Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00308/05.9BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS. QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL.
Sumário:
1. A determinação da matéria tributável por métodos indiciários faz-se por aproximação à realidade que se procura apurar.
2. No entanto, é necessário que tenha suporte em elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação.
A AT tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em conta as especificidades próprias da atividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar e medir. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:AV Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira
RECORRIDO: AV Lda.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Aveiro que julgou procedente a impugnação deduzida contra liquidação adicional de IRC relativa a 2000 no montante de € 82.826,22

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1) O tribunal a quo considerou que é ilegal o critério utilizado na quantificação da matéria tributável, e fundamenta a sua decisão na conclusão de que a AT não indica porque é que escolheu a percentagem de 40%, e ainda diz que o critério que foi usado é arbitrário.
2) A convicção do tribunal baseou-se nos documentos e informações constantes do processo, mas foi desvalorizada totalmente a prova documental constituída pelos pontos D.4 e D.5 pág. 14 a 20 do relatório de inspeção e pelos anexos 11 e 16 do referido relatório, onde se relatam as omissões de prestações de serviços verificadas juntos dos clientes e onde se demonstra como é que foi apurado o indicador da taxa de omissão dos serviços prestados, e onde se descreve o comportamento do representante da impugnante donde decorre a violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo.
3) A sentença não fez um correto julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar cada um estes factos.
4) Os únicos factos conhecidos pela inspeção são que a empresa impugnante emitia faturas a clientes relativas a avenças mensais com valores ridículos de € 1.00, € 5.00 e € 10.00.
5) O que levou a inspeção tributária de modo aleatório a selecionar 13 clientes, com vista a averiguar qual o montante de avença pago e o modo como o pagamento era efetuado.
6) A inspeção tributária recolheu o testemunho de vários clientes da impugnante no sentido de que o preço declarado na contabilidade da impugnante, não correspondia ao real, mas era substancialmente inferior.
7) A douta sentença sob recurso omitiu por completo estas diligências de prova.
8) De salientar que o comportamento do sócio gerente da recorrida foi pautado por falta de colaboração, conforme é relatado no relatório de inspeção.
9) De realçar ainda que estamos perante um contribuinte que exerce a atividade de TOC, profissão que se presume ser do interesse público e que tem um código deontológico a cumprir, tendo um especial dever de respeitar a lei fiscal, o que não se verifica no presente caso, com as comprovadas omissões de prestação de serviços.
10) Ora perante as lacunas de informação da contabilidade, a inspeção tributária teve que escolher um método para quantificar as operações omitidas á contabilidade.
11) O método adotado por um lado assenta na atividade de investigação da inspeção tributária;
12) Na medida em que esta parte de um indicador que assenta na percentagem de omissão de prestação de serviços que verificou.
13) Com efeito os cálculos foram efetuados com base na média ponderada da percentagem de omissão de proveitos.
14) Concretamente, as médias ponderadas encontram-se determinadas no quadro do anexo 16 do Relatório de Inspeção, a saber, Ano 2000 - 1237%, Ano 2001 – 450%, Ano 2002 – 467%.
15) Para efeito de determinação do montante de serviços prestados omitidos a inspeção utilizou o valor intermédio apurado, ou seja o coeficiente de 467%.
16) Em relação a 6 clientes, não foi possível á inspeção tributária obter elementos dos clientes com vista á confirmação dos valores efetivamente pagos ao SP, pelo que se considerou nestes casos que o valor que haviam pago pela realização dos serviços de contabilidade correspondia exatamente ao valor registado como proveitos, isto é que a taxa de omissão era de 0%. (Cfr. Relatório de inspeção pág. 17 a 18 e Anexo 16)
17) No método utilizado pela inspeção tributária foi relevado este facto, pelo que a percentagem adotada de 40%, resultou do seguinte raciocínio: Procedeu-se á quantificação dos proveitos “validados” colocando no numerador o número de casos “validados” num total de 6 e no denominador o número total de situações analisadas que foram 13. O valor daqui resultante ficou situado no intervalo entre os 40 e 50 pontos percentuais.
18) E admitiu-se em abono do contribuinte que 40% dos serviços prestados declarados correspondiam á realidade.
19) Aplicando aos restantes 60% dos serviços prestados declarados a percentagem de omissão de proveitos que foi adotada de 467%.
20) O método adotado para além de partir da atividade de investigação da inspeção tributária, também resultou de um raciocínio quantitativo, ao considerar-se que 40% dos serviços prestados declarados tinham a probabilidade de corresponder á realidade e que os restantes 60% tinham a probabilidade de conter uma taxa de omissão de proveitos de 467%.
21) A lei no artº 90º da LGT indica um certo número de índices – margens médias do lucro, taxas médias de rentabilidade, coeficientes técnicos, e elementos e informações relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte, que podem ser utilizados isoladamente ou articulados entre si, para proceder á quantificação.
22) Ora se considerarmos os critérios de decisão propostos no artº 90º da LGT, podemos verificar como eles têm implícita uma remissão para a prova probabilística, com base em estatísticas.
23) No caso concreto foram utilizados os elementos e informações declarados á administração tributária pelos vários clientes da ora recorrida, no sentido de que o preço declarado nas vendas a dinheiro e refletido na contabilidade, não correspondia ao real, mas era substancialmente inferior.
24) E ao ser utilizado um indicador que parte da percentagem de omissão de prestação de serviços que foi verificada é utilizado um método que relaciona de uma forma congruente e justificada os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.
25) Ao contrário do entendido pelo Mº Juiz do Tribunal a quo, o método utilizado é proporcional á situação concreta do sujeito passivo, e nada tem de arbitrário.
26) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter entendido que a percentagem de 40% não se encontra justificada em lugar algum, provindo apenas do livre arbítrio da inspeção tributária, pois tal percentagem resulta da atividade de investigação da inspeção tributária junto dos clientes da impugnante conjugada com a aplicação de um raciocínio quantitativo.
27) A AT teve a preocupação de averiguar junto dos clientes da impugnante acerca do montante da avença pago e o modo como o pagamento era efetuado.
28) A AT teve o cuidado de solicitar ao contribuinte o fornecimento de informações e a exibição de registos, livros e demais documentação.
29) Mas conforme se refere no relatório de inspeção é ostensiva a violação dos deveres de cooperação por parte do representante da impugnante.
30) O que acarretou a escassez de meios disponíveis para realizar a determinação da matéria tributável.
31) Pois é indiscutível que a violação dos deveres de cooperação praticada pelo contribuinte na fase do procedimento de inspeção vai acarretar que a decisão de quantificação assente num raciocínio quantitativo e que a decisão tomada leve em conta um elevado grau de probabilidade.
32) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao não relevar este facto, está a favorecer a violação dos deveres de cooperação.
33) Demonstra-se que a inspeção tributária utilizou elementos objetivos e concretos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da atividade do contribuinte, conduziram á quantificação das prestações de serviços omitidas.
34) A liquidação do IVA não podia assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte, e a quantificação efetuada pela AT tem bases suficientemente seguras e adequadas a sustentar o apuramento dos serviços prestados omitidos.
35) A administração fiscal está obrigada a fundamentar as suas decisões e no que ao caso interessa, ao abrigo do artº 77º da LGT, que prescreve no seu número 4, que deve indicar os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.
36) Conforme resulta do relatório de inspeção, nas páginas que temos vindo a salientar, encontram-se demonstradas todas as diligências efetuadas pela inspetora tributária, e espelha-se o critério que foi adotado para o apuramento das prestações de serviços omitidas, pelo que se encontra cumprido o artº 77º nº 4 e artº 90º da LGT, não estando o ato administrativo impugnado viciado por ilegalidade.
37) Por conseguinte a decisão do Meritíssimo Juiz pode e deve ser alterada, porquanto tal é permitido pela aplicação subsidiária do artº 712º do CPC, pois do processo constam todos os elementos de prova da matéria de facto em causa.
38) Deve ser alterada a referida decisão considerando-se que o relatório de inspeção junto aos autos e seus anexos explicam com clareza e justificadamente o critério utilizado pela inspeção.
39) A douta sentença sob recurso, fez uma incorreta apreciação da prova e violou os artigos 77º nº 4 e 90º da LGT
TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença, como é de LEI E JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.
O recorrido contra alegou e concluiu:
. As alegações do Recurso não lograram refutar o irrefutável. Tal sucedendo não só para a matéria estritamente apreciada pela sentença recorrida, como também para a restante matéria de facto que foi objecto de perícia colegial unânime. Sendo significativo que a Recorrente não faça qualquer alusão à perícia e respectivas conclusões.
. Sendo incontornável, por exemplo, que o próprio perito da Fazenda Pública sufrague uma resposta em que uma percentagem de 467% é corrigida para 11% por via da adopção do cálculo matemático e estatístico correcto.
No ano de 2000, a adopção do cálculo correcto, traduz-se na redução de una percentagem de 1.237% para 52%. Ou seja, cerca de 23 vezes menos.
Contudo e por razões misteriosas a A. Fiscal estende a este ano a percentagem por si apurada de 467% para o ano de 2002 - que já por si deveria ser de 11% como resulta da perícia.
. A percentagem de 40% utilizada pela IT é também obviamente arbitrária. Como é dito na sentença, poderia ter sido escolhida qualquer outra percentagem!
E a própria tentativa esforçada para a justificar em sede de recurso ainda realça mais a evidência do arbítrio, como se demonstra nestas contra-alegações.
. A decisão de anular a liquidação adicional de IRC do ano de 2000 é pois juridicamente correcta e era inevitável face aos erros crassos da quantificação operada pela AT.
Correcção e inevitabilidade que se acentuariam se fosse objecto de apreciação e julgamento toda a matéria de facto resultante da perícia colegial realizada e admitida nos autos.
. No caso de a matéria objecto da sentença merecer entendimento diverso neste Tribunal Superior, haverá que – como já foi requerido - ampliar a matéria de facto e julgar a mesma em conformidade com o direito aplicável, nos termos do art. 636º do CPC.
. A A.T. não tem legitimidade para censurar o comportamento da impugnante (ou do seu representante) já que o seu comportamento na inspecção em causa, particularmente no que respeita aos métodos quantificativos utilizados é muito mais grave do que aquele.
E de resto, não existe qualquer nexo de causalidade entre a conduta do representante da impugnante e o anómalo procedimento quantificativo efectuado pela inspecção tributária.
Termos em que, se requer a V. Exas. que julguem improcedente o recurso da Fazenda Pública.
Subsidiariamente, na mera hipótese de procederem os fundamentos do recurso, requer-se que seja ampliada a matéria de facto provada de forma a abarcar os factos apurados pela impugnante na PI com o concomitante julgamento em sede de direito.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação contra a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2000.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. A Impugnante foi objecto de acção inspectiva, relativa aos períodos de 2000 a 2002, cf. Relatório da Inspecção Tributária de fls. 1 a 28 do Processo Administrativo (PA);
2. Foi seguidamente elaborado o respectivo Relatório, que se encontra junto a fls. 1 a 141 do PA, e aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como os seus anexos, do qual consta o seguinte:
[imagem omissa]
3. Em 01-09-2004, e após pedido de revisão da matéria tributável, o Director de Finanças de Aveiro manteve os valores apurados em sede de inspecção tributária, tendo aplicado um agravamento à colecta no valor de € 8.600, cfr. teor do doc. de fls. 449 a 467 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta o seguinte:
[imagem omissa]
4. Em 12/10/2004, foi emitida a liquidação de IRC de 2000, nº 20048310021821, no valor de € 82.402,33, juros compensatórios e moratórios incluídos, cfr. teor de fls. 60/66 dos autos.
5. A presente impugnação foi apresentada no TAF de Viseu em 22-02-2005, cf. teor de fls. 1 dos autos.
*
III. 2 FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com relevância para a decisão a proferir.
*
III. 3 MOTIVAÇÃO
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados.
*
IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
AV Lda. foi sujeito a ação de fiscalização externa com incidência nos exercícios de 2000, 2001 e 2002 que culminaram com correções aos respetivos exercícios em sede de IRC (e IVA) com recurso a métodos indiretos de tributação.
Notificado da liquidação, deduziu impugnação judicial alegando entre o mais, erro na quantificação e falta de fundamentação.
Por sentença de 28/2/2015 a MMª juiz do TAF de Aveiro proferiu sentença que julgou procedente a impugnação considerando que “De forma alguma se pode considerar adequado e justificado um critério de determinação da matéria tributável que tenha sido aplicado por mera vontade do inspector tributário, sem nenhum elemento factual ou legal que o suporte, mesmo que se justifique tal utilização com o facto de ser em “abono do contribuinte”. A Autoridade Tributária, na qualidade de órgão da administração pública, deverá sempre prosseguir critérios de legalidade e de interesse público, devendo justificar devidamente as opções tomadas com critérios objectivos, que não podem ser de mero arbítrio.
Desta feita, atendendo à total ausência de premissas, de molde a substantivar a taxa de rentabilidade de 40% aplicada pela AT, não pode este Tribunal acompanhar o iter cognoscitivo seguido, por esta, nem acompanhá-la em tal conclusão.
Aliás, saliente-se que nem em sede de Reclamação para a Comissão de Revisão se encontrou qualquer justificação para aquela percentagem de 40%, tendo antes o perito nomeado pela Autoridade Tributária proposto outro critério, que não foi aceite pela Impugnante, mantendo-se, mesmo assim, as correcções efectivadas no relatório da inspecção tributária.”
O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda do decidido. Defende que a sentença errou no julgamento de facto e de direito por ter “desvalorizado” a prova documental constituída pelo relatório da Inspeção Tributária e pelos anexos, bem como pelas diligências de prova recolhidas pela inspeção, por um lado e violação dos deveres de cooperação pelo contribuinte, por outro.

Iniciando a análise do recurso pelo alegado erro de julgamento de facto, adiantemos desde já que o Exmo. Representante da Fazenda Pública não tem razão.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 712.º (atual art.º 662.°) do Código de Processo Civil (CPC), determina que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Por sua vez, o art.º 685º-B.º do CPC, (atual art.º 640.º) do mesmo diploma impõem que “1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
2 - No caso previsto na alínea b) do númeno anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento em erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no número n.º2 do artigo 522.º C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere á impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa proceder à respectiva transcrição (…).”
Resulta da conjunção dos artigos 712.º e 685º-B.º do CPC, (atuais art.ºs 662.º e 640.º) que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indique os concretos meios probatórios.
Assim, para que o TCA possa proceder alteração da matéria de facto, devem ser indicados os pontos de facto considerados incorretamente julgados, indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Todavia, a Recorrente não dá cabal cumprimento ao ónus que sobre si impendia, ou seja, especificar os concretos pontos de facto que considerou incorretamente julgados e de indicar, delimitando, os meios de prova produzidos que permitem conclusões que contrariem os factos valorados pela sentença ou que esta se apoiou para os dar como provados.
Não cumprindo a Recorrente o ónus de alegação, com falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e em que a Recorrente se funda e a falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, conduz à sua rejeição.
Quanto ao critério de quantificação a sentença recorrida concluiu que o mesmo não se encontra justificado nem adequado. Louvando-se nos Acórdãos do TCA Norte de 25.09.2008, nos processos n.ºs 00105/00 e 04634/04 de 28.02.2008., conclui que “(…) aquela percentagem de 40% não se encontra justificada em lugar algum do Relatório, provindo e na do livre arbítrio da inspeção tributária que escolheu aquela percentagem como poderia ter escolhido outra qualquer. (…)”
Concluindo que “(…) De forma alguma se pode considerar adequado e justificado um critério de determinação da matéria tributável que tenha sido aplicado por mera vontade do inspetor tributário, sem nenhum elemento factual ou legal que o suporte, mesmo que se justifique que tal utilização seja feita em “abono do contribuinte (…)”.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Secção, proferido no processo n.º 292/05.9Bevis em 22.03.2018, ainda inédito.
Atendendo que as partes, os vícios invocados, o relatório em que se sustenta são os mesmos, e sentença recorrida é idêntica, divergindo somente no ano a que se reporta o imposto em falta, e não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, com a qual concordamos e transcrevemos: “(…) Verificados e demonstrados os pressupostos da aplicação do métodos indiciários, a Administração Fiscal terá que quantificar os rendimentos tributáveis através da sua aplicação em concreto.[ Corroborando o que vai exposto o Ac. do TCA Norte de 6/10/2005, no proc. 00314/04, disponível no site da dgsi.]
Esta quantificação tem, forçosamente, que ser norteada pelo fim do apuramento do rendimento real, sob pena de desvio do poder.
Não se trata apenas de procurar obter uma aproximação ao rendimento real nem de sancionar o contribuinte, isto independentemente de ser ou não difícil atingir o fim legal da aplicação de métodos indiciários [assim Saldanha Sanches, Quantificação da Obrigação Tributária, Cadernos da CTF, 173, pág. 400]
Sobre esta matéria vigorava o art. 52º do C.I.R.C. (“ex vi” do n.º 5 do art. 38º do CIRS), [in casu o art.º 84.º do CIVA] e atualmente o artº 90º da L.G.T. no qual, se estabelece que: na determinação do lucro tributável por métodos indiciários, basear-se-á em todos os elementos de que a administração fiscal disponha, e, designadamente, em:
_margens médias de lucro bruto ou líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos e serviços de terceiros, al. a) e art. 90º,nº1, al. a) da LGT) que fala apenas em margens médias de lucro líquido;
_taxas médias de rentabilidade do capital investido (al. b) e art. 90º, nº1, al. b) da LGT);
_coeficientes técnicos de consumo ou utilização de matérias-primas ou de outros custos diretos al. c) e art. 90º, nº1, al. c) ad LGT;
_elementos e informações declarados à administração, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os obtidos em empresas ou entidades que tenham relações com o contribuinte, al. d) e art. 90º, nº1, al. d) da LGT;
_A localização e dimensão da atividade exercida (art. 90º, nº1, al. e);
_os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da atividade (art. 90º, nº1, al. f) da LGT);
_A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração fiscal (art. 90º, nº1, al. g) da LGT).
São estes, a título meramente exemplificativo, na LGT, os fatores a atender na, impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, não sendo obrigatório atender a todos os fatores mas recorrer-se apenas aos que, em cada caso, se afigurem como mais seguros para permitir com maior rigor aquele desiderato.
A Fazenda Pública no seu recurso entende que o critério utilizado está explicitado, com base nos elementos e informações declarados à AT pelos vários clientes da Recorrida, no sentido de que o preço declarado nas vendas a dinheiro e refletido na contabilidade não correspondia ao real, mas era substancialmente inferior.
Reitera, assim, que foi utilizado um indicador que parte da percentagem de omissão de prestação de serviços que foi verificada, sendo um método que relaciona de forma congruente e justificada os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.
Malgrado o esforço da Recorrente em justificar, em pleno recurso, a razão de tal critério certo é que não se encontra explicitado no discurso fundamentador do relatório inspetivo.
Com efeito, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação.
Para tanto, a AT tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da atividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AT tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, de modo a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua atividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada e que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só então passará a caber, ao contribuinte demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria coletável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.
No caso presente, o critério utilizado pela Administração Tributária consistiu na aplicação do valor intermédio apurado sobre o montante de serviços prestados omitidos, considerando que 40% das situações registou devidamente os serviços prestados, ora tal consideração não se apresenta justificada nem compreensível ao seu uso e aplicação.
Não esquecendo, ainda, que no âmbito da presente impugnação foi junta prova pericial, efetuada no processo 1055/05.7, respeitante à liquidação do IRC de 2002 proveniente do mesmo relatório inspetivo, na qual os peritos unanimemente, responderam que a amostragem efetuada pela fiscalização não tem fundamento estatístico nem matemático para concluir que apenas 40% dos serviços prestados pela impugnante correspondem à realidade, não sendo a amostragem explicita no Anexo IV (junta com a p.i.) representativa do universo dos clientes da impugnante, nomeadamente devido a esta incluir o cliente JSP & Filhos que é o cliente que possui a maior avença declarada. Enviesando desta forma a amostra.
Pois bem, nos presentes autos, junto com a p.i., encontra-se o dito anexo [fls. 17], donde resulta que em todos os anos de 2000, 2001 e 2002 se encontra o aludido cliente com a avença declarada mais elevada.
Ora, quando se analisa o Relatório na parte que aqui interessa, não pode deixar de notar-se que, tal como se aponta na decisão recorrida, contrariamente ao que a Administração Tributária parece fazer crer, não há qualquer justificação para o critério ali utilizado na quantificação da matéria tributável.
Naturalmente, e sem mais, é manifesto que o critério utilizado pela Administração Tributária revela-se, assim, desadequado para o pretendido apuramento do volume de serviços prestados pela impugnante no ano de 2000.
Nesta medida, perante a realidade aqui sistematizada ficou demonstrado que a AT não lançou mão de critérios credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exata e justa, ou seja, não existe aqui qualquer dúvida sobre a atuação da AT; antes existe uma certeza total sobre a desadequação do seu procedimento, o que significa que a decisão recorrida, que assim entendeu, não merece qualquer censura.
Daí que na improcedência das conclusões das alegações da Recorrente, se impõe confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências. (…)”

Transpondo para os presentes autos pelos mesmos motivos improcedem as conclusões da Recorrente.
*
V DECISÃO.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirma a sentença recorrida.
Custas pela AT.
Porto, 12 de julho de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles