Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01468/16.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/15/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; SUSPENSÃO DA COMISSÃO DE SERVIÇO DO AUTOR DO CARGO DE VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO NORTE (CCDR NORTE);
ASSUNÇÃO DO CARGO DE SECRETÁRIO DE ESTADO; LEI N.° 2/2004, DE 15 DE JANEIRO;
ELEMENTOS DE INTERPRETAÇÃO DA LEI;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» instaurou Acção Administrativa contra o MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO e INFRA ESTRUTURAS, ambos melhor identificados nos autos, mediante a qual peticiona a anulação do despacho do secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, datado de 09.03.2016, de concordância, exarado sobre o parecer datado de 09.03.2016, que propunha a emissão de despacho de anulação dos seguintes actos, com fundamento na respectiva invalidade, (i) do despacho de autorização do Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e do (ii) despacho de concordância do Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional, proferidos em 30.10.2015 e 15.11.2015, respectivamente, relativos à suspensão da comissão de serviço do Autor do cargo de Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR Norte).
Terminou, formulando a seguinte pretensão: “deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, serem anulados os despachos impugnados”.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1. O artigo 25.°, n.° 1, alínea b) da Lei n.° 2/2004 não é uma norma excepcional, ao prever os casos em que, não obstante a tomada de posse seguida de exercício a qualquer de outro cargo ou função (regime regra), a comissão de serviço de cargo não cessa.

2. Será, quando muito, uma norma especial.

3. O entendimento da sentença recorrida para considerar tal norma excepcional é redutor, e literal, uma vez que a expressão “salvo” significa uma delimitação concreta da norma, o que não significa que ela seja norma excepcional, o que só se pode extrari de todo o sistema normativo do ciploma legal e do instituto.

4. No caso sub judice o regime em causa que prevê a não cessação da comissão de serviço nos casos previstos de suspensão ou em que seja permitida a acumulação nos termos da lei, não obstante os funcionários administrativos iniciarem outras funções, opõe-se à regra geral, como desde logo denúncia a expressão “salvo”.

5. O que o Recorrente pretende é uma interpretação extensiva e não analógica de tal norma.

6. A sentença recorrida faz uma inadequada e indevida interpretação restritiva da norma ao entender que o artigo 26.º-A da Lei n.º 2/2004 apenas prevê a suspensão da comissão de serviço para os titulares dos cargos de direcção superior de 2.º grau quando estes sejam exclusivamente designados para gabinetes de membros do governo ou equiparados ou em regime de substituição e não sendo essa a situação do Autor (que ocupou cargo ou função de membro do governo), não se verifica a segunda parte do artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 2/2004 pelo que a comissão de serviço do aqui Autor cessou pela tomada de posse como Secretário e Estado da Invocação, Investimentos e Competitividade, em 30 de Outubro de 2015, uma vez que o exercício destas funções não suspende a comissão de serviço.

7. Tal errada interpretação dos artigos 25.º, n.º 1, alínea b), e 26.º-A da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, na redacção dada pela Lei n.º 64/2011, impede que se considere que se a lei prevê a suspensão da comissão de serviço para os membros do gabinete do governo, por maioria de razão, e por imperiosa razão de interesse público , a suspensão da comissão de serviços deve verificar-se no caso em que o titular do cargo dirigente venha a exercer funções governativas.

8. Isto, porque o interesse público de integrar um órgão de soberania (o Governo) é muito superior ao interesse público inerente à integração num gabinete ministerial.

9. Interpretando o preceito em causa verifica-se que estamos perante uma situação em que o intérprete, ao reconstituir a parte do texto da lei, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 9', do CC, chega necessariamente à conclusão de que o legislador, ao formular a norma, exprimiu, restritivamente o seu pensamento, dizendo menos do que queria, sendo, por isso, necessário alargar o respectivo texto.

10. Na interpretação da lei, o seu aplicador não deve cingir-se à letra da lei mas o pensativo legislativo a que o intérprete chegue tem de conter um mínimo de correspondência verbal (art'9' do Código Civil).

11. A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.

12. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).

13. Além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a lógica.

14. É certo que a referida norma não se refere expressamente ao exercício de funções governativas.

15. Todavia, quando o titular de cargo dirigente venha a exercer funções governativas, por maioria de razão existe interesse público na suspensão da comissão de serviço, uma vez que a própria lei o prevê para os membros do gabinete respectivo.

16. Com efeito, não se compreende que possa existir interesse público na manutenção do vínculo funcional de cargo dirigente (através da suspensão da comissão de serviço) quando os seus titulares sejam nomeados para o gabinete de membros de gabinete ou equiparados , e tal interesse público deixe de existir quando o titular de cargo dirigente seja nomeado como membro do Governo.

17. Seria caso para dizer que, tendo por base aquele interesse público, a Constituição daria maior relevo a indivíduos que integram os gabinetes dos membros do Governo do que aos titulares do órgão de soberania que é o próprio Governo.

18. Essa conclusão, seguida pela sentença recorrida, constitui um contrasenso, o que desmonta, em sede de dialética a bondade de tal entendimento, uma vez que a interpretação da lei deve ter em conta o pensamento legislativo e a unidade do sistema jurídico e que o legislador consagrou a solução mais acertada ( art° 9° C. Civil).

19. Tal princípio e o interesse público subjacente à acção governativa tem arrimo no n° 2 do artigo 50° da Constituição, que constitui uma norma preceptiva, por si só exequível e de aplicação imediata o qual proclama o direito de acesso a cargos públicos.

20. Tal despacho, aliás, nunca poderia ser executado nos moldes em que o foi pelo 2° Réu.

21. Isto porque: o Autor não foi objecto de qualquer despacho de exoneração e porque o 1' Réu, enquanto Secretário de Estado não tem competência nem atribuição legal, na hierarquia do Governo para revogar despacho de Ministro.

22. Assim a sentença recorrida faz uma errada interpretação dos artigos 25.º, n.º 1, alínea b), e 26.º-A da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, na redacção dada pela Lei n.º 64/2011, na medida em que se a lei prevê a suspensão para os membros do gabinete do governo, por maioria de razão, a razão de interesse público na suspensão da comissão de serviços verifica-se no caso em que o titular do cargo dirigente venha a exercer funções governativas.

23. A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação da norma prevista no artigo 50.º, n.º 2 da CRP, que constitui uma norma perceptiva, por si só exequível e de aplicação imediata, e que titula o direito de acesso a cargos públicos.

24. O despacho proferido não podia ser “executado nos moldes em que o foi”, porquanto:(i) o Autor não foi objecto de qualquer despacho de exoneração e, por outro lado, (ii) o despacho impugnado não determina directamente a anulação do despacho do Presidente da CCDR-N, de 30.10.2015, nem do despacho do Ministro da Presidência do Desenvolvimento Regional, de 11.11.2015.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se e alunando-se a sentença recorrida

O Ministério da Coesão Territorial juntou contra-alegações, concluindo:
a) A sentença recorrida fez uma correta subsunção dos factos ao Direito e não merece qualquer censura;

b) O estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado contém-se na Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro;

c) Nos termos do artigo 25.º, n.º 1, alínea b), da referida lei, a “tomada de posse seguida de exercício, a qualquer título, de outro cargo ou função” constitui causa de cessação da comissão de serviço dos cargos dirigentes, salvo, para aquilo que ora releva, “nos casos e durante o tempo em que haja lugar a suspensão” da mesma;

d) Da alteração introduzida ao artigo 26.º-A deste diploma pela Lei n.º 51/2005, de 30 de agosto, e posteriormente pela Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro, resulta que a comissão de serviço dos titulares dos cargos de direção superior de 2.º grau se suspende “quando sejam designados para gabinetes de membros do Governo ou equiparados ou em regime de substituição” (sublinhado nosso);

e) Tal norma não se refere ao exercício de funções governativas, pelo que o exercício de tais funções por titulares de cargos de direção superior, nomeadamente de 2.º grau, cai na previsão da primeira parte da mencionada alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º do mesmo diploma, com as consequências inerentes;

f) Na interpretação da lei cumpre assumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil);

g) Ora, do enunciado da norma anteriormente transcrita resulta inequívoco que a suspensão da comissão de serviço apenas tem lugar nos casos ali elencados;

h) Na verdade, se o legislador pretendesse consagrar outras situações de suspensão da comissão de serviço dos referidos dirigentes, tê-lo-ia declarado expressis verbis – o que não fez;

i) O recurso ao elemento histórico, nomeadamente o confronto com o regime da Lei n.º 49/99, de 22 de junho, e a análise dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 2/2004, permite-nos concluir, sem margem para qualquer dúvida, que o legislador não disse menos do que queria dizer, pelo que não será legítimo proceder à interpretação extensiva da norma contida no artigo 26.º-A da Lei n.º 2/2004;

j) Também os demais elementos da interpretação, a saber, o elemento racional e o elemento sistemático, nos permitem concluir que o legislador expressou o seu pensamento em termos adequados e que não se verifica uma discrepância entre o texto legal e o pensamento legislativo;

k) Será igualmente de afastar o argumento por maioria de razão, porque o mesmo não tem aplicação neste caso, maxime porque não tem lugar o argumento a maiori ad minus (lei que permite o mais, permite o menos), uma vez que não é possível afirmar que ser membro do Governo é mais do que ser membro do respetivo Gabinete.

l) Não tem razão o Recorrente quando alega que o n.º 2 do artigo 50.º da CRP, ao consagrar o direito a retomar funções, determina necessariamente a suspensão da comissão de serviço de titulares de cargos dirigentes;

m) Tal questão foi já apreciada pelo Conselho Consultivo da PGR, bem como pelo STA, que concluíram que os valores protegidos por tal preceito não incluem o direito à suspensão da comissão de serviço;

n) O facto de a Lei n.º 2/2004 ter sido posteriormente alterada, tendo previsto alguns casos de suspensão das comissões de serviço, não altera as conclusões a que a doutrina e a jurisprudência chegaram;

o) No que diz especificamente respeito ao ato do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, de 9 de março de 2016, trata-se de um ato cujo conteúdo é a anulação, com fundamento em ilegalidade, dos despachos em que se havia ancorado a “retoma”, pelo Autor, ora Recorrente, das funções dirigentes em que esteve investido;

p) E o referido ato não padece de qualquer vício, maxime de incompetência do seu autor – conforme se alcança à evidência do n.º 2, alínea b), do Despacho n.º 2312/2016, de 1 de fevereiro, do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 16 de fevereiro;

q) Não assiste razão ao Recorrente quando afirma que “não foi objeto de qualquer despacho de exoneração”, uma vez que a cessação da comissão de serviço não ocorreu por exoneração, mas pela tomada de posse, seguida de exercício, de cargo governativo;

r) Os atos objeto da presente ação não sofrem de qualquer ilegalidade pelo que bem andou o Douto Tribunal a quo quando decidiu pela total improcedência da presente ação.

Nestes termos, e nos demais de Direito que suprirão, o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus exatos termos.
.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A. Na sequência de procedimento concursal para cargo de direcção superior de 2.º grau, o Autor foi nomeado Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte, por despacho proferido pelo Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional e pelo Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, datado de 13.02.2015, publicado no Diário da República, II Série, n.º 33, com o n.º 1717-B/2015 – facto não controvertido; fl. 30 do PA.
B. O Autor foi nomeado como Secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade do XX Governo constitucional, conforme Decreto do Presidente da República n.º 124-D/2015, de 30 de Outubro, tendo tomado posse em 30.10.2015 e passado a exercer o referido cargo – facto não controvertido; fls. 28 e 29 do PA.
C. Em 29.10.2015, o Autor apresentou requerimento ao Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte, nos termos do qual solicitou a suspensão da comissão de serviço no cargo de Vice-Presidente da CCDR-N, com efeitos a partir do dia 30 de Outubro de 2015, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“Pelo despacho conjunto de Suas Excelências o Ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional e o Ministro do Ambiente, ordenamento do Território e Energia, de 13 de Fevereiro de 2015, publicado no Diário da República, 2.º série, n.º 33, sob o n.º 1717-B/2015, fui designado em comissão de serviço, e pelo período de cinco anos, para exercer o cargo de vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, cargo qualificado, nos termos da respectiva Lei Orgânica, com um cargo de direcção superior de 2.º grau.
Por convite que me foi dirigido tomarei posse no cargo de Secretário de Estado no XX Governo de Portugal.
Sendo este Cargo o exercício de um cargo político e público num órgão de Soberania, venho ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 50.º da Constituição da República Portuguesa e, por maioria de razão, ao abrigo do Artigo 26.º-A, do Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração pública, aprovado pela Lei 2/2004, de 15 de Janeiro, na sua actual redacção, requer a suspensão da minha comissão de serviço no cargo de Vice-Presidente da CCDR-N, com efeitos a partir do dia 30 de Outubro de 2015” – cfr. documento n.º ... da pá. que se dá por integralmente reproduzido.
D. Em 29.11.2015, pela Direcção de Serviços Jurídicos e Autárquicos da CCDR Norte, foi remetido ao Presidente da CCDR – NORTE a seguinte comunicação escrita que ora se transcreve na parte que releva:
“1 – Nos termos da Lei Orgânica das CCDR’S (Dl 228/2012, de 25 de Outubro) o cargo de vice presidente é qualificado como um cargo de direcção superior de 2.º grau;
2 – Assim sendo, e nos termos do disposto no Estatuto do Pessoal Dirigente (Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro), a comissão de serviço suspende-se quando o seu titular seja designado para gabinetes de membros do Governo ou equiparados ou em regime de substituição.
3 – Tal suspensão mantém-se enquanto durar o exercício do cargo ou função até ao limite de quatro anos e é considerado para efeitos de contagem de tempo de serviço no cargo de origem.
4 – As funções de origem poderão ser asseguradas em regime de substituição” – cfr. documento n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido” – Cfr. fl. 20 do PA.
E. O Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte exarou despacho datado de 30.10.2015, com o seguinte teor: “considerando o enquadramento legal invocado, concordo e autorizo. Proceda-se” – Cfr. fl. 21 do PA.
F. Em 30.10.2015, o Autor apresentou requerimento ao Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional, requerendo a suspensão da comissão de serviço no cargo de vice-presidente da CCDR-N, em face da sua nomeação para o cargo de secretário de estado do XX Governo constitucional, até à cessação definitiva do cargo/função de que fora empossado, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“Pelo Despacho de 13 de Fevereiro de 2015, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 33 sob o n.º 1717-B/2015, fui, na sequência de procedimento concursal, designado, em comissão de serviço e, pelo período de cinco anos, para exercer o cargo de vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, cargo qualificado, nos termos da repsectiva Lei Orgânica, como um cargo de direcção superior de 2.º grau.
Tomei, hoje, posse no cargo de Secretário de Estado no XX Governo de Portugal. Em 29 de Outubro solicitei junto do Senhor Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional a suspensão da minha Comissão de Serviço, pedido que foi aceite, conforme documento em anexo.
Neste mesmo sentido solicito a V. Exa.ª, determine que tal nomeação suspenda a Comissão de Serviço de Dirigente Superior de 2.º Grau, correspondente ao exercício do Cargo de Vice-Presidente da Comissão de Coordenação da Regional Norte até à cessação definitiva ora empossado” – cfr. documento n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido; fls. 19 do PA.
G. Sobre o requerimento referido no ponto anterior, o Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional exarou o seguinte despacho datado de 11.11.2015: “No meu entendimento, de acordo com a norma constitucional expresso (no artigo 50.º da CRP), o exercício do cargo político no Governo não pode implicar qualquer alteração da situação do exponente, pelo que concordo com a suspensão da comissão, que voltará a ser preenchida quando cessarem as funções governativas” – cfr. documento n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido; fls. fl 19 do PA.
H. Em 26.11.2015, o Autor cessou as funções de Secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade – facto não controvertido.
I. Em 27.11.2015, o Autor dirigiu requerimento ao Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“No seguimento do Despacho de 30 de Outubro de 2015, que deferiu o meu pedido de suspensão da comissão de serviço, igualmente confirmado por despacho do Senhor Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional, de 11 de Novembro de 2015 (conforme anexos), verificando-se que cessaram as funções que justificaram aquela suspensão, comunico que retomo funções, com efeitos à data de 27 de Novembro do corrente ano” – cfr. documento n.º ... da p.i. que se dá por integramente reproduzido.
J. Sobre o requerimento referido no ponto anterior, o Presidente da CCDR-N exarou, em 02.11.2015, o seguinte despacho: “Tomei conhecimento. Para procedimento em função do despacho do Senhor Ministro” – cfr. documento n.º ... da p.i. que se dá por integramente reproduzido; facto não controvertido.
K. Em 06.11.2015, pelo CEJUR foi emitido “parecer sucinto” com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“Assunto: Nomeação de secretário de Estado. Suspensão da comissão de serviço de
titular de cargo dirigente.
(...)
1. Foi pedido ao CEJUR parecer urgente acerca da admissibilidade de suspensão da comissão de serviço do titular de um cargo de direcção superior de 2.º grau, por virtude da assunção de funções no XX Governo Constitucional. Na circunstância, foram invocados o regime do artigo 26.º-A da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, directamente invocados o regime do artigo 26.º-A da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, directamente aplicável aos dirigentes designados para gabinetes ministeriais, por um lado; e o princípio inscrito no n.º 2 do artigo 50.º da Constituição da República Portuguesa, por outro.
2. (...)
(....)
Centrando a nossa atenção na suspensão, rege sobre a matéria o artigo 26.º-A da referida lei, aditado pelo artigo 3.º da Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto, e alterado pela Lei n.º 64/2011, de 22 de Dezembro. Ali se estabelece a suspensão da comissão de serviço dos titulares dos cargos de direcção superior de 2.º grau e de direcção intermédia “quando sejam designados para gabinetes de membros do Governo ou equiparados ou em regime de substituição” – o que, porém, e reconhecidamente, não é aqui o caso.
Por conseguinte, na fala de norma específica que preveja a suspensão no caso de tomada de posse seguida do exercício de cargo governativo, terá de se aplicar o regime da cessação da comissão de serviço, nos termos do artigo 25.º, alínea b).
3. Quanto à questão de saber se tal solução ofende o n.º 2 do artigo 50.º da Constituição da República, q questão já foi expressamente abordada pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que, no seu Parecer n.º 93/2004, referindo-se à não consagração, em geral da figura da suspensão da comissão de serviço na Lei n.º 2/2004 (recorde-se que, à data ainda não tinha sido introduzido o artigo 26.º-A citado), concluiu que “(...) é o valor constitucional da prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, a Constituição), que, sem pôr em causa o direito de acesso a cargos públicos, justifica a eliminação da suspensão da comissão de serviço: trata-se de, por forma adequada, razoável e proporcional, assegurar a eficiência na gestão dos serviços e organismos públicos e de garantir as condições para um exercício pleno e responsável dos cargos dirigentes”.
4. Na verdade, e conforme ali ponderou “(...) trata-se de reforçar o primado do interesse público na gestão dos serviços e organismos e de garantir condições para o pleno exercício dos cargos dirigentes, arrendando factores de instabilidade que, ao possibilitarem a eternização de situações precárias ao mais alto nível, dificultam a prestação e propiciam a desresponsabilização (...)”.
5. Por conseguinte, e em conclusão, terá de se entender que, na falta de norma expressa que a consagre, não é admissível a suspensão da comissão de serviço dos titulares de cargos dirigentes por virtude da assunção de funções governamentais” – cfr. fls. 15 a 17 do PA
L. O Gabinete do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, em 04.01.2016 elaborou nota/informação jurídica, constando o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
“(...) 3. Com a constituição do XX Governo Constitucional, em 30 de Outubro de 2015 o Dr. «AA» foi designado Secretario de Estado da inovação, Investimento e Competitividade, conforme Decreto do Presidente da República n.º 124-D/2015, de 30 de Outubro.
4. Nos termos do artigo 25.º do EPD, a comissão de serviço dos titulares dos cargos dirigentes cessa, de entre outras causas, pela tomada de posse, seguida de exercício, a qualquer título, de outro cargo ou função, salvo nos casos e durante o tempo em que haja lugar a suspensão ou em que seja permitida a acumulação.
5. Ora, atendendo a que:
a) O exercício de funções pelos titulares de órgãos de soberania é feito em regime de exclusividade, nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto;
b) O artigo 26.º-A do EPD apenas prevê a suspensão da comissão de serviço para os titulares dos cargos de direcção superior de 2.º grau quando estes sejam exclusivamente, designadamente para gabinetes de membros do governo ou equiparados ou em regime de substituição.
6. Peso embora o cargo de vice-presidente da CCDR corresponda a um cargo de direcção superior de 2.º grau, a comissão de serviço do Dr. «AA» cessou pela tomada de posse como Secretário e Estado da Invocação, Investimentos e Competitividade em 30 de Outubro de 2015, uma vez que o exercício destas funções não suspende a comissão de serviço.
7. Nesta conformidade, o cargo em apreço encontra-se vago, desde o dia 30 de Outubro de 2015” – cfr. fls. 12 e 13 do PA.
M. Em 19.02.2016, o CEJUR emitiu a informação n.º 49/CEJUR/2016, na qual, remetendo para a informação prestada pelo Gabinete do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, de 04.01.2016, propôs a anulação dos mencionados despachos referidos nos pontos E) e G), com fundamento na respectiva invalidade, constando o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
“(...)
Por conseguinte, acompanhamos, no essencial, a Nota do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, de 4 de Janeiro de 2016.
8. Caso tal entendimento mereça acolhimento superior, e de modo a tornar inequívoca a vacatura do cargo, deverão, assim, ser anulados administrativamente o despacho de “autorização” do Senhor Presidente da CCDRN e o despacho de “concordância” do então Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional, proferidos em 30 de Outubro e 15 de Novembro de 2015, respectivamente, com fundamento na respectiva invalidade, nos termos do disposto conjugadamente nos artigos 165.º, n.º 2, 168.º, n.º 2, e 169.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo” – cfr. fls. 10 e 11 do PA.
N. Da informação/nota referida no ponto L) e parecer referido no ponto M) foi o Autor notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia, no prazo de 10 dias úteis – cfr. documento n.º ... da pá. que se dá por integralmente reproduzido.
O. O Autor apresentou pronúncia escrita – facto não controvertido.
P. Em 09.03.2016, foi elaborado documento intitulado de “nota” pela Adjunta do Gabinete do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, na qual se propôs ao Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão a emissão de despacho de concordância à anulação dos despachos de 30.10.2015 e 15.11.2015, proferidos respectivamente pelo Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e do Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional, com fundamento na respectiva invalidade, de acordo com o disposto nos artigos 165.º, n.º 2, 168.º, n.º 2, e 169.º, n.º 3, do CPA, ao abrigo do Despacho n.º 2312/2012, publicado na 2.º série do Diário da República, em 16.02, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. documento n.º ... que ora se dá por integralmente reproduzido.
Q. Sobre a informação referida no ponto anterior pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão foi proferido despacho datado de 09.03.2016, com o seguinte teor: “concordo” - cfr. documento n.º ... que ora se dá por integralmente reproduzido; fl. 8 do PA.
R. Por ofício da Chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, datado de 10.03.2016, dirigido ao Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte foi comunicado o seguinte que ora se transcreve:
“Concordo.
09.03.16
ass) «BB»
Mais me encarrega S. E. o Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão de solicitar que sejam desencadeados os procedimentos necessários à execução do acto” – cfr. doc. n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido.
S. Por ofício da Chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Desenvolvimento e
Coesão, datado de 10.03.2016, dirigido ao aqui Autor, foi este notificado da Nota elaborada pelo gabinete do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão e do despacho deste proferido em 09.03.2016, de concordância – cfr. documento n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido.
T. O Presidente da CCDR Norte informou o dirigente da divisão de organização e recursos da CCDR Norte, com o conhecimento do dirigente da divisão financeira, através de comunicação interna, datada de 16.03, sob o assunto “cessação de funções do Cargo de Vice-Presidente Dr. Eduardo Viana”, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. doc. n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido.
U. No dia 18.03.2016, o Autor dirigiu, através de correio electrónico, ao Presidente da CCDR-Norte, a seguinte comunicação escrita que ora se transcreve:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr documento n.º ... da pá. que se dá por integralmente reproduzido.
V. O aqui Autor remeteu requerimento dirigido ao Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão no qual requereu a aclaração do despacho de 09.03.2016, expressando o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
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DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
O Autor, ora Recorrente, foi nomeado Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) por despacho proferido pelo então Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional e pelo Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, em 13 de fevereiro de 2015.
Em 30 de outubro de 2015, o Autor tomou posse do cargo de Secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade.
Em 29 daquele mês e ano, o Autor apresentou um requerimento ao Presidente da CCDRN solicitando a suspensão da sua comissão de serviço no cargo de Vice-Presidente com efeitos a partir do mesmo dia, invocando para o efeito os artigos 50.º da Constituição da República Portuguesa e 26.º-A do Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro.
Tal requerimento mereceu despacho concordante do Presidente da CCDRN em 30 de outubro de 2015.
Do mesmo passo, o Autor requereu ao então Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional a suspensão da comissão de serviço no cargo de Vice-Presidente da CCDRN.
Sobre tal requerimento aquele membro do Governo exarou despacho concordante em 15 de novembro de 2015.
O Autor cessou as funções de Secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade do XX Governo Constitucional em 26 de novembro do mesmo ano e, a coberto dos referidos despachos, no dia seguinte reiniciou funções como Vice-Presidente na CCDRN.
Desse facto deu o Autor conhecimento ao Presidente da CCDRN, o qual exarou o seguinte despacho: “Tomei conhecimento. Para procedimento em função do despacho do Senhor Ministro”.
Por despacho do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, datado de 9 de março de 2016, foram, porém, anulados os aludidos despachos, com fundamento na respetiva invalidade.
O despacho anulatório foi comunicado ao Presidente da CCDRN em 17 de março de 2016.
Em execução do dito despacho ministerial, o Presidente da CCDRN, mediante comunicação interna de 18 de março de 2016, informou a Chefe de Divisão de Organização e Recursos Humanos da CCDRN que, na sequência do despacho do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, o Autor cessara funções como Vice-Presidente, com efeitos a partir do dia 14 de março de 2016.
Solicitou o Autor, ora Recorrente, ao Tribunal a quo a anulação do citado despacho do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão com os seguintes fundamentos:
a) Violação da lei por errada interpretação dos artigos 25.º, n.º 1, alínea b) e 26.º-A da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro (na sua redação atual), e por violação do artigo 19.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 49/99, de 22 de junho, e artigos 50.º, n.º 2 e 266.º, n.º 1 da Constituição;
b) Vício de incompetência por ter sido proferido por um Secretário de Estado quando deveria tê-lo sido por um Ministro.
Quanto ao primeiro fundamento, a sentença recorrida considerou, e bem, que “a interpretação sufragada no despacho impugnado no sentido de que a tomada de posse seguida do exercício do cargo de secretário de estado do governo determina a cessação da comissão de serviço encontra respaldo no artigo 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 2/2004 pelo que nenhuma censura se pode apontar, inexistindo causa legal de suspensão da comissão de serviço por esse facto”.
Mais considerou que “(...) não se pode afirmar, como faz o Autor, que o despacho impugnado padece de violação do artigo 19.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 49/99, de 22 de junho, pois como se viu, tal diploma foi revogado pelo artigo 38.º da Lei n.º 2/2004”.
Relativamente à alegada violação do artigo 50.º, n.º 2 da CRP, foi entendimento do Tribunal a quo que a mesma não se verificaria uma vez que tal preceito não pode ser chamado à colação para fundar a manutenção de cargos dirigentes, transitórios e provisórios, ainda que providos mediante procedimento concursal.
Quanto ao segundo fundamento, considerou a sentença recorrida e, mais uma vez, bem, que, por um lado, não se tratou de uma revogação de um despacho proferido por um ministro mas antes da sua anulação e, por outro, que o ato impugnado foi praticado por um secretário de estado ao abrigo de poderes delegados precisamente pelo Ministro do Planeamento e Infraestruturas, uma vez que os secretários de Estado não têm competências próprias.
Consequentemente, a sentença recorrida julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, tendo absolvido a entidade demandada de todos os pedidos formulados.
Na óptica do Recorrente a sentença errou ao considerar que o artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 2/2004, quando prevê os casos em que, não obstante a tomada de posse seguida de exercício a qualquer de outro cargo ou função (regime regra), a comissão de serviço de cargo não cessa, configura uma norma excecional.
Para o Recorrente, a sentença recorrida fez uma (errada) interpretação restritiva da norma ao entender que o artigo 26.º-A da Lei n.º 2/2004 apenas prevê a suspensão da comissão de serviço para os titulares dos cargos de direção superior de 2.º grau quando estes sejam exclusivamente designados para gabinetes de membros do governo ou equiparados ou em regime de substituição.
Para tanto invoca que, se a lei prevê a suspensão da comissão de serviço para os membros do gabinete do governo, por maioria de razão, e por imperiosa razão de interesse público, a suspensão da comissão de serviço deve verificar-se no caso em que o titular do cargo dirigente venha a exercer funções governativas, argumentando que o interesse público de integrar um órgão de soberania (neste caso, o Governo) é muito superior ao interesse público inerente à integração num gabinete ministerial.
Considera, assim, que o legislador expressou na lei menos do que aquilo que pretendia, não abarcando todas as situações que queria disciplinar, pelo que se impõe uma interpretação extensiva da norma.
Para além deste argumento, o Recorrente sustenta também a aplicabilidade direta do artigo 50.º, n.º 2 da CRP, considerando que do mesmo resulta que nunca poderia ter sido prejudicado por ter assumido funções como membro do Governo, pelo que considera que a sentença recorrida fez uma errada interpretação da norma.
Por último, o Recorrente defende a ilegalidade do despacho do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, de 9 de março de 2016, alegando que, tendo os despachos que reconheceram e autorizaram a suspensão da sua comissão de serviço sido praticados por um ministro (ao tempo, o Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional), teriam de ser expressamente revogados e somente por um ministro (o Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, que sucedeu nas respetivas competências) e não por um secretário de Estado. Consequentemente, considera que, também aqui, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei.
Cremos que carece de razão.
Vejamos,
Da alegada necessidade de proceder a uma interpretação extensiva das normas do Estatuto do Pessoal Dirigente -
Em primeiro lugar, há que verificar se a sentença recorrida procedeu a uma correta interpretação das normas do Estatuto do Pessoal Dirigente relativas à suspensão das comissões de serviço dos dirigentes da Administração Pública.
O estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado consta da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro (com diversas alterações, a mais recente operada pela Lei n.º 128/2015, de 3 de setembro).
Nos termos do artigo 25.º, n.º 1, alínea b), da referida lei, a “tomada de posse seguida de exercício, a qualquer título, de outro cargo ou função” constitui causa de cessação da comissão de serviço dos cargos dirigentes, salvo, para aquilo que ora releva, “nos casos e durante o tempo em que haja lugar a suspensão” da mesma.
O artigo 26.º-A deste diploma, na redação introduzida pela Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro, dispõe o seguinte:
“1-A comissão de serviço dos titulares dos cargos de direcção superior de 2.º grau e de direcção intermédia suspende-se quando sejam designados para gabinetes de membros do Governo ou equiparados ou em regime de substituição.
2 - A comissão de serviço suspende-se por quatro anos ou enquanto durar o exercício do cargo ou função, se este tiver duração inferior, sendo as funções de origem asseguradas em regime de substituição.
3 - O período de suspensão conta, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço prestado no cargo de origem”.
Deste preceito podemos extrair as seguintes normas:
a) Só se suspendem comissões de serviço quando estejam em causa cargos de direção superior de 2.º grau e de direção intermédia; nunca cargos de direção superior de 1.º grau;
b) As comissões são suspensas em duas circunstâncias:
i) Se o dirigente for designado para gabinetes de membros do Governo ou equiparados;
ii) Se o dirigente for designado em regime de substituição;
c) O período de suspensão mantém-se enquanto se verificar o exercício do cargo ou função que determina a suspensão, com o limite máximo de 4 anos;
d) Enquanto se verificar a suspensão, o cargo dirigente é exercido em regime de substituição;
e) O período de suspensão conta como tempo de serviço prestado no cargo de origem (caso o mesmo exista).
Considera o Recorrente que a norma do artigo 26.º-A que refere que a comissão de serviço se suspende quando o dirigente é designado para um gabinete de um membro do Governo deve ser objeto de interpretação extensiva em virtude o legislador ter dito menos do que pretendia dizer.
Como é sabido, na nobre tarefa da interpretação da lei, o intérprete deve obedecer a alguns princípios e regras, consagrados no Código Civil, em especial, no seu artigo 9.º, devidamente completados pelos ensinamentos da doutrina.
No caso vertente estamos perante uma questão de interpretação, razão pela qual há que atender às regras previstas no artigo 9.º do Código Civil que, por uma questão de facilidade de exposição, aqui transcrevemos:
“Artigo 9º
Interpretação da lei
1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Com efeito, funcionando a letra da lei como ponto de partida e como limite da interpretação - na expressão de José Oliveira Ascensão, “[a] letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”.
Onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil).
Segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. João Baptista Machado, em Introdução ao Direito Legitimador, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
É que, como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exato alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, como escreveu o Prof. Baptista Machado, ob. cit. págs. 182/183. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.
Voltando ao caso concreto afigura-se-nos, como resulta do n.º 3 deste preceito, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Com efeito, o legislador, na Lei n.º 2/2004, foi muito claro ao expressar o seu pensamento, tendo tipificado os casos em que considera admissível a suspensão da comissão de serviço, não sendo legítimo presumir que, quando se referiu a gabinetes de membros do Governo pretendia dizer membros do Governo e respetivos gabinetes.
Com efeito, só quando se conclui que a letra da lei ficou aquém do espírito é que é legítimo proceder a uma interpretação extensiva, alargando a letra de modo a abranger situações que nela não cabem.
Para determinarmos se o espírito da lei era o de abranger também membros do Governo, devemos ter em conta os elementos extra-literais, como sejam os falados argumentos: histórico, racional ou teleológico e o argumento sistemático.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, os seus antecedentes, as suas fontes e os trabalhos preparatórios.
Já o elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende atingir.
Por último, o elemento sistemático manda ter em consideração a inserção da norma em determinado capítulo, a respetiva epígrafe, as normas que a antecedem e lhe sucedem, bem como outras disposições legais de modo a que a interpretação a que se chegue não ponha em causa a harmonia e a unidade do sistema jurídico, considerado no seu todo.
Há, assim que ter, desde logo, em conta os antecedentes da norma interpretanda, sendo o mais próximo a Lei nº 49/99, de 22 de junho (revogada pela Lei n.º 2/2004), cujo artigo 19.º, n.º 1, alínea a) previa expressamente a suspensão da comissão de serviço no caso de exercício do cargo de membro do Governo, para além de muitos outros, incluindo o de membro de gabinetes ministeriais.
Na versão inicial da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, a regra era a de que a comissão de serviço dos titulares de cargos dirigentes apenas cessava “pela tomada de posse seguida de exercício, a qualquer título, de outro cargo ou função, salvo nos casos em que seja permitida a acumulação” [artigo 25.º, n.º 1, alínea b)], ou seja deixou de admitir-se a suspensão da comissão de serviço pela perturbação que a mesma trazia ao funcionamento dos serviços da Administração Pública.
Posteriormente, com a alteração introduzida a este preceito pela Lei n.º 51/2005, de 30 de agosto, passou a admitir-se a suspensão, mas apenas nos casos e pelo período de tempo legalmente previsto.
A suspensão da comissão de serviço de cargos dirigentes assume, assim, claramente, natureza excecional. Concomitantemente, foi introduzido o artigo 26-A cujo n.º 1, na sua redação inicial determinava a suspensão da comissão de serviço dos titulares dos cargos de direção superior do 2.º grau e de direção intermédia em virtude da nomeação para cargos dirigentes cuja comissão possa cessar pela mudança do Governo, para gabinetes de membros do Governo ou equiparados ou em regime de substituição.
Finalmente, a Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro, veio fixar a redação atual da norma, admitindo apenas a suspensão em casos de designação para gabinetes de membros do Governo ou equiparados ou em regime de substituição.
Esta resenha dos antecedentes da norma leva-nos a concluir, como o Tribunal a quo, ou seja, que o legislador, no passado, admitiu a suspensão das comissões de serviço em virtude da nomeação como membro do Governo, a par da nomeação para gabinetes de membros do Governo, mas que, presentemente, não o admite, não sendo legítimo fazer uma interpretação extensiva da expressão “gabinetes de membros do Governo”, de modo a abranger os próprios membros do Governo.
Também o elemento racional ou teleológico aponta nesse sentido uma vez que, com a Lei n.º 2/2004, o fim visado pelo legislador foi claramente o de eliminar os casos de suspensão das comissões de serviço dos dirigentes pela perturbação que a mesma provoca nos serviços, tendo-se aberto algumas exceções com a Lei n.º 51/2005, que foram posteriormente objeto de restrição com a Lei n.º 64/2011. Sendo a ratio legis claramente a de evitar constrangimentos no funcionamento dos serviços, não é admissível um alargamento da letra da lei, abrangendo outros casos para além dos que ficaram consagrados pelo legislador.
Por último, o elemento sistemático, leva-nos também a concluir que não é possível fazer-se uma interpretação extensiva pois as alterações determinadas pela Lei n.º 64/2011, nomeadamente com a introdução do concurso como modalidade de recrutamento da generalidade dos dirigentes da Administração Pública, leva a que o dirigente que foi selecionado não deva, em princípio, ser substituído, pelo que os casos de suspensão devem ser limitados e não alargados.
Do argumento por maioria de razão -
O Recorrente utiliza ainda o argumento por maioria de razão para defender que se há suspensão para integrar um gabinete de um membro do Governo, outra solução não pode ser seguida se estiver em causa a própria nomeação como membro do Governo.
Ora, o argumento por maioria de razão ou a fortiori é um argumento da interpretação enunciativa que conhece duas formulações: “lei que proíbe o menos, proíbe o mais”; “lei que permite o mais, permite o menos”.
A interpretação enunciativa é aquela que nos permite encontrar uma norma partindo de outra e utilizando processos lógico-dedutivos, como seja o argumento por maioria de razão.
No caso sub judice, não se afigura ser possível utilizar este argumento uma vez que o facto de se permitir a suspensão da comissão de serviço para ser membro de um gabinete ministerial não determina necessariamente, por uma questão de lógica, que a nomeação para membro do Governo deva implicar também a suspensão.
Com efeito, os membros dos gabinetes ministeriais gozam de um estatuto próprio, consagrado nos Decretos-Leis n.ºs 12/2012 (Gabinete do Primeiro-Ministro) e 11/2012, (Gabinetes dos restantes membros do Governo), ambos de 20 de janeiro, que lhes confere direitos e garantias diferentes do que aquelas de que beneficiam os próprios membros do Governo.
Não se pode, assim, afirmar que ser membro do Governo é mais ou menos do que ser membro do respetivo gabinete. Mas mesmo que se entendesse que ser membro do Governo é mais relevante do que ser membro do respetivo gabinete, a verdade é que, segundo o argumento por maioria de razão, lei que permite o mais, permite o menos e não o inverso. Assim sendo, pelo facto de se permitir o menos, não se pode deduzir, por uma razão lógica, que é permitido o mais.
Da interpretação do artigo 50.º, n.º 2 da CRP -
O Recorrente alega que a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação do artigo 50.º, n.º 2 da CRP já que este, em seu entender, tem aplicabilidade direta e impede que o exercício de um cargo público prejudique a carreira profissional do titular do cargo. Nesta medida, considera o Recorrente que o facto de ter sido nomeado membro do Governo determinou automaticamente a suspensão da sua comissão de serviço.
Dispõe o artigo 50.º, n.º 2, da CRP que “Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos”.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3ª ed., Coimbra Editora, 1993, pág. 273, o artigo 50º, nº 2 da CRP, implica, designadamente, «a) garantia da estabilidade no emprego com a consequente proibição de discriminação ou favorecimento na colocação ou no emprego; b) garantia dos direitos adquiridos, e, consequentemente, proibição de lesão das posições alcançadas (benefícios sociais, progressão na carreira, antiguidade); c) direito a retomar as funções exercidas à data da posse para os cargos públicos (as quais, portanto, só podem ser providas a título interino enquanto durar o cargo público)»
Quanto ao direito a retomar as funções exercidas à data da posse, o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República já se pronunciou em vários pareceres, maxime no Parecer nº 94/2004, de onde se extraem as seguintes passagens:
«(...) a proibição de prejuízos abrange a garantia de estabilidade no emprego, com proibição de discriminação ou favorecimento em colocação ou emprego, a garantia dos direitos adquiridos (benefícios sociais, progressão na carreira, antiguidade) e o direito a retomar as funções exercidas à data da posse para o cargo público. O que se pode questionar é se este último direito – a que aludem os autores citados – não será posto em causa pela eliminação da figura da suspensão da comissão de serviço. Decididamente, cremos que não. A comissão de serviço constitui nuclearmente um modo de preenchimento de certos lugares (cargos dirigentes ou pessoal dos gabinetes, por ex.). Quando a nomeação recai em funcionário, este mantém-se vinculado ao lugar de origem, através da cativação do mesmo. É o lugar de origem o ponto de referência para a afirmação de diversos direitos do nomeado em comissão de serviço: desde logo, o direito ao próprio lugar de origem, para onde regressa aquando da cessação da comissão; mas também o direito ao regime de segurança social por que está abrangido e o direito de acesso na carreira (cf. os artigos 7.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 427/89 e 28.º e 29.º da Lei n.º 2/2004). Todos estes direitos são e continuam a ser garantidos ao nomeado em comissão de serviço. Não está mesmo excluído que o titular de um cargo exercido em comissão de serviço possa ser nomeado para outro cargo ainda em comissão de serviço. Porém, neste caso, deixa de ter direito à suspensão da primeira comissão de serviço e quando a segunda cessar regressa ao seu lugar de origem. O que a eliminação da suspensão de comissão de serviço implica, na prática, é a impossibilidade de haver como que uma comissão de serviço de comissão de serviço, reconduzindo esta figura à sua teleologia originária que residia na salvaguarda do lugar (no quadro) de origem e demais direitos quando, em nome do interesse público, se era chamado a exercer funções dirigentes. Na óptica do legislador de 2004, a suspensão da comissão de serviço, ao permitir a constituição de comissão de serviço sobre comissão de serviço, vai além desta teleologia e origina as situações perniciosas identificadas no decurso do processo legislativo. E é o valor constitucional da prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição) que, sem pôr em causa o direito de acesso a cargos públicos, justifica a eliminação da suspensão da comissão de serviço: trata-se de, por forma adequada, razoável e proporcional, assegurar a eficiência na gestão dos serviços e organismos públicos e de garantir as condições para um exercício pleno e responsável dos cargos dirigentes.».
Também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), em Acórdão de 18.09.2007, proferido no Processo 01201/05, considerou que os direitos referidos no artigo 50.º, n.º 2 da CRP, maxime o direito a retomar funções, não são postos em causa com a cessação da comissão de serviço de dirigentes em virtude de virem a desempenhar cargos públicos.
Como se pode ler no citado Acórdão, “(...) nenhum destes direitos foi posto em causa com a cessação da comissão de serviço do recorrente. É que, nos termos do nº 2 do artº 28º da Lei nº 2/2004, «o pessoal dirigente conserva o direito ao lugar de origem e ao regime de segurança social por que está abrangido, não podendo ser prejudicado na sua carreira profissional por causa do exercício daquelas funções, relevando para todos os efeitos no lugar de origem o tempo de serviço prestado naquele cargo.» E como é sabido, o cargo de dirigente da Administração Pública não integra uma carreira profissional, sendo, por natureza, temporário e transitório, e é por isso que a comissão de serviço é a única forma de provimento, a qual terá a duração de três anos, eventualmente renováveis por idênticos períodos (cf. artº 22º a 25º da Lei 2/2004, para o pessoal dirigente em geral, e artº 41, nº 3 e 4 da Lei 77/88, na redacção da Lei nº 28/2003, de 30.07, para o pessoal dirigente da AR, diplomas aplicáveis à data dos factos). Aliás, a utilização da figura jurídica da comissão de serviço no preenchimento de lugares de dirigentes só se justifica, em rigor, nos casos em que as pessoas que os ocupam já são titulares de lugares no quadro, a título definitivo ou vitalício, os quais ficam cativos (neste sentido, João Alfaia, Conceitos Fundamentais no Regime do Regime do Funcionalismo Público, 1º vol., Almedina, p. 323/324 )”.
Conclui-se, assim, que o facto de o artigo 50.º, n.º 2 da CRP atribuir àqueles que exercem cargos públicos o direito a retomar as funções que exerciam à data da tomada de posse não determina necessariamente a suspensão da comissão de serviço dos dirigentes da Administração Pública que sejam chamados a desempenhar funções de membros do Governo, pelo que também aqui a sentença recorrida não merece qualquer censura.
Da alegada incompetência do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão -
Afirma ainda o Recorrente que “não foi objeto de qualquer despacho de exoneração”.
Porém, como é evidenciado na sentença recorrida, a cessação da comissão de serviço não ocorreu por exoneração, mas pela tomada de posse, seguida de exercício, de cargo governativo, conforme foi expressamente reconhecido por ocasião da anulação dos atos que, indevidamente, haviam considerado que o exercício de cargo governativo apenas suspendia a comissão de serviço do Recorrente, “legitimando”, desse modo, o ulterior regresso deste às funções dirigentes desempenhadas na CCDRN.
Com efeito, estatui o n.º 2 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo que “O ato anulável produz efeitos jurídicos, que podem ser destruídos com eficácia retroativa se o ato vier a ser anulado por decisão proferida pelos tribunais administrativos ou pela própria Administração”.
No que diz especificamente respeito ao ato do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, de 9 de março de 2016, cujo conteúdo é a anulação, com fundamento em ilegalidade, dos despachos em que se havia ancorado a “retoma”, pelo Autor, ora Recorrente, das funções dirigentes em que esteve investido, o mesmo não padece de qualquer vício, maxime do vício de incompetência do seu autor – conforme se alcança à evidência do n.º 2, alínea b), do Despacho n.º 2312/2016, de 1 de fevereiro, do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 16 de fevereiro.
Através do referido despacho, o Ministro do Planeamento e das Infraestruturas delegou no Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão as competências relativas a todos os assuntos e à prática de todos os atos respeitantes às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional pelo que este era obviamente competente para anular os despachos que haviam permitido que o Recorrente retomasse, ilegalmente, a comissão de serviço como Vice-Presidente da CCDR Norte.
Não se verifica, assim, o vício da incompetência que o Recorrente assaca ao ato objeto de impugnação na presente ação.
Como sentenciado: a Entidade Demandada afirma que o secretário de estado praticou o acto em causa ao abrigo dos poderes delegados por meio do despacho n.º n.º 2312/2016, publicado no diário da república.
Como se sabe, os secretários de estado não têm competência própria, dependendo das competências reconhecidas ou conferidas pelos Ministros ou Primeiro Ministro e, portanto, por regra, está conferido ao Ministro, órgão mais elevado da hierarquia, a competência para anular anteriormente acto praticado igualmente pelo Ministro, sendo que, para tanto, conforme dispõe o artigo 170.º, n.º 1, do CPA, ato de revogação ou anulação administrativa deve revestir a forma legalmente prescrita para o ato revogado ou anulado e são de observar na revogação ou anulação administrativa as formalidades exigidas para a prática do ato revogado ou anulado que se mostrem indispensáveis à garantia do interesse público ou dos direitos e interesses legalmente protegidos dos interessados (n.º 3 do mesmo preceito), o que significa que ele tem competência própria e exclusiva nessa matéria, nos termos atrás apontados.
Como ensina o Prof. Freitas do Amaral, em Direito Administrativo, vol. III, 1989, pág. 298 e segs., o vício da incompetência «consiste na prática, por um órgão da Administração, de um acto incluído nas atribuições ou nas competências de outro órgão da Administração»
Na nova orgânica do XXI governo constitucional cabia ao ministro do planeamento e das infraestruturas exercer a direcção sobre as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (artigo 24.º, n.º 6 do DL n.º 251-A/2015, que aprovou a lei orgânica do XXI governo constitucional).
Ora, embora a competência para o acto em causa competisse, originariamente, ao Ministro do Planeamento e da Infraestrutura, tal ministro podia delegar, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 3, do DL n.º 251-A/2015, nos secretários de Estado, incluindo no Secretário de Estado em causa, a competência relativa aos serviços, organismos, entidades e estruturas dele dependente, como seja as CCDR’s.
Neste sentido, segundo o despacho n.º 2312/2016, publicado no diário da república n.º 32/2016, de 16.02, o Ministro do Planeamento e das Infraestruturas delegou no Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, com faculdade de subdelegação, as suas competências relativas a todos os assuntos e à prática de todos os atos respeitantes às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (cfr. n.º 2, alínea a).
No caso, estamos manifestamente perante uma delegação ampla e genérica, sendo que a indicação do conteúdo da competência delegada foi feita positivamente, isto é, através da enumeração explícita dos poderes delegados.
Deste modo, o despacho datado de 11.11.2015 pelo Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional foi praticado em matéria relativa à comissão de coordenação e desenvolvimento regional Norte, designadamente em matéria de recursos humanos e de serviço, pelo que não há razão para não reconhecer que o acto ora sindicado – de anulação – foi praticado justamente em tal matéria, alusiva às CCDR, e portanto, pelo órgão competente, ao abrigo da delegação de poderes.
Ora é certo que no despacho aqui impugnado (cfr. facto assente em Q) e no ofício por meio do qual se comunicou o acto ao Autor (facto assente em R) não se faz referência ao exercício da competência através do acto de delegação de poderes, em desconformidade com o preceituado no artigo 48.º, n.º 1, do CPA. Contudo, é jurisprudência firme e consolidada que a falta da menção de delegação de poderes no acto, não acarreta a invalidade deste, constituindo antes uma mera irregularidade e/ou que se degrada em formalidade não essencial (irrelevante), sendo que no caso não afectou o direito à impugnação contenciosa – por todos vide a jurisprudência proferida no Ac. do STA, no processo 0280/18, datado de 15.03.2018. Tal entendimento jurisprudencial está hoje consagrado em letra de lei – artigo 48.º, n.º 2, do CPA.
Em suma, a sentença recorrida que bem escalpelizou a argumentação do Autor tem de ser mantida no ordenamento jurídico.
Improcedem, pois, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 15/12/2023

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins