Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00209/09.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/26/2013
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:AJUDAS DE CUSTO
PROVA TESTEMUNHAL
QUESTÃO DE DIREITO
QUESTÃO DE FACTO
Sumário:1.º No processo de impugnação judicial compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
2.º Este juízo da necessidade da prova que o artigo 113.º do CPPT impõe ao juiz do processo é sempre sindicável pelo Tribunal de recurso, independentemente de ter sido interposto recurso desse despacho.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
M…, casado, residente na Rua…, Penafiel, contribuinte fiscal n.º 1…, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2004, interpôs o presente recurso, concluindo da seguinte forma as suas alegações:
«A) - Os factos alegados são mais do que suficientes para justificar a pretensão do recorrente de ver a impugnação proceder, não se podendo afirmar, como o faz a sentença, de que não foram alegados «factos concretos que permitissem comprovar que os rendimentos pagos a título de ajudas de custo eram efectivamente uma compensação pelas deslocações ao serviço da entidade empregadora, para fora do seu local habitual de trabalho»
B) – Ao proferir sentença antes de inquiridas as testemunhas arroladas pelo impugnante, a sentença recorrida, violou não só os mais elementares princípios de direito, como, ainda, o disposto no artigo 113º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pois o meritíssimo Juiz «a quo» não poderia ter proferido a decisão final, sem ter ouvido as testemunhas arroladas pelo impugnante, já que a questão em causa nos presentes autos não é apenas de direito, acrescendo que os autos não fornecem todos os elementos necessários ao seu cabal julgamento.
Nestes termos e nos mais de direito, e pelo muito que, como sempre, V. Exas. proficientemente suprirão, deverá ser o presente recurso provido, com todas as consequências legais, ordenando-se a baixa dos autos à 1ª instância, para que sejam ouvidas as testemunhas arroladas pelo impugnante, só depois se proferindo decisão, que julgue a causa, como é de inteira e sã Justiça!».

A Fazenda Pública não contra-alegou.

Neste Tribunal a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Foram recolhidos os vistos legais, cumprindo desde já decidir, uma vez que a isso nada obsta.

Questões a decidir:
1.º Saber se foi violado o disposto no artigo 113.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) por ter sido proferida a sentença sem que tenham sido ouvidas as testemunhas arroladas pelo impugnante.
2.º Saber se a sentença recorrida errou o julgamento ao entender que o recorrente não alegou e não provou factos demonstrativos da natureza de ajudas de custas da verbas por si recebidas a essa título.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1. DE FACTO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu como assente a seguinte factualidade:
A) A Administração tributária efectuou uma acção inspectiva à contabilidade da E…, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5… (fls. 19 e seguintes).
B) Nessa inspecção apurou-se que no ano de 2004 o impugnante, que é seu sócio gerente, auferiu dessa empresa, a título de ajudas de custo, o montante de €11.633,60 (fls. 19 e seguintes).
C) No entanto, aquela empresa não tinha boletins itinerários preenchidos e assinados pelo impugnante, nem documentos que identificassem os trabalhadores e demonstrassem os dias, tipo de serviço, local e compensação diária que originaram a atribuição das ajudas de custo (fls. 19 e seguintes).
D) As ajudas de custo foram fixadas pela Acta n.º 1 de 8/2/1991, com natureza fixa e mensal (fls. 19 e confissão do impugnante no artigo 11.º da petição inicial).
E) Com base nestas informações foi realizada uma inspecção interna ao impugnante que conclui com a elaboração do relatório que consta de fls. 21 a 24 do processo administrativo apenso (PA), cujo teor aqui se dá por reproduzido.
F) As conclusões do relatório de inspecção tributária originaram correcções à matéria tributável declarada pelo impugnante em sede de IRS no valor de €11.633,60, no ano de 2004 (fls. 21 e 22 do PA).
G) A referida correcção originou um rendimento colectável de €55.286,20 e a respectiva liquidação impugnada no montante de €8.268,10 (fls. 14 e 15).
3.1.1 – Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa, conforme melhor se explicará na fundamentação de direito.».

II.2. DE DIREITO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente contra a liquidação de IRS do ano de 2004.
Tal liquidação resultou da correcção do rendimento tributável ao qual foi acrescido a quantia de € 11.633,60 recebida pelo recorrente a título de ajudas de custas e que administração fiscal considerou tratar-se de remunerações de trabalho sujeitas àquele imposto.
Na petição inicial o ora recorrente alegou factos com vista a afastar o carácter remuneratório das verbas e arrolou testemunhas.
No decurso do processo o Meritíssimo Juiz, respeitante à produção de prova requerida pelo impugnante, proferiu a fls. 36 o seguinte despacho: “Atenta a posição assumida pelas partes, está em causa uma questão apenas de direito e o processo fornece os elementos necessários à decisão, pelo que não se afigura necessária a produção de prova (art.113., n.º 1, do CPPT).».
Este despacho foi notificado às partes que contra ele não reagiram.

Defende o recorrente que ao contrário do entendimento plasmado naquele despacho, a questão se coloca não é só de direito e que havia matéria de facto alegada com interesse para a decisão, pelo que o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 113.º do CPPT.

O artigo 113.º do CPPT estipula no seu n.º 1 (embora o recorrente não especifique, retira-se da sua alegação que pretende referir-se ao n.º 1) que «Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo do pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo, também de facto, o processo fornecer os elementos necessários».

Se a questão for apenas de direito ou for também de facto mas os autos reunirem os elementos necessários para a decisão, o juiz pode conhecer o pedido, depois de dada vista ao Ministério Público.

Este juízo da necessidade da prova que o artigo 113.º do CPPT impõe ao juiz do processo é sempre sindicável pelo Tribunal de recurso, independentemente de ter sido interposto recurso desse despacho.
O Tribunal de recurso pode sempre sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só o impugnante ou a Fazenda Pública podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa, anular a sentença oficiosamente (cfr. artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) e 712.º, n.º 4, do mesmo código, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT) – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-11-2011, recurso 289/11.

Deste modo, importa desde logo averiguar da necessidade da inquirição das testemunhas no caso sub judice. Se o Tribunal recorrido dispensou a prova porque entendeu que a questão era apenas de direito ou que os autos reuniam os elementos necessários, quando assim não é, estaremos perante um erro de julgamento.

Discute-se nos autos a natureza da quantia de € 11.633,60 auferida pelo impugnante como ajudas de custas. Entendeu a administração fiscal que estavam em causa quantias com carácter remuneratório e, assim, sujeitas a IRS.
Na petição inicial o ora recorrente alegou que se tratavam de verbas destinadas a compensá-lo pelas despesas que fazia a favor e no interesse da sua entidade patronal quando se deslocava do seu local de trabalho.
Alegou com vista a comprovar tal conclusão, depois de afirmar que o seu local de trabalho é o da sede da empresa, sita em Ermesinde (artigo 8.º da petição inicial), que:
«Entre as funções do impugnante, como sócio gerente daquela firma, conta-se a de contactar os clientes, tanto os existentes como os potenciais, a de visitar as obras de clientes para as quais a empresa cedeu trabalhadores e a de resolver todo e qualquer problema que surja.» (artigo 10.º da petição inicial);
«Devido a tais funções, todos os sócios acordaram que a cada um dos gerentes seria atribuído um montante mensal de ajudas de custo, para suportar as despesas que, forçosamente, teriam de efectuar a favor e no interesse da sociedade, quando estavam deslocados para fora da sua sede.» (artigo 11.º da petição iniicla);
«Tal decisão teve por base o facto de se saber que os sócios gerentes têm de se deslocar constantemente para fora da sede da sociedade, dada a natureza da actividade em que está envolvida e para facilitar a actividade administrativa da firma.» (artigo 12.º da petição inicial);
«Com efeito, havendo um montante mensal de ajudas de custos, os gerentes ficavam dispensados de estar contentemente a elaborar mapas e boletins itinerários, ao mesmo tempo que os serviços administrativos estavam dispensados de os arquivar e classificar.» (artigo 13.º da petição inicial). «Ora, no caso do impugnante, tanto em 2004, como nos anos anteriores e posteriores, é rara a semana em que não passa mais de três dias úteis em deslocações, que o levam, muitas vezes, a não comparecer sequer na sede da empresa.» (artigo 14.º da petição inicial). «Na verdade, é habitual o impugnante deslocar-se a Lisboa mais de que uma vez por semana, sendo certo que é para lá quase obrigatório ir, todas as semanas, àquela cidade.» (artigo 17.º da petição inicial). «Para além disso, sempre que a empresa cede trabalhadores para obras de clientes, o que está sempre a suceder, o impugnante vê-se obrigado a visitar tais obras e tais clientes, pois há sempre pequenos problemas a resolver.» (artigo 18.º da petição inicial); «Para tais deslocações, a empresa não lhe fornece qualquer montante a não ser a aludida verba de ajudas de custo, sendo com ela que o impugnante custeia o gasóleo necessário às deslocações, as portagens, os almoços que efectua com clientes e outras pessoas com quem se vê forçado a contactar e os custos de hotéis que, frequentemente, tem de suportar.» (artigo 20.º da petição inicial)

Para dispensar a inquirição das testemunhas começou o Tribunal a quo por dizer que estava em causa apenas uma questão de direito. E assim manifestamente não é.
A resposta à questão que é colocada nos autos - saber se a verba auferida pelo trabalhador é remuneração de trabalho ou ajuda de custo – não se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, no caso o disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea d) do Código do IRS.
Pelo contrário, implica que se averigúe as razões que determinaram o seu pagamento.

As ajudas de custo visam compensar o trabalhador pelas despesas suportadas a favor e por causa da entidade patronal quando se desloca do seu local de trabalho.
Daí que para a solução do caso seja relevante saber-se se o recorrente se deslocou do seu local de trabalho, e se aquelas verbas foram auferidas por causa dessas deslocações, aliás como alegou na petição inicial.
E esta prova pode ser feita por qualquer meio.

A prova testemunhal requerida pelo impugnante mostra-se assim pertinente para a resolução da causa.
Deste modo, não só a prova testemunhal é legalmente admissível, como foram alegados factos que atrás transcrevemos, relevantes para a decisão, não tendo, no caso em apreço, ao contrário do entendimento do Tribunal recorrido, que indicar em concreto toda a deslocação e despesa efectuada. De qualquer modo, sendo aquele o entendimento do Tribunal recorrido, impunha-se-lhe, antes da prolação da sentença, que convidasse o impugnante a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada – artigo 598.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

Sendo a prova testemunhal legalmente admissível e tendo sido alegada factualidade pertinente à resolução do caso, o Tribunal recorrido errou o julgamento ao considerar no despacho de fls. 36 que estava apenas em causa matéria de direito e errou novamente na sentença, ao entender que não tinha sido alegada factualidade concreta passível de prova.

Há, pois, que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser completada a instrução, designadamente através da inquirição das testemunhas arroladas.

Sumariando:
1.º No processo de impugnação judicial compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
2.º Este juízo da necessidade da prova que o artigo 113.º do CPPT impõe ao juiz do processo é sempre sindicável pelo Tribunal de recurso, independentemente de ter sido interposto recurso desse despacho.

III – DECISÃO
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser completada a instrução, designadamente através da inquirição das testemunhas arroladas.
Sem custas.
Porto, 26 de Setembro de 2013

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Aragão Seia