o cumprimento da meta de incorporação.”, sendo que a “(..) a não emissão de TdB é imputável à entidade recorrida e não à Recorrente (..)”, tendo a mesma, alega, disponibilizado todo o suporte documental para tal.
R. Com efeito, o Tribunal a quo entendeu (e bem) que “Das normas citadas [n.º 1 e n.º do artigo 11.º; artigos 13.º e 18.º e n.º 1 do artigo 24.º, todos do Decreto-Lei n.º 117/2010, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 69/2016, em vigor à data dos factos), decorre que a obrigação de incorporação que impende sobre as entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo é comprovada, trimestralmente, através da apresentação de títulos de biocombustíveis e a não apresentação de tais títulos determina o pagamento de compensações. Portanto, o que está em causa é a comprovação do cumprimento da obrigação de incorporação, e não o cumprimento da obrigação não comprovado. Efectivamente, ainda que se demonstrasse que a autora tivesse comercializado combustível fóssil com incorporação de biocombustível, o cumprimento da obrigação legal impõe a comprovação dessa incorporação através da apresentação dos referidos títulos. Não o tendo feito, a autora incumpriu a obrigação legalmente imposta.”.
S. A lei é clara, não havendo margem para dúvidas quanto à aplicação de compensação sempre que o incorporador não apresente os TdB como comprovativo da incorporação de biocombustível, no combustível por si introduzido no consumo. Veja-se a redação do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010: “O incumprimento das obrigações de apresentação de TdB como comprovativo da incorporação de biocombustíveis nos termos do n.º 2 do artigo 11.º e dos artigos 13.º e 18.º determina o pagamento de compensações, no valor de €2 000, por cada TdB em falta.”
T. Ora, e como melhor se verá infra, não tendo a Recorrente feito prova da sustentabilidade do biocombustível incorporado no combustível por si introduzido no consumo no período em referência (nos termos do n.º 1 do 15.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 69/2012, em vigor à data dos factos), a mesma não teve direito à emissão dos TdB correspondentes. Não tendo, nessa medida, havido qualquer inércia da ora Recorrida na não emissão de TdB mas, isso sim, a incapacidade da Recorrente em fazer prova da sustentabilidade do biocombustível incorporado no combustível por si adquirido em Espanha e introduzido no consumo, no período em referência. Prova que só a ela lhe caberia, mediante a apresentação dos respetivos certificados de sustentabilidade (como também melhor se verá infra), sendo que, também nos presentes, não foi produzida prova bastante nesse sentido.
U. Termos em que, também neste ponto, não assiste razão à Recorrente.
V. A Recorrente mais vem imputar à sentença recorrida uma incorreta aplicação o princípio de boa-fé, porquanto o Tribunal a quo não considerou que a ora Recorrida terá atuado com abuso de direito na emissão dos atos administrativos de aplicação de compensações nos presentes impugnado. Com efeito, entende a Recorrente que a ora Recorrida julgou mal o ato administrativo impugnado como um ato vinculado, mais tendo desconsiderado:
· que o combustível introduzido ao consumo continha uma percentagem de biocombustível incorporado, cfr. decorre dos Doc. ..., ..., ... da PI;
· a existência de regras diferentes relativas à sustentabilidade entre Estados-Membros, in casu, entre Portugal e Espanha, estando a Recorrente (alegadamente) impedida de adquirir combustível em Espanha já que a ora Recorrida não aceita o combustível incorporado com biocombustível adquirido naquele país;
· que a ora Recorrida (alegadamente) omite os seus deveres de regulação de mercado de transação de TdB, “(..) não permitindo que que os operadores (..) tenham a possibilidade de adquirir os TdB exigidos em condições de igualdade e a preços que se reportem justos (..)”, “Nem diligencia pela abertura de leilões de TdB que permitam sanar as falhas de mercado.”, mais invocando a falta de TdB no mercado para o cumprimento das metas de incorporação.
W. Ora, mais uma vez a pretensão da Recorrente está votada ao insucesso, bem tendo andado o Tribunal recorrido ao qualificar o ato impugnado nos presentes como um ato vinculado da ora Recorrido, bastando, de resto, olhar para o texto da lei para facilmente se chegar a esta conclusão.
X. É que, nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 6/2012, em vigor à data dos factos, “As entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo, processando as declarações de introdução no consumo (DIC) (..), abreviadamente designadas por incorporadores, estão obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação (..)” nas percentagens fixadas. (sublinhado nosso). Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “A obrigação de incorporação é comprovada trimestralmente, através da apresentação de títulos de biocombustível junto da ENMC, E.P.E. (..)”, títulos os quais comprovam a incorporação no mercado de biocombustíveis (cfr. N.º 1 do artigo 13.º). Nos termos do n.º 1 do artigo 15.º, “A emissão de TdB depende da verificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade, fixados no n.º 4.º, 6.º, 7.º e 8.º” e, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º do mesmo diploma, “O incumprimento das obrigações de apresentação de TdB como comprovativo da incorporação de biocombustíveis nos termos do n.º 2 do artigo 11.º e dos artigos 13.º e 18.º, determina o pagamento de compensações no valor de €2000, por cada TdB em falta.”
Y. Donde resulta que, verificada que se encontre a não apresentação de TdB como comprovativo da incorporação de biocombustíveis no combustível introduzido no consumo pelo incorporador, fica automaticamente preenchido o âmbito de aplicação objetiva do n.º 1 do artigo 24.º, não podendo a ora Recorrida, enquanto entidade com competência para tal nos termos do n.º 5 do artigo 24.º, deixar de aplicar a compensação pelo incumprimento da obrigação de apresentação de TdB, nos termos legais.
Z. Quanto à alegada falta de TdB no mercado e, bem assim quanto à alegada impossibilidade para que os pequenos operados económicos, como a Recorrente, cumpram as metas definidas no artigo 11.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, através da aquisição de TdB no mercado, as mesmas nem, de resto, correspondem à verdade pois que,
AA. O sistema de TdB criado pelo Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, permite que estes sejam transacionáveis pelos agentes económicos, dando a cada incorporador a opção de comprovar o cumprimento da sua meta através dos TdB (com validade de 2 anos) provenientes da incorporação física de biocombustíveis no combustível fóssil ou da aquisição desses títulos a outros agentes que os tenham em excesso. Esta intenção é manifestada no preâmbulo do já referido diploma legal ao salientar-se que este sistema dá a cada incorporador “(...) a opção entre obter os TdB necessários através da incorporação de biocombustíveis ou adquirir esses títulos a agentes que os tenham em excesso (...)” – cfr. n.º 4 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, na redação em vigor à data dos factos.
BB. Para além disso, é ainda permitido aos operadores adquirirem TdB em leilão, nos termos do artigo 19.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro. O referido leilão realiza-se anualmente pela DGEG, tendo por objeto os TdB gerados pelos Pequenos Produtores Dedicados (PPD), revertendo a receita do respetivo leilão exclusivamente para o Fundo de Eficiência Energética. E a preparação, regulamentação e gestão do leilão é da competência exclusiva da DGEG (e não da ora Recorrida, como pretende fazer querer a Recorrente).
CC. Porém, há que admitir que o atual mercado de TdB não é perfeito, sendo os leilões de TdB organizados pela DGEG (cfr. n.º 3 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 diversas vezes arrematados pelos chamados grandes operadores. Tal é, desde logo, uma consequência do mercado concorrencial, no qual os grandes operadores, normalmente com maior poder económico, conseguem pagar preços mais altos e adquirir maiores quantidades, neste caso, de TdB. Tal não significa, porém, e porque estamos a falar precisamente de leilões, que a Recorrida não possa apresentar um preço mais competitivo, de forma a poder adquirir TdB a preço de mercado. Nem, de resto, a Recorrente apresentou qualquer denúncia à entidade competente pela realização dos referidos leilões (a DGEG) ou ao membro do Governo responsável pela área da energia por desigualdade concorrencial.
DD. Para além dos leilões da DGEG, foram “abertos” outros canais para a aquisição de TdB, pela iniciativa da ora Recorrida, sem que a Recorrente tenha feito prova de ter encetados verdadeiros esforços para adquirir os TdB necessários ao cumprimento das metas. Nomeadamente, ora Requerida disponibilizou no seu sítio oficial da internet, em Setembro de 2015, uma plataforma não exclusiva de transação de TdB, com o intuito de dinamizar um mercado alternativo, transparente e não exclusivo de transação de TdB, sendo que, através da sua consulta, qualquer operador podia emitir uma instrução de compra e venda de TdB, sendo feita a correspondência entre as ordens dos diversos operadores.
EE. Ora, desde essa data e para efeito do cumprimento das suas metas, a Recorrente não submeteu qualquer instrução para a compra de TdB, o que demonstra bem o desinteresse da Recorrente em cumprir com as suas obrigações legais enquanto incorporador. Sendo que a Requerente também não foi capaz de apresentar qualquer prova de ter desenvolvido contactos efetivos com produtores de biocombustíveis, no sentido de obter, junto dos mesmos, os TdB necessários ao cumprimento das suas obrigações de incorporação.
FF. Termos em que, não resulta provada a alegada impossibilidade de aquisição de TdB por parte de pequenos operadores, alegações as quais foram expressamente impugnadas em sede de contestação.
GG. Do mesmo modo, não se aceita a afirmação de que se encontra vedada pela ora Recorrente a aquisição de TdB em outros Estados-Membros, nomeadamente em Espanha.
HH. Ora, o que está em causa nos presentes, o que fundamentou a emissão do ato administrativo impugnado é a não apresentação de TdB como prova de incorporação de biocombustível no combustível colocado no consumo, pela Recorrida no período em referência nos presentes, não tendo a mesma feito prova de sustentabilidade do referido biocombustível para efeitos da emissão de TdB. É que não se trata apenas de cumprir com as metas de incorporação de biocombustível no gasóleo e gasolina, mas também de cumprir com as exigências de sustentabilidade dos biocombustíveis incorporados. Ora, como referido, o cumprimento das metas de incorporação, a que se encontram adstritos o incorporador, faz-se através da apresentação de TdB (cfr. artigo 13.º ex vi do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010), até ao dia 31 de Maio do ano seguinte ao da incorporação. Cuja finalidade é, também, a de demonstração do cumprimento dos critérios de sustentabilidade do biocombustível incorporado, conforme exigido a nível da União Europeia, a que Portugal se encontra vinculado.
II. Com efeito, a Diretiva 2008/28/CE do Conselho e do Parlamento Europeu, de 23 de Abril (parcialmente transposta pelo Decreto-Lei n.º 117/2010), impõe uma obrigação de resultados – i.e., 10% de energias renováveis (sustentáveis) nos transportes até 2020 -, cabendo aos Estados-Membros definir os meios para alcançar a referida obrigação. Ora, a meta de 10% de energias renováveis nos transportes terrestres, a alcançar em 2020, só é devidamente atingida se o biocombustível incorporado nos combustíveis fósseis consumidos pelos portugueses for sustentável, de acordo com os critérios de sustentabilidade dos artigos 5.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 117/2010.
JJ. Na verdade, todos os biocombustíveis, produzidos em Portugal ou em qualquer outra parte da União Europeia têm de cumprir determinados critérios de sustentabilidade, que se encontram descritos nos artigos 5.º a 9.º do DL 117/2010. Particularmente, no que toca aos biocombustíveis importados de outros Estados Membros da União Europeia (como por exemplo Espanha), estes deverão ser acompanhados da certificação apropriada (comummente designados certificados de sustentabilidade), nos termos do n.º 4, do artigo 9.º do diploma supra e do artigo 8.º da Portaria n.º 8/2012, de 4 de janeiro (em vigor à data dos factos). Esta certificação, que pode ser emitida pelo sistema nacional competente do Estado Membro ou por um regime voluntário reconhecido pela Comissão Europeia comprova, para todos os efeitos, que os biocombustíveis certificados cumprem efetivamente os critérios de sustentabilidade, não podendo a ora Recorrida rejeitar tal certificação, ou exigir dados adicionais, em conformidade com o art. 18.º da Diretiva 2009/28/CE.
KK. Assim, sempre que um Estado-Membro não tenha uma autoridade competente para verificar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade, deve o operador recorrer a um dos sistemas voluntários de cerificação reconhecidos pela Comissão Europeia. Veja-se, a propósito, o artigo 8.º n.º 4, alínea b) da Portaria n.º 8/2012, de 4 de janeiro, em vigor à data dos factos, do qual resulta a exigência para biocombustíveis, biolíquidos ou matérias-primas utilizadas na produção destes, provenientes de países da União Europeia, da certificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade emitida pelo sistema nacional competente do Estado Membro ou por um esquema voluntário reconhecido pela Comissão Europeia.
LL. Nesse sentido, e para efeitos da verificação da sustentabilidade, a ora Recorrente é legalmente obrigada a aceitar documentação e certificação emitida por outros Estados-Membros, o que aliás acontece sempre que é requerido por um operador que pretenda a emissão de TdB (cfr. Comunicação da Comissão sobre os regimes voluntários e os valores por defeito no regime de sustentabilidade da União Europeia para os biocombustíveis e biolíquidos n.º 2010/C 160/01).
MM. I.e., não cabe à ora Recorrente o poder discricionário de aceitar ou não aceitar e, bem assim, certificar ou não certificar, os biocombustíveis alegadamente incorporados nos combustíveis importados pela Recorrente no período em referência.
NN. Sendo que existem mais de uma dezena de regimes voluntários de certificação reconhecidos pela Comissão Europeia, não constando a [SCom02...] da lista de entidades certificadas pelos vários regimes de certificação voluntárias reconhecidos pela Comissão Europeia.
OO. Diga-se, desde logo, que a legislação de outros Estados-Membros, como o caso da Espanha, tem níveis de exigência quer de sustentabilidade quer de metas, diferentes dos níveis constantes da legislação nacional, o que dificulta o cumprimento das obrigações nacionais com recurso a títulos estrangeiros. No entanto, existem produtores europeus de biocombustível que fornecem para o mercado nacional e que cumprem as exigências de sustentabilidade exigidas a nível nacional e europeu, nomeadamente através do acompanhamento pelo sistema de certificação ISCC, reconhecido pela Comissão Europeia.
PP. Neste particular, em Espanha o regime de sustentabilidade basta-se com uma declaração voluntária do produtor de biocombustíveis, na qual subscreve que o produto é sustentável, mais estabelecendo metas de incorporação menos exigentes. O qual não é o caso português, sendo a aplicação da compensação do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 um ato vinculado da ora Recorrida, caso se verifique, in casu, os seus pressupostos de aplicação, atento o Princípio da Legalidade.
QQ. Ora, consultada a documentação junta pela Recorrente (Docs. ... a ...) que, supostamente, certificaria a incorporação de biocombustíveis nos produtos que importou, fácil é de ver que dos mesmos não resulta qualquer indicação quanto à sustentabilidade dos produtos, ou o regime/esquema de certificação adotado, sendo emitida por uma entidade privada, denominada [SCom02...] ([SCom02...]), não dotada de quaisquer poderes de certificação nesta matéria. Mais o mais quanto a [SCom02...] prossegue atividades de comercialização e de logística, mas não de produção, detendo apenas certificado ISCC para as atividades de trader e de centro logístico, mas não de produção. A que acresce o facto de não ser a [SCom02...] sujeito da obrigação de incorporação de biocombustíveis, conforme definida no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro.
RR. Refira-se, ainda, que o referido certificado ISCC (Doc. ... junto à PI) não implica que todas as entregas do operador económico certificado sejam sustentáveis. Para tanto, é sempre necessária uma declaração de sustentabilidade ou Proofs of Sustainability (PoS) contendo a especifica informação quando à sustentabilidade do produto, informação a qual não consta das guias de carga juntas aos autos pela Recorrida como Docs. ... a ..., não configurando as mesmas PoS. Na verdade, os referidos documentos configuram guias de carga e referem-se às quantidades e características do produto importado, nada dizendo sobre a sustentabilidade do biocombustível incorporado, nos termos dos critérios dos artigos 4.º, 6.º, 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, na redação em vigor à data dos factos, não possuindo tais documentos os elementos e requisitos necessários à certificação dos biocombustíveis em causa.
SS. Tanto o mais quanto a Recorrente, ao importar combustível e ao introduzi-lo ao consumo em território nacional, é responsável por cuidar e comprovar que está a colocar no mercado combustível com uma fração de energia renovável sustentável. E é esse princípio que a Requerente falhou redondamente, esquivando-se deliberadamente do seu cumprimento, por este implicar custos adicionais que significam uma redução na sua margem de lucro. Nesses termos, a Recorrente concorre de forma desleal com os restantes operadores do mercado dos combustíveis nacional, que cumprem as suas obrigações legais, ao mesmo tempo que contribui para impedir a boa prestação do país no cumprimento da meta europeia de energias renováveis nos transportes.
TT. Mas para além da certificação dos biocombustíveis, a Recorrente mais teria de solicitar a emissão de TdB referentes ao biocombustível importado, apresentando a documentação relevante para esse efeito, conforme se exige no n.º 3 do artigo 11.º da Portaria n.º 8/2012, de 4 de janeiro, em vigor à data dos factos: “Para efeitos dos n.ºs 1 e 2, a ECS emite os TdB após solicitação dos operadores económicos, ficando estes sujeitos a confirmação nos termos do n.º 4.”. Ora, a Recorrente não logrou provar que, por referência ao combustível por si importado e colocado no consumo no período em referência nos autos, tenha solicitado a emissão de TdB sobre os biocombustíveis que alegadamente importou já incorporados, apresentando a correspondente documentação comprovativa da sustentabilidade do produto, o que, de facto, não fez, pelo que nunca a ora Recorrida, entidade responsável pela emissão dos títulos, poderia tê-los emitido. Não sendo, assim, verdade que a ora Recorrida tenha incumprido as suas obrigações de emissão de TdB, conforme parece quer fazer crer a Recorrente, tanto na sua PI bem como agora nas suas alegações de recurso.
UU. Assim, a Recorrente é a única responsável pelos títulos em falta face às quantidades por si importadas no período em referência nos autos, sendo o incumprimento das obrigações que sobre si impendiam unicamente a si imputáveis. Pelo que, a inércia que a Recorrente refere quanto ao incumprimento dos critérios de sustentabilidade por falta de apresentação de TdB, inércia essa que a Recorrente parece ter a pretensão de imputar à ora Recorrida, apenas é imputável à própria.
VV. Com efeito, a Recorrente nem tão pouco baseou a sua argumentação na refutação dos factos que fundamentaram a decisão final em causa nos presentes autos, bem sabendo que a mesma não se encontra enferma de qualquer ilegalidade. Donde se conclui que a Recorrente não apresentou os TdB comprovativos da incorporação de biocombustíveis, ficando obrigada ao pagamento de uma compensação, nos termos do artigo 24.º do referido diploma.
WW. Assim, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que os atos de aplicação de compensações impugnado nos presentes “(..) são manifestações de actuação da entidade demandada no exercício de poderes vinculados, e não discricionários.”, não merecendo a sentença recorrida qualquer reparo quando julga que “(..) a entidade demanda limitou-se a aplicar as normas dos artigos 11.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, as quais não conferem qualquer poder discricionário, estabelecendo uma actuação estritamente vinculada. Das mesmas decorre que a não apresentação de títulos de biocombustíveis por parte das entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo determina o pagamento de compensações, não deixando a lei qualquer margem de actuação para a Administração que não seja a de aplicar o pagamento de compensações uma vez constatada aquela não apresentação. No caso, a entidade demandada, com a emissão dos actos impugnados, limitou-se a aplicar estritamente as referidas normas legais, pelo que o princípio da boa fé invocado não teve qualquer operacionalidade na actuação em causa.”
XX. Mais vem a Recorrente pugnar pelo erro de julgamento da sentença recorrida pois que, no seu entender, o douto tribunal a quo terá feito uma errónea interpretado do artigo 5.º da Diretiva 98/70/CE, nos termos da qual “(..) nenhum Estado-membro pode proibir, restringir ou impedir a colocação no mercado de combustíveis que preencham os requisitos da presente diretiva.”. Com efeito, no alegado pela Recorrente, o Tribunal recorrido terá erroneamente considerou que o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 não viola a referida norma de direito europeu de liberdade de circulação de mercadorias, tendo, nessa medida, desconsiderado o alegado pela Recorrente de que há violação do princípio do princípio de livre circulação de mercadorias pela imposição das exigências de incorporação ao combustível adquirido em Espanha, no período em referência, já incorporado com quotas de biocombustível, em conformidade com as normas espanholas e europeias.
YY. Ora, mais uma vez, e salvo melhor opinião, não assiste razão à Recorrente, porquanto o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro não viola as obrigações de especificações técnicas dos combustíveis constantes da Diretiva 98/70/CE, de 23 de Outubro, alterada pela Diretiva 2009/30/CE, de 23 de abril de 2009 (Diretiva da Qualidade dos Combustíveis).
ZZ. Com efeito, tendo em atenção as considerações supra sobre a [SCom02...] (para as quais ora se remete), assentando a argumentação da Recorrente e os documentos juntos pela mesma aos autos em questões de qualidade e não de sustentabilidade e tendo o ato administrativo impugnado como fundamento o facto da Recorrente não possuir a documentação comprovativa da sustentabilidade a acompanhar os biocombustíveis incorporados no combustível fóssil importado, maioritariamente de Espanha, no período em referência nos autos, não detendo os TdB correspondentes àquela incorporação, nos termos do artigo 11.º e 24.º do Decreto-Lei 117/2010, mal se compreende como não possa o douto Tribunal recorrido não ter considerado que o artigo 11.º do Decreto-Lei 117/2010 não viola o artigo 5.º da Diretiva 98/70/CE. Sendo que, toda a documentação junta pela Requerente (Docs. ... a ...5) e, bem assim, a fundamentação de que se socorre por recurso ao acórdão do TJCE (“Belgische Petroleum Unie VZW e o. vs. Belgische Staat”, 31 de Janeiro de 2013, proferido no processo C-26/11), recai precisamente sobre as especificações técnicas (ambientais) dos combustíveis, cujos limites máximos são fixados pelo Anexo II da Diretiva da Qualidade dos Combustíveis.
AAA. Ora, como referido, a Diretiva 2009/30/CE, de 23 de abril de 2009, veio alterar a Diretiva 98/70/CE, de 13 de outubro no sentido de a fixação de metas de incorporação de energia renováveis corresponder à valorização da utilização de biocombustíveis renováveis e resulta da aprovação de um pacote de Diretivas, pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, com vista à redução da emissão de gases com efeito de estufa e promoção das energias renováveis nos transportes rodoviários, sendo que, a legislação nacional que transpôs a Diretiva da Qualidade dos Combustíveis corresponde ao Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, que serviu de base ao ato praticado, e ao Decreto-Lei n.º 142/2010, de 31 de Dezembro.
BBB. No preambulo do Decreto-Lei n.º 142/2010, de 31 de dezembro, pode ler-se que “O presente decreto-lei transpõe para o direito interno a Directiva n.º 2009/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril, que altera a Directiva n.º 98/70/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro, no que se refere às especificações da gasolina e do gasóleo rodoviário e não rodoviário e à introdução de um mecanismo de monitorização e de redução das emissões de gases com efeito de estufa destes produtos, procedendo-se, para o efeito, à alteração do Decreto-Lei n.º 89/2008, de 30 de Maio. Aproveita-se ainda para actualizar as especificações do butano, propano, GPL carburante, petróleos, gasóleo de aquecimento e fuelóleos.”. I.e., versa sobre questões de qualidade, nada dizendo sobre sustentabilidade do biocombustível.
CCC. Do preambulo do Decreto-Lei n.º 142/2010, resulta mesmo que” Não se contempla a transposição das matérias relativas aos critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis, assim como ao cálculo das emissões de gases de efeito de estufa ao longo do ciclo de vida destes produtos e da energia, constantes dos artigos 7.º-B, 7.º-C e 7.º-D e do anexo iv da Directiva n.º 2009/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril, a qual é efectuada em diploma próprio, tendo em atenção que são matérias comuns com a Directiva n.º 2009/28/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril, relativa à promoção dos biocombustíveis.”
DDD. Ao passo que o Decreto-Lei n.º 117/2010, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 69/2016, em vigor à data dos factos, estabelece os critérios de sustentabilidade para a produção e utilização de biocombustíveis e biolíquidos e define os limites de incorporação obrigatória de biocombustíveis para os anos 2011 a 2020, transpondo os artigos 17.º a 19.º e os anexos III e V da Diretiva n.º 2009/28/CE, do Conselho e do Parlamento Europeu, de 23 de abril, e o n.º 6 do artigo 1.º e o anexo IV da Diretiva n.º 2009/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, nada referindo sobre a qualidade do combustível.
EEE. Com efeito, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, apenas refere as metas globais e anuais de incorporação de biocombustíveis, que podem ser alcançadas através de incorporação física ou apenas da apresentação de TdB transacionados no mercado, sem indicação de qual o tipo de biocombustível, deixando, nessa medida, uma grande margem de flexibilidade aos operadores, fixando apenas o objetivo global a ser atingido em cada ano, até perfazer 10% em 2020, em cumprimento do compromisso assumido pelo Estado Português no âmbito da União Europeia.
FFF. Aliás, nem podia ser de outra forma, pois o normativo que define as especificações técnicas ambientais em vigor para os carburantes em Portugal é o Decreto-Lei n.º 142/2010, de 31 de dezembro (que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2011), não podendo estas desrespeitar os limites máximos definidos na Diretiva da Qualidade dos Combustíveis. Nesse sentido, e no que em particular diz respeito à incorporação de biocombustíveis, apenas se exige que o gasóleo rodoviário introduzido em território nacional não contenha mais do que 7% de FAME, não impondo, assim, qualquer especificação técnica adicional às fixadas no Anexo II do Decreto-Lei n.º 142/2010.
GGG. Refira-se, ainda, que as obrigações de incorporação de biocombustíveis só podem ser cumpridas se os mesmos forem sustentáveis, por respeito aos princípios subjacentes às Diretivas 2009/28/CE e 2009/30/CE, ambas de 23 de abril. Veja-se, nesse sentido, o considerando 10 da Diretiva da Qualidade dos Combustíveis. Aliás, todos os considerandos da Diretiva da Qualidade dos Combustíveis, se referem à importância fundamental da sustentabilidade na redução da emissão de GEE.
HHH. Com efeito, e apelando à teleologia da Diretiva, a grande mudança no Direito Comunitário a respeito da fixação de metas de incorporação de energias renováveis nos transportes rodoviários (10% até 2020), consistiu na valorização da utilização de biocombustíveis sustentáveis, cuja fiscalização não se faz através de análises laboratoriais, sobre a qualidade dos carburantes, mas através da monitorização dos TdB emitidos (a favor dos produtores) e apresentados para cancelamento (pelos incorporadores).
III. Ora, focando-se o Decreto-Lei 117/2010, de 25 de Outubro, apenas na sustentabilidade, não impondo qualquer especificação técnica adicional, às que já estão fixadas no anexo II do Decreto-Lei n.º 142/2010, é nesse sentido que se exige que as obrigações de incorporação de biocombustíveis (cuja mistura com o combustível fóssil nunca poderá ultrapassar as especificações definidas no Decreto-lei n.º 142/2010, repita-se) sejam comprovadas com TdB (cfr. n.º 2 do artigo 11.º). Cujo objetivo é atestar a sustentabilidade dos biocombustíveis incorporados (artigo 11.º da Portaria n.º 8/2012, de 4 de janeiro, em vigor à data dos factos).
JJJ. JJJ. Resulta, assim, claro que o âmbito de aplicação do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, em nada incide, limita ou difere das especificações técnicas dos combustíveis. Por conseguinte, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 não coloca qualquer entrave à importação de combustíveis fósseis rodoviários de outros Estados Membros da União Europeia. Até porque o Decreto-Lei n.º 117/2010 só indiretamente versa sobre os combustíveis fósseis rodoviários, na medida em que esses combustíveis são alvo de incorporação de biocombustíveis, que é o objeto do referido diploma.
KKK. Assim, a Requerente é livre de importar combustíveis de outros países da União Europeia, como ainda pode solicitar a emissão de TdB sobre os biocombustíveis (sustentáveis) que tenham sido já incorporados à altura da importação.
LLL. A tudo isto acresce o facto de a ora Requerida nunca ter fundamentado a sua argumentação, que leva à conclusão pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustível no período em referência, no incumprimento de especificações técnicas do combustível que a Requerente introduz no consumo em Portugal, proveniente de Espanha.
MMM. A questão está no facto de o produto não vir acompanhado de documentação comprovativa do cumprimento dos critérios de sustentabilidade, emitida por um sistema de verificação, nacional ou internacional, reconhecido pela Comissão Europeia, conforme exigido pela Diretiva 2009/28/CE relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis, alterada pela Diretiva (UE) 2015/1513 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Setembro de 2015. Repita-se, toda a fundamentação e documentos juntos pela Recorrente da Recorrente recai precisamente sobre as especificações técnicas (ambientais) dos combustíveis, aspetos de qualidade dos combustíveis, e cujos limites máximos são fixados pelo Anexo II da Diretiva da Qualidade dos Combustíveis.
NNN. Assim, a sentença recorrida não merece qualquer censura ao considerar que “(..) o que esta norma [entenda-se, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010] estabelece é a obrigatoriedade de contribuição para o cumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis por parte das entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo bem como a medida de tal contribuição, desse modo não estabelecendo qualquer proibição, restrição ou impedimento à colocação no mercado de combustíveis que preencham os requisitos daquela directiva.”, o que “(..) não belisca de modo algum o princípio do artigo 5.º da Directiva.”
OOO. Posição do douto Tribunal recorrido que está, de resto em consonância com o defendido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia quando refere no Acórdão supra, invocado pela própria Recorrente, que “Os artigos 3. º a 5. º da Diretiva 98/70/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (..) devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional (..) que, em conformidade com o objetivo da promoção da utilização de biocombustíveis nos transportes, impõe às sociedades petrolíferas que colocam no mercado gasolina e/ou combustível para motores diesel a obrigação de colocarem igualmente no mercado, no decurso do mesmo ano civil, misturando-a com esses produtos, uma determinada quantidade de biocombustíveis, quando esta quantidade é calculada em percentagens da quantidade total dos referidos produtos que comercializam anualmente e essas percentagens são conformes com os limites máximos fixados na Diretiva 98/70, conforme alterada pela Diretiva 2009/30.” Tendo andado bem o Tribunal recorrido ao acompanhar o TJUE na defesa de que podem os Estados-Membros impor a introdução de determinadas quantidades de biocombustíveis relativamente aos combustíveis rodoviários colocados no consumo, bem como exigir a respetiva comprovação, de modo a aferir se são cumpridas as metas de incorporação previstas nas diretivas, sem que tal se materialize numa limitação restritiva à livre circulação de combustíveis.
PPP. Pelo que, salvo melhor opinião, se conclui que não existe qualquer violação de normas ou princípios europeus no Decreto-Lei n.º 117/2010, especificamente o artigo 5.º da Diretiva 2009/70/CE, alterada pela Diretiva 2009/30/CE, não procedendo a argumentação da Recorrente.
QQQ. Mais pugna a Recorrente, por fim, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento dos artigos 8.º e 9.º da Diretiva 98/34/CE (alterada pela Diretiva 2009/30/CE) pois que, no seu entender, estabelecendo o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 metas de incorporação de biocombustível, subsumem-se as mesmas, nessa medida, na categoria de “regra técnica”, subcategoria “outras exigências”, pelo que deveria ter havido lugar ao procedimento de comunicação prévia previsto na Diretiva 98/34/CE no procedimento de elaboração do Decreto-Lei n.º 117/2010. Para sustentar o por si alegado, a Recorrente lança mão, mais uma vez, mão do referido Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (proferido no âmbito do processo C-26/11), e no qual é discutida uma norma do ordenamento jurídico belga, que obriga à incorporação física mínima de determinados tipos de biocombustíveis, para sustentar que a quota de biocombustíveis constitui uma “outra exigência”. Ora, mais uma vez, não assiste razão à Recorrente, tendo o douto tribunal a quo entendido (bem) que as metas de incorporação do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 não são, de facto, normas técnicas nos termos da Diretiva supra referida. Com efeito, para além das considerações tecidas supra a propósito do invocado alegado erro de julgamento do artigo 5.º da Diretiva 98/70/CE, mais se atente à própria definição de norma técnica, constante da referida Diretiva 98/34/CE, mais bastando, ainda, fazer uma comparação simples entre as metas de biocombustíveis portuguesa e as metas de biocombustíveis belga. Vejamos:
RRR. Por referência à definição de norma técnica plasmada no artigo 1.º da Diretiva, verifica-se que não existe paralelo na disciplina do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro. A título de exemplo veja-se a EN590, que é a norma técnica – especificação técnica - para o Gasóleo, e que estabelece que este só pode conter até 7% de FAME. Quer isto dizer que a Recorrente pode colocar o seu produto no mercado português com 1%, 2%, 3%... até 7% de FAME. Até pode colocar no consumo nacional gasóleo sem FAME, ou com HVO (outro tipo de biocombustível) na percentagem que quiser. Nada disso é impedido, limitado ou restringido pelo Decreto-lei 117/2010, de 25 de outubro.
SSS. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 177/2010 não prevê um limite mínimo obrigatório de incorporação física de biocombustíveis, nem estabelece características técnicas do produto, porquanto as metas de incorporação de biocombustível podem ser cumpridas de outras formas, (“em papel”), que não impliquem a incorporação física do biocombustível. Acresce que, e conforme já referido, a importação de combustíveis com biocombustível incorporado é legalmente admissível e pode gerar a emissão de TdB, desde que a solicitação de emissão seja acompanhada da documentação referente à sustentabilidade do biocombustível, nos termos da Portaria n.º 8/2012, de 4 de janeiro, em vigor à data dos factos.
TTT. Por outro lado, e no às metas de biocombustíveis belga diz respeito, veja-se o próprio acórdão do TJCE supra, invocado pela Recorrente, no âmbito do qual é discutida uma norma do ordenamento belga que obriga à incorporação física mínima de determinados tipos de biocombustíveis. Nos parágrafos 18 e 19 do mesmo pode-se ler que: “Os artigos 4. º e 5. º [da lei belga de 22 de julho de 2009], tratam da quota de biocombustíveis, a atingir através de incorporação em combustível convencional:
«Artigo 4.o § 1. As sociedades petrolíferas registadas que introduzam no consumo produtos de gasolina e/ou produtos de gasóleo estão obrigadas a introduzir igualmente no consumo, no decurso do mesmo ano civil, a seguinte quantidade de biocombustíveis sustentáveis:
FAME na proporção mínima de 4% v/v da quantidade de produtos de gasóleo introduzidos no consumo; bioetanol, puro ou sob a forma de bio-ETBE, na proporção mínima de 4% v/v da quantidade de produtos de gasolina introduzidos no consumo.
[...]
Artigo 5.o A introdução no consumo de biocombustíveis sustentáveis prevista no artigo 4.o ocorre mediante a sua mistura com produtos de gasolina e/ou produtos de gasóleo introduzidos no consumo, em observância das normas de produto NBN EN 590 para os produtos de gasóleo e NBN EN 228 para os produtos de gasolina.» cfr. ponto 27 do acórdão do TJUE, processo C-26/11, de 31 de janeiro de 2013.
UUU. Assim, as conclusões da Advogada-Geral, ínsitas no referido Acórdão do TJUE, devem ser lidas tendo em atenção às normas vigentes na Bélgica supra, que definem não só um limite mínimo de incorporação física de biocombustível, mas também o tipo de biocombustível a utilizar, consoante se trate do gasóleo ou da gasolina, i.e., questões de qualidade. Em muito diferindo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, que apenas refere as metas globais e anuais de incorporação de biocombustíveis, que podem ser alcançadas através de incorporação física ou apenas da apresentação de TdB transacionados no mercado, sem indicação de qual o tipo de biocombustível.
VVV. Donde resulta que as normas do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, não estabelecem caraterísticas técnicas do produto, mal se compreendendo a tentativa de equiparação, feita pela Recorrente, das regras técnicas que definem características físicas ou químicas de um produto, à previsão constante do artigo 11.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010. Termos em que, não prevendo o artigo 11.º do referido Decreto-Lei n.º 117/2010 um limite mínimo obrigatório de incorporação física de biocombustíveis, não estabelecendo características técnicas do produto e podendo a incorporação pode ser comprovada através de TdB adquiridos a outros operadores no mercado que os tenham em excesso, dispondo aqueles de 2 anos de validade, as metas de incorporação obrigatória do referido dispositivo legal não configuram normas técnicas.
WWW. Ora, a tese ora defendida encontra respaldo na sentença recorrida, tendo o doutro Tribunal a quo entendido, bem, que “Tendo como referência as directrizes constantes das definições de regras técnicas acima referidas, constatamos facilmente que o teor da citada norma legal não contém qualquer especificação técnica ou exigência para utilização ou comercialização nem proíbe o fabrico, a importação, a comercialização ou a utilização de um produto; não remete para qualquer especificação técnica ou exigência, não definindo quaisquer características de um produto (..). Efectivamente, o que a norma estabelece é a obrigatoriedade de contribuição para o cumprimento das metas de incorporação por parte das entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo bem como a medida de tal contribuição, pelo que, manifestamente, não estamos perante qualquer regra técnica e, por conseguinte, não há que convocar o disposto no citado artigo 8.º da Directiva 98/34/CE, de 22 de Junho de 1998, (..)”, podendo mesmo, e nos termos do referido diploma, a Recorrente ir ao mercado adquirir os TdB em quantidade necessária para garantir o cumprimento das referidas metas.
XXX. Razão pela o ato impugnado não padece de erro nos pressupostos de direito, nem de vício de violação de lei invocado pela Autora Recorrente.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica, por não verificação dos fundamentos de anulabilidade da mesma, alegados pela Recorrente, com as demais consequências legais.
Com o que se fará a esperada Justiça.
[…].”

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O Tribunal a quo proferiu despacho visando a não ocorrência da apontada nulidade, assim como a admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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A Recorrente e a Recorrida vieram apresentar os requerimentos constantes a fls. 972, 1014, 1027 e 1036 dos autos [SITAF].

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Face ao que é a essência da presente decisão, julgamos ser suficiente a remessa para o probatório constante da Sentença recorrida, o que assim decidimos.

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IIIii - DE DIREITO
IIIiia – Sobre a junção de documento após as Alegações de recurso.

Depois de apresentadas as Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, assim como as Contra alegações de recurso pela Recorrida, e na pendência dos autos já neste TCA Norte, a Recorrente veio apresentar requerimento [Cfr. fls. 972 dos autos – SITAF, ao que sucederam pronúncias, no pressuposto de que era devido o direito ao contraditório], pelo qual, entre o mais, referiu juntar aos autos um documento [Cfr. fls. 986 dos autos-SITAF], que é atinente ao Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no Processo n.° C-604/2116, no dia 09 de março de 2023, invocando tratar-se de decisão prolatada no âmbito de pedido de reenvio prejudicial formulado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, cujo pedido e causa de pedir são em tudo semelhante ao que se discute nestes autos, pelo que se impõe para já apreciar e decidir sobre se tal se mostra processualmente admissível.

Dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, que o recurso é o meio processual por via do qual são impugnadas as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.

Deste modo, e quanto à junção de documentos em sede de recurso jurisdicional, dispõe o artigo 425.º do CPC, que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, sendo que, por sua vez, o artigo 651.º, n.º 1 do mesmo diploma, determina que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”

Assim, em sede de recurso, e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume carácter excepcional, só sendo consentida nos casos especiais previstos na lei, mormente, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, e neste conspecto, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [quando se trate de documento formado depois de ter sido proferida a decisão[ ou subjectiva [quando se trate de documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido] – Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, página 191.

Como resulta dos autos, e assim já referimos supra, a Recorrente juntou um documento aos autos, embora já depois de apresentadas as respectivas Alegações de recurso, tratando-se de um documento que foi produzido em data posterior à Sentença recorrida, quer muito logicamente, em data anterior à apresentação em juízo da Petição inicial, pelo que, pelo mero confronto destas datas se verifica por isso a razão para a superveniência objectiva do mesmo, e para a sua admissão nos autos.

De resto, trata-se de um Acórdão proferido pelo TJUE, que está já no conhecimento do domínio público generalizado, e acessível no link:
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=271072&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2407524, que aqui deixamos enunciado.

De maneira que se admite a junção do identificado documento.

IIIiib – Sobre o mérito do recurso jurisdicional.

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 09 de abril de 2021, que tendo apreciado a pretensão deduzida pela Autora contra a Ré Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, EPE [nos presentes autos – Processo n.º 2813/17.5BEPRT -, assim como naqueles que lhe estão apensos – Processo n.º 2928/17.0BEPRT], no sentido de ser anulada a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Administração da ENMC, que no âmbito do processo UB/04/2017 e nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, determinou que a Autora ora Recorrente pagasse a quantia de € 3.754.000,00, a título de compensações do 1.º trimestre de 2017, assim como a decisão datada de 12 de setembro de 2017, também proferida pelo Presidente do mesmo Conselho de Administração, que no âmbito do processo UB/08/2017 e nos termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de Outubro, determinou que a Autora ora Recorrente pagasse a quantia de 12.188.000,00€, a título de compensações para o ano de 2016, veio a julgar pela sua improcedência e a absolver a Ré dos pedidos contra si formulados.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Cotejadas as Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, delas se extrai que vem por si sustentada a ocorrência da nulidade da Sentença recorrida, por violação do artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, por não se ter o Tribunal a quo pronunciado sobre questões que devia ter apreciado, mais concretamente, se estavam cumpridos os critérios de incorporação de biocombustíveis, pelo que cumpre desde já apreciar e decidir essa matéria.

Em torno da apontada nulidade, e depois de analisada a Sentença recorrida, constatamos que a Mm.ª Juiza do Tribunal a quo, depois de fixar a factualidade que entendeu por relevante, com referência aos elementos de prova que a suportam, veio a enunciar as razões que conduziam à apreciação do mérito da causa, tendo estribado juridicamente a sua posição no sentido de que as pretensões da Autora não podiam proceder, tendo julgado improcedentes os pedidos e absolvido a Ré dos pedidos contra si formulados.

Em torno da invocada nulidade da Sentença recorrida, com fundamento no alegado pela Recorrente, no sentido de que o Tribunal a quo não pronunciou sobre o cumprimento dos critérios de incorporação de biocombustíveis nem sobre a necessidade de comunicação prévia à Comissão Europeia e aos restantes Estados-Membros da aprovação do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de Outubro, julgamos pela sua não ocorrência.

O Tribunal a quo proferiu o despacho devido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 617.º, n.º 1 do CPC, tendo sustentado a não ocorrência da invocada nulidade, decidindo que a “… questão do cumprimento dos critérios de incorporação de biocombustíveis não foi invocada como vício imputado ao acto impugnado e a questão da necessidade de comunicação prévia foi analisada a propósito da alegada violação dos artigos 8.º e 9.º da Directiva 98/34/CE, de 22 de Junho de 1998.”

Como assim foi julgado por este TCA Norte, por seu Acórdão datado de 17 de janeiro de 2016, proferido no processo 02279/11.5BEPRT, “[…] Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º da mesma diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).[…]”

Conforme assim tem julgado o Supremo Tribunal Administrativo, e de forma reiterada, só se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal, pura e simplesmente, não chegue a tomar posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – neste sentido, Cfr. Acórdão datado de 19 de fevereiro de 2014, proferido no recurso 126/14, Acórdão datado de 09 de abril de 2008, proferido no recurso 756/07, e Acórdão datado de 23 de abril de 2008, proferido no recurso 964/06.

Com efeito, sempre que o Tribunal recorrido não leve em consideração um facto que deva ser julgado como provado, ou que tenha julgado provado ou levado em consideração algum facto que não devesse assim ser atendido, essa actuação/omissão não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, na precisa medida em que esses factos não consubstanciam, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 95.º, n.º 1 do CPTA.

Como assim ensina Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981, páginas 144 a 146 “[…] quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão […]”.

Efectivamente, tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos Acórdãos dos Tribunais Superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.

Com efeito, e ainda de acordo com o supra citada Autor “[…] uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.” […]”

Efetivamente, para os efeitos de omissão de pronúncia, o conceito de “questão” não integra os casos em que o juiz deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas.

Neste caso, o que pode ocorrer, quando muito, é o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado já como erro de julgamento, e portanto, equacionável em sede de mérito.

O que importa é que o Tribunal a quo decida a questão colocada, e não, que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão.

Não há assim qualquer omissão de pronúncia quanto ao que foi apreciado e decidido pelo Tribunal a quo naquele domínio.

De maneira que, como assim julgamos, a Sentença recorrida não padece da assacada nulidade, por omissão de pronúncia [fundada na violação do artigos 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC], sendo que em face da invocação por parte da Recorrente do julgamento tirado pelo Tribunal a quo, o que estaremos é perante eventual erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, sancionável com a revogação da Sentença e não com a nulidade.

Falece assim a invocação da ocorrência da nulidade imputada à Sentença.

Prosseguindo.

Em sede da identificação das questões que lhe cumpria apreciar e decidir, identificou o Tribunal a quo que lhe cumpria:

a) Saber se ocorre caso julgado;
b) Saber se ocorre litispendência;
c) Saber se os actos impugnados violam os artigos 8.º e 9.º da Directiva 98/34/CE, de 22 de Junho de 1998 por as metas de incorporação obrigatória de biocombustível, previstas no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, serem normas técnicas e nenhuma comunicação prévia ter sido feita pelo Estado português à Comissão e aos restantes Estados-membros;
d) Saber se os actos impugnados violam o artigo 5.º da Directiva 98/70/CE, de 13 de Outubro de 1998, pois a aplicação do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 é contrária a tal norma na medida em que o gasóleo rodoviário comercializado está em plena conformidade com as normas legais do Estado espanhol, enquanto estado membro da União, não sendo permitido que os operadores estejam sujeitos às metas de incorporação de biocombustíveis de um outro Estado membro apenas por cumprirem as obrigações previstas nos termos da legislação aplicáveis em matéria de impostos especiais sobre o consumo;
e) Saber se os actos impugnados violam os artigos 11.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, por ser falso que todo o combustível fóssil comercializado pela autora no período em causa não tivesse qualquer nível de incorporação de biocombustível;
f) Saber se os actos impugnados violam o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 e o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho, por não estar demonstrada a culpa da autora e se tratar de modalidade de responsabilidade civil subjectiva;
g) Saber se os actos impugnados violam o princípio da boa fé por a entidade demandada saber que a autora não comercializa combustível fóssil sem incorporação de biocombustível e que o mercado nacional de TdB não permite aos operadores de menor dimensão suprir as suas necessidades de TdB em condições de igualdade com os grandes operadores, permitindo a entidade demandada, enquanto regulador, que um grande operador possa arrematar a grande maioria dos TdB disponíveis e que os valores praticados para a aquisição dos TdB se encontrem empolados e sujeitos a movimentos especulativos, não propiciando aos diversos operadores, em condições de igualdade, o cumprimento das metas de incorporação de biocombustível.

Aqui chegados.

Conforme assim foi apreciado e decidido pelo Tribunal a quo [no que é atinente às questões a decidir por si identificadas], os pedidos a que se reportam ambos os Processos foram julgados totalmente improcedentes, e para alcance desse desiderato, foram por si julgadas inverificadas todas as invalidades/ilegalidades apontadas pela Autora aos actos impugnados, tendo o Tribunal recorrido vindo a referir a final, que “… com a emissão dos actos impugnados, limitou-se [a entidade demandada] a aplicar estritamente as referidas normas legais […].”

Ora, na base da pretensão recursiva da Recorrente está a consideração de que o Tribunal a quo:

(i) errou na apreciação das provas e errou na fixação de factos materiais da causa e sua interpretação;
(ii) errou na interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 11.º e do n.º 1 do artigo 24.º, ambos do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro;
(iii) errou em torno da aplicação do princípio de boa-fé no instituto do abuso de direito;
(iv) errou em torno da interpretação e aplicação do artigo 5.º da Diretiva 98/70/CE;
(v) errou em torno da interpretação e aplicação dos artigos 8.º e 9.º da Diretiva 98/34/CE.

Em torno do invocado erro na interpretação e aplicação dos artigos 8.º e 9.º da Diretiva 98/34/CE, a que se reporta a nossa alínea v) supra, decidiu o Tribunal a quo, conforme por facilidade para aqui se extrai, como segue:

Início da transcrição
“[…]
A. Da violação dos artigos 8.º e 9.º da Directiva 98/34/CE, de 22 de Junho de 1998
Alega a autora que a norma do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, ao estabelecer as metas de incorporação obrigatória de biocombustível, consubstancia norma técnica, pelo que se impunha a comunicação prévia pelo Estado português à Comissão e aos restantes Estados-membros, tal não tendo acontecido, em desrespeito dos artigos 8.º e 9.º da Directiva 98/34/CE, de 22 de Junho de 1998.
Vejamos.
A Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas, vigorou até 06.10.2015, tendo sido revogada e substituída pela Diretiva (UE) 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação.
[…]
Tendo como referência as directrizes constantes das definições de regras técnicas acima referidas, constatamos facilmente que o teor da citada norma legal não contém qualquer especificação técnica ou exigência para utilização ou comercialização nem proíbe o fabrico, a importação, a comercialização ou a utilização de um produto; não remete para qualquer especificação técnica ou exigência, não definindo quaisquer características de um produto nem se reportando a métodos e processos de produção nem estabelece quaisquer condições de utilização, de reciclagem, de reutilização ou de eliminação de produtos. Efectivamente, o que a norma estabelece é a obrigatoriedade de contribuição para o cumprimento das metas de incorporação por parte das entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo bem como a medida de tal contribuição, pelo que, manifestamente, não estamos perante qualquer regra técnica e, por conseguinte, não há que convocar o disposto no citado artigo 8.º da Directiva 98/34/CE, de 22 de Junho de 1998, que, assim, não se mostra violado pela norma em análise e cuja aplicação esteve na origem dos actos impugnados.
Ante o exposto, improcede este fundamento invocado.
[...]”
Fim da transcrição

Ora, em torno desta concreta questão, e que reputamos ser nuclear para efeitos do que a final era a pretensão anulatória da Autora, e em que também vem a radicar a sua pretensão recursiva, este TCA Norte veio já a prolatar, de forma unânime e reiterada, jurisprudência com que a Sentença recorrida não tem o devido alinhamento, de que destacamos o Acórdão proferido no Processo n.º 856/21.3BEBRG, datado de 04 de outubro de 2023, o Acórdão proferido no Processo n.º 2639/17.6BEBRG, e o Acórdão proferido no Processo n.º 1584/21.5BEPRT, ambos datados de 30 de novembro de 2023, decisões judiciais essas em que interviemos na qualidade de Adjunto.

Esses Acórdãos deste TCA Norte foram proferidos com amparo quer em jurisprudência do STA, quer do TJUE.

Efectivamente, pelo seu Acórdão datado de 09 de março de 2023 [“Vapo Atlantic” (C-604/21, EU:C:2023:175)], o TJUE [Terceira Secção] apreciou e decidiu em sede de reenvio prejudicial, conforme por facilidade para aqui extraímos com interesse para a decisão a proferir, o que segue:

Início da transcrição
“[…]
1) O artigo 1.°, ponto 4, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que: uma legislação nacional que fixa um objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.°, ponto 4, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e constitui assim uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.°, ponto 11, da Diretiva 98/34, conforme alterada, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada.
2) O artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada pela Diretiva 2006/96, deve ser interpretado no sentido de que: uma legislação nacional que visa transpor o artigo 7.°-A, n.° 2, da Diretiva 98/70/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1998, relativa à qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel e que altera a Diretiva 93/12/CEE do Conselho, conforme alterada pela Diretiva 2009/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, em consonância com o objetivo que figura no artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE, não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma norma europeia na aceção do artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e, por conseguinte, de se eximir à obrigação de comunicação prevista nesta disposição.
3) O artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30, deve ser interpretado no sentido de que: esta disposição não constitui uma cláusula de salvaguarda prevista num ato vinculativo da União, na aceção do artigo 10.°, n.° 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34, conforme alterada pela Diretiva 2006/96.
[…]”
Fim da transcrição

Atento o teor deste Acórdão do TJUE, e com base no que aí foi apreciado e decidido, o STA veio a proferir Acórdão no Processo 02739/17.2BEBRG-A, datado de 06 de julho de 2023, em que a relação jurídica controvertida de base era similar à que ora está em apreço nestes autos, de onde para aqui extraímos, por facilidade e dado o seu interesse para a decisão a proferir, o seu sumário, como segue:

Início da transcrição
“[…]
I - Do Acórdão do TJUE de 9/3/2023, “Vapo Atlantic” (C-604/21), proferido em reenvio prejudicial operado pelo TAF/Braga no processo 860/21.1BEBRG, resulta que o disposto no nº 1 do art. 11º do DL nº 117/2010, de 25/10, nas suas sucessivas versões até à sua revogação pelo DL nº 84/2022, de 9/12, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” (na aceção do art. 1º, ponto 11, da Diretiva 98/34) a qual só seria oponível aos destinatários particulares se o respetivo projeto tivesse sido comunicado à Comissão Europeia, nos termos previstos no art. 8º nº 1 daquela Diretiva (o que não sucedeu). Mais resulta do Acórdão do TJUE que aquela norma nacional não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma “norma europeia”, não se subsumindo, pois, à exceção prevista naquele art. 8º nº 1 da citada Diretiva, nem é suscetível de integrar uma “cláusula de salvaguarda”.
II - Esta jurisprudência interpretativa do TJUE impõe-se também no âmbito do presente processo, onde se discute questão idêntica, tornando inútil a manutenção do reenvio prejudicial aqui também operado (“Vapo Atlantic II”, C-413/22), em que foram colocadas ao TJUE questões suplementares, pois que, em face daquele seu Acórdão de 9/3/2023, resulta, por si, incontornável a procedência da impugnação contenciosa, aqui em apreciação, da ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional tida como inoponível aos destinatários particulares (como a aqui Autora/Recorrente), sendo, pois, tal ato impugnado, inválido e contenciosamente anulável por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).
[…]”
Fim da transcrição

E neste conspecto, tendo presente aqueles identificados Acórdãos deste TCA Norte [onde o ora Relator interveio como Adjunto] e onde foi conhecida e apreciada, em torno das questões aí suscitadas, na sua essência, matéria de igual natureza e mérito àquelas que aqui ora vêm colocadas, aderindo à jurisprudência por eles firmada [sem reservas, embora com as adaptações que mostrem necessárias, designadamente em sede da matéria de facto], aqui damos por enunciada parte da fundamentação aportada no Acórdão proferido no Processo n.º 2639/17.6BEBRG, datado de 30 de novembro de 2023 [de que será junta cópia aos autos] tendo em vista alcançar uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], como segue:

Início da transcrição
“[…]
No caso vertente, o ato administrativo impugnado determinou à A. o pagamento de compensações no valor de €142.000,00 (cento e quarenta e dois mil euros) pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativas ao 1.º Trimestre de 2020.
Essas metas de incorporação resultam do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 que, de acordo com o acórdão do TJUE supracitado, constituem normas técnicas.
Ora, se tais metas de incorporação constituem normas técnicas, deveriam ter sido comunicadas à Comissão Europeia, sob pena de serem inoponíveis e inaplicáveis aos particulares.
A comunicação prévia das regras técnicas encontra-se prevista no artigo 8.º da sobredita Diretiva, nos seguintes termos:
1. Sob reserva do disposto no artigo 10º, os Estados membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projeto.
Não tendo sido efetuada tal comunicação, como resulta da matéria de facto provada nos presentes autos, concluímos que o referido ato administrativo, já que fundamentado no Decreto-Lei n.º 117/2010, padece de invalidade, devendo ser anulado, como, efetivamente, o foi pela sentença recorrida.
Acresce que, com relevância para os presentes autos, no âmbito do processo n.º 2739/17.2BEBRG-A, que tramitou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e cujo objeto é idêntico ao dos presentes autos, designadamente, a impugnação de um ato administrativo praticado pela ora recorrente traduzido na aplicação de compensações à ora recorrida, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu Acórdão em 06 de julho de 2023, o qual julgou procedente, por provada, a ação administrativa da recorrente, determinando a anulação de tal ato [...]
[...]
Importa, transcrever, ainda, parte do teor deste acórdão do STA de 6/07/2023, que infirma totalmente as conclusões da recorrente:
“21. Deste Acórdão do TJUE, de 9/3/2023, resulta, pois, em conclusão, que o disposto no nº 1 do art. 11º do DL nº 117/2010, de 25/10, nas suas sucessivas versões até à sua revogação operada pelo DL nº 84/2022, de 9/12, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” (na aceção do art. 1º, ponto 11, da diretiva 98/34), a qual só seria oponível aos destinatários particulares (como a aqui Autora) se o respetivo projeto tivesse sido comunicado à Comissão nos termos previstos no art. 8º nº 1 da Diretiva 98/34. Mais declarou o TJUE que tal norma nacional não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma “norma europeia” (não se subsumindo, pois, à exceção prevista no art. 8º nº 1 da Diretiva 98/34), nem é suscetível de se integrar numa cláusula de salvaguarda.
Ora, este julgamento do TJUE, proferido em 9/3/2023 no âmbito daquele mecanismo de reenvio prejudicial (C-604/21) operado pelo TAF/Braga no âmbito do processo 860/21.1BEBRG, é decisivo, por si, para determinar a sorte deste nosso presente processo.
Na verdade, não sendo a norma contida no nº 1 do art. 11º do DL 117/2010, de 25/10, oponível aos destinatários particulares, ela não era, consequentemente, oponível à aqui Autora/Recorrente, pelo que o ato impugnado, praticado pela Ré/Recorrida “ENSE”, consistindo numa ordem de pagamento fundamentada num incumprimento daquela norma, queda-se sem fundamento legal, incorrendo, pois, em vício de erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).
Dúvidas não pode haver que aquele julgamento do TJUE é plenamente aplicável no caso do presente processo, uma vez que a jurisprudência daquele tribunal europeu, quanto à interpretação fixada do direito da UE, designadamente em processo de reenvio prejudicial, torna-se obrigatório quer no âmbito da causa em que o reenvio foi operado quer em quaisquer outros processos em que seja pertinente a aplicação das mesmas normas interpretadas. Efetivamente, além de o tribunal nacional destinatário ficar vinculado pela interpretação dada, o Acórdão do TJUE vincula também os outros órgãos jurisdicionais a quem seja submetida uma questão idêntica.
Ora, no presente processo, estamos perante um litígio substancialmente idêntico, apenas variando a quantia da compensação a dever ser, alegadamente, paga pela Autora/Recorrente e o espaço temporal a que tal compensação se reporta (no nosso caso, o ano de 2016, a que, nos termos do aludido nº 1 do art. 11º do DL 117/2010, correspondia uma obrigação de incorporação de biocombustíveis na percentagem de 7,5% - cfr. alínea c). Sendo irrelevantes, quanto à manutenção dessa inoponibilidade, a variação das várias versões do DL 117/2010 até á sua revogação pelo DL 84/2022, de 9/12 (nomeadamente, as versões introduzidas pelos DLs. 6/2012, de 17/1, 69/2016, de 3/11 – em que se baseou o ato aqui impugnado, 152-C/2017, de 11/12 e 8/2021, de 20/1).
Em face do julgamento do TJUE, tornam-se, pois, inúteis as eventuais respostas às questões prejudiciais colocadas suplementarmente ao TJUE pelo reenvio prejudicial operado, à cautela, no âmbito deste nosso processo, uma vez que, independentemente dessas respostas, a já estabelecida inoponibilidade aos destinatários particulares (como a aqui Autora/Recorrente) da norma impositiva contida no nº 1 do art, 11º do DL 117/2010, impõe, por si, irremediavelmente, uma decisão de procedência da presente ação impugnatória, por força de vício do ato impugnado, por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal) – o que se decide.”
Pelo exposto, temos que, não sendo a norma inserta no nº 1 do art. 11º do DL 117/2010, de 25/10, oponível aos destinatários particulares, ela não era, consequentemente, oponível à aqui Autora/Recorrente, pelo que o ato impugnado, praticado pela Ré/Recorrente “ENSE”, consistindo numa ordem de pagamento fundamentada num incumprimento daquela norma, fica sem fundamento legal, incorrendo em vício de erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).
[...]
Note-se, ademais, que o citado Acórdão do TJUE, de 9/3/2023, ao declarar a inoponibilidade, aos destinatários/particulares, da legislação portuguesa em causa, já pressupõe preenchida uma das condições para que essa consequência seja possível: o “efeito direto” do relevante direito da UE. Isto é, a possibilidade de os particulares poderem invocar este direito europeu em ordem a salvaguardarem os seus direitos e interesses, eventualmente contra legislação nacional que o contrarie (cfr. Acórdão fundamental “Van Gend en Loos”, 26/62).
E, nos termos do Acórdão fundamental “CIA Security Service (C-194/94), aliás citado pelo TJUE no Acórdão interpretativo de 9/3/2023, «há que concluir que a Diretiva 83/189 deve ser interpretada no sentido de que a inobservância da obrigação de notificação acarreta a inaplicabilidade das “regras técnicas” em questão, de modo que não podem ser opostas aos particulares», sendo que ao juiz nacional «compete recusar a aplicação de uma “regra técnica” nacional que não tenha sido notificada em conformidade com a Diretiva”.
Não tendo sido assim considerado pelo Tribunal a quo, independentemente de qualquer outra invalidade, a sentença padece de erro de julgamento, no que, em concreto respeita à interpretação do artigo.° 11, do Decreto-Lei n.° 117/2010, conjugado com os artigos 1.°, 8.° e 9.°, da Directiva 98/34/CE, o que determina a revogação da sentença recorrida, com as demais consequências legais.
[...]“
Fim da transcrição

Como assim deflui do extraído supra, a solução jurídica que aí foi alcançada, e que teve presente, na sua base fundamental, o julgamento de que está em causa uma “regra técnica” que não foi notificada à Comissão Europeia em conformidade com a Directiva n.º 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 22 de junho de 1998, e que as normas em causa a que se reporta o Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro [em particular o seu artigo 11.º, n.º 1], não sendo oponíveis aos previstos destinatários, in casu, à Autora ora Recorrente, e tendo-o sido porque a Recorrida emitiu actos administrativos que lhe dirigiu e que a final consubstanciam ordens para pagamento, incorreu o Tribunal a quo, na realidade, em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, por estar subjacente aos actos impugnados uma actuação contrária à lei, fundada em erro nos pressupostos da sua aplicação, desde logo, em desconformidade com o direito da União Europeia.

Neste patamar, dada a manifesta procedência do recurso jurisdicional, julgamos ser desnecessária, por inútil para os termos dos autos, a apreciação e decisão em torno dos demais erros de julgamento imputados pela Recorrente à Sentença recorrida, assim como do pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, que formulou nos autos [Cfr. fls. 972 dos autos – SITAF].
*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro; Directiva 98/34/CE; Combustíveis; Erro nos pressupostos de direito.

1 - O disposto no artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” [na aceção do artigo 1.º, ponto 11, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 22 de junho de 1998] a qual só seria oponível aos destinatários particulares se o respetivo projecto tivesse sido comunicado à Comissão Europeia, nos termos previstos no artigo 8.º n.º 1 daquela Directiva.

2 – Assim não tendo sucedido, e falta de idónea base legal substantiva, os actos praticados pela Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, EPE, ao abrigo do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro são inválidos e contenciosamente anuláveis por violação de lei, por erro nos seus pressupostos de direito, por promanados em desconformidade com o direito da União Europeia.


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IV – DECISÃO

Face ao que deixamos expendido supra, e tendo subjacente o disposto nos artigos 27.º, n.º 1, alínea i) e 94.º, n.º 5, ambos do CPTA e artigo 656.º do CPC, julgamos em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente [SCom01...], Ld.ª, e consequentemente:
A) Em revogar a Sentença recorrida;
B) Em julgar procedentes os pedidos deduzidos;
C) Em anular os actos da autoria do Presidente do Conselho de Administração da ENMC, EPE, proferidos nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, no âmbito dos processos UB/04/2017 e UB/08/2017.
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Custas a cargo da Recorrida – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Junte aos autos cópia do Acórdão proferido no Processo n.º 2639/17.6BEBRG

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Notifique, também com remessa de cópia do Acórdão referido antecedentemente.

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Porto, 16 de janeiro de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator