Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02636/22.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/27/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:VALIDADE DA CITAÇÃO, PRESUNÇÃO, ARTIGO 192.º, N.º 3 DO CPPT;
CONTENCIOSO DE ESTRITA LEGALIDADE;
RECLAMAÇÃO DE ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL;
Sumário:
I - A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.

II - Esse processo de reclamação previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou.

III - Tal controlo judicial tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.

IV – In casu, o tribunal recorrido efectivamente aferiu da legalidade do acto reclamado à luz da sua motivação factual e jurídica, balizado pelos vícios invalidantes que o reclamante lhe imputa.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 12/06/2023, que julgou procedente a reclamação formulada por «AA», NIF ..., residente na RUA ..., ... ..., contra o acto que indeferiu o pedido de declaração de nulidade insanável do processo de execução fiscal n.º ...........1340 e apenso [.............1410].

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a Reclamação de actos do órgão de execução fiscal e anulou o despacho reclamado, por falta de regular citação do Reclamante.
B. Decidiu o Tribunal a quo pela procedência da Reclamação por entender que “ocorre, pois, uma irregularidade no cumprimento do estatuído no artigo 192.º, n.º 2 e 3 do CPPT, sendo que essa única irregularidade tem graves consequências para efeitos de considerar o ora reclamante citado, impedindo que se dê por presumida essa citação.”
C. Encontrando-se a correr termos no Serviço de Finanças da ... o processo de execução fiscal n.º ...........1340 e apenso .............1410, veio o reclamante «AA», ao abrigo do artigo 276º do CPPT intentar Reclamação Judicial do despacho proferido em 05.12.2022, pelo Chefe do Serviço de Finanças da ... alegando que (...) que ao Reclamante cabe o direito de ilidir essa presunção como resulta da conjugação dos arts. 39.º n.º 5, 190.º n.º 6 e 192.º n.º 2 e 3 do CPPT, por comprovação de impossibilidade de alteração do respectivo domicílio fiscal ou por comprovação de que efectivamente não tomou conhecimento da mesma por outra causa que não lhe seja imputável – portanto, justo impedimento.”, tal como consta do Relatório da douta sentença – transcrição das conclusões da douta PI, conclusão xxiii.)
D. Peticionou o Reclamante que seja declarado anulado o acto reclamado, decidindo-se pela ilisão de citação do Reclamante.
E. Do conspecto do douto petitório constata-se que não peticionou o reclamante qualquer irregularidade da citação por preterição de formalidade legal prevista no artigo 192º, n.º 2 e n.º 3 do CPPT.
F. O objectivo da reclamação interposta pelo Reclamante, contra o despacho de indeferimento sobre a invocada falta de citação junto do órgão de execução fiscal, é ilidir a presunção legal da sua citação nos termos do artigo 192º, n.º 3 do CPPT.
G. Em ponto algum da sua argumentação, invoca o reclamante a desconformidade com o ordenamento jurídico da citação efectuada, outrossim, pretende exercer o direito a ilidir a presunção, que resulta da conjugação dos artigos 39º, n.º 5, 190º, n.º 6, e 192º, n.º 2 e n.º 3, do CPPT.
H. O Tribunal a quo ao apreciar e julgar procedente a reclamação do despacho do órgão de execução fiscal, anulando-o por falta de regular citação do reclamante, sustentando a sua posição no facto de o órgão de execução fiscal não ter dado cabal cumprimento ao determinado no artigo 192º, n.º 2 e n.º 3, não conheceu da questão controvertida nos autos.
I. O inciso decisório em recurso não se pronunciou sobre se o Reclamante logrou ilidir, a presunção da sua citação, nos termos previstos no artigo 192º, n.º 3 do CPPT, incorrendo assim, em erro de julgamento.
J. A eventual irregularidade da citação por preterição de formalidade legal prevista no artigo 192º, n.º 2 do CPPT, por falta de indicação da cominação prevista no n.º 3 do citado artigo, não foi arguida pelo Reclamante.
K. Não sendo a mesma de conhecimento oficioso, o Tribunal a quo, não podia dela conhecer, incorrendo em erro de julgamento.
L. O que o Reclamante alegou na sua PI, foi que não teve conhecimento da citação que foi depositada no seu domicílio fiscal à data dos factos, propondo-se demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável, artigo 190º, n.º 6 do CPPT.
M. É patente, que o julgador avançou para o conhecimento de uma questão não suscitada pelas partes, nem em concreto nem em abstracto.
N. Tal questão não foi suscitada pelo Reclamante, nem podia ter sido, pois tal como afirma no ponto 57 da sua douta PI, as comunicações em causa não chegaram ao conhecimento do Reclamante, pelo que não poderia ter-se pronunciado sobre o seu teor/conteúdo.
O. A questão decidenda é a de saber se operou ou não a presunção de citação que sobre o Reclamante recai artigo 192º, n.º 2 e n.º 3 do CPPT, ou se ao invés, demonstrou o Reclamante ter ocorrido falta de citação, por motivo que lhe não foi imputável, artigo 190º, n.º 6.
P. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida ENFERMA DE ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA FACTO E DE DIREITO, nos termos supra evidenciados.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

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O Recorrido contra-alegou da seguinte forma, não tendo apresentado conclusões dessa alegação:
“1. Em 12-06-2023 foi proferida douta sentença pela qual o Tribunal a quo julgou «[...] procedente a presente reclamação judicial e, consequentemente, anular o despacho reclamado, por falta de regular citação do ora reclamante para a execução fiscal n.º ...........1340 e apenso [.............1410], com todas as consequências legais daí advenientes [repetição do acto de citação].» (sic sentença recorrida).
2. O Tribunal a quo concluiu assim com base na violação do disposto no art. 192.º n.º 2 do CPPT.
3. O que o Tribunal a quo fez, bem, também na sequência da invocação expressa pelo Recorrido (como adiante se verá concretamente) de que foram violadas as normas do art. 192.º do CPPT, nomeadamente aquele seu n.º 2 – contra o que pretende a AT.
4. É quanto àquela sentença que se insurge a FP no recurso apresentado, o que a AT faz, mais uma vez, apostada que está em impedir, por todos os meios, que o Recorrido se possa defender, em sede própria, da reversão que contra este pretende operar – o que mostra bem da fragilidade da AT na posição que assumiu nos autos de execução.
5. Recurso este que a AT interpôs sem sequer pôr em causa que, como decidiu o Tribunal a quo, efectivamente foi violado o disposto no art. 192.º n.º 2 do CPPT – ou seja, aceitando que, efectivamente aquela norma do art. 192.º n.º 2 do CPPT foi violado pela AT.
6. Com efeito, a AT não citou o Reclamante na execução e, além disso, como doutamente se decidiu na sentença recorrida, o ofício de citação que a AT pretende que tivesse sido remetido ao Oponente não cumpria as regras a que a AT estava obrigada – daí a decisão de julgar pela falta de regular citação do Recorrido.
7. O Recorrido, como resulta dos autos, até já apresentou oposição da reversão, na sequência da consulta que fez dos autos de execução pela qual, pela primeira vez, tomou conhecimento do que nestes estava em causa.
8. Esse processo de oposição está pendente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 5, sob o n.º 324/23.9BEPRT, e encontra-se suspenso, por causa prejudicial, a aguardar o trânsito em julgado da sentença aqui proferida (e de que a AT apresentou o presente recurso), para que aí possa ser julgada a questão de fundo, qual seja: da validade da pretendida responsabilização do Recorrido pela quantia exequenda.
9. A douta sentença ora recorrida, mantida que deverá ser, permitirá que seja julgada essa única questão materialmente relevante da pretendida responsabilização do Recorrido pela quantia exequenda, que devia ser a preocupação da AT.
10. Em lugar disso, a AT está apostada em impedir, na secretaria, que aquela oposição seja julgada, certamente porque sabe da bondade dos argumentos ali invocados pelo Oponente.
11. E a AT tem pretendido impedir essa defesa por todos os meios, seja defendendo uma suposta verificação de uma citação que, como doutamente se decidiu, mesmo que tivesse chegado ao destino, seria manifestamente inválida,
12. seja penhorando rendimentos e saldos bancários do Recorrido e, em paralelo, sobrecarregando-o com encargos processuais necessários à defesa, ao mesmo tempo que lhe impede o acesso aos bens líquidos de que dispõe,
13. seja atacando o Recorrido com meios processuais desproporcionados e injustificados, como é o caso do arresto que requereu (e conseguiu por ora que fosse decretado) contra o património imobiliário do oponente, iludindo o Tribunal, porque não se verificam os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito, e de que o Oponente já se viu também na contingência de ter de se defender no processo respectivo,
14. seja agora pelo presente recurso, aliás, com base, uma vez mais, em argumentos meramente formais, ainda por cima errados.
15. Este recurso é, aliás, boa mostra de que, para a AT, não importa se materialmente o Recorrido deve ou não ser responsabilizado pela quantia exequenda, o que importa é imputar-lhe essa responsabilidade de qualquer modo que seja e impedi-lo de discutir judicialmente essa reversão, independentemente de ser ou não devida materialmente.
16. Ora, como é sabido, a AT está obrigada aos princípios legal e constitucionalmente consagrados da justiça, proporcionalidade e adequação, «no respeito pelas garantias dos contribuintes»sic art. 55.º da LGT, vide art 266.º n.º 2 da CRP.
17. E, mais ainda, é hoje indiscutível que, tanto no procedimento, como no processo (sendo as regras do CPC subsidiariamente aplicáveis – art. 2.º do CPPT) e, ainda mais no processo tributário, também a AT deve dar prevalência à substância sobre a forma, e promover, com os restantes intervenientes processuais, em colaboração com os Tribunais, prevenindo que aspectos meramente formais impeçam a discussão de fundo.
18. Pelo contrário, o que se vê nestes autos, em particular neste recurso, é a AT, com base também em argumento meramente formal (e errado, de suposta falta de alegação, que afinal não faltou, como se verá), a pretender ver validado outro argumento meramente formal – uma citação que nunca seria válida e nem sequer ocorreu.
19. E a AT faz essa defesa da formalidade para, com isso, impedir a discussão da questão material que é a única que importa (que está em discussão no processo de oposição, que aguarda o trânsito da douta sentença proferida): pode ou não ser o Recorrido responsabilizado pela quantia exequenda e é ou não válida essa responsabilização que a AT pretende efectivar?
Não bastasse:
20. O argumento formal (e único) apresentado pela FP no presente recurso está errado, simplesmente porque não se verifica.
21. Afirma a AT nas respectivas alegações de recurso que a sentença «[...] padece de erro de julgamento, porquanto o Meritíssimo Juiz conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento.» (sic ponto 3 das alegações e conclusões H. e I.).
22. Para assim concluir, afirma a AT que o Tribunal a quo teria julgado pela irregularidade da citação por violação disposto nas normas do artigo 192.º n.º 2 e n.º 3 do CPPT mas que o Reclamante não teria invocado, na sua reclamação, a violação daquelas normas – vide conclusões D., E. e F..
23. Acontece que não é assim, pois que o Recorrido invocou expressamente aquelas normas, aliás, chamando redobrada atenção para a regra que o Tribunal a quo veio a declarar ter sido violada e de que retirou a consequente anulação do acto reclamado, por irregularidade da pretendida citação – o art. 192.º n.º 2 do CPPT.
Vejamos:
24. Pode ler-se no ponto 49. da reclamação apresentada pelo Recorrido:
«49. prevê, para tais casos o art. 192.º do CPPT:
«1 - As citações pessoais são efetivadas nos termos do Código de Processo Civil, em tudo o que não for especialmente regulado no presente Código.
2 - No caso de a citação pessoal ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção e este vier devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43.º, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.
3 - A citação considera-se efectuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.
[...]» (sublinhado e destaque nossos).» (sic ponto 49 da reclamação).
25. Já no ponto 63. daquela reclamação, depois de efectivamente se referir a que não podia operar a presunção de citação, o Recorrido afirma expressamente que «o acto reclamado viola as citadas normas, desde logo os art.s 39.º nº 5, 190.º n.º 6 e 192.º n.ºs 2 e 3 do CPPT, determinando a respectiva anulabilidade».
26. Ou seja, o Recorrido invoca expressamente, citando e destacando a negrito e sublinhado a disposição do n.º 2 do art. 192 do CPPT, a violação daquela norma,
27. portanto, contra o que pretende a AT, a Recorrido invocou expressamente a violação daquela norma do art. 192.º n.º 2 com base na qual o Tribunal a quo julgou pela invalidade da pretendida citação – com o que o Tribunal a quo nunca poderia ter conhecido de questão que não lhe competisse conhecer.
SEM PRESCINDIR
28. De todo modo, a violação daquela norma do 192.º n.º 2 do CPPT sempre constituiu nulidade processual insanável, pois que prejudica, manifestamente, os direitos de defesa do Recorrido,
29. pelo que sempre seria invocável a todo tempo – nomeadamente no âmbito do presente recurso.
30. E, como confirmou o Tribunal a quo, é manifesto que foi violada a norma do art. 192.º n.º 2 do CPPT, porquanto, na repetição que a AT pretendeu fazer da remessa do ofício de citação, não consta a advertência da cominação prevista no n.º 3 do 192.º do CPC, conforme obriga o n.º 2 daquela norma.
31. E esse vício existe também, independentemente de, efectivamente, essa repetição da remessa da citação não ter chegado ao conhecimento do Recorrido, por causa que não lhe é imputável, porque nada foi depositado no receptáculo postal, como também o Reclamante invocou – do que não foi necessário conhecer, por ser questão que ficou prejudicada pela decisão proferida na sentença recorrida.
32. Como além do mais a preterição daquela formalidade essencial, claramente prejudicial aos direitos de defesa do Recorrido e às respectiva garantias legalmente estabelecidas, constituindo também nulidade insanável, além do mais, é do conhecimento oficioso, ao abrigo do disposto no art. 196.º do CPC ex vi art. 2.º do CPPT – pelo que, também por essa via, tem de improceder o recurso da AT.
Destarte:
33. Tudo visto, deve ser mantida a douta sentença proferida, permitindo-se, finalmente, além do mais, a discussão da matéria substancial que deveria ser a preocupação da AT, ou seja, da possibilidade da responsabilização válida do Recorrido pela dívida exequenda, em discussão no processo de oposição que aguarda o trânsito da douta sentença aqui proferida para que possa prosseguir.
Termos em que deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos exactos termos em que foi proferida, assim se fazendo cumprir
a LEI e a JUSTIÇA”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que se verifica uma irregularidade no cumprimento do estatuído no artigo 192.º, n.º 2 e 3 do CPPT, sendo que essa única irregularidade tem graves consequências para efeitos de considerar o ora reclamante citado, impedindo que se dê por presumida essa citação, por não ser essa a questão controvertida nos autos.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir:
1) Contra a sociedade «X - UNIPESSOAL, LDA.», NIPC: ..., foi, em 08-04¬2020, instaurada e autuada a execução fiscal n.º ..........3402 e apenso [...........3410], para cobrança coerciva da dívida proveniente de verbas do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional indevidamente recebidas no âmbito das operações n.º NORTE-02-...-FEDER-014908-D01-2020 e NORTE-02-...-FEDER-021815-D01-2020, no valor global de € 476.175,51, a correr termos no SF da ... – cfr. resulta de fls. 2 e 4 a 18 do documento n.º 008361298, ordenado no SITAF sob o n.º 32;
2) Em 17-06-2022 foi elaborado despacho de reversão contra o ora reclamante, relativamente à dívida mencionada na alínea antecedente – cfr. resulta de fls. 5 e 6 do documento n.º 008361329, ordenado no SITAF sob o n.º 33;
3) Nesse mesmo dia 17-06-2022 foi emitido o Ofício n.º .............16, dirigido ao ora reclamante para a seguinte morada: “AV...., ... ...” e expedido sob registo postal com aviso de recepção [RF..........00PT], em 29-06-2022, com vista a citar o destinatário, na qualidade de responsável subsidiário, relativamente à dívida aludida em 1), dele constando o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
cfr. resulta de fls. 7, 8 e 51 do documento n.º 008361329, ordenado no SITAF sob o n.º 33;
4) A missiva aludida no ponto anterior veio devolvida ao remetente em 14-07-2022, por não ter sido reclamada, pese embora tenha sido deixado aviso para levantamento – cfr. resulta de fls. 99 a 101 do documento n.º 008361329, ordenado no SITAF sob o n.º 33;
5) Face à devolução ao remetente do ofício de citação mencionado em 3), foi no mesmo ofício aposto, manuscritamente, “2ª Tentativa” e “2022S000133349”, esta última indicação respeitante ao número de ofício e reexpedido, em 22-07-2022, para a mesma morada, sob registo postal com aviso de recepção [RF..........58PT], nos termos que a seguir constam:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
cfr. resulta de fls. 8, 9 e 54 do documento n.º 008361381, ordenado no SITAF sob o n.º 34;
6) O ofício de citação aludido no ponto anterior foi depositado em 25-07-2022 no receptáculo postal domiciliário da morada indicada naquela missiva – cfr. resulta de fls. 55 a 57 do documento n.º 008361381, ordenado no SITAF sob o n.º 34;
7) Em 28-11-2022 foi remetida ao SF da ... sob registo postal, requerimento de arguição de nulidade insanável dos processos de execução fiscal n.º ..........3402 e apenso [...........3410], por falta de citação – cfr. resulta de fls. 63, 64 e 67 do documento n.º 008361381, ordenado no SITAF sob o n.º 34;
8) Em 05-12-2022 foi proferida Informação no sentido da improcedência do requerimento mencionado na alínea antecedente – cfr. resulta de fls. 68 a 73 do documento n.º 008361381, ordenado no SITAF sob o n.º 34, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
9) Sobre a Informação aludida no ponto anterior foi, em 05-12-2022, foi, pela Chefe do SF da ... o seguinte DESPACHO:
«Em concordância com a informação supra e com os fundamentos indicados conclui-se que a citação não padece de qualquer nulidade ou anulabilidade, pelo que indefiro o pedido.
Notifique-se.» – cfr. resulta de fls. 73 do documento n.º 008361381, ordenado no SITAF sob o n.º 34;
10) Em 06-12-2022 foi o ora reclamante notificado, na pessoa do seu advogado, da decisão de indeferimento que recaiu sobre o requerimento aludido em 7) – cfr. resulta de fls. 74 a 76 do documento n.º 008361381, ordenado no SITAF sob o n.º 34;
11) Em 16-12-2022 foi remetido ao SF da ... sob registo postal, a presente reclamação judicial – cfr. resulta de fls. 1 a 29 e 50 do documento n.º 008288342, ordenado no SITAF sob o n.º 1;
MAIS SE PROVOU QUE:
12) O ora reclamante tinha, à data da emissão e envio dos ofícios aludidos em 3) e 5), domicílio fiscal na “AV.ª ... ...” e assim se manteve até 04-12-2022 – cfr. resulta de fls. 46 a 51 do documento n.º 008361298, ordenado no SITAF sob o n.º 32; fls. 2 a 7 e 70 do documento n.º 008361381, ordenado no SITAF sob o n.º 34; bem como na posição assumida pelas partes [conclusão xiii. da petição inicial e artigo 12.º da contestação];
13) O ora reclamante residia, pelo menos desde 21-10-2021, na seguinte morada: “RUA ... – ... ...” – facto não controvertido.
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Com interesse para a presente decisão nada mais resulta provado.
***
O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos que se encontravam juntos aos presentes autos, bem como na posição assumida pelas partes.”
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2. O Direito

A Recorrente apresenta um argumento único no seu recurso, afirmando nas respectivas alegações do mesmo que a sentença «[...] padece de erro de julgamento, porquanto o Meritíssimo Juiz conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento.» (cfr. ponto 3 das alegações e conclusões H. e I.). Sustentando que o Tribunal a quo teria julgado a verificação da irregularidade da citação por violação do disposto nas normas do artigo 192.º n.º 2 e n.º 3 do CPPT, mas que o Recorrido não teria invocado, na sua reclamação, a violação daquelas normas – vide conclusões D., E. e F..
A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
Esse processo de reclamação, previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT, visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou.
Tal controlo judicial tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.
Os poderes de cognição do tribunal não podem ir além dos fundamentos (factuais e jurídicos) de que o acto reclamado explicitamente partiu e das questões que nele foram apreciadas e decididas, cabendo-lhe unicamente uma função fiscalizadora da legalidade dos actos praticados pelo órgão administrativo incumbido de tramitar a execução, pelo que, no caso, o tribunal de 1.ª instância só podia aferir da legalidade do acto reclamado à luz da sua motivação factual e jurídica e à luz dos vícios invalidantes que o reclamante lhe imputa – cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 15/03/2017, proferido no âmbito do processo n.º 0135/17.
Por isso, não podemos perder de vista o teor do acto reclamado, tal como foi praticado, dado que a presente acção visa a sua eliminação da ordem jurídica. É este o objecto da reclamação, devendo compulsar-se a decisão da matéria de facto para detectar o acto que se mostra impugnado.
Os pontos 7 a 9 do probatório são elucidativos acerca do que deverá o tribunal sindicar:
Em 28-11-2022, foi remetida ao SF da ... sob registo postal, requerimento de arguição de nulidade insanável dos processos de execução fiscal n.º ..........3402 e apenso [...........3410], por falta de citação;
Em 05-12-2022, foi proferida informação no sentido da improcedência do requerimento mencionado na alínea antecedente;
Sobre esta informação foi, em 05-12-2022, pela Chefe do SF da ... proferido o seguinte DESPACHO: «Em concordância com a informação supra e com os fundamentos indicados conclui-se que a citação não padece de qualquer nulidade ou anulabilidade, pelo que indefiro o pedido. (…)»
De facto, a decisão impugnada remete para a informação (“em concordância com a informação”), sendo que aí se afirma que a citação do revertido se concretizou em 02/08/2022, nos termos do artigo 192.º, n.º 2 e n.º 3 do CPPT, ou seja, no oitavo dia posterior à data do depósito da citação no receptáculo postal do domicílio fiscal do revertido. Quanto aos números 2 e 3 do artigo 192.º do CPPT, a mesma informação fundamentadora do acto em crise alude ainda aos pontos I a III do sumário do Acórdão do TCA Sul, proferido no Processo n.º 415/22.3BELRA, de 27/10/2022.
Nesta conformidade, como descortinou acertadamente o tribunal recorrido, a questão a decidir é se o ora Recorrido foi (ou não) regularmente citado para a execução fiscal n.º ...........1340 e apenso [.............1410].
Desde já se adianta que o tribunal recorrido se moveu sempre dentro da questão a conhecer, tendo em vista sindicar o acto reclamado de indeferimento, como se observa da transcrição seguinte:
“(…) Antes de mais, importa referir que, de acordo com o artigo 35.º, n.º 2 do CPPT, «A citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada.».
O regime da citação, no âmbito de um processo de execução fiscal, encontra-se previsto nos artigos 189.º e seguintes do CPPT.
Para o que nos interessa, importa salientar que o artigo 191.º, n.º 3, alínea b) do CPPT refere que na efectivação da responsabilidade solidária e subsidiária, a citação é pessoal, sendo que tal normativo é aqui aplicável uma vez que o ora reclamante foi chamado à execução na qualidade de responsável subsidiário pela dívida exequenda.
Por sua vez, dispõe o artigo 192.º do CPPT que:
«1 – As citações pessoais são efetivadas nos termos do Código de Processo Civil, em tudo o que não foi especialmente regulado no presente Código.
2 – No caso de a citação pessoal ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção e este vier devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43.º, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.
3 – A citação considera-se efectuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.».
Tendo por base este pano de fundo, vejamos, então, o que resulta do probatório coligido para os presentes autos.
Em primeiro lugar, sobressai que, na sequência do despacho de reversão a que se alude em 2) da matéria assente, foi, em 17-06-2022 emitido ofício de citação dirigido ao ora reclamante para a seguinte morada: “AV...., ... ...” e expedido sob registo postal com aviso de recepção em 29-06-2022, com vista a citar o destinatário, na qualidade de responsável subsidiário, relativamente à dívida exequenda [vide ponto 3) da factualidade apurada].
Com este ofício de citação, expedido sob registo postal com aviso de recepção, pretendeu-se dar cumprimento ao estipulado nos artigos 191.º, n.º 3, alínea b) e 192.º, n.º 1 e 2, todos do CPPT e nos artigos 225.º, n.º 2, alínea b) e 227.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Tenha-se em consideração que, por regra, a citação pessoal concretiza-se através de envio de carta registada com aviso de recepção.
Sucede que, no caso versado, a citação foi frustrada, pois, como dimana do facto 4) do probatório, tal ofício de citação veio a ser devolvido ao remetente em 14-07-2022, por não ter sido reclamado, pese embora tenha sido deixado aviso para levantamento.
Perante o sucedido e comprovando-se que a morada para a qual foi remetido o ofício de citação corresponde ao domicílio fiscal do citando, impunha-se ao órgão da execução fiscal repetir a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, com a advertência de que a citação considerar-se-á efectuada na data que vier a ser certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede, conforme sobressai do estatuído no artigo 192.º, n.º 2 e 3 do CPPT.
Acontece que o órgão da execução fiscal não deu cabal cumprimento ao determinado no artigo 192.º, n.º 2 e 3 do CPPT.
Com efeito, o órgão da execução fiscal não fez constar no novo ofício a cominação em que o citando incorria, concretamente, que se presumiria a sua citação na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data.
Na verdade, constata-se que nem sequer existiu um novo ofício de citação, mas a mera reexpedição daquele que havia sido devolvido inicialmente. Atente-se que, como resulta da análise dos documentos levados ao probatório sob os factos 3) e 5) que a data da sua emissão é a mesma, apenas tendo sido aposto no último, manuscritamente, as menções “2ª Tentativa” e “2022S000133349”, sendo esta menção respeitante ao número de ofício.
Isto é, o órgão da execução fiscal limitou-se a agarrar no ofício de citação devolvido, a acrescentar-lhe, manuscritamente, a menção “2ª Tentativa”, a dar-lhe um novo número de ofício, aposto, igualmente, manuscritamente e a reexpedir o ofício emitido em 17-06-2022.
Tal actuação não corresponde, na íntegra, àquela que deveria ter sido levada a cabo, à luz do artigo 192.º, n.º 2 e 3 do CPPT, mas seria aceitável e não censurável se não fosse uma pequena mas relevante particularidade do regime da repetição da citação: o de na segunda citação dever constar a cominação de que a citação considerar-se-á efectuada na data que vier a ser certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.
Sem essa cominação expressa no teor desse 2.º ofício de citação não se pode concluir que tenha sido dado integral cumprimento ao estatuído no artigo 192.º, n.º 2 e 3 do CPPT, pelo que não poderá operar a presunção de citação aí prevista.
Assim, independentemente da censurabilidade do comportamento do ora reclamante, que o Tribunal não olvida [concretamente, pelo facto de este ter o dever de proceder à alteração do seu domicílio fiscal, não servindo de justificação o facto da doença comprovada do reclamante, a gravidez da esposa ou todas as demais circunstâncias alegadas, tanto mais que, segundo o próprio alega e não é controvertido, desde Outubro de 2021 residia noutra morada e que essa outra morada apenas passou a constar como sendo o seu domicílio fiscal em Dezembro de 2022, ou seja, decorrido que estava mais de um ano, sendo que se tratava de uma alteração que podia ser feita sem dificuldades no conforto do seu domicílio, através da internet], a verdade é que, in casu, tal questão apenas teria relevância para o desfecho desta lide num segundo momento, pois em primeiro plano cumpriria aferir se a Administração Tributária tinha dado integral cumprimento às regras da citação, para que, ainda que presumida, esta se pudesse concluir como validamente efectuada e a resposta, como já dissemos, é negativa.
Como antes referido, ocorre, pois, uma irregularidade no cumprimento do estatuído no artigo 192.º, n.º 2 e 3 do CPPT, sendo que essa única irregularidade tem graves consequências para efeitos de considerar o ora reclamante citado, impedindo que se dê por presumida essa citação.
O mesmo é dizer que não se pode, efectivamente, concluir pela regular citação do ora reclamante, o que implica a anulação do despacho reclamado que concluiu, expressamente, que «(...) a citação não padece de qualquer nulidade ou anulabilidade (...)», o que se determinará a final.
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V. DECISÃO
Tudo visto e ponderado, decide o Tribunal julgar procedente a presente reclamação judicial e, consequentemente, anular o despacho reclamado, por falta de regular citação do ora reclamante para a execução fiscal n.º ...........1340 e apenso [.............1410], com todas as consequências legais daí advenientes [repetição do acto de citação]. (…)”
Como se mostra cabalmente explicitado na sentença recorrida, ilidir a referida presunção apenas teria relevância para o desfecho desta lide num segundo momento, pois em primeiro plano cumpriria aferir se a Administração Tributária tinha dado integral cumprimento às regras da citação, para que, ainda que presumida, esta se pudesse concluir como validamente efectuada. Tendo o tribunal recorrido concluído por uma resposta negativa, é destituído de sentido tentar afastar a presunção se a mesma, desde logo, não tem condições legais, por falhas nos seus pressupostos, para existir.
Portanto, é notório que a verificação da presunção de citação se coloca a montante da sua ilisão (a que se propôs o Recorrido).
Apesar de o reclamante, aqui Recorrido, ter indicado na sua petição de reclamação as normas pertinentes que entendeu violadas, referindo-se, além do mais, ao artigo 192.º do CPPT, a verdade é que, como é sabido, o tribunal não se mostra sujeito à alegação das partes na indagação, interpretação e aplicação do direito – cfr. artigo 5.º, n.º 3 do CPC.
Por outro lado, todos os factos emergentes do processo de execução fiscal, ínsito nos autos, são de conhecimento oficioso – cfr. artigo 412.º, n.º 2 do CPC, cuja selecção, obviamente, se mostra balizada pela questão subjacente ao acto reclamado, in casu, a validade da citação para a execução fiscal em apreço.
Salientamos, porém, a importância fulcral da fundamentação do acto reclamado, dado que é com base nessa motivação que o tribunal apreciará a legalidade desse acto. O contencioso de estrita legalidade subjacente ao presente meio processual determinará a eventual mera anulação do acto impugnado, daí a relevância de atender aos termos da prolação do mesmo, tale quale foi praticado.
Como vimos, no acto reclamado afirmou-se que a citação do revertido se concretizou em 02/08/2022, nos termos do artigo 192.º, n.º 2 e n.º 3 do CPPT. Sendo, por isso, legítimo que o tribunal recorrido tenha sindicado esse acto, detectando, precisamente, irregularidade no cumprimento do disposto no artigo 192.º, n.º 2 e n.º 3 do CPPT; o que integra, a nosso ver, a questão controvertida nos presentes autos.
Efectivamente, o acto reclamado asseverou que a citação não padecia de qualquer nulidade ou anulabilidade, tendo o tribunal recorrido constatado, o que não se mostra questionado no presente recurso, a falta de regular citação, com a consequente anulação do acto sindicado. Inexistindo, assim, qualquer erro se a sentença se limitou a anular o acto com fundamento em vícios próprios do mesmo.
Pelo exposto, não se vislumbrando qualquer erro de julgamento, urge negar provimento ao recurso, mantendo a decisão a quo na ordem jurídica.

Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que nas causas de valor superior a €275.000,00, como é o caso (€476.175,51), o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
No caso, a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se, atendendo a que conduta processual das partes na presente instância de recurso não é merecedora de qualquer censura ou reparo, considerando também a simplicidade do recurso, sendo que o concreto valor das custas a suportar, calculado sobre a base tributável de €476.175,51, revelar-se-ia, de outro modo, desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.
Em face do exposto, deverá o remanescente da taxa de justiça ser desconsiderado nas custas do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

Conclusões/Sumário

I - A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.

II - Esse processo de reclamação previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou.

III - Tal controlo judicial tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.

IV – In casu, o tribunal recorrido efectivamente aferiu da legalidade do acto reclamado à luz da sua motivação factual e jurídica, balizado pelos vícios invalidantes que o reclamante lhe imputa.



IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais; devendo, contudo, na elaboração da conta a final ser desconsiderado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

Porto, 27 de Setembro de 2023

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Cláudia Almeida