Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00235/03-Mirandela
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/26/2015
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Mário Rebelo
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS.
REQUISITOS.
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. O IVA - e o IRC – são impostos determinados com base na contabilidade (fiável) do sujeito passivo, creditada com a presunção de verdade e boa fé (art.º 75º/1 LGT), com base na qual se procede ao cálculo da matéria tributável apurando o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação (art.º 83º/1 LGT).
2. Mas se as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, aquela presunção de verdade e boa fé não persiste (art.º 75º/1,2,a) LGT).
3. E se mercê dessa infidelidade se tornar impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (art.º 87º/1,a) e 88º LGT) há que proceder à avaliação indirecta.
4. Visando esta, não já a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, mas sim a determinação destes a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (art.º 83º/2 LGT).
5. A distribuição do encargo probatório no procedimento de avaliação indirecta está prefigurada na lei: compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação; ao sujeito passivo cabe o encargo de provar excesso na respectiva quantificação (art.º 74º/3 CPPT, na linha do que dispõe o art.º 344º/2 do Código Civil).
6. Ou seja, demonstrada a verificação dos pressupostos da avaliação indirecta, o sujeito passivo pode opor-se com sucesso à liquidação mediante prova do excesso na sua quantificação. Isto sem prejuízo de a partir da prova efectuada resultar fundada dúvida sobre a quantificação (ou existência) do facto tributário (art.º 100º/1 CPPT).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:B..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

B…, Lda, inconformado com a sentença proferida no TAF de Mirandela que julgou totalmente improcedente a ação de impugnação contra as liquidações de IVA referentes aos anos de 1998 e 1999 nos valores de € 8.343,11 e 27.827,16 como liquidações de juros compensatórios na importância total de € 4.410,89 dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:

A) A contabilidade da empresa estava organizada de acordo com as exigências legais.
B) - A Inspecção Tributária não detectou nenhum erro na contabilidade.
C - Não detectou nenhum dado viciado.
D - Não verificou nenhuma ocultação de documentos ou quaisquer elementos que relevem para efeitos de contabilidade e do apuramento fiscal.
E - Não foi obtido nenhum dado através de cruzamento de informação que retirasse qualquer credibilidade ao declarado pela impugnante.
F - Não foram ouvidos clientes nem fornecedores ou empregados da empresa, que pudessem levar a qualquer conclusão.
G - Assim sendo, a acção inspectiva não encontrou nada que lhe permitisse a mais pequena correcção técnica ou aritmética mas somente pressupostos já contestados por não terem qualquer coerência com a realidade, mas que estes ou outros semelhantes, teriam de ser encontrados para poder utilizar arma habitualmente utilizada, dos métodos indirectos, quando a própria Lei diz deverem ser utilizados quando haja impossibilidade da avaliação directa.
H - Só que para isso eram necessários dados fundamentados que não encontrou nem poderia encontrar, pois a contabilidade reflecte a situação económica e fiscal da empresa.
I - A I.T., presumiu quantidades de matérias-primas com base na presunção de quantidades utilizadas por cada produto.
J - Com base nos valores presumidos, presumiu as quantidades que deveria presumivelmente consumir.
L - Com base nessas quantidades presumidas, presumiu que se a areia declarada consumida era superior à areia que presumivelmente deveria ter consumido, presumiu ainda que afinal as quantidades iniciais presumidas ficavam aquém das que deveria ter presumido.
M - Com base nos valores calculados presumidos de areia, voltou outra vez e finalmente a presumir quais as quantidades de cimento e gravilha afinal tinham sido omitidas às compras.
N - Como finalmente tinham acabado as presunções das compras, passou à presunção das vendas.
O - Para isso, utilizou margens que não apurou, mas que também poderia ter presumido, mas que diz serem da Direcção-Geral dos Impostos.
P - Quer para o ano de 1998, quer para o ano de 1999, utilizou os mesmos rácios.
Q - Como os rácios a que se refere, são meros números estatísticos, resultante das declarações dos contribuintes e das empresas, não é normal em ambos os anos serem os mesmos, pois a sua variação de ano para ano, por vezes é abismal.
R - A contabilidade reflecte a situação económica e fiscal da sociedade.
S - A Inspecção Tributária podia perfeitamente comprovar e quantificar directamente e exactamente os elementos necessários à correcta determinação da matéria colectável.
T - Aliás os mesmos estavam reflectidos na contabilidade da sociedade.
U - Não faltavam elementos na contabilidade.
V - A recorrente colocou à disposição da Inspecção Tributária todos os elementos solicitados.
X - Não existe qualquer discrepância entre os valores declarados e os valores de mercado.
Z - Não se justiça pois o recurso à avaliação por métodos indirectos.



Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada, considerando-se a impugnação judicial procedente.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Sra. PGA junto deste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, são as seguintes:
(i) Saber se a sentença enferma de erro no julgamento da matéria de facto, omitindo
factos que ficaram, na realidade, provados.
(ii) Saber se estavam reunidos os pressupostos para recurso à avaliação da matéria colectável por métodos indirectos.
(iii) E por último, saber se a quantificação da matéria tributável foi errada, ou assente em raciocínios contrariados pela prova.

Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTOS DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados:
1. A Administração Fiscal (A. Fiscal), mediante acção de fiscalização efectuada à ora Impugnante, detectou a existência de elevado movimentos a crédito sem qualquer documento de suporte e sem consonância com os extractos bancários; a verificação de movimentos a débito sem suporte e de dissonância entre os depósitos, transferências e juros creditados com os registos efectuados; promiscuidade de contas e de movimentos nas mesmas.
Facto provado pelos documentos integrados nos autos, bem como pela prova testemunhal produzida.
2. Estas irregularidades foram aliás reconhecidas pelo próprio Técnico Oficial de Contas (TOC) no respectivo depoimento testemunhal prestado nesta sede judicial. Aquele TOC, ouvido como 1ª testemunha reconheceu também que os cálculos efectuados pela A. Fiscal na quantificação partiram de dados fornecidos por um trabalhador da própria empresa, não tendo nos autos sido contrapostas outras quantidades, nomeadamente inferiores àquelas obtidas pela A. Fiscal.
Facto provado pelos documentos integrados nos autos, bem como pela prova testemunhal produzida.
3. A reclamação para a Comissão de Revisão previamente interposta pela ora Impugnante já havia obtido uma parcial procedência no que concerne à atenção de quebras e desperdícios em 25% para 1998 e em 20% para 1999, no sector da produção, e em 10% para 1998 e em 5% para 1999, no sector da comercialização.
Facto provado pelos documentos integrados nos autos.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A impugnante, ora recorrente, foi sujeita a fiscalização externa referente aos exercícios de 1998 e 1999 que culminou com correcções por métodos indirectos em sede de IVA e IRC.
Não tendo havido acordo no procedimento de revisão da matéria tributável, a impugnante deduziu impugnação judicial contra as liquidações de IVA. Alegou que a contabilidade estava organizada de acordo com as exigências legais, não havia fundamentos para recurso à avaliação indirecta e que a quantificação está errada.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença julgando totalmente improcedente a impugnação.
E desta vem o presente recurso.


A primeira questão que se colca é precisamente saber se a sentença enferma de erro no julgamento da matéria de facto, na medida em que a recorrente nas suas alegações e conclusões (que versam, na sua totalidade, sobre este erro) refere que, em relação aos factos provados na sentença, outros deveriam ter sido os factos dados como provados de acordo com a prova produzida e constante dos autos.

O erro no julgamento da matéria de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto (ac. deste TCAN n.º 00390/05.9BEBRG de 30-10-2014 Relator: Cristina Flora).

O erro deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro; e fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.

É o que resulta do art.º685-B) do CPC (correspondente ao actual 640.º/1 do NCPC, com alterações):
“1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento no erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.

O incumprimento destas regras, acarreta, como expressamente diz a lei, a rejeição do recurso (na parte afectada), não havendo lugar a despacho de aperfeiçoamento relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto.

Como refere António Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil – Novo Regime. Almedina, 2008, pp. 146 e segs..
A rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, deve verificar-se perante alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda, quando tenha sido concretamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos;
e) Falta de apresentação da transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos;
f) Falta de especificação dos concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes de gravação quando, tendo esta sido efectuada por meio de equipamento que permitia a indicação precisa e separada, não tenha sido cumprida essa exigência por parte do tribunal…»

E adianta o mesmo autor que estas exigências «..devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2.ª instância» (op. cit. pp 147)

Ora, tendo em conta o exposto, o recurso não pode deixar de improceder na parte em que impugna a decisão da matéria de facto por manifesta falta de cumprimento do ónus previsto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 685º-B do CPC. A recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem menciona quais os meios probatórios que impunham decisão diferente da recorrida.

É certo que o art.º 712 do CPC permite a alteração da decisão sobre a matéria de facto, (nalguns casos mesmo oficiosamente), nas seguintes condições:

Em primeiro lugar, quando constarem dos autos todos os elementos onde o tribunal fundou a decisão relativamente aos pontos impugnados (alínea a) 1ª parte).

Pode ser modificada a decisão da matéria de facto quando, na parte impugnada, tenha sido exclusivamente sustentada na apreciação, isolada ou conjunta, de documentos, de declarações confessórias, de depoimentos escritos ou de relatórios periciais, sem exclusão sequer do uso simples ou conjugado das regras de experiência congregadas em presunções judiciais. Outrossim quando a decisão se tenha fundado, no todo ou em parte, em depoimentos oralmente prestados, mas que tenham sido registados . arts. 626.°, 627.° e 639.°-A) ou tenham sido obtidos por carta rogatória. (António Abrantes Geraldes, op. cit. pp. 276.

Em segundo lugar, pode ser modificada a decisão da matéria de facto quando relativamente aos pontos de facto impugnados tenham sido gravados depoimentos oralmente produzidos (alínea a ) 2ª parte).

Em terceiro lugar, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (alínea b)
Este segmento abarca as situações nas quais constam do processo elementos que, por si só, determinam uma decisão diversa e cujo valor probatório seja insusceptível de ser afectado ou perturbado pela análise de outros meios probatórios, como ocorre quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força probatória plena de certo meio de prova.

Em quarto lugar, pode modificar-se a decisão da matéria de facto quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente e que por si só, seja suficiente para destruir a prova em que o tribunal fundou a decisão (alínea c).

A possibilidade de modificação prevista nesta alínea está dependente da iniciativa do recorrente, enquadrada naturalmente na sequência dos fundamentos apresentados e que terá sintetizado em conclusões.

A verdade é que nenhum destes pressupostos estão presentes, pelo que também ao abrigo desta norma não pode este TCA alterar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto.


(ii) O segundo vício que cumpre analisar e indagar é saber se estavam reunidos os pressupostos para recurso à avaliação da matéria colectável por métodos indirectos.

Nas conclusões A) a F) e R) a Z) a recorrente coloca em causa a verificação dos pressupostos para recurso à avaliação indirecta. Segundo defende, a contabilidade estava organizada de acordo com as exigências legais, não houve ocultação de documentos, a contabilidade reflecte a situação económica e fiscal da sociedade e a Inspecção Tributária podia perfeitamente, comprovar e quantificar directa e exactamente, os elementos necessários à correcta determinação da matéria colectável.

O IVA - e o IRC – são impostos que não obstante incidirem sobre factos tributários diferentes, são ambos determinados com base na contabilidade (fiável) do sujeito passivo, creditada com a presunção de verdade e boa fé (art.º 75º/1 LGT), a partir da qual se procede ao cálculo da matéria tributável apurando o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação (art.º 83º/1 LGT).

Porém, se as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo cessa a presunção de verdade e boa fé nas declarações dos contribuintes e nos apuramentos inscritos na sua contabilidade (art.º 75º/1,2,a) LGT).

E se mercê dessa infidelidade se tornar impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (art.º 87º/1,a) e 88º LGT) há lugar à avaliação indirecta. Visando esta, não já a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, mas sim a determinação destes a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (art.º 83º/2 LGT).

Este modo de determinação da matéria tributável só pode efectuar-se nos casos previsos no art.º 87º e 88º LGT, assumindo especial relevo, pela sua incidência prática, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (art.º 87º/1,b) LGT).

A distribuição do encargo probatório no procedimento de avaliação indirecta está claramente desenhada na lei: compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (art.º 74º/3 CPPT, na linha, aliás, do que dispõe o art.º 344º/2 do Código Civil).

Ou seja, demonstrada a verificação dos pressupostos da avaliação indirecta, o sujeito passivo pode opor-se com sucesso à liquidação mediante prova do excesso na sua quantificação. Isto sem prejuízo de a partir da prova efectuada resultar fundada dúvida sobre a quantificação (ou existência) do facto tributário (art.º 100º/1 CPPT).

Então, com base nestes princípios verificaremos se cada uma das partes cumpriu o ónus que lhe cabia.

Embora os factos provados estejam organizados e fixados de forma algo simplista, ainda assim é possível comprovar que, do lado da ATA, se recolheram elementos probatórios que descredibilizam a contabilidade do sujeito passivo. Com efeito, se esta apresenta elevados movimentos a crédito sem qualquer documento de suporte e sem consonância com os extractos bancários bem como movimentos a débito sem suporte e de dissonância entre os depósitos, transferências e juros creditados com os registos efectuados, devemos concluir, no mínimo, que foram sonegados documentos comprovativos das operações efectuadas, ou que os movimentos dizem respeito a outras contas bancárias que não foram sujeitas a tratamento contabilístico.

Aliás, note-se que como se refere na sentença «Todas estas irregularidades foram aliás reconhecidas pelo próprio Técnico Oficial de Contas (TOC) no depoimento testemunhal que veio prestar nesta sede judicial, tendo em justificação invocado o baixo nível de escolaridade dos respectivos sócios e gerentes da Impugnante».

Como quer que seja, parece claro que a contabilidade não merece credibilidade e não se vê como a partir dela se pode comprovar e quantificar directamente a matéria colectável.

Do lado da impugnante, ora recorrente, cabia-lhe abalar estes pressupostos. E se o não conseguisse, restava-lhe ainda demonstrar ter havido excesso na quantificação.

Os pressupostos para a avaliação indirecta não foram abalados de modo nenhum pela impugnante. E quanto ao excesso na quantificação da matéria colectável, veremos de seguida.

iii)A recorrente imputa às liquidações o vício de errada quantificação em várias das suas conclusões. Destacamos as alíneas G) a Q e X) nas quais a recorrente «discorda» das presunções extraídas pela ATA e dos «rácios» usados para cálculo da matéria sujeita a tributação.

Sabe-se que nas situações em que é impossível determinar directamente a matéria tributável e só através de presunções ou indícios esta se pode conhecer há um certo «risco», na medida em que há sempre dúvidas sobre a sua quantificação real, pois os métodos indirectos tomam em consideração indicadores que apenas podem fornecer uma indicação aproximada do valor que a matéria tributável provavelmente teria (assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, I, Áreas Editora, 2006, pp. 723)

Contudo, embora a avaliação indirecta constitua um modo aproximado de determinação da matéria tributável em que pela própria natureza do método empregue nunca pode garantir a correspondência entre a quantificação e a realidade (cfr. ac. do STA n.º 026679 de 24-04-2002 (Relator: JORGE DE SOUSA), o sujeito passivo nem por isso fica à mercê de uma carga tributária excessiva resultante de factores, critérios discricionários ou exorbitantes que não suportaria no modo de avaliação directa. Não só porque a AT está vinculada na sua actuação aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (art.º 266º/2 da Constituição e 55º a 60 LGT) mas também porque o contribuinte pode demonstrar haver excesso na quantificação (art.º 74º/3 LGT) - para além de outros vícios invalidantes do procedimento.

Com efeito, sendo a incerteza da quantificação na avaliação indirecta uma hipótese (muito) possível como consequência do método utilizado na determinação da matéria tributável «…que por culpa do contribuinte não foi apurada através da forma normal dadas as deficiências que a sua escrita comercial apresentava ou dada a sua pura e simples falta, cabe àquele a quem o método é oposto (o contribuinte) o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada»( Ac. deste TCAN n.º 00165/04 de 24-02-2005 (Relator: Dulce Neto) in www.dgsi.pt)

Como se referiu supra, uma vez demonstrada a verificação dos pressupostos para a avaliação indirecta, o sujeito passivo pode opor-se com sucesso à liquidação mediante prova do excesso na sua quantificação (art.º 74º/3 LGT), podendo ainda, a partir da prova realizada, resultar fundada dúvida sobre a quantificação (ou existência) do facto tributário (art.º 100º/1 CPPT).

Porém a fundada dúvida sobre a quantificação não pode ser uma dúvida de «partida», mas antes o resultado de um «percurso» probatório empreendido pelas partes, no termo do qual o julgador se confronta com uma dúvida inultrapassável pela prova. Isto porque a norma do art.º 74º/3 LGT devidamente articulada com o disposto nos art.º 100º/1 CPPT e 414º do CPC, leva-nos a concluir que só após o labor probatório do onerado com vista à demonstração do excesso na quantificação se poderá concluir que esta não revela o mínimo de segurança jurídica, por estar desfasada da realidade, ou por assentar em pressupostos infirmados, ou por o critério usado ser ostensivamente desadequado, concluindo-se então, haver dúvida sobre a quantificação.

Antes desse esforço probatório a dúvida, como ponto de partida, não é fundada, e não se pode repercutir na validade da liquidação; deve antes ser dissipada pela ação probatória em função do ónus que cada um suporta (Como salientam Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pp. 236: «A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se «fundada», se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário». Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder –dever inquisitório, diligenciar também comprová-los. Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se pelo fundamento daquela dúvida).

Mas os cálculos referentes à quantificação da matéria tributável não só não foram contrariados pela prova, como também se conclui que os mesmos foram extraídos a partir de dados fornecidos por um trabalhador da impugnante. A sentença dá conta disso mesmo «É que, conforme também reconheceu aquele TOC, ouvido como 1ª testemunha, os cálculos efectuados pela A. Fiscal na quantificação partiram de dados fornecidos por um trabalhador da própria empresa e não obstante se invocar que a humidade pode alterar, para mais, as quantidades de produto para a fabricação dos artefactos de betão e de assim se pretender pôr em causa fiabilidade dos dados utilizados pela A. Fiscal, o certo é que e não aditou, e muito menos se provou, como era necessário que tivesse acontecido, em que percentagem isso se reflectiu»

Não vislumbramos, por isso, que a recorrente tenha com sucesso feito prova suficiente capaz de pôr em dúvida a existência e quantificação do acto tributário, nem a circunstância de terem sido utilizados os mesmos rácios para os dois exercícios permite tirar tal conclusão. (cfr. ac. do TCAS n.º 04335/10 de 18-10-2011 Relator: ANÍBAL FERRAZ 2. Sendo característico das situações apontadas por lei como de impossibilidade de avaliação directa da matéria tributável o aparecimento de dúvidas sobre a quantificação real, inerentes e consequentes da utilização de métodos indirectos, que, actuando indicadores, sempre e só podem alcançar um valor aproximado do que provavelmente a matéria tributável efectiva terá tido, só é viável e legalmente sustentável uma decisão no sentido da anulação do acto tributário impugnado, por alegado erro em sede de quantificação da matéria tributável, caso o impugnante, sem reticências ou necessários reparos, demonstre, comprove, a ocorrência de “erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada”.
3. Assim, não aproveita ao impugnante uma actuação processual e, sobretudo, probatória, direccionada e orientada pelo, simplista e preguiçoso, objectivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário. É imprescindível um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável».

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Porto, 26 de Fevereiro de 2015.

Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira