Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02149/21.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; SOCIEDADE INSOLVENTE;
N.º 3 DO ART. 65.º DO CIRE; ART. 8.º DO CIRC;
CESSAÇÃO DE ATIVIDADE; CONDIÇÕES DE SUJEIÇÃO A IMPOSTO;
Sumário:
Não obstante no caso concreto não ser de aplicar o disposto no n.º 3 do art. 65.º do CIRE, na redação conferida pelo art. 2.º da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, por tal disposição não estar então em vigor, em face da evidência de que a massa insolvente não estava em condições de praticar qualquer atividade tributável, não se verificando, por isso, as condições de sujeição a imposto, deveria a Ré ter deferido o pedido de cessação de atividade, ainda em cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 5, do art. 8.º do CIRC.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

Massa Insolvente de [SCom01...], Lda. inconformada com a decisão proferida em 2022-07-18 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a ação administrativa que interpôs tendo por objeto a decisão que indeferiu o recurso hierárquico que interpôs contra o ato por força do qual foi indeferido o pedido de cessação de atividade da insolvente em sede de IRC com efeitos a 2009-09-08 e na qual peticionou a anulação deste ato e a condenação da Ré a declarar a cessação de atividade em sede de IRC da sociedade [SCom01...], Lda. reportada a 2009-09-08, vem interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
I – O artigo 65º, n.º 3 do CIRE, na redação introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, dispõe que com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação de atividade.
II – O regime anterior nada dispunha quanto aos efeitos do encerramento da atividade determinado em processo de insolvência relativamente à manutenção ou extinção das obrigações declarativas e fiscais.
III – As operações de liquidação levadas a cabo em processo de insolvência não se confundem com o instituto jurídico da liquidação consagrado no Código das Sociedades Comerciais, não estando sujeitas às mesmas regras.
IV – Até à entrada em vigor da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, o disposto no artigo 8º, n.º 5 do Código do IRC não era aplicável às sociedades declaradas insolventes que se encontravam, no âmbito do respetivo processo, na fase da liquidação.
V – A redação do artigo 65º, n.º 3 do CIRE trazida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, veio colmatar a referida lacuna, notando-se uma clara intenção do legislador de conferir à deliberação de encerramento prevista no artigo no artigo 156º, n.º 2 do CIRE o efeito automático de cessação de atividade para efeitos de IRC.
VI – É perfeitamente possível sustentar, dada a ausência de norma expressa, que, nas insolvências declaradas antes da entrada em vigor da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, a cessação da atividade para efeitos de IRC ocorra com a decisão de encerramento do estabelecimento proferida no processo de insolvência.
VII – Essa é a interpretação que se mostra mais consentânea com a realidade, permitindo que a atividade para efeitos tributários tenha um mínimo de correspondência com a atividade empresarial propriamente dita.
VIII – A cessação de atividade em sede de IRC da sociedade [SCom01...], Lda. deve ser reportada à data de 08/09/2009, devendo assim ser revogada a douta sentença do Tribunal a quo.
Termina pedindo:
DEVE assim revogar-se a douta sentença recorrida, como é de JUSTIÇA
***
A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:
CONCLUSÕES
A) O Recorrente, intentou a presente acção administrativa contra a Autoridade Tributária, pretendendo a anulação da decisão que lhe indeferiu o recurso hierárquico que visou o acto que fixa a sua cessação de atividade e que a AT, seja condenada a declarar reportada à data de 08-09-2009, a sua cessação de atividade em sede de IRC;
Corridos os termos deste processo
B) a Sentença de 18/07/2022, do TAF de Braga, acolhendo-se no Ac. do STA., proferido em 24-02-2011, no recurso, n.º ...45/09, e considerando que “(…) facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta, sequer, a que se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal atividade, com surgimento de matéria tributável para efeitos de IRC., tendo ainda em conta
C) que, não é o facto de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.,
D) veio julgar muito acertadamente a ação administrativa improcedente;
E) Inconformado, o R., apresentou este Recurso e alegou essencialmente aquilo que tinha já vindo a afirmar reiteradamente no processo, a saber, que a cessação de atividade em sede de IRC da sociedade [SCom01...], Lda., deve ser reportada à data de 08/09/2009;
F) Todavia, não apontou qualquer erro, vício, ou causa de nulidade da Sentença, art.º 615.º do CPC.;
G) o encerramento da atividade e a cessação de atividade não são uma e a mesma coisa;
H) Nem a declaração de insolvência implica a cessação da atividade;
por outro lado,
I) Não é comportável a teoria elaborada no Recurso e assente na redação que foi introduzida ao art.º 65.º/3, do CIRE, pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, pois que nada dela resulta quanto à sua aplicação retroactiva;
J) é que a deliberação data de 08-09-2009, com o que decai pela base a teoria ensaiada neste Recurso por flagrante oposição com o princípio “tempus regit actum”, que manda aferir a legalidade do ato administrativo pela situação de facto e de Direito existente à data da sua prolação (Acórdãos STA de 6.2.02, no recurso 37633, Pleno, e de 7.2.02, no recurso 48295);
K) a lei só dispõe para o futuro e ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina regular, tal é o regime do n.º 1, do art.º 12.º do Código Civil;
L) a declaração de falência, não equivale à cessação da atividade da falida, designadamente, no que ao aspeto dos atos de liquidação e de encerramento diz respeito;
M) os substratos pendentes implicam que alguma atividade seja desenvolvida pela empresa ou em seu nome;
N) e a declaração de falência também não obsta a que devam ser cumpridas as obrigações fiscais subsistentes, o que por si só também reflete a permanência de um certo grau de atividade;
O) realmente a sociedade existe, só que não com o seu exercício normal de atividade, permanecendo, contudo, alguma atividade, designadamente, aquela que é conexa com a alienação do património, geradora de responsabilidades fiscais de que são exemplo aquelas operações que sejam sujeitas a IVA., e a mais-valias;
P) nos termos do n.º 6 do artigo 8.º do Código do IRC que a AT pode fazer cessar oficiosamente a atividade dos sujeitos passivos quando constate que aquela não está a ser efetivamente exercida, não se justificando a sua manutenção.;
Q) Perante facto com relevância tributária, mantêm-se as obrigações declarativas e de pagamento art.º 8.º/7, do CIRC.;
R) E mesmo face à redação do vigente art.º 65.º, do CIRE., importa ter presente que o facto de o legislador estipular que as obrigações declarativas e fiscais se extinguem com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento não significa, de “per se”, que o devedor insolvente não deva cumprir com tais obrigações, sempre que ocorram factos tributários;
S) nos processos de insolvência em que seja aplicável a nova redação do n.º 3 do artigo 65º do CIRE, não está afastado o cumprimento de obrigações tributárias, designadamente, de obrigações legais de pagamento de impostos, quando se verifiquem factos abrangidos por normas de incidência de quaisquer tributos, como sucede, a título exemplificativo, com o IMI.;
T) solução que desde logo se impõe face ao princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, plasmado no n.º 2 do artigo 30º da Lei Geral Tributária (LGT), norma introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e que o legislador expressamente consignou como aplicável aos processos de insolvência que ainda se encontrassem pendentes e que não tivessem sido objeto de homologação;
U) na falência, tal como agora no regime da insolvência, a sua declaração não acarreta a extinção da pessoa jurídica;
V) Segundo a posição acolhida na Jurisprudência citada, uma sociedade declarada falida entra em liquidação, mas mantém a sua personalidade jurídica até que ocorra a partilha do produto dos bens apreendidos para a massa falida, mantendo-se vinculada a determinadas obrigações fiscais e ao cumprimento atempado de obrigações declarativas;
W) resulta do n.º 7 do artigo 8.º, do CIRC., que a cessação oficiosa não desobriga o sujeito passivo do cumprimento das obrigações tributárias;
X) reitera-se que tal cessação de atividade não é equiparada à extinção do sujeito passivo do imposto (a que se refere o legislador tributário na alínea a) do n.º 5 do mesmo artigo 8.º CIRC.), pelo que, ocorrendo qualquer facto com relevância jurídica tributária, manter-se-ão as obrigações declarativas e de pagamento do imposto que se mostre devido.
Y) Ficando assim patente a falta de fundamento do presente recurso, o que será tido em conta para os devidos efeitos, designadamente a manutenção da Sentença Recorrida vigente na ordem jurídica., por não padecer de qualquer erro vício ou nulidade que a inquine, que, aliás, não lhe é imputado, nem podia ser.

Termina pedindo:
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente Recurso ser julgado totalmente improcedente, por carecer de qualquer fundamento, mantendo-se a Sentença recorrida que absolve a Ré de todos os pedidos por infundados, e tudo com custas a cargo do Recorrente., por indevidamente ter dado causa à ação, com o que se fará a Sã Serena e Costumada Justiça.
***
A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal foi oportunamente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1 do CPTA, nada tendo vindo requerer ou promover.
***
Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência das Ex.mas Juízas Desembargadoras-Adjuntas.
***
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 1.º do CPTA.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a decisão sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do disposto no art. 8.º, n.º 5 do CIRC.
.
II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
No saneador-sentença prolatado pela primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A) FACTOS PROVADOS:
Considera-se provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos:
1. A sociedade de [SCom01...], Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 14/05/2009, no âmbito do processo n.º ..70/09.8TBBCL do extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... – Cf. Doc. 1 junto com a PI.
2. No processo de insolvência referido em 01) foi nomeada administradora da insolvência «AA» – Cf. cit. Doc. 1.
3. Em 2009, no âmbito do processo de insolvência a Administradora elaborou um relatório onde fez constar que a sociedade insolvente se encontrava inactiva e encerrada, desde há pelo menos um ano – Cf. Doc. 2 da PI
4. Em 08.09.2009, na assembleia de credores realizada no processo de insolvência referido em 01) foi determinado o encerramento da actividade da insolvente e a passagem imediata à liquidação - Cf. Doc. 3 da PI
5. A liquidação do activo da insolvente foi encerrada em 11/01/2016 – Cf. Doc. 4 junto com a PI.
6. O processo de insolvência encerrou após realização do rateio final em 19/05/2017 – Cf. doc. 5 da PI.
7. O registo da decisão judicial de encerramento do processo de Insolvência e o cancelamento da matrícula foi feito em 2017-05-22 junto da Conservatória do Registo Comercial – Facto não controvertido; Cf. Doc. 10 da PI.
8. A AT declarou a cessação de actividade da [SCom01...], Lda. em sede de IRC com reporte à data de 31/12/2020 – Cf. doc. 6 da PI.
9. Em 12.05.2021 a impugnante apresentou recurso hierárquico dirigido ao Sr. Ministro das Finanças contra a decisão referida no ponto anterior por entender que a data a que se devia reportar a cessação de actividade era 08/09/2009, dia em que foi aprovado em assembleia de credores o encerramento da empresa - Cf. doc. 7 da PI cujo teor se tem por reproduzido.
10. Em junho de 2021 foi elaborado um projecto de decisão sobre o recurso hierárquico segundo o qual a cessação de actividade em sede de IRC deveria ser reportada a 22/05/2017 – data do registo da decisão judicial de encerramento do processo de insolvência e do cancelamento da matrícula –– Cf. Doc. 8 da PI.
11. A impugnante pronunciou-se sobre o projecto de decisão referido no ponto anterior nos termos constantes do Doc. 9 junto com a PI onde reiterou o alegado no recurso hierárquico, pedindo que a cessação de actividade da insolvente em sede de IRC se reportasse a 08/09/2009 – Cf. Cit. doc. 9 da PI.
12. Em 09.08.2021 foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico – Cf. Doc. 10 da PI.
13. A decisão de indeferimento referida em 12) teve por base a Informação da DS Registo contribuinte de 21.07.2021 onde consta, entre o mais, o seguinte:
(…)
A 12-05-2021 a aqui signatária apresentou Recurso Hierárquico da decisão proferida por V.ªs Exas de cessação oficiosa de atividade em sede de IRC, com efeitos a 31-12-2020, da sociedade insolvente [SCom01...], Lda., NIPC ...90 - notificada o Al por oficio datado de 24-03-2021 e recebido a 12-04-2021;
2.º Sendo que, tal Recurso Hierárquico deu origem ao Processo n.° ...26;
Sucede que.
3.º Por ofício datado de 24-06-2021, e que ora se junta como Doc. 1, foi a aqui signatária notificada do projeto de decisão do Recurso Hierárquico apresentado;
4.° Tendo assentado tal projeto de decisão nos seguintes fundamentos:
“(...)
2 – Através dos elementos existentes no Sistema de Gestão e Registos de Contribuintes (SGRC), verifica-se que foi iniciada atividade a 2000-04-06, no regime normal de tributação com periodicidade trimestral, com “CAE:41200 Construção de Edifícios (Residenciais e não residenciais)”, tendo a declaração de início sido entregue no Serviço de Finanças ....
3 - Por consulta às declarações periódicas de IVA, verifica-se que foram entregues as declarações periódicas para os períodos 2009/03T a 2010/09T, com excesso a reportar no montante de € 244.01.
4 – Em sede de Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), verifica-se que, foi enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, a partir de 2009-01-01.
5 – Consultado o sistema do IRC, declarações modelo 22, verifica-se que foram recebidas as declarações mod.22 até ao ano 2014 inclusive.
6 - Consultada a declaração anual, IES verifica-se que foram recebidos documentos desde 2003 a 2009, para o sujeito passivo em questão.
7 – Através da consulta ao sistema do Património, verifica-se que não foram encontrados quaisquer registos de prédios em nome do sujeito passivo.
8 – Notificada para exercer o direito de audição do projeto de decisão de cessação oficiosa reportada a 2020-12-31, a ora recorrente não apresentou quaisquer alegações.
9 – Consultada a certidão permanente do Ministério de Justiça verifica-se que foi efetuado junto da Conservatória do Registo Comercial, o registo da decisão judicial de encerramento do processo de Insolvência e o cancelamento da matrícula, à data de 2017-05-22.
CONCLUSÃO
Considerando os argumentos elencados na presente informação, sou de opinião que existem razões para alterar a data da cessação oficiosa efetuada por estes Serviços, para a data do registo do cancelamento da matrícula ou seja à data 2017-05-22, dado que nos termos do n.º 5 do art.º 8.º do Código do IRC, é com o registo do encerramento da liquidação/cancelamento da matricula na Conservatória do Registo Comercial, que se consuma a extinção da sociedade.
Razão pela qual somos de parecer, que o presente recurso deve ser deferido parcialmente.
Para dar cumprimento ao estabelecido no art.º 60º n.º 1 da Lei Geral Tributária, deverá ser promovido o direito de audição prévia ao recorrente (…)”;
5.º “(…) Concordo. Proceda-se à audição prévia nos termos propostos (…)”,
Ora sucede que, tal como se referiu em sede de recurso hierárquico. [SCom01...] LDA., NIPC ...90 foi declarada insolvente por Douta sentença proferida a 14-05-2009:
6.º Sendo que, daquilo que apurou a aqui signatária, a sociedade insolvente já não exercia atividade desde cerca de um ano antes da prolação da sentença da declaração de insolvência:
7.º Concretamente, do relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE fez-se constar o seguinte: “(…) Atualmente a empresa encontra-se inativa, desde pelo menos há um ano (…)”,
8.º Tendo a aqui signatária proposto no referido relatório a liquidação do ativo: 9.º Acresce que, foi como referido e documentado em sede de recurso hierárquico, na Assembleia de Credores levada a efeito em 08-09-2009, foi deliberado o seguinte” (…) determino o encerramento da atividade da insolvente, nos termos do disposto no art.º 156º, n.º 2 do CIRE, e a passagem de imediato à liquidação do ativo (…)”,
10.º Despacho este que não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira alegar desconhecimento porquanto é credora dos presentes autos, tendo estado representada na Assembleia de Credores levada a efeito a 08-09-2009 pela digníssima Magistrada do Ministério Público:
11.º Face ao supra exposto, conclui-se que a insolvente já não exercia qualquer atividade em data anterior à Sentença de Declaração de Insolvência:
12.º Sendo que, no período da insolvência nenhuma atividade existiu:
13.º Reiterando-se que, a aqui signatária, no seu relatório elaborado ao abrigo do artigo 155.º do CIRE, tal fez constar, tendo proposto, face a tal, a liquidação do ativo da insolvente:
14.º Assim como se reiterando que, a 08-09-2009 foi deliberado o encerramento da atividade da insolvente e a prossecução dos autos para liquidação do ativo:
15.º Sendo que a cessação da atividade é um efeito automático do encerramento previsto no n.º 2 do artigo 156.º do CIRE:
16.º Situação que não é do desconhecimento da AT porquanto é credora dos presentes autos de insolvência e vem sendo notificada na pessoa da Digníssima Magistrada do Ministério Público:
17.º Assim, face ao antes exposto, a atividade da sociedade insolvente tem necessariamente que ser cessada com feitos a 08-09-2009 – data da decisão judicial – e não a 22-05-2017 tal como é agora pretensão da Direção de Serviços de Registos de Contribuinte:
Aliás, sem prescindir.
18.º Ainda que assim não se entendesse, o que só se aceita por mero efeito de raciocínio, tal como se alegou em sede de recurso hierárquico, tendo sido liquidado todo o ativo apreendido, por Douto Despacho de 11-01-2016 julgou-se encerrada a liquidação do ativo:
19.º Pelo que, caso não houvesse decisão judicial de cessação de atividade em data anterior (08-09-2009), sempre teria que se reportar a data de cessação a 11-01-2016, e não em 22-05-2017 como agora é pretensão da AT:
Ora.
20.º No projeto de decisão notificado à signatária, não obstante feitas algumas considerações a respeito das datas de submissão de algumas declarações fiscais, baseia-se a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes essencialmente no facto do registo da decisão judicial do processo de insolvência e o cancelamento da matrícula terem sido efetuados à data de 22-05-2017:
21.º Concretamente, a decisão contida no projeto de decisão no qual ora se exerce o direito de audição prévia baseia-se apenas no entendimento de que nos termos do n.º 5 do artigo 8.º do CIRC é com o registo de encerramento de liquidação/cancelamento da matrícula na Conservatória do Registo Comercial que se consuma a extinção da sociedade, o que não se pode aceitar:
22.º Sucede que, ao assumir tal posição, está a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes a contrariar uma decisão judicial:
23.º Reitera-se que, a aqui signatária apresentou recurso hierárquico da decisão proferida pela Direção de Serviços de Registo de Contribuintes porquanto estava em total contradição com o decidido judicialmente - a 08-09-2009 foi deliberado nos autos de insolvência o encerramento da atividade da insolvente e a prossecução dos autos para liquidação do ativo:
24.º Sendo que, o presente projeto de decisão, ainda que preveja uma alteração quanto à data inicialmente proposta, continua em clara violação com o decidido judicialmente naquela assembleia de 08-09-2009:
25.º Decisão esta que, como se disse, se baseou no facto de que, à data da declaração de insolvência, a insolvente já não exercia qualquer atividade:
26.º Ora, mostrando-se inequívoco que inexistia atividade por referência à sentença de declaração de insolvência e resultando a deliberação de cessação de atividade de uma decisão judicial (decisão proferida a 08-09-2009), a Autoridade Tributária e Aduaneira de outra forma não pode agir que não dar cumprimento ao decidido, sob pena de, a não ser assim, ser a AI forçada a impugnar tal decisão judicialmente:
Termos em que, a aqui signatária vem, muito respeitosamente, requerer a V. ª Exas que:
a) Se dignem reavaliar projeto de decisão aqui em crise:
b) Seja proferida decisão no sentido de se reportar a cessação de atividade da insolvente em sede de IRC a 08-09-2009 – data decidida judicialmente: …”
Apreciação em sede de audição previa por parte da Direção de Serviços de Registos de Contribuintes.
2 – Através dos elementos existentes no Sistema de Gestão e Registos de Contribuintes (SGRC), verifica-se que foi iniciada atividade a 2000-04-06, no regime normal de tributação com periodicidade trimestral, com “CAE:41200 Construção de Edifícios (Residenciais e não residenciais)”, tendo a declaração de início sido entregue no Serviço de Finanças ....
3 - Por consulta às declarações periódicas de IVA, verifica-se que foram entregues as declarações periódicas para os períodos 2009/03T a 2010/09T, com excesso a reportar no montante de €244.01.
4 – Em sede de Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), verifica-se que, foi enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, a partir de 2009-01-01.
5 – Consultado o sistema do IRC, declarações modelo 22, verifica-se que foram recebidas as declarações mod. 22 até ao ano 2014 inclusive.
6 - Consultada a declaração anual, IES verifica-se que foram recebidos documentos desde 2003 a 2009, para o sujeito passivo em questão.
7 – Através da consulta ao sistema do Património, verifica-se que não foram encontrados quaisquer registos de prédios em nome do sujeito passivo.
8 – Notificada para exercer o direito de audição do projeto de decisão de cessação oficiosa reportada a 2020-12-31, a ora recorrente não apresentou quaisquer alegações.
9 – Consultada a certidão permanente do Ministério de Justiça verifica-se que foi efectuado junto da Conservatória do Registo Comercial, o registo da decisão judicial de encerramento do processo de Insolvência e o cancelamento da matrícula, à data de 2017-05-22.
CONCLUSÃO
Face ao exposto e considerando que os fundamentos para o indeferimento se mantêm, dado não existirem factos novos que possam alterar a decisão proferida em 2021-06-22, pela Subdiretora Geral da Cobrança deverá ser mantida a decisão de cessação à data de 2017-05-22, dado que nos termos do n.º 5 do art.º 8.º do Código do IRC, é com o registo do encerramento da liquidação/cancelamento da matrícula na Conservatória do Registo Comercial, que se consuma a extinção da sociedade.
A merecer a presente informação despacho concordante, deve ser dado conhecimento ao sujeito passivo”. – Cf. cit. Doc. 10 junto com a PI.
14. O despacho e informação antecedentes foram comunicados à Autora –Facto não controvertido; Cf. pág. 1 do Doc. 10 da PI.
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão a proferir.
*
C) MOTIVAÇÃO:
A decisão da matéria de facto dada como provada efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e que foram remetidos pela Autora (que correspondem aos elementos constantes do PA apenso no SITAF), consoante se anota em cada ponto do probatório.
Apoiou-se ainda o Tribunal na posição assumida pelo Autora ao longo dos seus articulados, designadamente na factualidade espelhada nos documentos que junta.
O Tribunal formou, assim, a sua convicção quanto aos factos dados como provados com base na apreciação crítica e articulada de toda a prova carreada para os autos, conjugada com as regras da experiência comum, tudo conforme ficou descrito e patenteado supra (artigos 362.º e seguintes do Código Civil; 74.º e 76.º da LGT; 123.º do CPPT; 94.º, n.ºs 3 e 4 do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT).
*
II.2. Aditamento oficioso da fundamentação de facto:
Atento o disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA e à prova documental produzida nos autos, procede-se ao seguinte aditamento à fundamentação de facto, nos termos que se passam a enunciar:
3 a) Do relatório elaborado pela Administradora da insolvência referido no ponto anterior, consta o seguinte (cf. doc. 2 anexo à PI, a fls. 11-16 dos autos, numeração do SITAF):
RELATÓRIO DA ADMINISTRADORA DE INSOLVÊNCIA
(elaborado nos termos do art. 155.º do CIRE)
(…)
4. PERSPECTIVAS DE MANUTENCÃO DA EMPRESA. NO TODO OU EM PARTE. DA CONVENIÊNCIA DE SE APROVAR UM PLANO DE INSOLVÊNCIA. E DAS CONSEQUÊNCIAS DECORRENTES PARA OS CREDORES NOS DIVERSOS CENÁRIOS FIGURÁVEIS
- Artigo 155ª, nº 1, alínea e) do CIRE -
Antes de mais, ·a administradora de insolvência pretende esclarecer que, perante a existência de algumas condicionantes inerentes ao processo, à presente data, abaixo referidas, a avaliação concreta da situação actual, exige a continuidade de determinados trabalhos.
Condicionantes inerentes ao presente trabalho
a) Perante a dificuldade em conseguir estabelecer contacto com o administrador da devedora, a colaboração iniciou-se tardiamente, tendo havido dificuldade em reunir os elementos e informações relevantes para o processo.
b) O facto de a comissão de credores ainda não estar constituída, representa também uma condicionante ao presente trabalho. Haverá decisões que terão de ser tomadas com o acordo e colaboração da comissão de credores do processo, nomeadamente a confiança da avaliação independente dos imóveis, a perito.
c) Outro aspecto a ter em consideração é o facto do prazo de reclamação de créditos não ter terminado à data do termo do prazo da junção aos autos do presente relatório.
Apesar das condicionantes atrás referidas, a administradora de insolvência, pelos elementos que dispõe, conclui:
1) Actualmente a empresa encontra-se inactiva e encerrada, desde pelo menos há um ano;
2) O património da devedora é manifestamente insuficiente para fazer face ao passivo exigível;
3) Os bens que constituem o seu património estão todos onerados, com arrestos, penhoras e hipotecas;
4) O administrador da insolvente não demonstrou qualquer vontade em apresentar um plano de insolvência;
5) A administradora de insolvência não tem conhecimento de movimentação de grupos de senhores credores que, nos termos do art. 193° do C.I.R.E. façam tenções de apresentar plano de insolvência.
Conclusão: Nestes termos, e sem qualquer base de apoio, a administradora de insolvência também não apresenta à Assembleia plano de insolvência e propõe a liquidação célere do activo da insolvente.
(…)
II.2. Fundamentação de Direito
Alega a Recorrente que a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, pois entende que a mesma sancionou uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do disposto no n.º 5 do art. 8.º do CIRC.
Contextualizando, defendeu a aqui Recorrente na presente ação que o despacho proferido em 2021-08-09 pelo Subdiretor Geral da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, por subdelegação de competências, por força do qual foi indeferido o recurso hierárquico que interpôs da decisão de cessação oficiosa de atividade em sede de IRC com efeitos a 2017-05-22 é ilegal por erro nos pressupostos de direito, uma vez que no seu entender a data a relevar para o efeito deverá ser a da aprovação em assembleia de credores do encerramento da empresa, ocorrida em 2009-09-08.
Para tanto, alegou ali que o disposto no n.º 5 do art. 8.º do CIRC não tinha aplicação no caso, devendo aplicar-se o disposto em regra especial, no caso, no n.º 3 do art. 65.º do CIRE, conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 156.º do mesmo diploma legal, tendo peticionado que fosse anulado o supramencionado despacho de indeferimento do recurso hierárquico e a Ré condenada a declarar reportada a 8 de setembro de 2009 a cessação de atividade em sede de IRC da sociedade [SCom01...], Lda..
A decisão sob recurso, invocando jurisprudência emanada dos tribunais superiores sobre esta matéria, e sustentada na circunstância de a aqui Recorrente ter invocado a seu favor a redação do n.º 3 do art. 65.º do CIRE conferida pelo art. 2.º da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, diploma que apenas entrou em vigor em 30 de maio de 2012, julgou a ação improcedente.
Vem agora a Recorrente alegar que a sentença padece de erro de julgamento de direito, argumentando para tanto, e em síntese, que ainda que no caso não tenha aplicação a redação do n.º 3 do art. 65.º do CIRE, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2012, mesmo antes da entrada em vigor daquela norma não era de aplicar ao caso o disposto no art. 8.º do CIRC.
Vejamos.
Recorde-se que por força do já referido art. 2.º da Lei n.º 16/2012, passou a constar do art. 65.º do CIRE o n.º 3 com o seguinte teor:

Artigo 65.º
Contas anuais do devedor
(…)
3 - Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 156.º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade.
(…)
Por sua vez, do n.º 2 do art. 156.º do CIRE constava, então como agora, o seguinte:
Artigo 156.º
Deliberações da assembleia de credores de apreciação do relatório
(…)
2 - A assembleia de credores de apreciação do relatório delibera sobre o encerramento ou manutenção em actividade do estabelecimento ou estabelecimentos compreendidos na massa insolvente.
(…)
Ora, e como ressalta do que se vem relatando, não é sequer controvertido nos presentes autos que a redação conferida ao n.º 3 do art. 65.º do CIRC pelo art. 2.º da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril não tem aplicação ao caso concreto.
Com efeito, e visto que nos termos do disposto no art. 12.º do CC a lei apenas dispõe para o futuro, a disposição em questão, entrada em vigor em 30 de maio de 2012, não tinha, manifestamente, aplicação na data em que se verificou o facto sobre o qual incide, uma vez que no caso em apreço o encerramento da empresa foi deliberado pela assembleia de credores em 2009-09-08 (cf. ponto 4, da fundamentação de facto).
Por outro lado, há que referir que esta questão não é nova, tendo este Tribunal Central Administrativo Norte em Acórdão proferido em 2021-05-13 no proc. 00343/12.0BEVIS (disponível para consulta em www.dgsi.pt), subscrito pela aqui relatora, perfilhado o entendimento de que antes da entrada em vigor da supracitada alteração ao n.º 3 do art. 65.º do CIRE, e porque a circunstância de se estar em presença de uma situação jurídica de insolvência não impede a verificação de ganhos fortuitos e inesperados que devem ser tributados em sede de IRC, se mantinham as obrigações declarativas da insolvente até ao registo do encerramento da liquidação, sendo responsável pelas mesmas o Administrador de Insolvência, tanto mais que no caso ali apreciado não se provou não terem sido praticadas operações tributáveis, ou sequer que tivesse sido deliberado o encerramento da atividade, tendo esta decisão sido confirmada por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2023-10-11, em sede de recurso de revista (arestos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Para melhor compreensão, aqui se reproduz a fundamentação do supracitado aresto deste TCAN, no extrato pertinente (cf. Acórdão proferido por este TCAN em 2021-05-13, no proc. 00343/12.0BEVIS, disponível para consulta em www.dgsi.pt):
(…)
Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pela Recorrente.
Com efeito, argumenta a Recorrente que a sentença sob recurso faz uma incorreta interpretação do direito, pois, na sua tese, (i) a declaração de insolvência determina a extinção/morte da sociedade, cessando, consequentemente, as respetivas obrigações declarativas, que (ii) ainda que se mantivessem, seriam da responsabilidade dos legais representantes da insolvente e nunca da Administradora da Insolvência; (iii) com a declaração da insolvência a sociedade deixa de ter atividade, não existindo qualquer volume de negócios que justifique a sua tributação em sede de IRC; (iv) os Administradores de insolvência estão dispensados da apresentação das declarações periódicas de IVA por força da formulação da declaração de cessação de atividade em IVA permitida pelo art. 33.º, n.º 1, alínea b) do CIVA ou através da atuação oficiosa do Fisco nos termos do disposto no art. 33.º, n.º 2, parte final do mesmo diploma; (v) a Massa Insolvente, em momento subsequente à decisão de decretamento da insolvência, nunca teve qualquer atividade comercial suscetível de legitimar as obrigações declarativas ou as liquidações pretendidas impor pela Administração Tributária; (vi) a redação dada ao art.º 65.º do CIRE, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, tem aplicabilidade ao caso, pois apenas pretendeu concretizar e clarificar o que vinha sendo entendimento maioritário da jurisprudência.
Vejamos.
A sentença sob recurso julgou improcedente a ação administrativa na qual a ora Recorrente esgrime a pretensão de ver reconhecida pela ATA a cessação da atividade da empresa insolvente em sede de IVA e IRC, desde a data da Assembleia de Credores em que foi deliberado o encerramento, o que fez com a seguinte fundamentação:
(…)
A primeira questão a apreciar e a decidir pelo Tribunal é a de saber se o despacho do Sr. Chefe de Finanças ... se encontra eivado do vício de violação de lei.
Apreciando.
Segundo o preceituado no artigo 141.º do C.S.C. a sociedade dissolve-se pela declaração de falência da sociedade, entrando imediatamente, salvo disposição legal da lei em contrário, em liquidação, mantendo a sua personalidade jurídica [cfr. artigo 146.º].
“A dissolução da sociedade marca o momento em que se reconheceu que a sociedade esgotou a sua função mas não coincide com a sua extinção. A extinção da sociedade configura-se como um processo complexo, continuado, com alguma extensão temporal, onde se procede ao apuramento do activo, pagamento do passivo, e partilha dos saldo e dos bens sociais sobrantes, numa extinção das relações contratuais entre os sócios, e dos vínculos jurídicos com terceiros. Na dissolução da sociedade ocorre uma modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade, por esta entrar em liquidação, sem que a liquidação coincida com a sua extinção. Como claramente expresso por Raul Ventura, in Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, a dissolução é uma modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade, consistente em ela entrar na fase de liquidação e, modificação não é extinção. No desenrolar do processo de liquidação desenvolve-se um processo de desmantelamento da instituição societária, através de uma sequência de actos ou factos jurídicos que determinam a cessação progressiva da sua existência. Trata-se, pois, como qualificado por Pinto Furtado de um facto contínuo de execução continuada. A sociedade em liquidação, após a ocorrência do facto dissolutivo, contínua susceptível de direitos e obrigações, mas os actos que pratica – ou os que são praticados pelo liquidatário judicial, quando em processo de insolvência – passam a ser no sentido da cessação ou extinção das relações em causa e não no sentido da prossecução do seu objecto social. O processo de insolvência é uma processo de liquidação universal que tem como finalidade a liquidação do património de uma devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência – artº 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Mantendo intactas a sua personalidade e a sua capacidade judiciárias, a sociedade dissolvida e em liquidação, é representada pelo liquidatário judicial não para suprir uma situação de incapacidade, mas para exprimir a vontade da sociedade. A liquidação no decurso do processo de insolvência tem como principal finalidade: a satisfação dos créditos dos credores com os bens da sociedade, ao passo que a liquidação desencadeada pela demais circunstância enunciadas no artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais visa a realização dos interesses dos sócios em reaver o valor das sua entradas e receber a quota de liquidação, ou seja, os lucros finais – art. 21.º, n.º 1, al. a) e art. 156.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais -[…]”. [cfr. acórdão do STA de 01.10.2014, processo n.º 668/14, disponível em http://www.dgsi.pt].
Assim, com a sentença de insolvência a empresa passa a existir como uma massa insolvente, um acervo de bens integrantes da mesma. Esta entidade continua a ter personalidade jurídica tributária, sendo sujeito de deveres fiscais. Nessa medida, uma vez que continua a existir como sujeito passivo até a data do registo do encerramento da liquidação, tem de cumprir as suas obrigações fiscais, nomeadamente a entrega atempada das obrigações declarativas.
Neste sentido vide acórdão do STA de 24.02.2011, proferido no processo n.º 04415/09, no qual se sumariou o seguinte: “A sociedade dissolvida na sequência do processo falimentar continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, ficando sujeita, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processo da massa falida, às disposições prevista no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedade em liquidação, mantendo -se vinculada a obrigações fiscais declarativas.”.
Também no acórdão do STA de 14.06.2012, proferido no processo n.º 816/11, decidiu-se que declarada a falência de uma sociedade comercial, ela entra em liquidação, mas mantém a sua personalidade jurídica até partilha do produto dos seus bens, mantendo-se vinculada a determinadas obrigações fiscais e ao cumprimento atempado de obrigações declarativas. Nada obstando que a Administração Tributária proceda às inerentes ações de fiscalização, podendo proceder ao apuramento de imposto a entregar nos cofres do Estado.
É certo que, entretanto, a Lei n.º 16/2012, de 20 de abril introduziu alterações ao artigo 65.º do C.I.R.E., dispondo o n.º 3 que com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 156.º, extingue-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade.
Todavia, o referido diploma legal apenas dispõe para o futuro, nos termos do artigo 12.º, n.º 1 do C.C. No que tange à cessação da atividade, o artigo 34.º do CIVA em vigor à data dos factos preceituava nos seguintes termos:
“Artigo 34.º
Conceito de cessação de actividade
1 - Para efeitos do disposto no artigo anterior, considera-se verificada a cessação da actividade exercida pelo sujeito passivo no momento em que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Deixem de praticar-se actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de dois anos consecutivos, caso em que se presumem transmitidos, nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, os bens a essa data existentes no activo da empresa;
b) Se esgote o activo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela suaafectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita;
c) Seja partilhada a herança indivisa de que façam parte o estabelecimento ou os bens afectos ao exercício da actividade;
d) Se dê a transferência, a qualquer outro título, da propriedade do estabelecimento.
2 - Independentemente dos factos previstos no número anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há a intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma actividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer.
Pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro foi aditado o n.º 3 que preceitua que a cessação de atividade é também declarada oficiosamente, pela administração Fiscal, após comunicação do tribunal, nos termos do n.º 3 do artigo 65.º do C.I.R.E, sem prejuízo do cumprimento das obrigações fiscais nos períodos de imposto em que se verifique a ocorrência de operações tributáveis, em que devam ser efetuadas regularizações ou em que haja lugar ao exercício do direito à dedução.
Ora, regressando ao caso em apreço e à redação vigente à data dos factos, a Autora, que requereu a cessação da atividade e, portanto, sobre quem impendia o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da L.G.T. não provou que já não dispunha de bens no seu ativo pelo que a atuação da Administração Tributária afigura-se consentânea com o regime jurídico em vigor, bem como com o entendimento jurisprudencial do nosso Tribunal superior.
(…)
Desde já se adianta nada haver a censurar à sentença sob recurso, que faz uma correta interpretação do regime legal aplicável, à luz da jurisprudência dos Tribunais superiores sobre esta matéria.
Com efeito, o que resulta da jurisprudência citada na sentença sob recurso, maxime, do acórdão proferido pelo STA em 2011-02-24, no proc. 01145/09, é, em síntese, que a liquidação derivada da dissolução em processo de falência dever ter um tratamento similar “às demais liquidações de patrimónios societários”, ali se entendendo que “[o] facto de a sociedade ser declarada falida não obsta, pois, a que se mantenham, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual da massa falida, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas, designadamente as regras previstas no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedades em liquidação”.
Assim sendo, e com relevância para a questão a decidir, resulta do citado aresto que “(…) relativamente às sociedades em liquidação em processo de falência, não é o facto de se tratar de uma execução universal de bens e de se estar em presença de uma situação económica deficitária que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC” (cf. acórdão do STA proferido em 2011-02-24, no proc. 01145/09, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Este mesmo entendimento vem sendo reiterado em jurisprudência posterior (cf. Acórdãos do STA proferidos em 2016-11-03, proc. 0448/14 e em 2017-11-08, no proc. 0876/15; Acórdão deste TCAN proferido em 2018-04-26, no proc. 01665/05.2BEVIS; Acórdão do TCAS proferido em 2021-01-14, no proc. 82/13.5BELRS; todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), sendo em tudo transponível para as situações de insolvência, regidas pelo disposto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), como é o caso.
Com efeito, a sentença de declaração de insolvência não produz a extinção imediata das sociedades comerciais nem extingue a sua personalidade tributária, pois sendo submetida a um processo de insolvência, a extinção da sociedade comercial apenas se produz com o registo do encerramento do processo, após o rateio final (cf. n.º 3 do art. 234.º do CIRE).
Por outro lado, e caso seja adotado um plano de insolvência com fins de recuperação, a sociedade persistirá para lá do encerramento do processo, como resulta do disposto no n.º 1 do art. 234.º do CIRE (cf. SERRA, Catarina – Lições de Direito da Insolvência, Coimbra: Almedina, 2018, cf. pág. 89), resultando, por isso, reforçada no âmbito do CIRE a pertinência da manutenção da capacidade tributária da empresa insolvente.
Com efeito, “[n]o artigo 2.º do CIRC ao definir que são sujeitos do IRC as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português, o legislador fiscal não exclui da tributação as sociedades insolventes, porque apesar de se encontrarem em processo de insolvência não deixam de ser sociedades. Mais ainda, o legislador fiscal ao contemplar como sujeitos passivos de IRC as entidades desprovidas de personalidade jurídica, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português, não faz depender a personalidade tributária (ou personalidade fiscal) da personalidade jurídica. Significa tal, pois, que para o legislador fiscal se determinada entidade não possuir personalidade jurídica, mas obtiver rendimentos, a mesma é sujeito passivo de IRC pois tem personalidade tributária.” (cf. LOPES, Cidália, e DINIS, Ana - A tributação das sociedades insolventes in Insolvência e Processo Tributário [em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2019. Disponível na Internet: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_InsolvProcTrib.pdf, pág. 45; destacado nosso).
E como sublinham as citadas Autoras, esta circunstância é reforçada pelo facto de dos arts. 15.º e 16.º da LGT resultar que quem tem personalidade fiscal é quem tem capacidade contributiva, e que esta é uma faculdade de quem tem capacidade de gerar rendimentos, independentemente da personalidade jurídica, pelo que “… nesse sentido, a sociedade insolvente em fase de liquidação mantém, pois, a personalidade tributária” (idem, ibidem).
Ora, sendo certo que a massa insolvente se destina à satisfação dos credores (cf. art. 46.º, n.º 1 do CIRE), assumindo a natureza jurídica de “património de afetação especial” enquanto adstrito preferencialmente a certos encargos – no caso, a satisfação dos credores da insolvência - e, dentro desta categoria, um património separado, na medida em que o devedor não deixa de ser seu titular, embora veja os seus poderes fortemente limitados, sendo assim uma entidade distinta da sociedade (cf. SERRA, Catarina – Lições de Direito da Insolvência, Coimbra: Almedina, 2018, págs. 65-66 e 91), a verdade é que “no caso das sociedades insolventes (…), e para o legislador fiscal, a base do imposto é o lucro tributável, assente num conceito de globalidade (rendimento global). Tributa-se, pois, qualquer acréscimo de riqueza, independentemente da sua fonte, obtido pelas sociedades”, sendo neste sentido irrelevante a respetiva insolvência (cf. LOPES, Cidália, e DINIS, Ana - A tributação das sociedades insolventes in Insolvência e Processo Tributário [em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2019. Disponível na Internet: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_InsolvProcTrib.pdf, destacado nosso; e neste mesmo sentido o Acórdão proferido pelo STA em 2017-11-08, no proc. 0876/15, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Com efeito, e como é impressivamente referido no Acórdão do STA proferido em 2017-11-08, no proc. 0876/15, “Na verdade, a declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, o que se compreende na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade ou período de liquidação pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, n.º 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respectivo “Balanço”, apresentar lucro tributável. Aliás, o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta, sequer, a que se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade, com surgimento de matéria tributável para efeitos de IRC. Pelo que, não é o facto de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC. Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73.º [atualmente, art. 79.º] e segs. do CIRC.”.
De referir, aliás, que este mesmo argumento sempre se retiraria da circunstância de a lei expressamente consagrar no art. 268.º do CIRE a existência de um benefício fiscal da insolvente em sede de IRC, pois tal previsão apenas se compreende, por maioria de razão, partindo do pressuposto de que a mesma é, à luz do regime legal vigente, sujeito passivo de IRC.
Assim sendo, há que concluir que a circunstância de se estar em presença de uma situação jurídica de insolvência não impede a verificação de ganhos fortuitos e inesperados que devem ser tributados em sede de IRC, tributação essa que apenas não ocorrerá se não houver atividade económica, pois nesse caso, inexistirá o facto tributário.
No que diz respeito às obrigações acessórias inerentes a esta situação, importa desde logo referir que as sociedades insolventes, “quer tenha sido deliberado ou não o encerramento do estabelecimento, não estão excecionadas no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho [alterado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho], e como tal estão genericamente abrangidas pelo SNC, e, por isso, sujeitas à obrigação de manter a contabilidade organizada. Tal resulta também da aplicação do disposto no artigo 123.º do CIRC, bem como do artigo 18.º do Código Comercial, que prescrevem a obrigação de as sociedades disporem de contabilidade organizada, nos termos da lei” (cf. LOPES, Cidália, e DINIS, Ana - A tributação das sociedades insolventes in Insolvência e Processo Tributário [em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2019. Disponível na Internet: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_InsolvProcTrib.pdf, pág. 45).
Tanto resulta, igualmente, do disposto no n.º 1 do art. 65.º do CIRE, norma que permaneceu inalterada após a mudança introduzida nesta disposição pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril.
Por outro lado, cabe recordar que ao Administrador da insolvência cabem funções essencialmente executivas (cf. SERRA, Catarina – Lições de Direito da Insolvência, Coimbra: Almedina, 2018, pág. 79), que não se limitam à administração e liquidação da massa insolvente (cf. arts. 156.º e segs), e ao pagamento aos credores (cf. arts. 172.º e segs do CIRE), não podendo deixar de lhe caber responsabilidade de promover perante a ATA o cumprimento das obrigações declarativas durante o período que medeia entre a declaração da insolvência e a deliberação de encerramento, tal como é sobre si que recai a responsabilidade de promover a elaboração e depósito das contas anuais, nos termos do já citado n.º 1 do art. 65.º do CIRE.
Com efeito, e como vem sendo salientado pela doutrina existem pelo menos duas razões que concorrem para que seja sobre o Administrador de insolvência que recai o dever de elaboração e depósito das contas da insolvente.
Desde logo, impera uma razão formal, que decorre da colocação sistemática do art. 65.º no capítulo e secção do diploma dedicado ao Administrador e, mais especificamente, à apresentação de contas a seu cargo, mas, releva sobretudo, “(…) a razão de substância que se relaciona com o facto de, após a declaração de insolvência, o insolvente perder os poderes de administração e de disposição dos bens que constituem a massa, os quais passam para o administrador, a quem são, por igual, entregues os elementos da contabilidade do devedor. Ora, uma vez que é o administrador o possuidor dos livros, e, sobretudo, quem assegura a gestão da massa insolvente, sem qualquer intervenção ou, sequer, poder limitador do devedor, a quem, a maioria das vezes escapa, por si e pelos seus órgãos, quando pessoa colectiva, o conhecimento concreto e oportuno das operações realizadas, não se vê como pudesse a obrigação de apresentação e depósito de contas, a que se refere este art. 65.º, recair sobre outrem que não o administrador. Ficam, assim, excluídos, designadamente, os titulares dos órgãos de gestão do insolvente, ou o próprio devedor, sendo pessoa singular” (cf. FERNANDES, Luis A. Carvalho, e LABAREDA, João – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado. 2.ª edição. Lisboa, Quid Juris, 2008, pág. 291).
Donde não tem razão a Recorrente quando afirma que as obrigações declarativas em causa não devem recair sobre si, mas antes sobre “os legais representantes da insolvente”.
Por outro lado, e no que diz respetivo ao IVA, importa recordar que nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 1.º estão sujeitas a IVA as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, sendo a qualidade de sujeito passivo definida com referência ao exercício de uma atividade económica (cf. art. 2.º do CIVA), resultando do que já aqui foi sendo referido que a sociedade insolvente poderá, também ela, realizar operações que se enquadram na noção de atividade económica.
Assim sendo, e inexistindo “na legislação fiscal qualquer isenção à liquidação do IVA na gestão da massa insolvente, apenas e só porque está uma sociedade insolvente (…), em caso de venda dos ativos insolventes, o IVA deverá ser liquidado nos termos do CIVA. A sociedade insolvente, se pretender, pode ainda exercer o direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens ou serviços indispensáveis na fase de liquidação (nos termos dos artigos 19.º a 26.º do CIVA)” (cf. LOPES, Cidália, e DINIS, Ana - A tributação das sociedades insolventes in Insolvência e Processo Tributário [em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2019. Disponível na Internet: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_InsolvProcTrib.pdf, pág. 51).
Chegados a este ponto, é possível sistematizar a resposta às várias questões suscitadas pela Recorrente nas suas alegações de recurso, concluindo que, ao contrário do que ali sustenta (i) a declaração de insolvência não “determina a extinção/morte da sociedade”, pelo que se mantêm as suas obrigações declarativas até ao registo do encerramento da liquidação, cabendo (ii) a sua responsabilidade ao Administrador da Insolvência, a quem incumbem as funções executivas durante este período.
Por outro lado, (iii) com a declaração da insolvência a sociedade não deixa, necessariamente, de ter atividade, cabendo ao Administrador da insolvência provar que no período que decorreu entre a declaração da insolvência e a deliberação de encerramento não ocorreu qualquer “volume de negócios” que justifique a tributação em sede de IRC, prova essa que, no caso, não foi feita perante o Tribunal de primeiro conhecimento da causa.
É também o Administrador da insolvência o responsável, para além do mais, por promover a elaboração e depósito das contas anuais, nos termos que forem legalmente obrigatórios para o devedor, tal como decorre do n.º 1 do art. 65.º, do CIRE (norma que se manteve inalterada desde a redação inicial do diploma), assim como a manutenção das obrigações declarativas perante a ATA, (iv) não estando, igualmente, automaticamente dispensada a apresentação das declarações periódicas de IVA, pois inexiste qualquer norma da qual decorra a isenção de IVA nas transações que caibam na norma de incidência deste tributo efetuadas durante este período.
Por outro lado, constata-se que (v) não resulta provado nos presentes autos que a sociedade insolvente em causa, “em momento subsequente à decisão de decretamento da insolvência, nunca teve qualquer atividade comercial suscetível de legitimar as obrigações declarativas ou as liquidações pretendidas impor pela Administração Tributária”, prova que, repita-se, cabia à ora Recorrente.
Por fim, e quanto à última questão suscitada pela Recorrente, que adianta a tese de que a redação atribuída ao art. 65.º do CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril teria natureza interpretativa, e, como tal, valeria para situações anteriores à entrada em vigor deste diploma, há que assentar em que tal discussão se revelaria ociosa, porque desnecessária, atendendo a que na sentença recorrida se provou que “Da certidão da Conservatória do Registo Predial/Comercial de ... não se encontra averbado qualquer encerramento da liquidação da Autora” (cf. ponto 4, da fundamentação de facto), não resultando assim provado que tenha sido deliberado o encerramento da atividade do estabelecimento, ou efetuado o respetivo registo, tendo a mesma, neste ponto, transitado em julgado, uma vez que a Recorrente não questiona tal facto.
Em face do exposto, e nada havendo a censurar ao acórdão recorrido, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
(…)
Sucede, no entanto, e como claramente resulta da factualidade aqui aditada, que os contornos factuais da situação em apreço se revelam manifestamente distintos daqueles que estiveram na origem da supracitada jurisprudência.
Com efeito, e como já aqui se referiu, no caso objeto da jurisprudência que se vem citando, não ficou provado que não tivessem sido praticadas operações tributáveis, ou sequer que tivesse sido deliberado o encerramento.
Ora, no caso em apreço, o que revela a factualidade é que em 2009-09-08, data em que foi deliberado o encerramento da empresa em assembleia de credores, o património da massa insolvente se revelava “manifestamente insuficiente para fazer face ao passivo exigível”, e que os bens que constituíam o seu património se encontravam “todos onerados, com arrestos, penhoras e hipotecas” (cf. ponto 4A, da fundamentação de facto aditada).
Por outro lado, não deixa de impressionar que, não obstante o reportado no supracitado relatório da administradora de insolvência (cf. pontos 4 e 4A, da fundamentação de facto aditada), da, aliás, parca fundamentação do ato tributário em crise, nada resulte que contrarie o ali referido a propósito da situação patrimonial da massa insolvente (cf. ponto 13, da fundamentação de facto aditada).
Assim, e, não obstante se entender, sempre com o devido respeito pela posição contrária, que ao caso era ainda de aplicar o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 8.º do CIRC, o que claramente resultava daquela norma, como aliás, não poderia deixar de ser, era que a cessação da atividade ocorria também “na data em que deixarem de se verificar as condições de sujeição a imposto”.
Pelo que, no caso em apreço, resultando da factualidade provada que em face da situação patrimonial da massa insolvente a mesma não estava, manifestamente, em condições de praticar qualquer ato tributável, e não resultando da fundamentação do ato em crise a identificação de qualquer circunstância concreta que justificasse, ainda assim, a necessidade de cumprimento de obrigação declarativa em sede de IRC, deveria ter sido, em conformidade, determinada a cessão de atividade em sede de IRC com efeitos reportados a 8 de setembro de 2009.
Conclui-se, assim, que a decisão sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no art. 8.º do CIRC.
Donde, e em face do exposto, deverá a presente ação ser julgada procedente.
***
Atento o decaimento da Ré, é sua a responsabilidade pelas custas, pelo presente recurso e na 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.
***

Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
Não obstante no caso concreto não ser de aplicar o disposto no n.º 3 do art. 65.º do CIRE, na redação conferida pelo art. 2.º da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, por tal disposição não estar então em vigor, em face da evidência de que a massa insolvente não estava em condições de praticar qualquer atividade tributável, não se verificando, por isso, as condições de sujeição a imposto, deveria a Ré ter deferido o pedido de cessação de atividade, ainda em cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 5, do art. 8.º do CIRC.
***
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, e em consequência, anular a decisão de indeferimento do recurso hierárquico e condenar a Ré a reconhecer a cessação de atividade da A. para efeitos de IRC com efeitos reportados a 8 de setembro de 2009.
Custas pela Ré, em ambas as instâncias.

Porto, 7 de dezembro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Ana Paula Coelho dos Santos – Irene Isabel das Neves.