Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00362/10.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
DESCONSIDERAÇÃO DE CUSTO
Sumário:I) É sabido que a AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que suportam a liquidação, o que significa que a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar o custo descrito nos autos em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - art. 75° da LGT-, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.
II) Nos termos do artigo 20º, n.º 1 al. a) do CIVA “pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”.
III) Na situação em causa, resulta manifesto que a AT não tem matéria capaz de suportar a correcção efectuada, dado que, o exposto no parágrafo anterior é insuficiente para o efeito com referência à informação prestada por determinada empresa, dado que, tal informação não é completamente afirmativa quanto à utilização do estudo ou não no âmbito do contrato que acabou por ser celebrado entre a referida empresa e a Recorrente.
IV) Por outro lado, a inversão do caminho trilhado pela AT implica a assunção da existência do serviço e, portanto, do estudo em causa, o que significa que a situação não pode bastar-se com a mencionada informação, impondo-se uma total apreensão da realidade em causa, o que significa, no mínimo, o conhecimento do estudo em causa, verificando-se que a AT nem sequer conhece o elemento em causa, o que compromete ab initio a sua posição, dado que, não tem sentido recusar a pertinência do estudo para a actividade da Recorrente sem o conhecer, quando até se começou por dizer que o estudo estava no âmbito da actividade da entidade que o realizou, de modo que, crê-se que o trabalho da AT não se mostra suficientemente capaz para suportar o fundamento da correcção, estando evidentemente por demonstrar que a prestação de serviços em causa não contribuiu para a realização de operações tributáveis.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Garagem..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“Garagem…, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 28-04-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com o ato de liquidação referente a IVA 07/03 e juros compensatórios, no montante global de 10 487,69 €.
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 226-232, as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1. - Devem os autos baixar à 1ª Instância para ser ouvida a prova testemunhal, que era apta aos fins cm causa, cf. Art.° 392° do C.Civil e Art.° 115° e 118°, do CPPT.
2. - No caso em apreço, está demonstrada a existência de uma relação causal e justificada do custo titulado pela fatura emitida pela B… com a realização dos proveitos, nomeadamente com a celebração do contrato de exclusividade com a B… Portugal, cf. Art.° 20°, n.° 1, al. a), do CIVA.
3. Assim sendo as liquidações recorridas violam o Art.° 20°, n.° 1, al. a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), pelo que devem ser anuladas.
Nestes termos,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação das liquidações recorridas, para que assim se faça JUSTIÇA.”

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar da relevância para os autos da não produção da prova testemunhal arrolada pela Impugnante e bem assim apreciar a bondade da conduta da AT com referência à matéria (desconsideração de custo) que suporta a liquidação impugnada.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
III I Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos julgam-se provados os seguintes factos:
A) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, levada a efeito pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Viseu, com base na ordem de serviço n.º OI200900771, de 06/08/2009, de âmbito parcial, com incidência sobre os exercícios económicos de 2007 e 2008, cfr. fls. 14 e15 do processo administrativo (PA), aqui dadas por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) No âmbito da referida ação inspetiva, em 23/11/2009, foi lavrado o auto das declarações prestadas por J…, na qualidade de Técnico Oficial de Contas da sociedade impugnante, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“[…]
“- O estudo de viabilidade económica foi elaborado pela B…, S.A.”, NIPC: 5…, a pedido da empresa “Garagem…, Lda.”, NIPC: 5…, para ser apresentado por este sujeito passivo junto da entidade “B.. Portugal – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A.”, NIPC: 5….
- A empresa “Garagem…, Lda.”, NIPC: 5…, pretendia com o estudo de viabilidade económica justificar perante a “B.. Portugal – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, SA”, NIPC 5…, o requerimento de determinadas vantagens económicas, nomeadamente o pagamento de um prémio de exclusividade
…”, vide fls. 27 do PA;
C) No decurso da ação inspetiva, a B…– Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A. informou os serviços de inspeção tributária do seguinte:
“[…]
Mais se informa que, tanto quanto é do nosso conhecimento, não foi apresentado e/ou disponibilizado qualquer estudo de viabilidade económica por aquela entidade, razão pela qual não poderemos disponibilizar uma cópia do mesmo. […]”, cfr. fls.28 do PA;

D) No dia 10/02/2010, foi elaborado o relatório de inspeção tributária do qual se destaca o seguinte:
- imagens omissas -
- vide fls. 11 a 17 do referido relatório;
E) As correções propostas no relatório de inspeção tributária foram superiormente ratificadas, cfr. fls. 12 do PA;
F) A impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária pelo ofício n.º 5001623, de 15/02/2010, vide fls. 9 e 10 do PA;
G) Na sequência da ação inspetiva foi emitida a liquidação n.º 10020347/346, referente a IVA 07/03T e juros compensatórios, no montante global de 10 487,69 €, cfr. docs. 1 e 2 que instruíram a PI e fls. 37 do PA;
H) A impugnante, na qualidade de segunda outorgante, celebrou, em 01/07/2005, com a sociedade B…, S.A., que interveio como primeira outorgante, um acordo escrito intitulado “contrato de arrendamento”, do qual consta, para além do mais, o seguinte:
“[…]
Entre si estabelecem o presente contrato de arrendamento de dois espaços, ambos paredes nuas, o primeiro correspondente ao armazém de óleos e o segundo às bombas de gasolina, no edifício em Campo…, de que os primeiros outorgantes são legítimos donos e possuidores, e que se regulará pelos precisos termos das condições constantes das cláusulas seguintes:
1.ª
O prazo de duração do arrendamento é de um ano, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo.
[…]”, vide fls. 75 dos autos;

I) Em 19/01/2007, a impugnante celebrou com a B… Portugal – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A. um acordo escrito, intitulado “contrato de compra exclusiva”, do qual se extrai o seguinte:
“[…]
13.ª
1. As partes revogam pelo presente contrato o anteriormente existente entre as partes e assinado em 11 de Novembro de 1997.
2. O presente contrato tem o seu início em 1 de Janeiro de 2007 e vigorará por um período de cinco anos a contar dessa data, renovando-se automaticamente por períodos de um ano se qualquer das partes não o denunciar, por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 60 dias da data do terno do presente contrato ou de qualquer uma das suas renovações. […]”, cfr. fls. 31/57 dos autos.
III II Factos não provados
Para além dos supra descritos, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso aos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
«»
3.2. DE DIREITO
Nas suas alegações, a Recorrente refere que, no caso em apreço, está demonstrada a existência de uma relação causal e justificada do custo titulado pela factura emitida pela B… com a realização dos proveitos, nomeadamente com a celebração do contrato de exclusividade com a B… Portugal, cf. Art.° 20°, n.° 1, al. a), do CIVA, o que significa que as liquidações recorridas violam o Art.º 20º, n.º 1, al. a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), pelo que devem ser anuladas.

Para desatender a pretensão da ora Recorrente, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Face à factualidade apurada no âmbito do procedimento inspetivo, considera-se legitima a não-aceitação como custo fiscalmente dedutível do exercício da mencionada despesa relativa ao estudo de viabilidade económica e financeira alegadamente apresentado à B… Portugal – Comércio de Combustíveis, S.A. para viabilizar a celebração com esta sociedade do contrato de Compra Exclusiva em 01/01/2007, o qual revogou o contrato já existente entre as duas entidades desde 1997.
De facto, questionamo-nos como pode o alegado estudo de viabilidade económica e financeira ter influído na formalização do contrato de exclusividade com a B…Portugal se a própria desconhecia a sua existência [quanto mais o seu conteúdo].
Note-se que em auto de declarações emitido no âmbito do procedimento inspetivo o TOC da sociedade impugnante [e também TOC da B…, S.A.], referiu que “o estudo de viabilidade económica foi elaborado pela B…, S.A.”, NIPC: 5…, a pedido da empresa “Garagem…, Lda.”, NIPC: 5…, para ser apresentado por este sujeito passivo junto da entidade “B… Portugal – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A.”, NIPC: 5…”. No entanto, a B… Portugal – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A. veio informar os serviços de inspeção tributária que “não foi apresentado e/ou disponibilizado qualquer estudo de viabilidade económica por aquela entidade, razão pela qual não poderemos disponibilizar uma cópia do mesmo”.
Deste modo, não resultando demonstrada a existência de uma relação causal e justificada do custo titulado pela fatura emitida pela sociedade B…, S.A. com a realização dos proveitos, nomeadamente com a celebração do contrato de exclusividade com a B… Portugal – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A, impõe-se concluir pela improcedência, nesta parte, da presente impugnação. …”.

Antes de mais, é sabido que a AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que suportam a liquidação, o que significa que a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar o custo descrito nos autos em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - art. 75° da LGT-, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.

Ora, consta do RIT que:
“…
“- Existem relações especiais entre as empresas anteriormente referidas, a empresa “B… Empresas, S.A., detém 95% do capital da empresa “Garagem…, Lda.”;
- A empresa “B… emitiu uma factura de € 45.000,00, respeitante a prestação de serviços, para a empresa “Garagem…”;
- Desconhece-se o critério utilizado para valorizar a prestação de serviços efectuada pela B… à Garagem…;
- A empresa B…, S.A.”, não tem funcionários, nem recorreu a serviços de terceiros, que lhe permitissem prestar os serviços documentados pela fatura anteriormente identificada;
- Consta do descritivo da factura e é afirmado pelo gerente e pelo técnico oficial de contas do sujeito passivo, objecto da inspecção, que os serviços prestados pela empresa “B…”, estão directamente relacionados com o contrato assinado com a B…Portugal, mas a empresa B…Portugal, desconhece o estudo de viabilidade que estará na origem da factura emitida pela B…
- O contrato celebrado em 2007, com a B…Portugal, foi um prolongamento, uma renovação de um contrato já existente. As relações comerciais com a B…Portugal datam de 1997. A Garagem… não é uma entidade desconhecida para a B…Portugal, que precisasse de dará provas da capacidade financeira e económica, mas um parceiro de longa data;
- O sujeito passivo objecto de análise não conseguiu fazer prova dos pagamentos efectuados à empresa B…;
- A B… não reconheceu a totalidade do proveito no exercício em que emitiu a factura que titula a prestação de serviços;” [cfr. ponto 3.2.5 do relatório de inspeção tributária]. …”.

Com este pano de fundo, e relevando os elementos que a sentença recorrida destacou, a primeira ideia que emerge da descrição que antecede é no sentido de que a operação em causa - prestação de serviços pela B… - não existiu, parecendo tratar-se de uma operação simulada.
No entanto, não é este caminho que a AT trilhou, apontando antes para a inexistência de uma relação causal e justificada do custo titulado pela factura emitida pela sociedade B…, S.A. com a realização dos proveitos, nomeadamente com a celebração do contrato de exclusividade com a B… Portugal – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A..
Ora, nos termos do artigo 20º, n.º 1 al. a) do CIVA “pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”.
Nesta sequência, importa voltar a nossa atenção para os termos em que a AT suporta a sua posição e que se reconduz ao facto de não ter sido demonstrado que a prestação de serviços em causa contribuiu para a realização de operações tributáveis.
E qual é o fundamento utilizado pela AT?
A informação da B…Portugal de que, “tanto quanto é do nosso conhecimento, não foi apresentado e/ou disponibilizado qualquer estudo de viabilidade económica por aquela entidade …”.
Pois bem, na situação em causa, resulta manifesto que a AT não tem matéria capaz de suportar a correcção efectuada, dado que, o exposto no parágrafo anterior é insuficiente para o efeito.
Na verdade, é preciso notar que a informação da B…Portugal não é completamente afirmativa quanto à utilização do estudo ou não no âmbito do contrato que acabou por ser celebrado entre a B…Portugal e a Recorrente.
Por outro lado, a inversão do caminho trilhado pela AT implica a assunção da existência do serviço e, portanto, do estudo em causa, o que significa que a situação não pode bastar-se com a mencionada informação, impondo-se uma total apreensão da realidade em causa, o que significa, no mínimo, o conhecimento do estudo em causa.
Pois bem, a AT nem sequer conhece o elemento em causa, o que compromete ab initio a sua posição, dado que, não tem sentido recusar a pertinência do estudo para a actividade da Recorrente sem o conhecer, quando até se começou por dizer que o estudo estava no âmbito da actividade da “B…”, de modo que, crê-se que o trabalho da AT não se mostra suficientemente capaz para suportar o fundamento da correcção, estando evidentemente por demonstrar que a prestação de serviços em causa não contribuiu para a realização de operações tributáveis, o que significa a decisão recorrida também não pode manter-se quando acompanhou a AT ao afirmar que não ficou demonstrada a existência de uma relação causal e justificada do custo titulado pela factura emitida pela sociedade B… Empresas, S.A. com a realização dos proveitos, nomeadamente com a celebração do contrato de exclusividade com a B… Portugal - Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A..
Fica prejudicado o conhecimento do mais suscitado no âmbito do presente recurso.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a presente impugnação judicial, determinando-se a anulação da liquidação impugnada.
Custas pela Recorrida.
Notifique-se. D.N..
Porto, 11 de Janeiro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos