Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00728/09.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IRC; CUSTOS;
INDISPENSABILIDADE;
ÔNUS DA PROVA;
Sumário:
I. Nos termos do artigo 23º do CIRC, a noção de custos ou perdas integra todas as despesas efectuadas que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão entre a actividade desta e as despesas.

II. Na actuação administrativa em sede de avaliação da indispensabilidade para a obtenção de proveitos de despesas contabilizadas como custos, cumpre-lhe tão só o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação (dúvida fundada) e, ao invés, cabe ao contribuinte demonstrar que aquelas despesas como tal se lhe apresentaram e assim as considerou, fundamentadamente, uma vez que a ele cabe, exclusivamente, a definição das estratégias empresariais próprias.

III. Não alcança tal prova, o sujeito passivo que alega que os custos com electricidade, telecomunicações e viagens inerentes ao administrador da sociedade fazem parte da sua remuneração, sem mais.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. Autoridade Tributária e Aduaneira (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 26.9.2023, que no âmbito de impugnação judicial deduzida por [SCom01...], S.A., contra a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa, que apresentara da liquidação de IRC e Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2004, no montante global de € 129.710,95, a julgou totalmente procedente, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
A A Fazenda Pública não se conforma com a Sentença sob recurso, que julgou totalmente procedente a presente impugnação, deduzida por [SCom01...], S.A., contra a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de IRC e Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2004, no montante global de € 129.710,95.
B Subjacentes à liquidação impugnada, estão diversas correções, amplamente evidenciadas no RIT e sintetizadas no quadro do ponto 12 das alegações supra, relativas:
Ø Ao apuramento do lucro tributável em sede de IRC, referentes a:
n Custos com “Eletricidade”, com “Comunicações”, com “Conservação e reparação”, com “Deslocações e estadas” (acréscimos ao lucro tributável – campo 225 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC),
n Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos (acréscimos ao lucro tributável do campo 257 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC),
Ø A acréscimos aos proveitos em sede de IRC, referentes a Prestações de Serviços associadas à atividade de prestação de serviços de construção civil.
Ø Acréscimos ao montante de imposto a pagar em sede de IRC via Tributação Autónoma.
C Observando o ponto 2 da petição da Reclamação Graciosa cujo indeferimento motivou a presente Impugnação, o ponto 9 da petição inicial da Impugnação judicial, bem como a Fundamentação de Facto e de Direito da sentença recorrida, resulta claro que só vêm impugnadas as correções referentes: Aos Custos com fornecimento de “Eletricidade”, no montante de € 6.532,24; Aos Custos com fornecimento de serviços de telecomunicações, no montante de € 488,94; Aos Custos com viagens (Deslocações e estadas), no montante de € 3.920,00; Aos acréscimos aos proveitos em sede de IRC referentes a prestações de serviços realizadas na casa do Administrador «AA», no montante de € 344.351,88.
D Assim, a procedência da impugnação não poderia conduzir a mais do que à anulação parcial da liquidação impugnada, porque não vêm impugnadas as seguintes correções subjacentes à liquidação impugnada, de IRC de 2004: As referentes aos Custos com “Conservação e reparação”, de que resultou um acréscimo ao lucro tributável de € 37.089,00 (campo 225 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC) e a dedução de € 185,00 (no campo 237); As referentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos (acréscimos ao lucro tributável do campo 257 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC), no montante de € 67.890,00.
E É a anulação parcial da liquidação que terá de se verificar nos presentes autos, pois, se não vêm impugnadas todas as correções subjacentes à liquidação impugnada, tal significa que manter-se-á, forçosamente, a liquidação na parte que corresponde a matéria coletável que não é afetada por qualquer controvérsia ou ilegalidade. Pelo que, nesses termos, o tribunal a quo, na sentença sob recurso, ao decidir pela procedência da impugnação, errou ao determinar a “anulação da liquidação impugnada”, pois apenas poderia determinar a anulação parcial do ato de liquidação de IRC aqui em causa, referente ao exercício de 2004, mantendo tal liquidação na parte que corresponde a matéria não impugnada.
F A Fazenda Pública conforma-se com o decidido pelo Tribunal a quo quanto Aos acréscimos aos proveitos em sede de IRC referentes a prestações de serviços realizadas na casa do Administrador «AA», no montante de € 344.351,88. Tendo como pressuposto que não vêm impugnadas, e, portanto, não estão controvertidas, como vimos, as correções referentes aos Custos com “Conservação e reparação”, nem as referentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos, o presente recurso tem por objeto o decidido quanto aos Custos com fornecimento de “Eletricidade”, no montante de € 6.532,24, aos Custos com fornecimento de serviços de telecomunicações, no montante de € 488,94, e aos Custos com viagens (Deslocações e estadas), no montante de € 3.920,00.
G Quanto às verbas desconsideradas como custos pela Inspeção Tributária que dizem respeito à liquidação de IRC relativa ao exercício de 2004 referente à impugnante [SCom01...], SA, designadamente os desconsiderados Custos com “Eletricidade”, com “Comunicações”, com “Deslocações e estadas” (acréscimos ao lucro tributável – campo 225 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC), cfr pp. 6 a 9 do RIT, o que aqui está em causa é simplesmente a desconsideração aritmética de despesas perfeitamente quantificadas que, por consistirem em custos não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, não se incluem nos custos ou perdas previstos no art.° 23.° do CIRC, e, portanto, não sendo fiscalmente dedutíveis aos proveitos na determinação do lucro tributável, deverão ser acrescidos à matéria coletável.
H O Relatório de Inspeção Tributária fundamenta devidamente as razões que presidiram à não aceitação dos referidos encargos como custos para efeitos fiscais – factos a constar do probatório.
I Com exceção do “facto de as viagens terem sido realizadas para destinos onde não é possível encontrar um ponto de ligação com a atividade da empresa” – Facto a acrescer ao probatório, o que a Fazenda Pública requer, cfr RIT, o probatório fixado na sentença sob recurso, nos respetivos pontos 24 a 31, em nada contraria – apenas repete e confirma – a factualidade apurada pelos SIT relativamente à matéria objeto do presente recurso, referente à desconsideração das despesas/custos com eletricidade, comunicações e deslocações e estadas.
J Entende a Fazenda Pública que a Sentença sob recurso incorre em erro na sua Fundamentação de Direito motivadora da procedência da impugnação nesta parte. Efetivamente, a pp. 24 da sentença, diz o Tribunal a quo que, “Em face de todo o exposto, tudo visto e ponderado e sem necessidade de mais considerações, terá de proceder a impugnação nesta parte, por as correções impugnadas padecerem de vício de violação de lei, por errada interpretação dos pressupostos de direito.”
K Todavia, o Tribunal a quo começa por concordar com a AT ao identificar as correções em causa e respetiva fundamentação vertida no RIT, mais verificando que, “Como visto, do teor do Relatório Inspetivo, o normativo convocado para legitimar as correções foi o artigo 23º do CIRC, e o pressuposto colocado em crise para efeitos de dedutibilidade fiscal, assentou na falta de prova da indispensabilidade dos aludidos custos.”
L O Tribunal a quo, depois, a final da p. 21, ao colocar a questão, na perspetiva do art. 23º do CIRC, “se, poderiam tais despesas ser dedutíveis, como custos fiscais?”, responde de forma algo contraditória e confusa, redundando em erro de direito quanto à interpretação e aplicação das normas que convoca para decidir a procedência da impugnação, nesta parte.
M O Tribunal a quo sumaria a atuação dos SIT: “O relatório inspetivo faz alusão, a que, as despesas efetuadas, no montante de € 6,532,24, com fornecimento de eletricidade, cujos documentos de suporte indicam como titular do contrato «BB», administrador da Impugnante; os custos no montante de € 488,94, com fornecimento de serviços de telecomunicações (TV Cabo), cujos documentos de suporte indicam como titular do contrato «BB», administrador da Impugnante e os custos, no total de € 3.920,00, com viagens que se consideraram de lazer e, portanto, no interesse particular dos administradores da Impugnante, não assumem um propósito empresarial, por consistirem em custos não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que, não se podem incluir nos custos ou perdas previstos no artigo 23º do CIRC e, portanto, não sendo fiscalmente dedutíveis aos proveitos na determinação do lucro tributável, deverão ser acrescidos à matéria coletável.”
N E, ato contínuo, afirma o Tribunal que “Não é menos verdade, que, essa é uma alegação não devidamente circunstanciada, representando, tão-só, um juízo conclusivo, pois, nomeadamente em relação às viagens a AT não indica justificadamente as razões que levaram a concluir pelo seu caráter de viagens de lazer.”
O Ora, tal afirmação do Tribunal representa um erro de julgamento, pois, para além do que ficou fixado no probatório da sentença (cfr. pontos 24 a 31 da matéria de facto provada, em especial, pontos 30 e 31), o RIT é claro, em relação às viagens, verificando que “foram realizadas pelos titulares de capital da sociedade acompanhados com as suas famílias e para destinos onde não é possível encontrar um ponto de ligação com a actividade da empresa, conforme pode ser verificado pelos documentos de suporte.” - Facto a acrescer ao probatório.
P Além de que, o Tribunal esquece-se que na sua própria Fundamentação de Direito, a pp. 19 da sentença, parágrafos 4 e 5, determinou: “No RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por desnecessidade de repetição, a AT veio dizer, que, através da informação obtida nas agências de viagens, que, prestaram os serviços em causa, concluiu-se tratar-se de viagens de lazer, uma vez, que, foram realizadas pelos titulares do capital da sociedade impugnante, acompanhados dos seus familiares e para destinos, onde não é possível encontrar um ponto de ligação com a atividade da empresa.”
Q Portanto, da própria sentença resulta que a AT fez a correta alegação e a prova dos factos que invoca, conforme dimana do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT) e bem assim do regime geral do ónus da prova consignado no artigo 342º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT.
R O Tribunal a quo não consegue demonstrar qualquer erro ou vício na atuação da AT, pois limita-se a fazer, no seu julgamento de Direito, conjeturas inexatas e contraditórias.
S Em primeiro lugar, o Tribunal, depois de dar como provado que a AT (os SIT), conforme pontos 24 a 31 da matéria de facto provada, e depois de, na sua própria Fundamentação de Direito, a pp. 19 da sentença, constatar que a AT cumpriu o seu ónus probatório, no sentido de estarmos perante custos não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, e que por isso não se incluem nos custos ou perdas previstos no art.º 23.º do CIRC, parte de “possibilidades” e “hipóteses”, ou seja, de abstrações (“podem”, “poderiam”, “por exemplo”), para concluir pela indispensabilidade dos custos ao abrigo do regime do art. 23º do CIRC.
T E, complicando o seu próprio raciocínio, afinal, o Tribunal declara, ato contínuo, que tem de concluir que os custos em causa são indispensáveis para a obtenção de proveitos da sociedade impugnante, uma vez que a prova efetuada pela AT não é suficiente para se retirar conclusão distinta. Isto é, em resumo, o Tribunal dá como provado que a AT desconsiderou os custos em causa de acordo com fundamentação válida vertida no RIT, cujo teor dera por reproduzido, mas, como entende que, por meras hipóteses abstratas e exemplificativas, os custos até poderiam ser indispensáveis para a obtenção de proveitos da sociedade, então a prova produzida pela AT não é suficiente para abalar tal abstração (!)
U A seguir a ter afirmado tal “conclusão”, numa formulação desprovida de sentido, de dupla negativa, o Tribunal declara que não pode concluir que os atos em causa, que geraram os custos desconsiderados pela AT, não estão relacionados com o interesse da sociedade impugnante, “tanto mais, que tais custos estão associados aos acionistas da sociedade impugnante e não a outro tipo de trabalhadores.” Ou seja, estabelece um exclusivo vínculo subjetivo dos custos aos acionistas, que, além de desprovido de suporte legal, se revela contraditório com o julgamento que faz nos presentes autos: isto é, bem lido, no caso das despesas com viagens, o tribunal poderia concluir que os atos em causa não estariam relacionados com o interesse da sociedade impugnante, se tais custos estivessem associados a “outro tipo de trabalhadores”, mas não retira tal conclusão demonstrado que está que tais custos estão associados a “familiares” que nem trabalhadores são.
V Em segundo lugar, o Tribunal a quo coloca-se a si próprio, infundada e despropositadamente, “no limite” da fundada dúvida e reverte uma hipotética incerteza sobre a realidade dos factos tributários contra a AT, concluindo, depois, com aparente certeza, “que nos encontramos perante despesas ... devendo enquadrar-se no artigo 23º do CIRC, tendo em conta que não existe prova do contrário.” Isto é, o Tribunal coloca-se na dúvida para fazer valer a regra do art. 100º do CPPT, e depois, em contradição, parece concluir pela legalidade das despesas de acordo com as regras gerais do ónus da prova (invocando a AT não ter feito a prova que lhe cabia, a que chama “prova do contrário”)
W Ora, entende a Fazenda Pública que o Tribunal incorre em erro de julgamento ao socorrer-se do art. 100º do CPPT sem motivos para tal, isto porque, a factualidade vertida nos autos permite – obriga – a uma simples aplicação das regras gerais do ónus da prova (cfr art. 74º, nº 1 e art. 75º, nº 1 e 2, al. a) da LGT, e art. 342º do CC).
X Em terceiro lugar, o Tribunal a quo volta a incorrer novamente em erro de julgamento, ao inferir, sem mais, do facto de os administradores serem remunerados, que os custos em questão pudessem fazer parte dessa remuneração, pois nenhuma prova foi apresentada ou considerada, sequer, pelo Tribunal, nesse sentido (sendo, até, uma situação em que a prova documental não seria difícil de fazer, dadas as necessidades contratuais e as obrigações declarativas das empresas e contribuintes em geral).
Y Além de que, com este último argumento, a sentença sob recurso aumenta o erro decisório em que incorre, pois cai numa imprecisão de difícil interpretação. O segmento decisório, nesta parte, diz: “Em face de todo o exposto, tudo visto e ponderado e sem necessidade de mais considerações, terá de proceder a impugnação nesta parte, por as correções impugnadas padecerem de vício de violação de lei, por errada interpretação dos pressupostos de direito” (p. 24 da sentença).
Z Mas, tudo o que foi visto e ponderado na sentença, não passou de uma enorme e infundamentada contradição:
· Primeiro, o Tribunal parte de “possibilidades” e “hipóteses”, ou seja, de meras abstrações (“podem”, “poderiam”, “por exemplo”) para concluir pela indispensabilidade dos custos (despesas com eletricidade, comunicações e viagens) ao abrigo do regime do art. 23º do CIRC;
· Segundo, considera o Tribunal que a impugnação, nesta parte, tem de proceder, em face da “fundada dúvida contemplada no artigo 100º do CPPT”, por incerteza sua sobre a realidade dos factos tributários;
· Terceiro, afinal, as despesas já não são custos indispensáveis ao abrigo do regime do art. 23º do CIRC, mas, antes, rendimento de trabalho dependente.
AA. Portanto, a Impugnante insurge-se contra a desconsideração de custos por si contabilizados a título de despesas com fornecimento de “Eletricidade”, no montante de € 6.532,24, com fornecimento de serviços de telecomunicações, no montante de € 488,94, e com viagens (Deslocações e estadas), no montante de € 3.920,00, desconsideradas pela AT nos termos do art.º 23.º do CIRC.
BB. Dispunha o n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, na redação vigente até 2009, que “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: [...]” Deste modo, para que um custo seja considerado dedutível para efeitos fiscais é necessário o preenchimento de dois requisitos fundamentais:
ü Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais;
ü Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.
CC. “Para que o custo seja considerado indispensável à luz do art.º 23º, nº 1 é necessário aferir da sua necessidade face ao escopo societário e à obtenção de lucros através dessa actividade. Desta forma, é ónus do sujeito passivo documentar o custo em causa por qualquer meio adequado a demonstrar os elementos da operação para que seja possível definir claramente as operações em causa habilitando a AT a aferir da dedutibilidade do custo.
DD. Nos termos do art.º 75.º da LGT, vigora o princípio da verdade declarativa, segundo o qual se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
EE. Face à presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, cumprindo o sujeito passivo o ónus de comprovar o custo em causa, deve competir à AT o ónus da prova dos pressupostos que legitimam as correções, demonstrando a factualidade que a levou a desconsiderar uma rubrica contabilizada. O que a AT fez. A AT cumpriu, no caso presente nestes autos, este ónus que sobre si pendia.
FF. E, assim, com efeito, perante factos índice sérios, objectivos, credíveis e seguros que conduzam à desconsideração do custo, caberá, então, ao sujeito alegar e demonstrar que esse custo foi incorrido no interesse societário, sendo que, para tanto, são admissíveis todos os meios de prova. O que a Impugnante não fez.
GG. No caso dos autos, extrai-se do RIT que estão em causa custos relacionados com fornecimento de “Eletricidade” e com fornecimento de serviços de “telecomunicações” que, de acordo com as particularidades das titularidades dos contratos, dos locais de instalação e de consumo, respetivos beneficiários, a IT constatou que estes serviços foram efetuadas ao administrador da impugnante em beneficio deste, pelo que nos termos do art.º 23.º do CIRC não se consideram estes custos comprovadamente indispensáveis.
HH. No caso dos autos, extrai-se ainda do RIT que estão em causa custos relacionados com “viagens” (Deslocações e estadas) que, de acordo com as particularidades dos respetivos beneficiários e destinos, consistiram “em viagens de lazer, uma vez que foram realizadas pelos titulares de capital da sociedade acompanhados com as suas famílias e para destinos onde não é possível encontrar um ponto de ligação com a actividade da empresa”, pelo que a IT constatou que essas “viagens”, nos termos do art.º 23.º do CIRC, não se consideram estes custos comprovadamente indispensáveis.
II. Ora, em face do exposto, bem como perante a falta de documentação relacionada com os motivos dos fornecimentos de serviços de eletricidade e comunicações e com os motivos das viagens (mormente, documentos evidenciado motivos empresariais) não se vislumbra em que medida estes custos terão contribuído para a manutenção da fonte produtora, não resultando uma relação causal entre eles.
JJ. Não tendo a impugnante provado à IT tais circunstâncias, é inquestionável que a AT cumpriu o seu ónus ao desconsiderar tais custos. Deste modo, cumprindo a AT o seu ónus, incumbia à Impugnante demonstrar a sua indispensabilidade, o que não logrou fazer, como se colhe do probatório.
KK. A impugnante não provou que os concretos serviços de eletricidade e comunicações, bem como as concretas viagens, em causa nos presentes autos, ocorreram com o objetivo de prosseguir a atividade empresarial, sendo inócua a alegação genérica de que se tratam de rendimentos tributáveis em IRS, pelo que, não tendo a Impugnante comprovado a relação desses custos com a obtenção de proveitos, terá forçosamente de improceder, nesta parte, a impugnação.
LL. Pelo que, o Tribunal a quo erra no seu julgamento de facto, pois tinha que fixar no probatório da sentença, como Factos não provados, que as despesas/custos de eletricidade, comunicações e viagens, em causa nos autos, são indispensáveis à atividade do sujeito passivo para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora. E erra no seu julgamento de direito, pois, perante a demonstração factual e legal da justeza e validade das correções meramente aritméticas levadas a cabo pela IT, relativas à desconsideração dos Custos com “Eletricidade”, com “Comunicações” e com “Deslocações e estadas”, conforme pp. 6 a 9 do RIT, não existe qualquer vício que justifique a anulação destas correções e da liquidação de IRC de 2004 na parte correspondente.
MM.Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, com o desta forma decidido não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que a douta sentença padece de erro de julgamento de facto decorrente da incorreta apreciação e valoração crítica de determinados factos e prova produzida nos autos, e, ainda, incorre em erro de julgamento sobre matéria de direito, tudo, em violação do disposto nos art. 123º do CPPT, art. 74º, 75º e 100º da LGT, art. 342º do CC, e art. 23º do CIRC.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a sentença recorrida, na parte objeto de recurso e, em substituição, ser anulado parcialmente o ato de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2004.».
1.2. A Recorrida ([SCom01...], S.A.), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 772 e ss. do SITAF, no sentido da procedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto decorrente da incorreta apreciação e valoração crítica de determinados factos e, subsequentemente, em erro de julgamento de direito, tudo, em violação do disposto nos art. 123º do CPPT, art. 74º, 75º e 100º da LGT, art. 342º do CC, e art. 23º do CIRC.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«(...)
1) A Impugnante foi submetida a uma ação inspetiva externa no ano de 2008, na sequência da qual, a Administração Tributária (AT), procedeu a correções aritméticas em sede de IRC e de IVA, nos exercícios de 2004, 2005 e 2006 - cfr. relatório de inspeção tributária (RIT), ínsito no processo administrativo (PA) apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
2) Essa ação inspetiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço n.°0l......332 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
3) A ação inspetiva m.i. na alínea1) deste Probatório, decorreu entre 23 de janeiro de 2008 e 4 de julho de 2008 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
4) A inspeção tributária em causa foi realizada por a AT ter detetado irregularidades na contabilidade da sociedade Impugnante - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
5) A ação inspetiva foi motivada pela conjugação de dois fatores:
- Verificação de que tinham sido relevadas na contabilidade da sociedade Impugnante proveitos relativos a quantias perdidas em seu favor, que tinham resultado do alegado incumprimento de um contrato promessa que tinha sido celebrado com a empresa “[SCom02...]. Ld.ª”, cuja revogação tinha determinado que as quantias pagas a título de sinal revertessem para a Impugnante;
- Informar o processo de inquérito n.°....99/06.0TDPRT do comportamento fiscal da sociedade Impugnante, da Imobiliária “[SCom03...], Ld.ª”, da “[SCom04...] Ld.ª”, do seu sócio «BB» e dos seus filhos, designadamente «AA», contribuinte fiscal nº...27 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
6) A ação inspetiva em causa, visou apurar a situação fiscal da sociedade Impugnante, designadamente as relações que tinha mantido com a sociedade “[SCom02...], Ld.ª”, com quem celebrou um contrato promessa de compra e venda, que posteriormente foi revogado em 12 de junho de 2006 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
7) A sociedade “[SCom02...]. Ld.ª”, promitente compradora no contrato m.i. na alínea 6) deste Probatório, tinha entregue quantias em dinheiro a título de sinal e como princípio de pagamento à sociedade Impugnante, que, por incumprimento do contrato, reverteram para a sociedade Impugnante - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
8) Os serviços de inspeção tributária (SIT), pretenderam apurar se aquelas quantias (m.i. na alínea7) deste Probatório), foram contabilizadas como proveitos da sociedade Impugnante - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
9) A sociedade Impugnante iniciou a sua atividade em 11 de maio de 1984 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
10) A sociedade Impugnante, à data dos factos, encontrava-se registada pelo Código CAE: 41200 para o exercício da atividade de construção de edifícios - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
11) A Impugnante estava enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
12) Para efeitos de IVA encontrava-se enquadrada no regime normal trimestral com periodicidade mensal desde 1 de janeiro de 1995 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
13) A sociedade Impugnante apresenta a forma jurídica de sociedade anónima e é constituída por cinco sócios - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
14) O presidente do conselho de administração da sociedade Impugnante à data dos factos, era o Senhor «BB», detentor da participação maioritária - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
15) A contabilidade da sociedade Impugnante no exercício de 2004 foi elaborada através de meios informáticos - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
16) O responsável pela contabilidade da Impugnante até 2004 foi o Senhor «CC» - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
17) Os Serviços de inspeção tributária, no âmbito da inspeção em causa, recolheram da contabilidade da Impugnante, em suporte magnético, elementos contabilísticos e documentos com eles relacionados que estavam registados em suporte informático para análise - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
18) Da análise dos elementos recolhidos (m.i. na alínea 17) deste Probatório), os SIT concluíram pela existência de custos indevidamente deduzidos e proveitos omitidos ao rendimento tributável por parte da sociedade Impugnante - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
19) Com tais fundamentos, (m.i. na alínea 18) deste Probatório), os SIT procederam a correções técnicas/aritméticas, em sede de IVA e de IRC no exercício de 2004 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
20) Da ação inspetiva externa (m.i. na alínea 1) deste Probatório), resultaram correções à matéria tributável de IRC no montante de € 460.087,06, ao exercício de 2004 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
21) Como ponto de partida, a inspeção tributária entendeu, com base no princípio de verdade declarativa, que a contabilidade da sociedade Impugnante refletia adequadamente e fielmente o cumprimento das normas contabilísticas e fiscais e que o resultado fiscal apurado correspondia à real situação tributária do contribuinte - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
22) Os SIT constataram que existiam situações que evidenciavam erros materiais na contabilidade que afetavam o resultado contabilístico e fiscal da sociedade impugnante - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
23) Os SIT consideraram ser possível, quantificar de forma direta e exata os elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
24) No âmbito da inspeção em causa nos presentes autos, os SIT procederam à análise das contas de custos e efetuaram correções em sede de IRC - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
25) A sociedade Impugnante contabilizou na conta A1 62212 – custos de fornecimento de eletricidade, cujo titular do contrato é «BB» - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
26) Os SIT entenderam, que, tais custos, m.i. na alínea 25) deste Probatório, correspondem a custos respeitantes a residências particulares, que nada tinham a ver com a sociedade Impugnante e, com tal fundamento, não aceites como custos ou perdas da sociedade impugnante - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
27) A importância de € 6.532,24, referente a custos de fornecimento de eletricidade, acresceu ao rendimento tributável do exercício de 2004 da sociedade Impugnante - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
28) A ora Impugnante, contabilizou no exercício de 2004, despesas relacionadas com serviços de telecomunicações respeitantes ao Senhor «BB» - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
29) Essas despesas, m.i. na alínea 28) deste Probatório, não foram consideradas dedutíveis pela AT, pelo que, no exercício de 2004, o respetivo valor de € 488.24, foi acrescido à matéria tributável da sociedade impugnante - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
30) Os SIT, através da análise levada a cabo à contabilidade da sociedade Impugnante, constataram que na rubrica 62273 foram registados custos, cujos documentos de suporte, emitidos pelas agências de viagens “[SCom05...], SA” e “[SCom06...], SA”, referenciavam “fornecimentos de passagens aéreas” e “serviços de viagens”, realizadas pelos Administradores da sociedade impugnante, acompanhados dos seus familiares - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
31) A AT fez acrescer ao rendimento tributável da sociedade Impugnante, a quantia de €3.920,00, no exercício de 2004, relativa a despesas de viagens e lazer efetuadas pelos titulares do capital social da sociedade Impugnante acompanhados de familiares - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
32) Os SIT, relativamente à alienação de direitos reais sobre imóveis, cujo valor de mercado não pode ser inferior ao valor patrimonial tributário, fizeram acrescer no exercício de 2004, ao rendimento tributável da sociedade Impugnante, a quantia de € 67.890,00 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
33) No âmbito da inspeção tributária, m.i. na alínea 1) deste Probatório, os SIT identificaram nos ficheiros informáticos da ora Impugnante, uma aplicação denominada “Microplus” onde a empresa mediante registos extra contabilísticos repartiu custos de produção, mediante a imputação a cada obra em curso - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
34) Os SIT consideraram que, os custos, m.i. na alínea 33) deste Probatório, encontravam-se lançados pelo valor total constante dos documentos de suporte, com IVA incluído quando ele era liquidado - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
35) No ano de 2004, a sociedade Impugnante contabilizou como custo o valor de € 344.351,88 que, a AT entendeu não ser dedutível por respeitar a obras de construção civil, levadas a cabo na casa do Senhor «AA» - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
36) Esse valor, m.i. na alínea 35) deste Probatório, acresceu como proveito ao rendimento tributável do exercício de 2004 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
37) A AT entendeu que se estava perante uma prestação de serviços da Impugnante, sujeita a IVA, o qual foi liquidado no exercício de 2004, no valor de €65.426,86 - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
38) Na sequência da inspeção desencadeada à ora Impugnante, a AT fez ainda acrescer no exercício de 2004, ao rendimento tributável da sociedade Impugnante, a quantia de €574,45, respeitante a deslocações e estadas relativas a portagens pagas - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
39) A sociedade Impugnante foi notificada em 18 de junho de 2008, para o exercício do direito de audição prévia, na sequência da elaboração do relatório da ação de inspeção - cfr. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
40) A sociedade impugnante exerceu por escrito o direito de audição prévia sobre o projeto do RIT, no dia 30 de junho de 2008 - cfr. doc. respeitante ao exercício do direito de audição, ínsito no PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
41) No exercício desse direito, a Impugnante, admitiu que os serviços de construção civil indicados no RIT como tendo sido efetuados nas casas de «AA» e «BB» foram efetivamente realizados - cfr. doc. respeitante ao exercício do direito de audição, ínsito no PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
42) A Impugnante foi notificada do RIT no dia 07.07.2008 - cfr. doc. respeitante ao exercício do direito de audição, ínsito no PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
43) No dia 21de abril de 2009, a sociedade Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2004 - cfr. doc. n.º1, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
44) Reclamação graciosa que foi indeferida por despacho proferido em 30 de outubro de 2009 - cfr. processo de reclamação graciosa, ínsito no PA apenso aos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
45) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, m.i. na alínea 44) deste Probatório, foi notificada à sociedade Impugnante no dia 29 de outubro de 2009 - cfr. doc. n.º1, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
46) A presente impugnação judicial foi apresentada na sequência da liquidação de IRC n.º ...58;
47) E foi deduzida em 16 de novembro de 2009 - cfr. pág.2 dos autos digitais;
48) Os Administradores da sociedade Impugnante são remunerados -cfr. depoimento das testemunhas da Impugnante;
49) A Impugnante efetuou no período temporal em causa, estimativas dos custos de determinadas obras, com a expectativa de as vir a realizar, nomeadamente a da casa do Engº «AA» - cfr. depoimento da testemunha da Impugnante «DD»;
50) Essas estimativas eram feitas por «DD» e lançados na aplicação informática, designada por “Microplus” - cfr. depoimento da testemunha da Impugnante «DD»;
51) O registo das estimativas dos custos de certas obras, tinha fins pessoais, servia para a sociedade impugnante, ter uma ideia de quanto ia gastar com a realização de determinadas obras - cfr. depoimento da testemunha «DD»;
52) O contrato promessa de compra e venda celebrado entre a sociedade Impugnante e a “[SCom02...]”, foi revogado - facto não controvertido;
53) As importâncias indicadas no contrato m.i. na alínea 52) deste Probatório, não foram objeto de registo contabilístico - cfr. depoimento de «EE»;
54) As obras respeitantes à vivenda do acionista da sociedade impugnante «AA», foram feitas pela sociedade impugnante, nos anos de 2002, 2003 e 2004 - cfr. depoimento da testemunha da Fazenda Pública «FF» e teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
55) Não é possível saber se o material referido na aplicação informática, designada por “Microplus”, foi ou não utilizado na execução da vivenda do acionista da sociedade Impugnante «AA» - cfr. depoimento da testemunha da Fazenda Pública «FF».
*
Não existem outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo e no procedimento de reclamação graciosa em apenso aos atos, bem como no depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante: «GG»; «DD»; «EE» e, pela testemunha da Fazenda Pública: «FF», identificados em cada um dos factos.
O depoimento das testemunhas revelou-se objetivo, sério e esclarecedor para o Tribunal.
As testemunhas, prestaram depoimentos claros e credíveis, assentes em conhecimento direto da realidade por si descrita, tendo em conta a sua intervenção nos factos, ou parte dos factos, que originaram o diferendo entre a sociedade impugnante e a AT em apreciação.
Não esqueçamos, que, a AT imputa à Impugnante a falta de contabilização de proveitos, relativos à prestação de serviços por si efetuados, consubstanciados na construção da casa de um dos seus accionistas, Eng.º «AA» e a desconsideração de despesas por si contabilizadas como custos, por os considerar não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da sociedade impugnante.
Do relatório de inspeção tributária (RIT), resulta toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora dos atos e liquidações impugnadas.
As informações oficiais, em que se integra o RIT e respetivos anexos, fazem fé em juízo, sempre que devidamente fundamentadas, cfr. artigos 76º, nº1, da Lei Geral Tributária (LGT) e 115º, nº2, do CPPT.
No entanto, uma coisa é dar como provado que a AT realizou os atos de inspeção descritos no Probatório e, recolheu as informações aí referidas, outra distinta é dar como provado o que ela concluiu, como efetivamente sendo essa a verdade dos factos.
Ora, do depoimento da testemunha arrolada pela Impugnante, «GG», efetuado com isenção e resultante de conhecimento direto, pois, à data da realização da audiência contraditória de inquirição de testemunhas, era funcionária administrativa da sociedade [SCom01...], à cerca de 23 anos, aí desenvolvendo a sua atividade em trabalhos de cariz administrativo, nomeadamente, lidando com assuntos relacionados com entidades Bancárias, cheques, pagamentos a fornecedores, administradores e trabalhadores da empresa, etc, resultou, que os Administradores da sociedade impugnante eram à data dos factos remunerados.
Facto igualmente confirmado pela testemunha, «EE», responsável pela contabilidade da Impugnante à vários anos (à data da audiência contraditória de inquirição de testemunhas), que acompanhou o procedimento inspetivo efetuado à sociedade Impugnante e, que originou a liquidação objeto da presente impugnação judicial, tendo explicado a este Tribunal, com conhecimento direto e de forma clara e objetiva, como tratou os rendimentos acessórios, nomeadamente viagens, gastos com portagens, comunicações e consumos de energia elétrica, dos Administradores da Impugnante. Demostrou ainda ter conhecimento da aplicação informática, designada por “Microplus”, onde a empresa registou estimativas de custos de produção, para realização de obras a realizar, nomeadamente a obra da casa do administrador da Impugnante, Eng.º «AA».
Quando falou sobre as viagens efetuadas pelos Administradores da Impugnante e custos de eletricidade e comunicações que alegadamente a Impugnante suportou em nome de «BB», introduziu a explicação das remunerações acessórias, enquadrando tais despesas nos benefícios ou regalias não incluídas na remuneração principal, auferidos devido a prestação de trabalho na sociedade por parte dos referidos acionistas da mesma.
Relativamente ao centro de custos encontrado pelos SIT, na aplicação auxiliar de gestão – “21/01/00024 – Eng.º «AA»”, no exercício de 2004, explicou a este Tribunal, que, a análise dos SIT, que utilizou o método de amostragem dos documentos de suporte constantes do Anexo 6.1, do RIT, não permite concluir com exatidão o valor contabilizado na conta 31631 – “Compras de Matérias Primas – para nossa empreitada – c/direito a dedução”, materiais adquiridos imputados ao referido centro de custos.
No que diz respeito ao facto de os SIT terem detectado no sistema informático da Impugnante registos extra-contabilísticos, em aplicação que se diz auxiliar de gestão, que revelam vários centros de custo, entre os quais um intitulado de “21/01/000024 – Eng.º «AA»”, a testemunha «GG» foi peremptória ao afirmar que tal centro de custos continha a discriminação de várias verbas que se assumiram pela AT como custos relacionados com a construção, durante os anos de 2002, 2003 e 2004, de uma vivenda do Administrador da sociedade impugnante, Engº «AA», no entanto, tais custos, não tem correspondência com a realidade, pois, esses registos são meras estimativas com caráter orçamental, para determinar custos previsíveis de futuras ou eventuais obras a realizar pela sociedade impugnante.
Nesse mesmo sentido foi o depoimento da testemunha «DD», funcionária da Impugnante à cerca de 18 anos, (à data da realização da audiência contraditória de inquirição de testemunhas) e, responsável pelos orçamentos e estimativas de custos com obras a realizar pela sociedade impugnante. Prestou o seu depoimento de forma séria e revelou conhecimento direto de tudo o que disse ao Tribunal.
A AT defende no seu RIT, que, os materiais e mão de obra referidos no registo informático em causa estão titulados pelas faturas constantes na contabilidade da sciedade impugnante e, dizem respeito à construção de uma moradia do acionista da Impugnante, «AA».
A testemunha «GG», explicou ainda a este Tribunal, que, a Impugnante não tinha à época, pessoal/trabalhadores suficientes para realizar integralmente a obra da casa em causa no RIT, uma vez, que nesse período temporal, a Impugnante tinha diversas obras a decorrer em simultâneo, nomeadamente em ..., ..., ... e ..., não tendo recursos para efetuar tantos trabalhos nessa obra.
A Inspectora Tributária, «FF», testemunha da Fazenda Pública, quando confrontada com esta questão, recusou a ideia de os registos em causa serem estimativas de eventuais e futuras obras a realizar pela sociedade impugnante, fundamentando a sua posição, no facto de existir uma alegada correspondência entre os documentos referidos no registo extra-contabilístico e as faturas constantes da contabilidade da Impugnante. Entende que os materiais e mão de obra referidos no registo informático em causa estão titulados por faturas constantes da contabilidade da Impugnante e, dizem respeito à construção de uma moradia do administrador da Impugnante, «AA».
No entanto, no âmbito da audiência contraditória de inquirição de testemunhas, a testemunha «FF», foi confrontada com algumas das faturas em causa, existentes na contabilidade da sociedade Impugnante (cfr. teor da ata ínsita nos autos, que, aqui se dá por reproduzida, por desnecessidade de repetição), e não soube explicar ao Tribunal a metodologia usada pelos SIT para formular as conclusões vertidas no RIT da alegada correspondência entre os documentos referidos no registo extra-contabilístico e as faturas constantes da contabilidade da Impugnante.
A título de exemplo, quando confrontada com o doc.n.º1, junto com as alegações apresentadas pela Impugnante, nos termos do disposto no artigo 120º do CPPT, fatura que titula a aquisição de 62 - “resguardos de banheira”, a testemunha da Fazenda Pública, Dra. «FF», reconheceu não ser crível que tenham sido instalados tais materiais numa só moradia, reconhecendo que foi um erro de análise. O que diga-se, parece revelar-se evidente. Pois, por maior que pudesse ser a referida moradia, não comportou seguramente a aplicação de 62 resguardos de banheira.
O mesmo se passou quando a referida testemunha foi confrontada pela Impugnante com o doc.n.º2, junto com as alegações apresentadas pela Impugnante, o qual refere expressamente que o material se destinou ao lote ... da ..., ..., referindo a testemunha da Fazenda Pública, desconhecer se tal material foi ou não colocado na obra referente à moradia do acionista da Impugnante, «AA».
Sucede, que, tais faturas, fazem parte do conjunto de documentos que serviram de fundamento à AT, para justificar a correspondência entre os documentos referidos no registo extra-contabilístico supra identificado e as faturas constantes da contabilidade da Impugnante.
Saliente-se que, tal como bem refere a Impugnante, os documentos anexos ao RIT, não passam de uma amostragem, o que inviabiliza a análise e controlo dos elementos considerados pela AT para a elaboração das correcções em causa.
Alguns dos documentos que serviram para a AT chegar às conclusões que originram as correções impugnadas, foram juntos ao projecto de relatório inspectivo e, não se encontram no RIT, sem que para tal tenha, ocorrido qualquer explicação. O que, diga-se, não foi colocado em causa pela AT, nomeadamente nas decisões proferidas anteriormente nos presentes autos.
O que nomeadamente sucede que os documentos ínsitos no doc.n.º3, junto com as alegações apresentadas pela Impugnante, nos termos do disposto no artigo 120º do CPPT e, dos quais resulta igualmente a menção do local da obra como sendo “...” ou “...”. Menção aposta em muitos dos documentos juntos ao RIT.
Do documento a fls.11/36 do Anexo 6.1 ao RIT, consta uma fatura relativa a materiais diversos, de entre os quais é possível identificar 93 estores térmicos, o que não parece corresponder a material aplicado na construção de uma só moradia.
Pelo que, não parece a este Tribunal, fazer sentido, o raciocínio da AT vertido no RIT, carecendo de justificação as correcções por si efetuadas, com base no valor contabilístico apurado como custo, imputado à construção da moradia referida, no montante de € 344.351,88, valor que considerou a AT, dever acrescer à matéria tributável da sociedade impugnante em sede de IRC no exercício de 2004, com fundamento em “uma evidente alegada omissão de proveitos”.
Encontrando-nos perante correcções meramente aritméticas, a AT tinha o ónus de demonstrar a justeza e rigor dessas correcções, o que, claramente não sucedeu.
Resulta dos autos que a AT centralizou a sua análise num ficheiro informático e, presumiu que todas as faturas constantes do mesmo, dizem respeito à construção de uma moradia e, como admitido em audiência contraditória de inquirição de testemunhas, pela Dra. «FF», fez tudo isto sem ter o cuidado de, pelo menos, analisar com a devida atenção o teor dos documentos com base nos quais procedeu às correcções, o que resulta da desconformidade da correspondência entre os custos indicados no referido ficheiro informático e algumas das faturas existentes na contabilidade da Impugnante, apontadas pela AT, como correspondendo a tais custos e refletindo-se nas correções efetuadas e que originaram a liquidação impugnada.
Não demonstrou a AT, no entender deste Tribunal, de forma coerente, que a correcção em causa tenha assentado em premissas seguras e válidas.
Nada mais de relevante, há a retirar da prova carreada a estes autos.»
2.2. De direito
A Recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida ([SCom01...], S.A.) contra a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada à liquidação de IRC e Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2004, no montante global de €129.710,95 (valor a pagar após estorno da liquidação).
In casu, acção inspectiva externa, desencadeada pela conjugação de dois factores, (i) decorrente das conclusões da ATA no procedimento inspectivo ao sujeito passivo [SCom02...], e (ii) informação a prestar no âmbito de processo de Inquérito. A AT, no âmbito da referida acção inspectiva aos anos de 2004, 2005 e 2006, no que aqui releva, determinou correcções à matéria tributável de IRC no montante de € 460.087,06, no exercício de 2004.
A recorrida, sujeito passivo, apresentou os presentes autos de Impugnação insurgindo-se contra as correções de natureza aritmética efetuadas pela Inspeção Tributária, relativas a custos e sua indispensabilidade, com eletricidade, comunicações, conservação e reparação, deslocações e estadias e, a acréscimos aos proveitos em sede de IRC, referentes a “Prestações de Serviços” associadas à atividade de prestação de serviços de construção civil (construção da casa do acionista «AA»), aceitando ao não atacar as demais correcções, a saber, do apuramento do lucro tributável em sede de IRC, concernentes a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos e acréscimos ao montante de imposto a pagar em sede de IRC via Tributação Autónoma]. Imputando à liquidação e seu procedimento vícios e ilegalidades emergentes da (i) errónea qualificação da matéria tributável; (ii) utilização encapotada de métodos indiretos de avaliação; (iii) preterição de formalidades legais; (iv) erro na quantificação da matéria tributável; (v) e, falta de fundamentação legalmente exigida,
Em termos cronológicos cumpre referir que nos presentes autos de Impugnação em 17.02.2011 foi proferida sentença que julgou procedente a presente impugnação, com fundamento na violação pela AT do disposto no art.º 87º e 88º da LGT, inconformados com a mesma o Digno Magistrado do Ministério Público e a Fazenda Pública interpuseram recurso para este Tribunal Central Administrativo do Norte, sendo que em 18.10.2018 foi proferido acórdão a determinar a baixa dos autos à primeira instância porquanto tendo sido imputada à sentença nulidade por ausência de fundamentação e exame crítico da matéria de facto, considerou que padecia “(...) a sentença recorrida da invocada nulidade, pelo que procedendo as conclusões de recurso do Ministério Público, referentes à questão analisada, impõe-se que a sentença seja anulada com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância, para prolação de nova decisão sem o vício apontado. Destarte, o recurso merece provimento, resultando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos dois recursos”.
Em 28.01.2021, foi proferida nova decisão, a qual na sequência de recurso apresentado pela Fazenda Pública viria a ser declarada nula por este TCA, decorrente de o seu julgamento decisório padecer de obscuridade ininteligível, sendo impercetível o raciocínio lógico e o seu iter na condução à procedência da Impugnação.
Assim sendo, é da terceira sentença emitida nos autos em setembro último, que ora a Autoridade Tributária recorre.
Como já se referiu, no momento próprio, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente, não podendo este tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), in casu, cumpre desde logo concretizar que a Recorrente limita o seu recurso ao decidido quanto aos “Custos com fornecimento de “Eletricidade”, no montante de € 6.532,24, aos Custos com fornecimento de serviços de telecomunicações, no montante de € 488,94, e aos Custos com viagens (Deslocações e estadas), no montante de € 3.920,00” e, as questões a conhecer quanto aos mesmos, são do erro de julgamento da matéria de facto decorrente da incorreta apreciação e valoração crítica de determinados factos e prova produzida nos autos, e do subsequente erro de julgamento de direito, tudo, em violação do disposto nos art. 123º do CPPT, art. 74º, 75º e 100º da LGT, art. 342º do CC, e art. 23º do CIRC.
Cumpre apreciar e decidir.
Recuperemos os segmentos da sentença recorrida que versaram em concreto sobre as correcções que compõem o objecto do recurso:
«(...) não foi colocada em causa a efetividade das despesas, estando as mesmas suportadas em documentos idóneos, estando evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Impugnante os suportou, alocando-o ao objeto societário da mesma.
A questão que se coloca é se, poderiam tais despesas ser dedutíveis, como custos fiscais?
Neste âmbito, importa chamar à colação o Aresto do STA proferido no âmbito do processo nº 0627/16, datado de 28 de junho de 2017, cujo sumário, ora, se transcreve:
“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
II - Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)”.
O relatório inspetivo faz alusão, a que, as despesas efetuadas, no montante de € 6,532,24, com fornecimento de eletricidade, cujos documentos de suporte indicam como titular do contrato «BB», administrador da Impugnante; os custos no montante de € 488,94, com fornecimento de serviços de telecomunicações (TV Cabo), cujos documentos de suporte indicam como titular do contrato «BB», administrador da Impugnante e os custos, no total de € 3.920,00, com viagens que se consideraram de lazer e, portanto, no interesse particular dos administradores da Impugnante, não assumem um propósito empresarial, por consistirem em custos não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que, não se podem incluir nos custos ou perdas previstos no artigo 23º do CIRC e, portanto, não sendo fiscalmente dedutíveis aos proveitos na determinação do lucro tributável, deverão ser acrescidos à matéria coletável. Não é menos verdade, que, essa é uma alegação não devidamente circunstanciada, representando, tão-só, um juízo conclusivo, pois, nomeadamente em relação às viagens a AT não indica justificadamente as razões que levaram a concluir pelo seu caráter de viagens de lazer.
Acresce que, como é consabido, compete à AT fazer prova dos factos que invoca, conforme dimana do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT) e bem assim do regime geral do ónus da prova consignado no artigo 342º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT.
Na verdade, quer os gastos com eletricidade, quer os custos com comunicações e até as viagens, mesmo que de lazer, podem consubstanciar custos da Impugnante, pois, poderiam ter sido suportados com assuntos referentes à Impugnante e do seu interesse, para tanto, bastando por exemplo, que os Administradores da empresa, tratassem em suas casas de assuntos referentes à atividade da empresa e, que, a título de exemplo, as viagens fossem realizadas com o intuito de angariar novos cliente ou até alargar o seu campo de atuação, tanto mais, que, estamos perante uma empresa que se dedica à construção civil.
Pelo que, os custos, no total de € 3.920,00, com viagens que se consideraram de lazer e, portanto, no interesse particular dos administradores da Impugnante, estando as mesmas devidamente suportadas, podem assumir um propósito empresarial, ou seja, podem ter sido contraídas no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respetivo objeto social, tendo deste modo que conclui-se que as mesmas são indispensáveis para a obtenção de proveitos da sociedade impugnante, uma vez, que a prova efetuada pela AT não é suficiente para se retirar conclusão distinta.
Deste modo, não pode este Tribunal concluir que os atos em causa que geraram os custos desconsiderados pela AT, não estão relacionados com o interesse da sociedade impugnante, tanto mais, que tais custos estão associados aos acionistas da sociedade impugnante e não a outro tipo de trabalhadores.
A final, sempre importa relevar que, no limite, sempre o Tribunal terá de fazer valer-se da fundada dúvida contemplada no artigo 100º do CPPT, e isto porque a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a Administração Tributária, não devendo ela efetuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles.
O aludido normativo constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal, determinando que o interesse substancial da justiça domine o atual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado.
Assim, face ao exposto, do exame da factualidade provada deve concluir-se no sentido de que nos encontramos perante despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do objeto social da sociedade Impugnante, assim devendo enquadrar-se no artigo 23º do CIRC, tendo em conta, que não existe prova do contrário.
Sempre se diga, que, tal como resulta dos factos levados ao Probatório, e refere a Impugnante, os administradores da sociedade impugnante eram remunerados e as respetivas remunerações enquadradas fiscalmente em sede de IRS, enquanto rendimento de trabalho dependente.
Resulta do disposto no n06 da alínea b) e do n03 do artigo 20 do CIRS, que, se consideram rendimentos de trabalho dependente, as importâncias despendidas pela entidade patronal com viagens e estadas de turismo e similares, não conexas com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da mesma entidade.
No que diz respeito aos custos com eletricidade e comunicações que se dizem ter sido suportados em benefício do administrador da sociedade impugnante, «BB», cumpre referir, que, do n03, alínea b), do referido artigo 20 do CIRS, resulta a sujeição das remunerações acessórias, aí se enquadrando todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem de natureza económica.
No entanto, a AT não considerou os referidos custos no apuramento da matéria tributável de IRC, relativamente à Impugnante.
Em face de todo o exposto, tudo visto e ponderado e sem necessidade de mais considerações, terá de proceder a impugnação nesta parte, por as correções impugnadas padecerem de vício de violação de lei, por errada interpretação dos pressupostos de direito.» (fim de transcrição)
Insurge-se a Recorrente (AT) com o assim decidido, pugnando que o critério da AT foi de que verificado que o encargo imputado à [SCom01...], S.A. respeitando a despesas de “Eletricidade”, com “Comunicações” e com “Deslocações e estadas”, conforme págs. 6 a 9 do RIT, de acordo com as particularidades das titularidades dos contratos, dos locais de instalação e de consumo, respectivos beneficiários, estes serviços foram efetuadas ao administrador da impugnante em beneficio deste e quanto as “Deslocações e estadas” que as mesmas foram realizadas pelos titulares de capital da sociedade acompanhados com as suas famílias e para destinos onde não é possível encontrar um ponto de ligação com a actividade da empresa, não se mostrando serem encargos necessários para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora, ante o disposto no art. 23º do CIRC.
Mais alega, das suas extensas conclusões, que era à Impugnante que incumbia a prova de que esse encargo ou despesa se inseria no interesse societário da empresa, que existia uma relação de causalidade económica entre a assunção das despesas de “Eletricidade”, com “Comunicações” e com “Deslocações e estadas” e a atividade da Impugnante, ou sejam, que ocorreram com o objetivo de prosseguir a atividade empresarial, sendo inócua a alegação genérica de que se tratam de rendimentos tributáveis em IRS, pelo que, não tendo a Impugnante comprovado a relação desses custos com a obtenção de proveitos, terá forçosamente de improceder, nesta parte, a impugnação. Rematando que a Impugnante não provou os factos constitutivos do direito ao custo fiscal que afirma que essas despesas constituem, nos termos do art. 74º, nº1, da LGT e 342º, nº1, do Código Civil, razão pela qual a impugnação, nesta parte, não pode deixar de ser julgada contra si (vide conclusões CC. a MM.).
Em suma, a Recorrente entende que os Serviços de Inspecção apresentaram elementos determinantes da não dedutibilidade daqueles encargos para efeitos fiscais e, que a Recorrida não consegui demonstrar a indispensabilidade dos custos incorridos.
Vejamos:
A base de incidência do IRC encontra-se consagrada no artigo 3º, do CIRC, sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultado da operação da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Nos artigos 17º e seg. do mesmo diploma consagram-se as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artigo 23º quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Atentamos ao conceito fiscal de custo decorrente do aludido artigo 23º, do CIRC, o qual, depois de nos fornecer, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. A definição fiscal de custo, como conceito mais ampla do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva alargada de actividade e de necessidades da empresa, assim estabelecendo uma conexão entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daquela decorrerão. E, fá-lo, com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (neste sentido cfr. Saldanha Sanches, in A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg. e, António Moura Portugal, in A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Concretizando, temos que os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, (i) estando devidamente comprovados, (ii) forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cf. acórdão do TCA Sul, de 29.5.2014, proferido no âmbito do proc. n.º 7524/14; acórdão do TCA Sul, de 16.10.2014, proferido no âmbito do proc. n.º 6754/13 e, F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, in Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a Administração Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cf. acórdão do STA de 29.03.2006, proferido no âmbito do recurso n.º 1236/05).
Quanto ao enquadramento e aplicação do mencionado artigo 23º, do CIRC, com apoio na jurisprudência consolidada, podemos afirmar que:
i. Administração Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código), aferido em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr. acórdão do STA, de 21.04.2010, proferido no âmbito do recurso n.º 774/09; acórdão do STA, de 13.02.2008, proferido no âmbito do recurso n.º 798/07).
ii. Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos, existem custos que só indirectamente cumprem essa função e que, nem por isso, devem ser considerados indispensáveis (cfr. entre outros o acórdão do TCA Sul, de 10.07.2015, proferido no processo n.º 8473/15);
iii. Em sede do ónus da prova da indispensabilidade do custo, este passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr. artigo 75º, nº 1 da LGT), pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, ou seja, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artigo 23º (cfr. os acórdão do TCA Sul, de 19.02.2015, proferido no processo n.º 8137/14 e, de 10.07.2015, no processo n.º 8473/15, entre outros).
Munidos destes considerados, temos que, se por um lado, a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são “verdadeiros”, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.
É que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos. Na esteira dos ensinamentos do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, 2ª edição, pág. 470, «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74°/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário ...».
Repondo as regras do ónus da prova ao caso dos autos, temos que relativamente aos encargos com “Eletricidade”, com “Comunicações” e com “Deslocações e estadas” referenciados no relatório da IT, e que determinaram as correcções que nos ocupam, considerou a AT que as mesmas se realizaram e estariam bem contabilizadas, caso fossem aceites fiscalmente o que foi considerado não ser o caso porquanto quanto aos encargos “Eletricidade” e “Comunicações” de acordo com as particularidades das titularidades dos contratos, dos locais de instalação e de consumo, e respetivos beneficiários, tais serviços foram efetuadas ao administrador da Impugnante e em beneficio deste, quanto às “Deslocações e estadas” de acordo com as particularidades dos respetivos beneficiários e destinos, consistiram “em viagens de lazer, uma vez que foram realizadas pelos titulares de capital da sociedade acompanhados com as suas famílias e para destinos onde não é possível encontrar um ponto de ligação com a actividade da empresa”.
A tese da Impugnante, ora Recorrida, passa tão só, nos exactos termos que decorrem da fundamentação da sentença sob recurso, de que aquelas despesas se inserem na componente remuneratória do administrador da empresa, beneficiário das mesmas. Tese esta acolhida pelo julgador a quo, numa extrapolação da matéria de facto dada como provada, na qual não nos revemos.
Atenta a actividade da Impugnante e nada tendo sido alegado em sentido contrário, temos que a sua actividade se desenvolve exclusivamente em território nacional, pelo que estando provado deslocações ao estrangeiro do administrador e família, é legitimo questionar se aquelas despesas com “viagens e estada” foram efectuadas pelo administrador da empresa fora da actividade normal do sujeito passivo e dispensáveis para a realização dos seus proveitos, pois que para além da justificação remuneratória, nenhuma outra foi tida pelo julgador ou carreada para a matéria de facto, nomeadamente factos que atestassem da sua indispensabilidade para a normal actividade da empresa justificando-se, por exemplo, qual o benefício da empresa numa deslocação do administrador e seus familiares ao estangeiro.
E, o mesmo se diga dos encargos com electricidade e comunicações, assente que está que os contratos daqueles têm como único e exclusivo beneficiários o administrador da empresa, cumpria ao sujeito passivo, a aqui Recorrida a prova de que, mesmo sendo assim, aquelas despesas enquanto tal são um custo indispensável para a mesma.
Por outras palavras, AT cumpriu minimamente o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, qual seja o da dúvida fundada em sede de avaliação da indispensabilidade de que para a obtenção de proveitos aquelas despesas contabilizadas se revelam enquanto custos, cumprindo ao sujeito passivo a prova fundamentadamente de que são custos indispensáveis.
É certo que em termos abstractos a tese configurada pela Impugnante de que tais encargos constituem parcelas da remuneração, a ser assim, as mesmas assumiriam natureza de encargos dedutíveis, nos mesmos termos que o são os gastos com pessoal, em que se incluem a remuneração de administrador de uma S.A. e não seria o erro na contabilização das despesas obstáculo a que as mesmas fossem consideraras como custos.
Porém, essa não é a realidade in casu, dos factos dados como provados apenas consta que “Os Administradores da sociedade Impugnante são remunerados -cfr. depoimento das testemunhas da Impugnante;” (item 48) da matéria de facto dada como provada) o que, por si, não permite a tirar a conclusão de que aquela remuneração é mista e constituída em parte pelo pagamento das despesas com electricidade da residência do administrador, com telecomunicações pessoais do administrador e, por último, o pagamento de viagens ao estrangeiros do mesmo e seus familiares. Nada nos autos atesta essa competente remuneratória dos encargos em questão não aceites pela AT.
Mais se diga, que tal prova não revestia qualquer grau de dificuldade e aceitação, pois bastaria a prova de que tais quantias haviam sido declaradas enquanto tal, ou seja, em sede da declaração de IRS por parte do próprio administrador que os auferiu ou, que os mesmos haviam sido alvo do correspondente tratamento por parte da Impugnante, o qual seria aceitável mesmo que em sede de correcção. Nada disto resulta dos autos, muito menos da matéria de facto assente.
Ora, sendo no conceito de indispensabilidade ínsito no artigo 23º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais em que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do administrador e/ou sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo.
É certo, que apesar do custo ser uma despesa com um fim empresarial, não implica que esse fim tenha desde logo um fim imediato e directamente lucrativo, mas sempre terá que ter, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa (neste sentido cf. Saldanha Sanches, in Os Limites do Planeamento Fiscal, pág. 214).
Em tal desiderato, impõe-se considerar aqueles pagamentos como anormais e não imprescindíveis à manutenção da fonte produtora dada a comprovada falta de adequação e conveniência à actividade e tutela da Recorrida.
A nosso ver, andou bem a AT ao não considerar as questionadas verbas como custo fiscal,
Daí que procedam as conclusões do recurso in totum, o que se determinará a final.

2.3. Conclusões
I. Nos termos do artigo 23º do CIRC, a noção de custos ou perdas integra todas as despesas efectuadas que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão entre a actividade desta e as despesas.
II. Na actuação administrativa em sede de avaliação da indispensabilidade para a obtenção de proveitos de despesas contabilizadas como custos, cumpre-lhe tão só o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação (dúvida fundada) e, ao invés, cabe ao contribuinte demonstrar que aquelas despesas como tal se lhe apresentaram e assim as considerou, fundamentadamente, uma vez que a ele cabe, exclusivamente, a definição das estratégias empresariais próprias.
III. Não alcança tal prova, o sujeito passivo que alega que os custos com electricidade, telecomunicações e viagens inerentes ao administrador da sociedade fazem parte da sua remuneração, sem mais.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença sob recurso e como tal determinar a improcedência parcial da impugnação, mantendo o acto tributário impugnado na ordem jurídica exceptuando as correcções cuja impugnação procedeu em 1ª instância quanto “Aos acréscimos aos proveitos em sede de IRC referentes a prestações de serviços realizadas na casa do Administrador «AA», no montante de € 344.351,88”.
Custas pela Recorrida nesta instância, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.
Custas em 1ª instância por Impugnante e Impugnada na proporção do decaimento que aqui se determina em 10% para a Impugnante e, em 90% para a Impugnada.
Porto, 25 de janeiro de 2024

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis