Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00667/11.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/13/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:CREDENCIAÇÃO DE ORDEM DE SERVIÇO; NOTIFICAÇÃO ARTIGO 49º DO RCPIT;
CRÉDITOS INCOBRÁVEIS; ARTIGO 39º DO CIRC;
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO; PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Sumário:I. Os elementos carreados para o RIT no âmbito de Despacho proferido previamente à emissão da Ordem de Serviço mostram-se devidamente credenciados, e a utilização daqueles elementos recolhidos à margem da realização de qualquer outro acto na sequência da emissão de Ordem de serviço, não discorre qualquer invalidade por falta de credenciação – artigo 46º n.º 1 e n.º 4 do RCPIT.

II. A omissão do prazo de cinco dias prévios a que alude a notificação do artigo 49.º do RCPIT, não tem efeitos invalidantes se o interessado vir assegurada a sua participação, nomeadamente se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo, nos termos dos artigos 60.º da LGT.

III. Para que o crédito em causa nos autos, pudesse ser directamente considerado como custo ou perda do exercício de 2005 tinha de ser incobrável, qualidade que devia resultar de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, o que no caso não se verifica.

IV. Se o credor tinha a possibilidade legal de constituir provisão para créditos de cobrança duvidosa mas não o fez no exercício de 2005 nem nos anteriores também não se verificam os pressupostos para aceitação do crédito como custo fiscal do exercício de 2005, ao abrigo do estatuído, à data, no artigo 39. ° do CIRC.

V. A derrogação do princípio da especialização dos exercícios por prevalência do princípio da justiça, só poderia ser ponderada numa situação de manifesta injustiça a decorre da factualidade dos autos.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. «X, Lda.» (Recorrente) notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação judicial contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 2005, acrescida de juros compensatórios, no valor global de €18.621,03, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A) o relatório de acção inspectiva foi concluído com base no conjunto documentos e elementos reunidos a coberto do Despacho n.º ...11, e não, a partir dos elementos recolhidos no âmbito da Ordem de Serviço que deu origem ao procedimento inspectivo, em violação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 46º do RCPIT.
B) A A.F. só notificou o sujeito passivo da realização da acção inspectiva depois de a mesma ter sido iniciada, sem, que a A.F. lhe tenha concedido o prazo mínimo previsto na lei para se preparar documentalmente com todos os elementos indispensáveis à demonstração da sua situação contributiva.
C) O acto inspectivo, não se encontra sancionamento pelo chefe de equipa, tal como determina o n.º 5 do art. 62º do RCPIT.
D) Os actos de liquidação objecto de impugnação, têm na sua génese um acto interlocutório ferido de ilegalidade, por falta de credenciação, ausência de notificação do procedimento inspectivo e ainda por falta de credenciação, o que se revela susceptível de fundamentar anulação dos actos tributários praticados na sequência de uma ilegalidade do procedimento de inspecção.
E) Por falta de verificação dos pressupostos legais de cuja verificação depende consideração de custos por créditos incobráveis, a A.F. reduziu o valor dos custos fiscais em mérito, efectuando as consequentes correcções a seu favor, relativamente à matéria colectável declarada no exercício de 2005, postergando, a realização das correcções de IRC a favor da impugnante no exercício seguinte.
F) A admitir-se que no caso sub judice a A.F. tinha razão quanto às correcções efectuadas no exercício de 2005, relativamente à dedução de custos por contabilização de créditos incobráveis, não é menos verdade, que ao abrigo do princípio da legalidade, sobre a A.F. impendia o dever de proceder à realização das correspondentes correcções no exercício de 2006.
G) Se pelo facto de a incobrabilidade do crédito elevado a custos do exercício não ter na sua génese um processo de insolvência ou execução que conferisse legitimidade para ser deduzido como custo do exercício nos termos do art. 39º do CIRC, tendo-se demonstrado que a devedora foi declara insolvente no ano de 2006, A.F. podia e deveria ter efectuado correcções aos custos declarados no ano de 2006, adicionando-lhe o valor do crédito que por insolvência da devedora se tornou incobrável.
H) O que significa que tal comportamento negligente da A.F., configura uma hipótese de manifesta injustiça, na medida em que a impugnante viu diminuídos os seus custos fiscais de 2005 no montante de € 243.256,66, pagando mais imposto nesse ano, sem que tenha assistido a um aumento dos custos no exercício seguinte, com a consequente diminuição do IRC a pagar nesse ano.
I) Salvo o devido respeito foram violados os artigos 46º, n.º 5 1 e 4, 49º e 62º, n.º 5 do RCPIT, 55º da LGT e 3º do CPA e 103º, n.º 1 e 266º da CRP.
Julgando-se o Recurso procedente, será feita
JUSTIÇA!»
1.2. A Recorrida Fazenda Pública, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o thema decidendum, cf. fls. 293 SITAF.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quer de facto quer de direito ao considerar que o acto interlocutório praticado pelos SIT não se encontra ferido de ilegalidade, (i) por falta de credenciação, (ii) por ausência de notificação do procedimento inspectivo e (iii) por falta de credenciação a que alude o n.º 5 do artigo 62º do RCPIT, os quais por si inquinam o procedimento inspectivo e, ainda, ao considerar que (iv) não se verificavam os pressupostos legais de cuja verificação depende a consideração de custos por créditos incobráveis, tendo concluído pela legalidade das correções efectuadas.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação:
«Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, com base nos elementos de prova documental existentes nos autos e no depoimento das testemunhas:
1.º – A impugnante encontra-se coletada pela atividade de comércio por grosso de carne e de produtos à base de carne, com o CAE: 046320, estando enquadrada no regime de tributação geral para efeitos de IRC e regime normal de periodicidade mensal para efeitos de IVA – cf. resulta do teor de fls. 62 e 63 do Processo de Reclamação Graciosa (PRG), correspondente ao Relatório de Inspeção Tributária (RIT), apenso a este processo.
2.º – A liquidação objeto da presente impugnação judicial diz respeito ao ato adicional de IRC do ano de 2005, no valor de € 18.621,03 (liquidação n.º ...99), que determinou a exclusão de reporte de prejuízos fiscais apurados pela impugnante para os anos posteriores – cf. resulta do teor do RIT, ínsito no PRG, apenso a este processo.
3.º – O ato de liquidação adicional de IRC do ano de 2005 tem na sua origem o resultado do procedimento de inspeção externo parcial, ao IRC e IVA, com incidência temporal sobre os exercícios económicos de 2005 e 2006, efetuado pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do ..., credenciada inicialmente pelo Despacho ..........11 e posteriormente pela Ordem de Serviço n.º OI.......37, de 15.10.2008, assinada pelo gerente da impugnante em 15.10.2008 – cf. resulta do teor de fls. 196 do PRG, apenso a este processo.
4.º – Em 24.04.2008 a ora impugnante foi notificada do despacho de procedimento de inspeção n.º .........11 (assinado pelo gerente), de 03.04.2008 – cf. teor da Informação de fls.205 e doc. de fls.194 a 195 e 275 do PRG apenso a este processo.
5.º – Na sequência da credenciação inicial do procedimento de inspeção n.º .........11, de 03.04.2008, os SIT consultaram os registos contabilísticos da impugnante e fizeram alguns pedidos de esclarecimentos – cf. docs. ínsitos no PRG apenso a este processo.
6.º – Tendo a AF considerado haver necessidade de proceder a correções por via das conclusões a que chegou das consultas efetuadas aos elementos contabilísticos da ora impugnante, foi emitida a Ordem de Serviço n.º ...37, de 15.10.2008, assinada pelo gerente da impugnante nessa data – cf. doc. de fls.276 do PRG apenso a este processo.
7.º – Em 16.10.2008, a ora impugnante foi notificada de nota de diligência n.º ND....06, referente ao despacho de procedimento de inspeção externa n.º ...11, de 03.04.2008, de âmbito parcial ao IRC e IVA dos anos de 2005 e 2006.
8.º – No âmbito desse procedimento e na sequência da notificação do projeto de RIT e para o exercício do direito de audição, a impugnante exerceu esse direito em que, entre o mais, reconheceu a legalidade da correção do IVA do exercício de 2005, no valor de €12.162,86, resultante do imposto em falta apurado por correção meramente aritmética – cf. teor do 85 a 91 do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
9.º – O exercício do direito de audição foi subscrito pela própria impugnante que, entre o mais, afirmou expressamente “Relativamente à regularização do imposto sobre o valor acrescentado de 12,162,86 €, com efeito não foram cumpridas as formalidades legais atinentes à regularização em causa; pelo que se aceita a correcção.” – cf. teor do 87 do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
10.º – Os motivos e fundamentos que levaram a AT a proceder às correções à matéria tributável declarada pela impugnante nos exercícios de 2005 e 2006, em sede de IVA e IRC, constam do RIT, ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11.º – Relativamente ao exercício de 2005, a única situação detetada pelos SIT foi a contabilização na conta 69 – Créditos Incobráveis, do montante de € 243.256,66, sem apresentação de justificativos – cf, resulta do RIT, ínsito no PRG apenso a este processo.
12.º – Por decisão de 06.02.2013, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou improcedente a impugnação judicial n.º220/11.2BEPNF, na qual se apreciou três dos fundamentos suscitados nos presentes autos, designadamente: a falta de credenciação para a realização da ação inspetiva; falta de notificação do procedimento de inspeção realizada a coberto da Ordem de Serviço ...37 e ausência de sancionamento superior na proposta de decisão de correções à matéria tributável – cf. doc. de fls. 101 a 109 dos autos.
13.º – Decisão da qual a impugnante interpôs recurso, ainda não apreciado pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo.
14.º – Não se conformando com as correções meramente aritméticas que conduziram à liquidação adicional de IRC do ano de 2005, com o n.º ...99, a ora impugnante interpôs reclamação graciosa, seguida de recurso hierárquico – cf. resulta do PRG e do Processo de Recurso Hierárquico (PRH), ínsito no Processo Administrativo (PA, apensos a este processo.
15.º – Posteriormente e, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, interpôs impugnação judicial, que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel com o n.º 667/11.4BEPNF.
16.º – Não se conformando com a liquidação oficiosa de IRC/2005, a ora impugnante interpôs em 02.09.2009 reclamação graciosa, a qual deu origem ao processo n.º ...27 – cf. resulta do teor de fls. 203 do PRG apenso a este processo.
17.º – Por despacho de 30.03.2010, foi indeferida a referida reclamação graciosa – cf. resulta do teor de fls.212 do PRG apenso a este processo.
18.º – Não se conformando com o indeferimento da referida reclamação graciosa, a ora impugnante veio deduzir recurso hierárquico a que foi atribuído o n.º ...6/2010 – cf. resulta do PRG, ínsito no PA apenso a este processo.
19.º – Por despacho de 20.05.2011, foi indeferido o recurso hierárquico n.º ...6/2010 – cf. resulta do teor de fls. 26 PRH, ínsito no PA apenso a este processo.
20,0 – Por sentença do ... Juízo Cível do Tribunal da Comarca de ..., de 03.02.2006, a sociedade «G, S.A.» (NIPC: ...), foi declarada insolvente – cf. doc.1, junto com a douta petição inicial.
21.º – Por Ofício n.º ...38, de 19.04.2011, a ora impugnante foi notificada para apresentar certidão comprovativa de que em consequência da referida insolvência, não tinha recebido quaisquer importâncias do valor reclamado judicialmente.
22.º – Na sequência do que veio a impugnante apresentar certidão emitida em 29.04.2011, pelo Tribunal Judicial de ... referente à insolvência da sociedade «G, S.A.», na qual não consta que a ora impugnante tenha reclamado o seu crédito ou o seu valor.
Com relevância para a decisão da causa, não há matéria de facto julgada não provada.
Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da lei Geral Tributária (LGT), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.
O depoimento das testemunhas inquiridas perante este Tribunal em nada abalou os factos que o tribunal considerou provados, resultantes dos elementos da prova documental.
As questões em apreciação são essencialmente de direito.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa.»

2.2. De direito
In casu, a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial, dimanando do presente relatório, nomeadamente das conclusões ali vertidas que por via do presente recurso jurisdicional, que a Recorrente Comércio de Gado – Ferreira & Ferreira, Ld.ª, insurge-se contra o julgamento que recaiu sobre os fundamentos da acção, a saber: (i) da falta de credenciação para a realização da acção inspectiva; (ii)da falta de notificação do procedimento de inspecção; (iii) da ausência de sancionamento superior na proposta de decisão de correcções à matéria tributável e, (iv) do erro nos pressupostos de facto quanto aos custos do exercício não considerados pela AT (créditos incobráveis) em que assentou a liquidação de IRC do exercício de 2005.
Sendo que, decorrente das alegações de recurso apresentadas, a este Tribunal ad quem não cumpre apreciar do erro de facto. Estabilizada a matéria de facto, cumpre, pois, apreciar e decidir se o Tribunal a quo incorreu nos erros de julgamento de direito que lhe são imputados.
2.2.1. Da falta de credenciação para a realização da acção inspectiva – artigo 46º, n.º 1 e n.º 4 do RCPIT
A Recorrente alicerça a ilegalidade do procedimento inspectivo na violação do n.º 1 e n.º 4 do artigo 46º do RCPIT, por o relatório de acção inspectiva ter sido concluído com base no conjunto documentos e elementos reunidos a coberto do Despacho n.º ...11, datado de 24.04.2009, e não, a partir dos elementos recolhidos no âmbito da Ordem de Serviço, ao abrigo da qual foi praticada a correcção à matéria tributável em sede de IRC. Se bem entendemos a tese da Recorrente, a mesma pugna que tendo os elementos sido recolhidos a coberto do despacho referenciado, a emissão posterior da ordem de serviço, no âmbito da qual nenhum elemento e/ ou outro acto teve lugar, inquina a utilização daqueles elementos por falta de credenciação, ou seja, por terem sido recolhidos à margem de uma Ordem de Serviço.
Sobre este tema discorreu a sentença sob recurso nos seguintes termos:
«A impugnante alega que o RIT foi realizado sem credenciação do funcionário nos termos do art.46.º, do RCPIT.
Ora, resulta dos factos provados que o funcionário responsável pelo RIT estava devidamente credenciado, quer para a consulta, recolha e cruzamento de elementos quer para a realização do procedimento de inspeção externa, parcial, ao IRC e IVA dos anos de 2005 e 2006 em causa nos presentes autos.
(...)
Acresce ainda que a eventual falta de credenciação também não tem qualquer efeito sobre a validade e / ou legalidade do procedimento de inspeção. O efeito da falta de credenciação está previsto no art. 47º do RCPIT: a falta de credenciação legitima a oposição aos atos de inspeção.
Porém, para além de no caso em apreço não existir qualquer falta de credenciação, mesmo a existir essa falta de credenciação o único efeito teria sido a possibilidade que a impugnante tinha de se ter oposto aos atos de inspeção.
Nesta parte a impugnação judicial tem de improceder por falta de fundamento.»
Vejamos, aplicando o direito aos factos.
O artigo 46º do RCPIT, sob a epigrafe “credenciação”, diz respeito à primeira fase do procedimento inspectivo, ao impulso procedimental, e constitui uma importante garantia da observância de requisitos formais e orgânicos. O início do mesmo, quando se trate de procedimento externo de inspecção, depende da (i) credenciação dos funcionários e (ii) do porte do respectivo cartão profissional (ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam). Estes requisitos formais são cumulativos, e o seu incumprimento confere ao contribuinte inspeccionado o direito de se opor ao início do procedimento inspectivo nos termos do artigo 47.º do RCPIT. No que nos ocupa, quanto à credenciação [acto administrativo mediante o qual se reconhece a competência individualizada ao funcionário em concreto], a mesma é efectuada: por ordem de serviço emitida pelo serviço competente para o procedimento ou para a prática do acto de inspecção.
Esta ordem de serviço [que não é imperativa quando as acções de inspecção tenham por objectivo consulta, recolha e cruzamento de elementos, o controlo de bens em circulação, ou o controlo dos sujeitos passivos não registados] deve conter os seguintes elementos: (i) número de ordem; (ii) data de emissão; (iii) identificação do serviço responsável pelo procedimento de inspecção; (iv) identificação do funcionário ou funcionários incumbidos da prática dos actos de inspecção; (v) identificação do respectivo chefe de equipa; (vi) identificação da entidade a inspeccionar; (vii) âmbito da acção de inspecção; (viii) extensão da acção de inspecção, ou (ix) cópia do despacho do superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a prática do acto (no caso de não ser necessária ordem de serviço). Tal despacho deve referir os objectivos da inspecção ou do acto inspectivo, a identidade da pessoa a inspeccionar e dos funcionários incumbidos da sua execução.
Resulta da matéria de facto dada como provada, que o funcionário responsável pelo RIT estava devidamente credenciado no âmbito da inspecção interna, determinada pelo despacho ..........11, para a consulta, recolha e cruzamento de elementos, sendo que para a sua ocorrência não é imperativa a emissão de Ordem de Serviço. Assim, o facto de na sequência dos elementos recolhidos ter sido emitida Ordem de Serviço [n.º OI.......37] na prossecução da qual não foram efectuadas quaisquer outras diligências, não invalida os elementos recolhidos devidamente credenciados pelo Despacho emitido.
Situação distinta, seria se os elementos recolhidos no âmbito do Despacho emitido [vulgo inspecção interna] não fossem permitidos no seu âmbito e, os mesmos, não viessem a ser validados por Ordem de Serviço que os abrangesses.
Mas seguramente esse não é o caso dos autos, pelo que os elementos carreados para o RIT se encontram devidamente credenciados por Despacho e, não decorre qualquer invalidade na obtenção e utilização dos dados recolhidos, pois que a emissão de Ordem de Serviço, em momento posterior aquela recolha, a permitir o mais, não invalida a mesma, a que acresce o facto de os SIT não terem recolhidos mais elementos por já se encontrarem na posse dos tidos por necessários à elaboração do projecto de RIT.
O recurso não pode, pois, proceder com o primeiro fundamento invocado pela Recorrente.
2.2.2. Da falta de notificação do procedimento de inspeção – artigo 49º do RCPIT
Alega a Recorrente de que não foi notificada nos termos do artigo 49.º, n. º1, do RCPIT, pois que foi notificada do início da ação inspetiva em 15.10.2008, isto é, já depois de ter sido iniciada a inspeção, que conforme resulta do RIT iniciou-se em 14.10.2008, sem que fosse cumprida a antecedência mínima de 5 dias.
Conforme decorre dos factos, não impugnados, “Em 24.04.2008 a ora impugnante foi notificada do despacho de procedimento de inspeção n.º .........11 (assinado pelo gerente), de 03.04.2008 / Na sequência da credenciação inicial do procedimento de inspeção n.º .........11, de 03.04.2008, os SIT consultaram os registos contabilísticos da impugnante e fizeram alguns pedidos de esclarecimentos / Tendo a AF considerado haver necessidade de proceder a correções por via das conclusões a que chegou das consultas efetuadas aos elementos contabilísticos da ora impugnante, foi emitida a Ordem de Serviço n.º ...37, de 15.10.2008, assinada pelo gerente da impugnante nessa data.” (cf. itens 4º, 5º e 6º do probatório). E, bem assim, que “Em 16.10.2008, a ora impugnante foi notificada de nota de diligência n.º ND....06, referente ao despacho de procedimento de inspeção externa n.º ...11, de 03.04.2008, de âmbito parcial ao IRC e IVA dos anos de 2005 e 2006 / No âmbito desse procedimento e na sequência da notificação do projeto de RIT e para o exercício do direito de audição, a impugnante exerceu esse direito (...)/O exercício do direito de audição foi subscrito pela própria impugnante” (cf. itens 6º, 7º e 8º do probatório).
Considerou o tribunal a quo, contrariamente ao alegado, que: (i) a notificação ocorreu no mesmo dia da emissão da Ordem de Serviço e início de inspecção, qual seja 15.10.2008, como decorre sem margem para dúvidas dos factos assentes, (ii) que o facto de não ter sido respeitada a antecedência de cinco dias prevista na lei, tal não consubstancia qualquer irregularidade determinante da ilegalidade ou invalidade da inspeção tributária, assente em que “a falta de notificação com aquela antecedência apenas confere ao sujeito passivo inspecionado um justo impedimento para a eventual falta de apresentação de algum documento ou informação solicitada pelos SIT, não tendo qualquer outro efeito” e que “Ainda que se considerasse que a notificação realizada sem a antecedência prévia de 5 dias, constituiria uma irregularidade processual não invalidante, por ser derrogada em irregularidade não essencial, em nome do principio geral de direito do aproveitamento dos atos administrativos, na medida em que não afetou em nada a realização da ação inspetiva, nem interferiu com os direitos essenciais da impugnante.”
Vejamos, desde já avançado que nos revemos no assim julgado e amplamente fundamentado, pelo que atenta a falta de contra-argumentação apresentada pela Recorrente, sintetizaremos a nossa apreciação.
Dispõe o artigo 49º do RCPIT que:
1- O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.
2 - A notificação prevista no número anterior efectua-se por carta-­aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo diretor-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos:
a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção;
b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar.
3- A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspecção.
Se a AT não remeter esta carta-aviso ao contribuinte, dando início ao procedimento inspetivo sem que aquele seja notificado, verifica-se uma situação de preterição de uma formalidade essencial, a qual, nos termos do artigo 163.º do CPA, gera a anulabilidade dos actos resultantes do procedimento, o que se afere do facto do sujeito passivo ficar impossibilitado de saber que vai ser alvo de um procedimento inspectivo e, consequentemente, de nele participar, oferecendo provas que permitam o cabal esclarecimento da sua situação tributária, violando o princípio da segurança jurídica e da protecção e confiança que lhe estão na génese.
Mas a situação que nos é colocada, prende-se não com a sua concretização, mas com a sua eficácia atento o facto de a notificação operada não ter respeitado a antecipação de cinco dias a que alude a lei.
A este respeito, chamamos à colação os ensinamentos de Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, in o “Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Anotado e Comentado”, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, em anotação ao artigo 49º, ao aludirem expressamente que “A falta de comunicação do início de procedimento só deverá no entanto gerar invalidade se se demonstrar que o interessado não teve conhecimento do procedimento e do respectivo objecto, e que por força dessa ausência de conhecimento não pode nele intervir tempestivamente. Assim, se o contribuinte inspeccionado foi notificado da ordem de serviço/despacho que marca o início do procedimento, se foi notificado do projecto de conclusões do relatório de inspecção, a eventual falta de notificação da carta aviso degrada‐se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes.”
Ora, por maioria de razão, se a omissão da notificação prévia prevista no artigo 49.º do RCPIT não tem efeitos invalidantes se o contribuinte for notificado do projeto de conclusões do relatório de inspecção para exercer o seu direito de audição, nos termos dos artigos 60.º da LGT, ficando por essa via assegurada a sua participação no procedimento inspetivo, in casu, não releva a ocorrência de se mostrar preterido o prazo de cinco dias a que alude o artigo 49º citado, largamente provado que se apresenta o direito de participação da Recorrente, nomeadamente pelo cumprimento do artigo 60º da LGT.
O entendimento preconizado pela doutrina, advém igualmente da jurisprudência firmada dos nossos Tribunais Superiores, entre as quais nas decisões vertidas nos Acórdãos do STA de 08.05.2013, processo n.º 841/11, e de 29.06.2016, processo n.º 01095/15, e Acórdão do TCA Norte, de 09.05.2019, processo n.º 08/09.0BEAVR.
A citada jurisprudência assinala, que a ausência dessa comunicação não gera a anulabilidade da decisão final do procedimento, caso o interessado tenha tomado conhecimento da sua instauração, decurso e objecto, a tempo de nele intervir. Ou seja, o vício de falta de comunicação do início do procedimento inspetivo ao contribuinte não pode ter eficácia invalidante do acto final do procedimento caso sejam observadas outras formalidades legais necessárias à observância do princípio do contraditório, designadamente se lhe for dada oportunidade para exercer o direito de audição, pronunciando-se sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção. Isto, porque, aquando do exercício do direito de audição prévia, o contribuinte tem oportunidade de exercer o contraditório, em nada vendo diminuídos os seus direitos ou interesses legítimos de participação.
Concluindo, a falta de notificação prévia prevista no artigo 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objeto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspetivo. Assim sendo, óbvio que por maioria de razão, o mesmo raciocínio é extensivo a qualquer irregularidade susceptível de inquinar a notificação efectuada, nomeadamente a notificação não ter respeitado o prazo de cinco dias relativamente ao inicio da inspecção.
Do exposto resulta que, contrariamente ao afirmado pela Recorrente, o acto final do procedimento não pode ser anulado com fundamento no vício formal de a notificação prévia do procedimento de inspecção não ter respeitado a antecedência definida por lei de cinco dias.
2.2.3. Da ausência de sancionamento superior – artigo 62º, n.º 5 do RCPIT
A Recorrente, discorda ainda, do seguinte entendimento versado na sentença sob recurso:
«A impugnante alega ainda que o projeto de RIT foi devidamente assinado pelo inspetor responsável pela ação inspetiva, seguido de parecer confirmativo do chefe de equipa, mas. sem parecer do chefe de divisão, violando por isso o art. 62.º, n.º 5, do RCPIT, por falta de sancionamento superior das suas conclusões.
No entanto, uma coisa é o projeto do RIT, previsto no art. 60.º, n.º 1, do RCPIT, outra bem diferente é o RIT, previsto no art. 62.º do RCPIT.
A impugnante alega que o projeto de RIT foi devidamente assinado pelo inspetor responsável pela ação inspetiva, seguido de parecer confirmativo do chefe de equipa, mas, sem parecer do chefe de divisão, violando por isso o art. 62.º, n.º 5, do RCPIT, por falta de sancionamento superior das suas conclusões.
Ora de acordo com o art. 60.º, n.º 1 do RCPIT, o projeto de RIT não carece de parecer do chefe de divisão, não podendo dizer-se que foi violado o art. 62.º, n.º 5, do RCPIT, por falta de sancionamento superior das suas conclusões.
O art. 60.º, n.º 1, d RCPIT exige apenas que o projeto de RIT seja assinado pelo seu autor, ou seja, pelo inspetor responsável pela ação inspetiva e acompanhado do parecer confirmativo do chefe de equipa.
Resulta do projeto do RIT, que o projeto do RIT se encontra assinado pelo inspetor responsável pela ação inspetiva e tem assinado o parecer confirmativo do chefe de equipa, pelo que não padece de qualquer ilegalidade.
A impugnante está a exigir para o projeto de RIT o sancionamento superior previsto no art.62.º, n.º 6, do RCPIT, que só é exigível para o RIT.
Pelo que, também quanto a este argumento a impugnante não tem razão.»
Sem necessidade de mais considerandos aderimos integralmente ao assim decidido, nem se entendendo o recurso apresentado, com particular incidência neste segmento, pois que a própria Recorrente no corpo das alegações refere expressamente que “No caso sub judice, após conclusão da acção inspectiva, foi elaborado projecto de relatório, que foi devidamente assinado pelo inspector responsável pela acção inspectiva, seguido de parecer confirmativo do chefe de equipa, mas, sem parecer do chefe de divisão.”, para depois em sede conclusiva, item C), afirmar tão só que “O acto inspectivo, não se encontra sancionamento pelo chefe de equipa, tal como determina o n.º 5 do art. 62º do RCPIT.”.
Ora, parafraseando a sentença sob recurso, o vício apontado pela Recorrente reporta-se ao projecto de RIT sem qualquer aderência aos conteúdos disciplinados no artigo 62º do RCPIT, sendo que o normativo a que lhe corresponde, o artigo 60º do citado diploma não prevê o sancionamento superior a que alude.
Improcede, igualmente o recurso neste segmento.
2.2.4. Do erro nos pressupostos da correcção da matéria tributável
A Recorrente discorda, a final, do decidido quanto à improcedência de vício de erro nos pressupostos das correcções, alegando que “A admitir-se que no caso sub judice a A.F. tinha razão quanto às correcções efectuadas no exercício de 2005, relativamente à dedução de custos por contabilização de créditos incobráveis, não é menos verdade, que ao abrigo do princípio da legalidade, sobre a A.F. impendia o dever de proceder à realização das correspondentes correcções no exercício de 2006” pois que “Se pelo facto de a incobrabilidade do crédito elevado a custos do exercício não ter na sua génese um processo de insolvência ou execução que conferisse legitimidade para ser deduzido como custo do exercício nos termos do art. 39º do CIRC, tendo-se demonstrado que a devedora foi declara insolvente no ano de 2006, A.F. podia e deveria ter efectuado correcções aos custos declarados no ano de 2006, adicionando-lhe o valor do crédito que por insolvência da devedora se tornou incobrável.” ao não ter relevado tal AT comete uma manifesta injustiça. (vide conteúdo das conclusões E) a H))
A este respeito, na sentença recorrida fundamentou-se e decidiu-se o seguinte:
«Quanto ao erro nos pressupostos relativamente aos custos do exercício não considerados, de acordo com o disposto no art.39.º do CIRC deve obedecer a determinados pressupostos para ser aceite fiscalmente, como seja o facto do custo em causa dever resultar de processo especial de recuperação de empresa, de execução, falência ou insolvência, sendo que qualquer uma destas situações tem de ser comprovada, o que a impugnante não faz.
No que respeita às correções promovidas sobre a rubrica créditos incobráveis, alega a impugnante que em virtude de ter demonstrado que a devedora Lidecarnes foi declarada insolvente em 2006, a admitir-se a correção efetuada no exercido de 2005, no valor de € 243.256,66, se impunha à AF o dever de proceder à correspondente correção aos custos declarados no ano de 2006.
Considera a impugnante que a ação veiculada pela AF no exercício de um poder vinculado (correção de custos fiscais), manifesta-se numa situação de flagrante injustiça, pelo que deveria abster-se de realizar as correções à matéria tributável.
Ora, resulta do ponto III.1 do RIT, que a impugnante considerou como custo o valor da divida sobre a qual instaurou injunção à sua cliente «G, S.A.» (nomeadamente, € 12.182,88).
Os SIT constataram que o crédito incobrável não resultou de processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, nem foi constituída provisão.
No caso em análise, o exercício em inspeção é de 2005, o registo contabilístico em causa é um custo na conta 69 Créditos Incobráveis, que de acordo com o art.39.º do CIRC deve obedecer a determinados pressupostos para ser aceite fiscalmente, como sejam: o custo em causa deve resultar de processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processos de execução, falência ou insolvência. Tendo qualquer destas situações de ser provada.
Resulta dos autos que, em 2004, a impugnante interpôs um processo de injunção junto do Tribunal competente, reclamando a dívida em questão.
Sucede que, no ano de 2005, não comprovou que nada recebera da devedora em função daquele processo.
A declaração de insolvência da devedora «G, S.A.» é de 06.03.2006, tendo sido publicada na II Série do DR, n.º 46, de 06.03.2006.
O registo contabilístico questionado pelos SIT refere-se ao exercício de 2005.
Pelo que, terá que ser nesse exercício, que têm de ser analisados os pressupostos do art. 39.º do CIRC, para efeitos da sua aceitação fiscal.
Para aquele exercício, não poderia ser constituída uma provisão a 100%, uma vez, que, os créditos tinham a data de 07.2004 a 10.2004 e, como tal, eram inferiores a 2 anos.
Por outro lado, a impugnante foi notificada através do Ofício n.º ...38, de 19.04.2011 (através do seu mandatário) para apresentar certidão comprovativa de que (em função da referida insolvência) não tinha recebido quaisquer importâncias do valor reclamado judicialmente.
Na sequência do que apresentou certidão emitida em 29.04.2011, pelo Tribunal Judicial de ..., referente à insolvência da sociedade «G, S.A.».
Nessa certidão, não consta que a sociedade ora impugnante, haja reclamado o seu crédito ou o seu valor.
Resulta do teor da sentença que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, não estando essa satisfação de outra forma garantida.
Sucede que em função do registo contabilístico efetuado pela impugnante, este não cumpre os requisitos previstos no art. 39.º do CIRC.
Efetivamente, embora a empresa devedora tenha cessado a sua atividade e tenha sido declarada insolvente, era de todo necessário reconhecer, para considerar o custo como crédito incobrável, que a empresa credora não tenha recebido quaisquer importâncias relativas à dívida em causa.
Ora, na certidão a que nos referimos, tal facto não se encontra cabalmente esclarecido, uma vez, que, a empresa não reclamou o seu crédito, em sede própria. Apenas considerou o custo como crédito incobrável pelo facto de ser declarada a insolvência da devedora
É certo que, em 2004 a impugnante interpôs um processo de injunção, reclamando a dívida em questão, mas em 2005, não comprovou que nada recebera da devedora, em função daquele processo, e por sua vez, a declaração de insolvência da devedora da impugnante que deu causa à contabilidade desse custo, só foi publicada no DR de 06.03.2006, ou seja, depois do exercício fiscal de 2005, em que não foi aceite a contabilização deste custo.
Neste contexto, aquele custo contabilístico não pode ser aceite no exercício de 2005 e foi esta a razão da não admissão desse custo, que deu origem à correção objeto dos presentes autos.» (fim de transcrição)
Vejamos.
No que se refere aos créditos incobráveis, a possibilidade de serem directamente considerados custos (terminologia própria do artigo 23.º do CIRC na versão aplicável) estava prevista no artigo 39.º do CIRC (actual artigo 41º do CIRC, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), que dispunha: “Os créditos incobráveis podem ser directamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente”. Ou seja, à luz do disposto no artigo 39.º do CIRC, para que um crédito seja considerado incobrável, permitindo dessa forma o seu reconhecimento directo como custo fiscal do exercício, é necessário que essa incobrabilidade resulte de um processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência e é ainda necessário que, relativamente a esses créditos, não seja possível constituir provisão, ou sendo possível constituí-la, esta não se mostre suficiente (neste sentido entre outros confirmar Acórdãos do STA de 10.10.2012, in processo n.º 782/12 e de 04.11.2015, in processo 963/13).
Na génese da presente norma, impera o não ser de relevar na formação do lucro tributável os créditos que comprovadamente as empresas têm dificuldades ou não conseguem cobrar, o legislador criou um regime de constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, bem como um regime de custos por créditos incobráveis; mas, sendo certo que entre as finalidades prosseguidas pelas empresas não está a concessão de perdões de dívidas ou outras liberalidades, procurou evitar-se que as sociedades criem custos fora do âmbito daqueles regimes, prevenindo quer a ilegítima manipulação do lucro tributável, quer eventuais fraudes à lei.
Volvendo aos autos está demonstrado que o crédito em questão tinha a data de 07.2004 a 10.2004, que em 2004 a Recorrente/impugnante interpôs um processo de injunção junto do Tribunal competente, reclamando a dívida em questão. No ano de 2005, não comprovou que nada recebera da devedora em função daquele processo. A declaração de insolvência da devedora «G, S.A.» data de 06.03.2006, tendo sido publicada na II Série do DR, n.º 46, de 06.03.2006. O registo contabilístico questionado pelos SIT refere-se ao exercício de 2005.
A AT considerou que o registo contabilístico em causa é um custo na conta 69 Créditos Incobráveis, que de acordo com o artigo 39.º do CIRC deve obedecer a determinados pressupostos para ser aceite fiscalmente, como custo para efeitos fiscais, que in casu não se mostram verificados os requisitos que permitiriam o reconhecimento directo da incobrabilidade do crédito, designadamente porque tal incobrabilidade não foi verificada em processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou em processo de execução, falência ou insolvência, como o exige o citado artigo.
Tal como a sentença, também nós entendemos que bem andou a AT ao desconsiderar como custo fiscal o montante da dívida reportado como custo fiscal. Na verdade, não tendo sido constituídas provisões para fazer face ao risco de incobrabilidade desse crédito, o mesmo apenas poderia ser reconhecido directamente como custo para efeitos fiscais caso se se verificassem os referidos requisitos do artigo 39.º do CIRC – ou seja, que a incobrabilidade do crédito resultasse demonstrada de um processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, o que não sucede.
Mais se diga, que sendo a ora Recorrente quem pretende relevar a incobrabilidade do crédito como custo fiscal, sobre ela terá de recair o ónus da demonstração dos requisitos que o permitem, ou seja, o non liquet sobre esta questão será resolvido contra ela. Sendo certo que a questão do inquisitório se coloca a montante da do ónus da prova, e sendo certo também que a AT está obrigada pelo artigo 58.º da LGT a desenvolver as diligências necessárias à descoberta da verdade material, de acordo com o princípio do inquisitório que vigora em sede do procedimento tributário. E, não podemos olvidar que resulta dos autos que: a Recorrente foi notificada através do Ofício n.º ...38, de 19.04.2011 (através do seu mandatário) para apresentar certidão comprovativa de que em função da referida insolvência não tinha recebido quaisquer importâncias do valor reclamado judicialmente./ Na sequência do que apresentou certidão emitida em 29.04.2011, pelo Tribunal Judicial de ..., referente à insolvência da sociedade «G, S.A.»./ Nessa certidão, não consta que a sociedade ora impugnante, haja reclamado o seu crédito ou o seu valor./ Resulta do teor da sentença que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, não estando essa satisfação de outra forma garantida.
Ora, para o efeito que nos interessa considerar – o da incobrabilidade do crédito susceptível de relevar directamente como custo fiscal o que o legislador entendeu relevar foi, unicamente, a incobrabilidade do crédito que resultasse demonstrada de um processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, o que manifestamente não ocorre nos presentes autos, por referência ao exercício de 2005.
É certo que, em 2004 a impugnante interpôs um processo de injunção, reclamando a dívida em questão, mas em 2005, não comprovou que nada recebera da devedora, em função daquele processo, e por sua vez, a declaração de insolvência da devedora da impugnante que deu causa à contabilidade desse custo, só foi publicada no DR de 06.03.2006, ou seja, depois do exercício fiscal de 2005, e de que no âmbito da mesma não foi aceite a contabilização deste custo.
Aqui chegados, entramos no cerne do recurso, qual seja a da injustiça de o custo fiscal não ser reportado pela AT no exercício de 2006.
Tal pretensão da Recorrente, passaria por aceitar a derrogação do princípio da especialização dos exercícios por prevalência do princípio da justiça, o que só teria alguma justificação se uma situação de manifesta injustiça decorressesse dos autos, ou seja, conquanto fosse alegada e analisada factualidade nesse sentido e na sua decorrência controlados os registos contabilísticos e seus impactos no exercício em que se verificou a violação do princípio, por referência ao exercício em que se procedeu ao registo e aos exercícios posteriores, pois, só assim, seria possível aferir da injustiça do resultado imposto pelas correções promovidas pela AT, nos termos avançados pela Recorrente. O que desde já se diga que em conformidade com o julgado pelo Tribunal a quo está longe de ter ficado demonstrado.
Mais se diga, concretizando, que tal passaria pela análise ao exercício de 2006, o qual não está a coberto dos presentes autos, mas também, que não podemos olvidar o perigo que surge da aceitação da derrogação do cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, a fomentar uma barreira demasiado onerosa entre o justo e o injusto, por o que resulta injusto para os contribuintes que cumprem e respeitam o princípio da anualidade ou que, verificando o seu incumprimento, recorrem aos meios legalmente previstos para reparação dos seus erros ou omissões, o que pode redundar numa violação do princípio da igualdade e da justiça em sentido exactamente oposto à pretensa violação do princípio da justiça invocado pela Recorrente.
Acresce ainda, que o princípio da especialização dos exercícios está ancorado na prossecução do interesse público da prevenção e combate da evasão fiscal.
Conclui-se assim, em consonância com o decidido na sentença sob recurso, que o caso sub judicio não se enquadra no tipo de situações que a aplicação do princípio da justiça pretende salvaguardar, desde logo, porquanto, não ficou demonstrada qualquer injustiça que permitisse equacionar a derrogação do princípio da especialização dos exercícios, pelo que não pode, nem é exigido a AT sobrepor-se aos acto de gestão e opções contabilísticas dos sujeitos passivos.
Temos, pois, que atenta a prova constante dos autos a asserção em que assenta o princípio da especialização dos exercícios, o princípio da justiça não oblitera, donde resulta que a Recorrida AT, in casu, não levou à prática correcção e subsequente liquidação de IRC enfermada de ilegalidade.
Atento o que supra ficou expresso, deve ser negado provimento ao presente recurso mantendo-se a decisão recorrida na ordem jurídica, complementada com a presente fundamentação.
2.3. Conclusões
I. Os elementos carreados para o RIT no âmbito de Despacho proferido previamente à emissão da Ordem de Serviço mostram-se devidamente credenciados, e a utilização daqueles elementos recolhidos à margem da realização de qualquer outro acto na sequência da emissão de Ordem de serviço, não discorre qualquer invalidade por falta de credenciação – artigo 46º n.º 1 e n.º 4 do RCPIT.
II. A omissão do prazo de cinco dias prévios a que alude a notificação do artigo 49.º do RCPIT, não tem efeitos invalidantes se o interessado vir assegurada a sua participação, nomeadamente se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo, nos termos dos artigos 60.º da LGT.
III. Para que o crédito em causa nos autos, pudesse ser directamente considerado como custo ou perda do exercício de 2005 tinha de ser incobrável, qualidade que devia resultar de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, o que no caso não se verifica.
IV. Se o credor tinha a possibilidade legal de constituir provisão para créditos de cobrança duvidosa mas não o fez no exercício de 2005 nem nos anteriores também não se verificam os pressupostos para aceitação do crédito como custo fiscal do exercício de 2005, ao abrigo do estatuído, à data, no artigo 39. ° do CIRC.
V. A derrogação do princípio da especialização dos exercícios por prevalência do princípio da justiça, só poderia ser ponderada numa situação de manifesta injustiça a decorre da factualidade dos autos

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 13 de abril de 2023

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis