Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00885/11.5BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/07/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paulo Moura
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS; ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Decorre da interpretação conjugada dos n.ºs 3 do art.º 74.º e n.º 4 do art.º 77.º da LGT que compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, bem como o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.

II- Após recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

«X, Lda.», interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC do ano de 2009 e respetivos juros compensatórios, por entender que ocorre erro de julgamento de facto e de direito.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1) A Sentença recorrida ao julgar improcedente a Impugnação Judicial, sem que a Inspecção Tributária provasse a impossibilidade de apuramento da matéria tributável através de métodos directos e considerando legal o critério utilizado para o apuramento por métodos indirectos, afronta, clamorosamente, o princípio da legalidade e do inquisitório previsto no artigo 58° da Lei Geral Tributária, enquanto princípios estruturantes do processo judicial tributário.
2) Assim, na Douta Sentença ao dar-se por provado que a impugnante, ora recorrente, obteve um rendimento superior ao declarado, sem que este tenha na realidade existido, apreciou-se e decidiu-se mal, em clara violação do normativo legal inserto na alínea a) do n° 1 do artigo 20° do Código do IRC.
3) O Regime regra da determinação da matéria tributável é o da avaliação direta, em consonância com o princípio da capacidade contributiva, constitucionalmente consagrado no artigo 104° da Constituição da Republica Portuguesa.
4) A Avaliação indireta é urna forma subsidiária da avaliação direta da matéria tributável (n° 1 do artigo 85° da L.G.T.), e excepcional, uma vez que apenas pode ser aplicada nos casos e condições expressamente previstos na lei (artigo 81°. n° 1 da L.G.T.).
5) Cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso á avaliação indireta da matéria tributável.
6) Contudo, no caso sub judice, essa demonstração não foi feita, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstrou os pressupostos de recurso à avaliação indireta, não demonstrou nem justificou, por que não pode quantificar directa e exactamente a matéria tributável.
7) No caso de tributação por métodos indiciários, a lei impõe especial fundamentação, devendo a AT especificar os motivos por que a contabilidade não merece crédito e por que não pode quantificar directa e exactamente a matéria tributável e qual o critério utilizado na determinação da matéria tributável. (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 27 de Outubro de 2021, no Recurso interposto no Processo de Impugnação N° 329/04.9BEVIS, nas Conclusões do Recurso, página 24 do Acórdão).
8) A essas exigências de fundamentação formal acrescem as da fundamentação material, ou seja, não basta à AT a mera indicação dos motivos por que entendeu proceder à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos e do critério que utilizou na respectiva quantificação, exige-se-lhe também que demonstre o bem fundado das suas conclusões, isto é, a veracidade dos factos e a adequação entre os mesmos e as valorações em que diz suportar a sua actuação (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 27 de Outubro de 2021, no Recurso interposto no Processo de Impugnação N° 329/04.9BEVIS, nas Conclusões do Recurso, página 24 do Acórdão).
9) Enferma assim de obscuridade de fundamentação, um critério de quantificação da matéria tributável para 2009 assente num valor declarado para 2010, sem justificação para a eleição daquele valor, em detrimento da relevada para o ano em causa.
10) Para que a Administração Tributária possa proceder à aplicação de métodos indirectos no apuramento do valor tributável, não basta que depare com anomalias e incorrecções na contabilidade do contribuinte, é ainda indispensável que tais anomalias e incorrecções inviabilizem a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável, condicionalismo que se impõe, face ao preceituado nos artigos 85°. n° 1 e 87° e seguintes da L.G.T.
11) E isto, porque no nosso ordenamento jurídico, é a declaração do contribuinte, controlada pela Administração Fiscal, que constitui a base da determinação da matéria colectável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos operados, caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial e fiscal (artigos 59°, n° 1 e 2 e 75°, n° 1 da Lei Geral Tributária).
12) A impugnante, aqui recorrente, possui contabilidade regularmente organizada segundo a lei comercial e fiscal, e apresentou no Serviço de Finanças ..., com referência ao ano de 2009, as competentes declarações fiscais, tendo cumprido para com a Administração Tributária os seus deveres de cooperação a que estava obrigado por lei.
13) Ora, a Inspeção Tributária às existências iniciais declaradas no valor de 14.359,32 € e às existências finais declaradas no valor de 22.755,78 €, alterou os valores, sem qualquer fundamentação, para o valor de 3.543,46€.
14) Pelo que, a aplicação de métodos indiretos para determinação da matéria tributável no caso sub judice, está inquinada por falta de suporte legal, pois nenhum dos motivos descritos se enquadra objectivamente nas situações previstas no artigo 88° da L.G.T.
15) Assim, face ao determinado no artigo 81°, n° 1 da Lei Geral Tributária, de que a Administração Tributária só pode proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstas na lei, sempre teremos de entender como taxativa, a indicação que essa mesma lei faz das circunstâncias que a podem legalmente determinar.
16) O que nos permite concluir que, no caso sub judice, se verifica a existência de "erro nos pressupostos de facto e de direito", na sua aplicação. Daí que a impugnante, aqui recorrente, conteste frontalmente e diga que não estavam reunidos os pressupostos legais para o recurso a aplicação de métodos indiretos.
17) Ora, a Administração Tributária (Inspector Tributário AA), com referência ao exercício de 2009, não apurou nada de concreto, nem explicita ou fundamenta de modo nenhum os pressupostos que reuniu para aplicar métodos indiretos, sendo notória a falta de fundamentação, sendo certo que a Administração Tributária não goza de qualquer presunção de verdade e está sujeita ao princípio da legalidade.
18) O Inspetor Tributário AA, autor do Relatório Final, sobre as existências iniciais e finais não fez o respetivo controlo das existências.
19) O Inspector no Relatório refere que os inventários estão manipulados, que não correspondem à verdade, mas depois nem verifica se as mercadorias estão em stok, não se desloca ao armazém, à secção de peças, e não faz nada para apurar a realidade económica da Firma !!???
20) Mais, o Senhor Inspetor Tributário AA na acção inspectiva que decorreu dentro da normalidade, sem qualquer incidente, nunca houve qualquer recusa de exibição da escrita, nem de exibir todos os elementos comprovativos desta. O Senhor Inspector é que não se deslocou ao armazém, à secção de peças, não viu os stoks da Firma e não fez contagem nenhuma.
21) Assim, a Administração Tributária limitou-se, pura e simplesmente, quanto ao exercício de 2009. a desconsiderar e a deduzir às existências iniciais em 01-01­-2009. o valor de 10.815,16 € e nas existências finais em 31-12-2009 (Doc. N° 2 junto com a P.I.), o valor de 19.212,32 €, "corrigindo o Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas declaradas no valor de 9.500,11 € para 17.896,57 €, ou seja, uma diferença para mais no valor de 8.396,46 €, sem qualquer fundamentação e sem qualquer inventariação nos termos da lei, presumindo as existências iniciais e finais no valor de 3.543,46 €, com base nas existências finais do exercício de 2010.
22) Ora, tal procedimento não é possível de acordo com a lei.
23) O procedimento é tecnicamente incorrecto e ilegal, e isto, porque a Inspecção Tributária para alterar os valores declarados tinha necessariamente de proceder à inventariação física das existências com referência a 31 de Dezembro de 2008, que são as iniciais em 01-01-2009 e às existências finais em 31-12-2009, tudo nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 29° e 56° do Regime Complementar da Inspecção Tributária, o que não fez.
24) Assim, a Administração Tributária não observou e não cumpriu o disposto no n° 1 do artigo 81° da Lei Geral Tributária onde está patente que: "a Administração Tributária só pode proceder à avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstas na lei", o que permite concluir que, no caso vertente, se verifica a existência de "erro nos pressupostos de facto e de direito”.
25) Ficou, assim, por demonstrar que as considerações descritas no Relatório da Inspecção fossem suficientes para impossibilitar o apuramento da matéria tributável por métodos directos e, por isso, discorda a impugnante, quer da avaliação indirecta a que se procedeu, quer da quantificação apurada, face ao condicionalismo imposto nos artigos 77°, n° 4. 85°, n° 1 e 87° e seg. da L.G.T.
26) Portanto, ao contrário do entendimento da Juiz do Tribunal a quo na página 22 da Douta Sentença, no caso sub judice não era "impossível comprovar e quantificar de modo direto e exato a matéria tributável daquela nos exercícios objecto de inspeção".
27) No caso sub judice não era impossível comprovar e quantificar de modo direto e exato a matéria tributável daquela nos exercícios objecto de inspeção, nem a Inspeção fez prova dessa impossibilidade.
28) A especifica exigência de fundamentação, encontra-se claramente vertida no artigo 77º, n° 4, da Lei Geral Tributária, onde se concretizam os requisitos da fundamentação nos casos de utilização de métodos indirectos, ou seja, no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável a Inspeção tem de demonstrar essa impossibilidade e não basta alegar meras omissões ou inexatidões nos elementos contabilísticos da Impugnante.
29) Pelo que, ao contrário do entendimento da Juiz do Tribunal a quo na página 23 da Douta Sentença, além de não existir a invocada impossibilidade de comprovar e quantificar de modo direto e exato a matéria tributável, também não foram demonstrados factos concretos que demonstrassem essa efetiva impossibilidade.
30) Por outro lado, relativamente à fundamentação da decisão de tributação por métodos indirectos, está patente no n° 4 do artigo 77° da Lei Geral Tributária que, essa decisão, para além de especificar os motivos de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, também indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.
31) Por isso, o critério e cálculo valores corrigidos, na determinação da matéria tributável tem necessariamente de basear-se em "critérios objectivos" em obediência ao disposto no artigo 84°, n° 1 da Lei Geral Tributária e não, sem qualquer tipo de critério objectivo como é o caso sub judice, tendo mesmo o Senhor Inspector referido na última linha da página 6 "que este tipo de trabalho é sempre muito subjectivo".
32) Ora, a determinação da matéria tributável tem necessariamente de basear-se em “critérios objectivos em obediência ao disposto no artigo 84°, n° 1 da L.G.T., como efectivamente acontece, já que reportada ao cálculo e estatística que lhe subjaz (rácios do sector a nível distrital e nacional). (Nesse sentido, Acórdão do S.T.A., de 24/03/2004, Recurso n° 1914/03-30).
33) Ou seja, a Administração Tributária errou ao não atender ao disposto na lei, mormente quanto ao critério que utilizou na determinação da matéria tributável por métodos indirectos, o que constitui vicio de forma.
34) Pelo que, ao contrário do entendimento da Juiz do Tribunal a quo na página 24 da Douta Sentença, o critério adotado pela Inspeção Tributária é completamente errado e inadequado, não tendo qualquer base legal, sendo portanto o critério utilizado, no caso sub judice, ilegal.
35) Acresce que, a sociedade comercial "«X, Lda.»" iniciou a sua actividade em 31 de Março de 2008, pelo que constitui uma autêntica ilegalidade aplicar métodos indirectos no ano seguinte à constituição da própria sociedade, não havendo fundamento para tal, nem qualquer recusa de exibição de escrita por parte da contribuinte, em clara contradição e violação da alínea e) do artigo 87° da L.G.T.
36) As "considerações" constantes das páginas 3, 4, 5 e 6, Ponto IV do Relatório não correspondem à verdade e não se baseiam ou fundamentam em quaisquer factos concretos. De facto, como resulta patente do Relatório, afirma-se sem qualquer fundamento, de que a contabilidade 'foi manipulada, adulterada e tratada de forma a tentar ocultar o que é evidente, isto é, omissões aos proveitos", mas tais afirmações constituem uma autêntica mentira e prepotência por parte da Inspecção Tributária, absolutamente inadmissível, na mais completa violação do princípio da legalidade consignado no artigo 55° da Lei Geral Tributária.
37) Ora, invocar no Ponto IV. Aplicação de Métodos Indirectos, alínea c), o Inventário Final de 2010, página 5 do Relatório da Inspecção Tributária e, com base nisso, afirmar que é impossível determinar, directa e exactamente, a matéria tributável dos exercícios de 2008 e 2009, é manifestamente errado, despropositado e ilegal, tendo em conta o Principio da Especialização dos exercícios.
38) Pelo que, a quantificação à qual a Administração Tributária procedeu é tecnicamente excessiva e errónea em 8.396,46 €, tendo em conta que corrigiu para mais o Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas declaradas de 9.500,11 € para 17.896,57 €, sem qualquer fundamentação e sem qualquer inventariação das existências iniciais no exercício de 2009 e finais do exercício de 2009, conforme se verifica do quadro da página 9 do Relatório — Ponto V.2.2.1.
39) Acresce que, ao contrário do entendimento da Juíza do Tribunal a quo na página 29 e 30 da Douta Sentença de que se recorre, existe nulidade no acto de fixação da matéria colectável, pois a decisão da aplicação de métodos indirectos é da competência do Director de Finanças da sede do sujeito passivo ou do funcionário em quem ele tiver delegado essa competência.
40) O n° 2 do artigo 90° do Código do IVA, preceitua que: "A aplicação de métodos indirectos cabe ao Director de Finanças da área da sede do sujeito passivo ou ao funcionário em quem tiver delegado essa competência."
41) Ora, a fixação em IRC por métodos indirectos com referência aos anos de 2008 e 2009, não foi efectuada pelo Director de Finanças ..., nem por funcionário a quem este delegou essa competência, nos termos da lei, mas por um funcionário de nome BB, sem competência para o efeito.
42) Pelo que, nesta conformidade, a fixação do imposto com referência ao ano de 2009, deverá ser considerada nula e de nenhum efeito, por falta de observância das regras de competência (artigo 134º, nº 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo, aplicável subsidiariamente nos termos da alínea c) do artigo 2º da L.G.T.).
43) Ora, conforme se constata, a decisão de aplicação de métodos indirectos não foi efectuada pelo Director de Finanças ..., nem por funcionário a quem este delegou essa competência, pelo que, assim sendo, deverá ser considerada nula e sem efeito a fixação efectuada com referência ao exercício de 2009, por infracção às regras de competência do artigo 59º do Código do IRC, cuja norma é absolutamente imperativa.
44) Mais, acresce ainda que tendo o funcionário BB, Chefe de Divisão, dado o seu Parecer no Relatório da Inspecção Tributária, dizendo "concordo COM as correcções", o mesmo funcionário estava impedido de proceder ao acto de fixação de Imposto por aplicação de métodos indirectos, por a isso se opôr a alínea d) do nº 1 do artigo 44º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável por força da alínea c) do artigo 2º da L.G.T. (violação do princípio da imparcialidade consignado no artigo 55º da L.G.T.).
45) Por fim, ao contrário do entendimento da Juiz do Tribunal a quo na página 30 e 31 da Douta Sentença, existe preterição de formalidades legais essenciais por violação dos artigos 60°. nos 1, 3 e 7 da Lei Geral Tributária. É que, o n° 3 do artigo 60° da L.G.T. dispõe: " Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas h) a e) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não lenha pronunciado".
46) Ora, após o exercício do Direito de Audição e antes da liquidação, foram invocados factos novos sobre os quais ao impugnante, não lhe foi dada a oportunidade de sobre eles se pronunciar antes da liquidação, como preceitua o n° 3 do artigo 60° da Lei Geral Tributária.
47) Entre os factos novos sobre os quais o contribuinte ainda não se tinha pronunciado consta o Parecer n° 45/2011, de 12 de Julho de 2011, elaborado para efeitos do artigo 92°, n° 6 da Lei Geral Tributária, na mais completa violação do principio do contraditório consignado no n° 1 do artigo 45° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
48) Ora, em relação a esta questão, basta atentar ao referido no n° 1 do artigo 90° do Código do IVA, onde se preceitua, sem margem para dúvidas, de que "a liquidação do imposto por métodos indirectos efectua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87° e 89° da Lei Geral Tributária, seguindo os termos do artigo 90° da referida lei."
49) Para além disso, ainda foram juntos os "prints" do sistema informático das declarações periódicas relativas aos trimestres do ano de 2010, conforme páginas 15, 16 e 17 do Relatório Final.
50) Ora, o facto do sujeito passivo não se ter pronunciado sobre todos os factos descritos no Parecer n° 45/2011 e ainda sobre a invocação dos factos e documentos referidos no número anterior, antes da liquidação, constitui preterição de formalidade essencial, por violação das disposições combinadas do n° 3 e 1, alíneas b) e a) do artigo 60° da Lei Geral Tributária
51) É que o contribuinte tinha o direito de contrariar os fundamentos em que a decisão do Director de Finanças ... se sustentou no Termo de Resolução efectuado nos termos do artigo 92°. n° 6 da Lei Geral Tributária e de influenciar a sua decisão final, pois o Documento de Procedimento de Revisão n° 26, de 17 de Junho de 2011, no qual se inclui o debate contraditório entre os Peritos, como é evidente, é anterior ao Parecer n° 45/2011, de 12 de Julho, e não foi comunicado ao contribuinte para efeitos de este se pronunciar sobre o mesmo.
52) É que, como decorre do artigo 45°. n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão e, portanto, o respeito por aquele princípio implicava o direito de audição sobre o Parecer n° 45/2011, de 12 de Julho, antes da decisão do Director de Finanças ... de 15-07-2011, nos termos do n° 6 do artigo 92° da Lei Geral Tributária.
53) Em sede de avaliação indireta, o acto da Autoridade Tributária e Aduaneira que se impõe estar fundamentado é o da decisão a que alude o n° 6 do artigo 92° da L.G.T. e a mesma carece, no caso sub judice, de fundamentação formal e material.
54) Em suma, no caso de tributação por métodos indiciários, a lei impõe especial fundamentação, devendo a AT especificar os motivos por que a contabilidade não merece crédito, por que não pode quantificar directa e exactamente a matéria tributável e qual o critério utilizado na determinação da matéria tributável. (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto. 27 de Outubro de 2021, no Recurso interposto no Processo de Impugnação N° 329/04.9BEV1S, nas Conclusões do Recurso, página 24 do Acórdão).
55) A essas exigências de fundamentação formal acrescem as da fundamentação material, ou seja, não basta à AT a mera indicação dos motivos por que entendeu proceder à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos e do critério que utilizou na respectiva quantificação, exige-se-lhe também que demonstre o bem fundado das suas conclusões, isto é, a veracidade dos factos e a adequação entre os mesmos e as valorações em que diz suportar a sua actuação.
56) Entre outras disposições legais, a douta Sentença violou os artigos 55°, 60°, n° 1, alínea b), n° 3, artigo 77°, nos 1 e 4, artigo 90°, n° 1 da Lei Geral Tributária, artigos 45°, n° 1, 125°, n° 1 do C.P.P.T. artigo 90° do Código do IVA, artigo 14°, 15° e 46° do R.C.P.I.T. e ainda artigo 103°, n° 3 e 268°, n° 3, da C.R.P.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal a liquidação adicional de IRC ano de 2009, objecto dos autos, por falta de demonstração dos requisitos legais para aplicação de métodos indiretos, errónea qualificação e quantificação dos factos tributários e ausência de fundamentação legalmente exigida, preterição de formalidades legais, nos termos das alíneas a), b) e) e d) do artigo 99° do C.P.P.T., a bem da JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
**
Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se ocorre: (1) ilegalidade do recurso à avaliação da matéria tributável por métodos indiretos, por não estarem demonstrados os pressupostos da sua aplicação; (2) inadequação do critério utilizado pela Administração Tributária para calcular a matéria coletável e errónea e excessiva quantificação da matéria tributável; (3) incompetência da entidade que procedeu à fixação do IRC por métodos indiretos; e (4) preterição de formalidades essenciais, mormente do direito de audição do interessado no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável.

**
Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
IV.1 – Matéria de facto dada como provada
Com base nos elementos de prova produzidos nos autos, considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão da causa:
1. Em 31-03-2008, a sociedade «X, Lda.» iniciou o exercício da atividade de “manutenção e reparação de veículos automóveis” – CAE 45200 – cfr. ponto 35.º da PI e fls. 4vº do PA;
2. Ao abrigo da ordem de serviço n.º ..., emitida pela Direção de Finanças ..., teve lugar procedimento de inspeção tributária, de âmbito parcial, incidente sobre IRC e IVA, por referência aos exercícios de 2008 e 2009 – cfr. fls. 4 e 24 do PA;
3. Em 04-01-2011, teve início o procedimento de inspeção tributária, tendo o tendo o sócio-gerente da Impugnante, CC, assinado a respetiva credencial – cfr. fls. 4 do PA;
4. Por correio registado de 28-02-2011, foi expedido o Ofício nº ...38, de 25-02-2011, para efeitos de notificar a Impugnante do Projeto de Relatório Final e para, querendo, exercer o direito de audição prévia – cfr. fls. 26-27 do PA;
5. A Impugnante exerceu o direito de audição prévia – cfr. fls. 15-20 do PA;
6. Em 25/03/2011, foi elaborado o Relatório Final de inspeção tributária, no qual foi proposta correção à matéria tributável da Impugnante com recurso a métodos indireto, em sede de IRC, por referência ao exercício de 2009, no valor de €26.082,85– cfr. fls. 1-14 do PA;
7. Por despacho do Chefe de Divisão de Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... de 08-04-2011, ao abrigo de subdelegação de poderes, datada de ..., foi homologado o Relatório Final de inspeção tributária, com o seguinte teor:
«O presente relatório dá por concluído o procedimento inspectivo nos termos do artigo 62.º do RCPIT. Concordo com as correcções efectuadas, nomeadamente com o recurso à aplicação de métodos indirectos, a qual se encontra justificada, seja no projecto de relatório, seja na contrargumentação ao exercício do direito de audição. Dê-se andamento aos documentos de correcção emitidos, bem como ao auto de notícia levantado.» – cfr. fls. 1 do PA;
8. Do Relatório Final de inspeção tributária consta, no ponto “IV. Aplicação de métodos indirecto – Motivo e exposição dos factos que implicaram o recurso a métodos indiretos”, o seguinte:
«Após os trabalhos de análise e verificação aos elementos contabilísticos da empresa, nomeadamente aos documentos por ela emitidos, aos documentos de compras, despesas, etc., bem assim como aos seus balancetes, extractos de conta corrente, entre outros, foi notório a existência de várias situações que indiciam claramente a necessidade que houve de manipular determinados dados e valores, prejudicando dessa forma não só a entrega de IVA nos cofres do Estado como a tributação em sede de IRC.
E sabe-se perfeitamente que tudo isso se consegue através, nomeadamente, das omissões de proveitos aos registos contabilísticos, entre outras possibilidades, que no final de cada exercício são colmatadas ou compensadas com a “inflação” dos valores atribuídos aos inventários finais de cada ano.
Mas vejamos pormenorizadamente algumas situações bem elucidativas disso mesmo.
A) Margens brutas declaradas
Analisando as suas margens brutas declaradas, verifica-se existir uma discrepância enorme e inexplicável, entre a margem bruta declarada em 2008 e a declarada em 2009.
Para 2008, o contribuinte declara uma margem bruta sobre o CEV de 17,02%, enquanto que para 2009 essa mesma margem passa para 83%.
Ora, não podemos compreender como é que uma empresa que desenvolve uma mesma actividade em dois anos consecutivos, para já não falarmos da empresa que lhe antecedeu, isto é, a «W, Lda.», empresa esta que também laborou no mesmo local e pelas mesmas pessoas, entre 19 de Março de 2004 e 31 de Março de 2008, possa num ano obter uma margem de 17,02% e noutro 83%.
Não é no mínimo nem racional nem compreensível, e muito menos se compararmos o elevado valor acrescentado que se verificou em 2009 (pelo menos declarado pela contabilidade), e depois depararmo-nos com prejuízos fiscais consecutivos e uma entrega média pouco mais do que 150,00 € de IVA nos cofres do Estado por mês.
Quanto a nós, isto só foi possível porque a contabilidade teve uma necessidade imperiosa de manipular os inventários finais em cada um dos dois exercícios, pelo facto dos proveitos escriturados ao longo dos dois anos terem ficado muito aquém da realidade.
B) Inventários Finais – 2008/2009
É sabido que estas micro empresas têm recursos económicos e financeiros muito limitados, pelo que a sua política de compras é forçosamente restrita às tarefas e/ou trabalhos que lhes vão surgindo ou ficando em carteira dia a dia.
Não têm capacidade para fazerem grandes stocks, nem lhes interessa mesmo fazê-los, face à enorme variedade de artigos que existem neste ramo de actividade, correndo o risco dos mesmos se tornarem obsoletos e/ou ultrapassados, sendo ainda que nesta actividade cada vez mais se assiste à entrega do material “na hora por estafetas”, pertencentes às próprias empresas fornecedoras.
No entanto, neste caso concreto, o que nós verificámos foi precisamente o contrário.
Mas vejamos em quadro a relação entre as Compras e as Existências no final de cada um dos dois anos já declarados pelo contribuinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Explicando melhor:
Em 2008 as existências finais assumiam quase 50% das Compras do ano, sendo que em 2009 elas assumem 127%, isto é, o contribuinte ficou na oficina com um valor de mercadoria que supera de longe as compras globais do ano, o que não acreditamos, não é de todo aceitável, nem minimamente necessário para este tipo de actividade.
C) Inventário Final 2010
Uma vez que esta acção inspectiva decorreu num período que coincidiu com a obrigação das empresas efectuarem os seus inventários, e tendo como referência o que atrás já foi dito, aproveitamos para pedir aos sócios que nos fornecessem o inventário final de 2010, o qual me foi concedido e que é constituído por 65 folhas, (embora algumas delas sem valores), o qual se encontra devidamente carimbado e assinado pelo sócio, Senhor DD.
Ao analisarmos tal inventário, deparamo-nos com uma valorização de 3.543,46 €. Melhor constatação e confirmação para o que atrás já foi descrito por nós, pensamos não existir.
Este é sem dúvida, e salvo melhor opinião, o valor que mais se ajusta à realidade desta empresa, e que não andará muito longe dos valores que terão sido os inventários reais dos dois exercícios anteriores, mas que pelas circunstâncias já anteriormente descritas, não o foram.
D) Outros factos anómalos
Uma vez manipulados certos valores e certas rubricas na contabilidade, no sentido de se obter o resultado fiscal que se queria e não o que efectivamente se obteve, seria óbvio aparecerem determinados indicadores, rácios, etc., que não fazem sentido nenhum.
Mas vejamos alguns deles:
A duração média do stock de mercadorias em 2008 foi de 5,13 meses, sendo que em 2009 essa duração média foi de 23,44 meses;
O prazo médio de pagamentos da empresa em 2008 foi de 8,27 meses, e em 2009 foi de 28 meses;
A rentabilidade das vendas em 2008 foi –0,52% e em 2009 foi de –11,08%;
Algumas considerações:
Como atrás já foi dito, não é minimamente credível que uma empresa desta dimensão compre para stock, e muito menos que compre mercadoria para ficar em armazém por um prazo médio de quase 24 meses, isto é, comprar-se para se consumir daqui a dois anos!
Também não é muito credível que se consiga comprar para se pagar a 28 meses, como a contabilidade revela em 2009, aliás não estamos a ver quem lhe possa conceder crédito a 28 meses;
E finalmente também não será muito aceitável que a Rentabilidade das Vendas seja sistematicamente negativa como se verifica nesta empresa para os dois anos consecutivos, e se pensarmos que a margem bruta declarada pela contabilidade em 2009 foi de 83%, muito menos aceitável o será.
São dados mais do que suficientes para podermos afirmar que esta contabilidade não revela a verdadeira realidade da empresa.
Foi manipulada, adulterada e tratada, de forma a tentar ocultar o que é evidente, isto é, omissões aos proveitos.
Assim, e em face do atrás exposto, concluiu-se que a escrita do Sujeito Passivo «X, Lda.», não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, pelo que face à impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, e ao facto das falhas e os fundamentos referidos no presente relatório serem insupríveis, se recorre nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 87º e das alíneas a) e d) do art. 88º da Lei Geral Tributária para os efeitos previstos nos artigos 87º a 89º, do citado Diploma Legal, por remissão do artigo 52º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), actual 57º e 84º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), actual 90º, à sua determinação pela aplicação de métodos indirectos, para ambos os exercícios, 2008 e 2009.» – cfr. fls. 5-6 do PA;
9. Do Relatório Final de inspeção tributária consta, no ponto “V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos”, entre o mais, o seguinte:
«V.1 Critérios utilizados
A) Margem a aplicar para a obtenção da componente Vendas
Uma vez existir uma grande discrepância entre as margens brutas declaradas pelo contribuinte para os dois exercícios em análise, e porque para nós a que a contabilidade nos revela em 2008 será a que mais se afastará da realidade, procedemos a uma larga amostragem para esse exercício, abrangendo todos os meses de actividade nesse ano, (Abril a Dezembro), e com um leque bem alargado de artigos aplicados nos diversos serviços efectuados pela empresa, mais concretamente 71 amostragens.
Sabemos muito bem que este tipo de trabalho é sempre muito subjectivo.
Mas é perfeitamente visível a sua grande abrangência no tocante aos artigos nele incluídos, tentando-se dessa forma obter a isenção que se requer neste t ipo de trabalhos.
Sobressai neste mapa, o armazém «Y & H, Lda.», mais conhecido por «Y», sendo que tal se deve ao facto de ter sido este o seu grande fornecedor em 2008, conforme se pode comprovar da sua contabilidade.
Da análise ao referido mapa, o qual faz parte integrante deste relatório como anexo (Anexo nº 1 – 1 folha), chegamos a uma margem bruta sobre o custo de 106,20%.
Sem dúvida um pouco superior à revelada pelo sujeito passivo em 2009 que foi de 83%, mas bem superior à que a contabilidade revela para o ano da nossa amostragem (2008), que foi apenas de 17%.
Nestes termos, e porque o nosso critério assenta na coerência, na uniformidade e em dúvida no benefício do contribuinte, iremos aplicar para a valorização da componente Vendas, não a margem que foi obtida por nós, mas a que o contribuinte já revelou em 2009 que foi d 83%, mantendo –a por nós para esse exercício.
Com o nosso trabalho apenas quisemos provar que a margem revelada pela contabilidade em 2008 estava muito aquém da realidade.
B) Os Inventários
Nas alíneas B) e C) do ponto /V.1 deste relatório, evidenciamos objectivamente o facto dos inventários andarem a ser manipulados e trabalhados em função de um resultado fiscal, não nos oferecendo nenhuma garantia quanto à sua veracidade. De resto, e repetindo o que já foi por nós afirmado, aquele que nos oferece reais garantias quanto à sua veracidade, foi precisamente o que nos foi dado na hora, sem qualquer hipótese de adulteração e/ou tratamento para efeitos fiscais.
Neste sentido, é nossa opinião, atendendo à dimensão da empresa, ao facto da mesma não ter capacidade para acumular stocks, destas empresas se caracterizarem por comprar à medida das suas necessidades de momento, etc., de que a variação de existências é nula para os dois exercícios, tendo como referência para a existência final de 2008, inicial de 2009 e final deste mesmo ano, o valor que nos foi dado pela própria empresa em finais de 2010, isto é, 3.543,46€.
C) Valorização dos Serviços Prestados
É evidente que neste ramo de actividade, qualquer tarefa seja ela de mecânica, de pintura, de bate chapas, etc., está sempre associada a mão obra subjacente à tarefa em si.
Ao analisarmos a demonstração de resultados para os dois exercícios, verificamos o seguinte:
Os Serviços Prestados representam em média, nos dois exercícios, 54% do total dos proveitos;
Em 2008 os Serviços Prestados apresentam-se ligeiramente superiores aos Custos com Pessoal, sendo que em 2009 se passa precisamente o inverso, isto é, os Custos com Pessoal são claramente superiores aos Serviços Prestados, demonstrando-se alguma falta de coerência.
Neste contexto, e em benefício claro do sujeito passivo, vamos propor que o valor dos Serviços Prestados por nós presumidos tenha como referência única e exclusivamente a relação que esta componente assume em cada exercício na contabilidade do contribuinte, quando relacionada com a componente Vendas, isto é, os Serviços Prestados assumem 1,171 das Vendas em 2008, passando este indicador para 1,244 em 2009.
Em resumo, limitamo-nos a trabalhar com os indicadores que a contabilidade revela para esta componente em cada um dos exercícios
V.2 Determinação da matéria tributável corrigida/presumida
Uma vez expostos os critérios subjacentes à determinação da matéria tributável presumida para os dois exercícios, iremos seguidamente apresentar em quadros sucessivos os cálculos que nos conduzirão a tais valores.
(...)
V.2.2 Exercício de 2009
V.2.2.1 Apuramento do Total dos Proveitos Presumidos
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
V.2.2.2 Apuramento da Matéria Tributável Presumida
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr. fls. 6vº-10 do PA;
10. Do Relatório Final de inspeção tributária consta, no ponto “IX. Direito de Audição – Fundamentação”, entre o mais, o seguinte:
«Notificada a sociedade «X, Lda.», nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária e artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, através do nosso Ofício nº ...38, datado de 2011.02.25, para caso o pretendesse, exercer o direito de audição sobre o Projecto de Conclusões de Relatório, a mesma exerceu o direito em apreço, conforme exposição que deu entrada nestes serviços no dia 16 de Março de 2011.
Em relação ao argumentado pela sociedade «X, Lda.» no exercício do direito de audição, cumpre-me informar o seguinte:
(...)
3. Dos articulados números 13º a 16º, o contribuinte põe em causa a aplicação dos métodos indirectos, invocando o disposto nomeadamente nos artigo s87º e 88º da Lei Geral Tributária;
A este propósito convirá referir, entre outros, que, como notado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 2002.11.20, no processo 1483/02, a presunção de veracidade e boa fé das declarações e da contabilidade, consagrada no artigo 75º da LGT, cessa quando aquelas revelarem “omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que noa reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributária do sujeito passivo.
(...)
5. Nos articulados 18º e 19º, o contribuinte limita-se a dizer que as afirmações constantes das páginas 3 a 6 do Projecto de Conclusões do Relatório, não correspondem à verdade, podendo as mesmas ser apelidadas de fantasiosas e que não se baseiam em quaisquer factos concretos;
Sobre tais considerações, cumpre-nos esclarecer o seguinte:
Pese embora o facto do contribuinte não fazer qualquer menção a que afirmações se refere, as páginas 3 a 6 do Projecto de Conclusões do Relatório foram dedicadas a desenvolver os factos que motivaram o recurso a métodos indirectos.
E os factos aí expostos não foram inventados por mim, antes pelo contrário, eles são o reflexo fiel da contabilidade, espelhada na declaração do contribuinte, a tal a que o mesmo faz referência no seu ponto nº 5, aludindo à presunção da veracidade dos dados e apuramentos operados em tais declarações.
Vejamos então alguns dados tendo como referência alguns indicadores, os quais resultam única e exclusivamente da contabilidade do contribuinte:
1. As margens brutas a que me refiro de 17,02% s/CEV em 2008 e 83% s/CEV em 2009, reflectindo dessa forma uma total incoerência e uma enorme e inexplicável discrepância entre os dois exercícios, são as que a contabilidade indica e nada mais do que isso;
2. Pese embora a contabilidade revelar um enorme valor acrescentado em 2009, (83% de margem bruta s/CEV), ficou por explicar como é que se do Estado, não tendo havido investimentos nem operações isentas que justificassem valores tão exíguos;
3. Quanto aos inventários finais de 2008 e 2009, também não fui eu que os inventei, e a contabilidade revela uma existência final em 2008 no valor de existências finais representavam 46% das Compras efectuadas em todo o ano, e em 2009 elas ascendiam a 127% dessas mesmas Compras.
Por outras palavras, a empresa comprava para stock, sendo certo, como todos nós sabemos, que neste tipo de actividade as compras se fazem ao ritmo das necessidades das próprias oficinas, das tarefas que vão tendo em carteira, etc.
4. Quanto ao inventário final de 2010, e tendo como referência os articulados 21º a 23º, em que aí é dito que no decorrer da acção inspectiva a Administração Tributária não fez nada de concreto acerca das existências finais, lembro aqui (alínea C) da página 5 do Projecto de Relatório), porque passou despercebido, propositadamente ou talvez não, no exercício do Direito de Audição, o seguinte:
Atendendo ao “timing” da acção, Janeiro de 2011, solicitei à gerência da empresa que me fosse facultado o inventário final de 2010, o qual me foi concedido e que é constituído por 65 folhas de suporte informático, (embora algumas delas sem valores) o qual se encontra devidamente carimbado e assinado pelo sócio, Senhor DD.
Ao analisarmos tal inventário, deparamo-nos com uma valorização de 3 543,46€.
Comparando este valor que reputo de credível, quanto mais não seja pelo facto do mesmo me ter sido dado “na hora” e assumir valores perfeitamente consentâneos com a realidade desta empresa, com os dois anteriores, que outra coisa se pode dizer para além do que afirmei, isto é, “a contabilidade foi manipulada e adulterada de forma a tentar ocultar o que é evidente, omissões aos proveitos”.
E ainda a este propósito, e em conversa informal que tive com o TOC, o Senhor EE, o qual iniciou funções nesta empresa com o início de actividade da mesma, sempre o fui questionando como seria o fecho da contabilidade do exercício de 2010, com o valor deste inventário a não poder ser mais objecto de alteração?
Escusando-me a tecer outros quaisquer comentários a propósito desta conversa, sempre vale a pena salientar ainda o seguinte:
Dissemos atrás, como era possível uma empresa com uma margem bruta declarada de 83% s/CEV em 2009, entregar em média uns exíguos 150,00®€ de IVA por mês nos cofres do Estado.
Vejamos em sucessivos “prints” do nosso sistema informático, o que aconteceu no último trimestre de 2010 com a entrega da Declaração Periódica de IVA desse período, já depois portanto, desta acção inspectiva ter terminado:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

» – cfr. fls. 9-13 do PA;
11. Por correio registado de 12-04-2011, foi expedido o Ofício n.º ...11, de 12-04-2011, contendo o Relatório Final de inspeção tributária e documento de fixação de lucro tributável de IRC – cfr. fls. 29-32 do PA;
12. A Impugnante foi notificada do Relatório Final de inspeção tributária em 14-04-2011 – cfr. data da assinatura aposta no aviso de receção, a fls. 32 do PA;
13. No dia 17-05-2011, a Impugnante apresentou na Direção de Finanças ... pedido revisão da matéria tributável a que alude o artigo 91.º da LGT, relativamente a IRC e IVA, por referência aos exercícios de 2008 e 2009 – cfr. fls. 34-45 do PA;
14. Em 17-06-2011, ocorreu, na Direção de Finanças ..., reunião entre os peritos da Impugnante e da Administração Fiscal, para debate contraditório, o qual terminou sem que se tenha chegado a acordo, tendo o procedimento de revisão seguido tramitação subsequente – cfr. fls. 51-52 do PA;
15. Em 12-07-2011, no âmbito do procedimento de revisão, a técnica responsável emitiu o Parecer n.º 45/2011 no qual propôs correção ao lucro tributável da Impugnante em sede de IRC, por referência ao exercício de 2009, no valor de €26.082,85, seguindo a posição assumida pelos serviços de inspeção tributária – cfr. fls. 68-84 do PA;
16. Em 15-07-2011, o Diretor de Finanças ... emitiu Resolução em concordância com o teor do referido parecer, tendo decidido manter os valores inicialmente fixados e ainda um agravamento à coleta reclamada no valor de €1.924,00 – cfr. fls. 68 do PA;
17. Em 25-07-2011, foi emitida a nota de liquidação de IRC n.º ...18, referente ao período de 2009, acrescida de juros compensatórios, para pagamento da quantia total de €4.342,59 – cfr. documento n.º 1 junto coma PI, a fls. 23-24 do processo físico;
18. A presente impugnação judicial foi apresentada a 18-11-2011 – cfr. fls. 2 do processo físico.
IV.2 – Matéria de facto dada como não provada:
Julgam-se não provados os seguintes factos:
a) Os critérios adotados pelos serviços de inspeção tributária são desadequados e/ou inadmissíveis para a atividade exercida pelo Impugnante;
b) Na correção promovida pelos serviços de inspeção tributária ocorreu erro ou manifesto excesso na determinação/quantificação da matéria tributável.
IV.3 – Motivação de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e constantes do PA apenso, que não foram impugnados, considerando ainda a parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, são também corroborados pelos documentos juntos aos autos, em conformidade com o preceituado no artigo 76.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”), artigos 444.º a 450.º do Código de Processo Civil (“CPC”) e artigos 362.º e seguintes do Código Civil (“CC”), identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
Relativamente aos factos não provados, estes decorrem da não observância das regras do ónus da prova nos termos do artigo 74.º da LGT, tendo o Tribunal decidido, quanto à fixação dos factos, em sentido contrário à posição da parte onerada com aqueles ónus.
Os restantes factos alegados, se existem, não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido produzida prova, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou não terem relevância para a decisão da causa.

**
Apreciação jurídica do recurso.

Compete começar por referir que, conforme é por demais sabido, os termos do recurso são apreciados segundo as conclusões apresentadas, pelo que, não obstante no corpo das alegações a Recorrente ter mencionado que o tribunal recorrido não apreciou todas as questões, não leva tal matéria às conclusões. Portanto, a Recorrente estaria a invocar eventual nulidade de sentença por omissão de pronúncia, mas como nas conclusões não volta a referir este assunto, não é possível conhecê-lo neste recurso.
Para melhor apreensão do formalismo que devem observar as conclusões cita-se o Conselheiro António Abrantes Geraldes, que no seu livro, “Recursos em Processo Civil” (6.ª ed. julho de 2020, Almedina), a págs. 184/185, em anotação ao artigo 639.º do Código de Processo Civil, escreve o seguinte:
A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial.
Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o sector da motivação.
As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635.º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende do tribunal superior, em contraposição com o que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado, as conclusões devem respeitar, na sua essência, cada alínea do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspetiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso.

Em face do exposto, não constando das conclusões a alegada falta de apreciação de determinada matéria invocada na Petição inicial, não pode o tribunal de recurso apreciar esse assunto.
*
Apreciando, então, o recurso, a Recorrente alega, em primeiro lugar, que a sentença erra quando considera que a Inspeção Tributária demonstrou a necessidade de recurso a métodos indiretos, não sendo suficiente à AT a mera indicação dos motivos pelos quais entendeu proceder à avaliação indireta, exigindo-se que fundamente essa necessidade, para além de que não é suficiente que a AT se depare com anomalias e incorreções na contabilidade do contribuinte, sendo necessário que explique o motivo pelo qual não pode proceder à avaliação direta.
Mais alega que a Inspeção Tributária referiu que os inventários estão manipulados, que não correspondem à verdade, mas não fez o controlo das existências finais dos inventários, limitando-se a AT a desconsiderar e a deduzir às existências iniciais o valor que entendeu sem qualquer fundamentação e sem inventariação, realizando procedimento tecnicamente incorreto e ilegal, pois não procedeu à inventariação física das existências.
Diz, ainda, que, ao contrário do sentenciado, era possível comprovar e quantificar de modo direto e exato a matéria tributável, não fazendo a Inspeção Tributária prova dessa impossibilidade.
No fundo, a Recorrente invoca a ilegalidade do recurso à avaliação da matéria tributável por métodos indiretos, por não estarem demonstrados os pressupostos da sua aplicação.
A sentença recorrida decidiu esta questão da seguinte forma:
«Nos presentes autos estão em causa uma correção efetuada no âmbito de procedimento de inspeção tributária, em sede de IRC, por referência ao exercício de 2009, efetuada através do recurso a métodos indiretos para apuramento da matéria tributável, que resultam do entendimento dos serviços de inspeção tributária, vertido no Relatório de Inspeção, no sentido de que a contabilidade da Impugnante apresenta irregularidades e não reflete a verdadeira realidade da empresa.
Ora, o recurso ao método de avaliação indireta para determinação da matéria coletável encontra-se condicionado aos casos e condições expressamente previstos na lei e, sempre, em termos subsidiários à correção por via direta, de acordo com o preceituado nos artigos 85.º, 87.º e 88.º da LGT.
Desde logo, preceitua o artigo 83.º da LGT que a avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação (nº 1) e a avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária disponha (nº 2).
Estabelecendo, por sua vez, o n.º 1 do artigo 81.º da LGT que «a matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei» e ainda o n.º 1 do artigo 85.º que «a avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta», assim consagrando a regra da subsidiariedade do recurso à avaliação indireta.
Concretamente, no que releva para os presentes autos, decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT que a realização da avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de «impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto».
Por seu turno, relativamente às situações de impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável, dispõe o artigo 88.º da LGT o seguinte:
«A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados».
A avaliação por métodos indiretos é, portanto, conforme decorre do quadro normativo exposto, excecional e subsidiária da avaliação direta, só podendo efetuar-se, para os efeitos que aqui relevam, em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
Nesse sentido se pronunciou já o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 08-06-2011, proferido no âmbito do processo n.º 0434/11 (disponível em http://www.dgsi.pt), onde firmou a seguinte posição: «Em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), são excepcionais e obedecem a tipificação legal (em especial a contida no artigo 87.º da Lei Geral Tributária) os casos em que é lícito à Administração Tributária fixar a matéria tributável dos contribuintes por ¯ avaliação indirecta‖, afastando-se dos valores declarados, porque inexistentes ou fundamentadamente desmerecedores de confiança, recorrendo a outros elementos (também objecto de previsão legal) que permitem a determinação do valor tributável.».
Posto isto, impõe-se, portanto, apreciar se os serviços de inspeção tributária enquadraram a sua atuação com o recurso a avaliação por métodos indiretos no quadro normativo exposto, o que implicar aferir se fizeram prova da verificação dos pressupostos da aplicação da avaliação indireta.
Volvendo ao caso dos autos, constata-se que do Relatório da Inspeção Tributária consta a indicação de um conjunto de circunstâncias factuais e irregularidades evidenciadas na escrita da Impugnante que indiciam a “manipulação” de determinados dados e valores, tornando impossível comprovar e quantificar de modo direto e exato a matéria tributável daquela nos exercícios objeto de inspeção [ponto 8) do probatório].
Concretamente, os serviços de inspeção tributária apontaram as seguintes circunstâncias indiciadoras da existência de omissões e inexatidões nos elementos contabilísticos da Impugnante e de que a sua contabilidade não reflete a sua exata situação patrimonial:
· Margens Brutas Declaradas: discrepância significativa e inexplicável entre as margens brutas declaradas pela Impugnante por referência aos exercícios de 2008 e 2009, com uma variação de 17,02% para 83%, respetivamente, a qual não é compreensível numa empresa que desenvolve a mesma atividade; não é racional nem compreensível o elevado valor acrescentado que se verificou em 2009, quando comparado com a declaração de prejuízos fiscais consecutivos e uma entrega média mensal de pouco mais de €150,00 de IVA nos cofres do Estado.
· Inventários Finais – 2008/2009: os montantes das existências finais correspondem a 40% e 127% do valor das compras declaradas, respetivamente, naqueles anos, não podendo aceitar-se que refletem margens brutas reais, considerando que, por regra, as microempresas têm recursos económicos e financeiros muito limitados e não têm capacidade para fazerem grandes stocks, nem lhes interessa mesmo fazê-los, face à enorme variedade de artigos que existem neste ramo de atividade, correndo o risco dos mesmos se tornarem obsoletos e /ou ultrapassados; de acordo com os valores da Impugnante, esta teria ficado com um valor de mercadorias que supera de longe as compras globais do ano, o que não é credível ou aceitável, nem necessário para o tipo de atividade por si desenvolvida.
· Inventário Final de 2010: tendo por base o desacerto encontrado ao nível dos inventários, foi solicitado aos sócios o inventário final de 2010, de cuja análise se verificou uma valorização de €3.543,46, sendo este o valor que mais se ajusta à realidade da empresa, e que não deverá andar longe dos valores que terão sido os inventários reais dos dois exercícios de 208 e 2009.
· Outros factos anómalos: em face da manipulação de certos valores na contabilidade, no sentido de se obter o resultado fiscal pretendido e não o que efetivamente obtido, surgem determinados indicadores e rácios que não fazem sentido, a saber:
- a duração média do stock de mercadorias em 2008 foi de 5,13 meses, sendo que em 2009 essa duração média foi de 23,44 meses;
- o prazo médio de pagamentos da empresa em 2008 foi de 8,27 meses, e em 2009 foi de 28 meses;
- a rentabilidade das vendas em 2008 foi de -0,52% e em 2009 foi de 11,08%.

Face a estes elementos e aos demais detalhadamente descritos no Relatório Final de inspeção tributária, é manifesto que a escrita da Impugnante não evidenciava a sua verdadeira realidade, denotando várias incoerências, omissões e contradições, mormente, omissões de proveitos dos registos contabilísticos e aumento dos valores atribuídos a inventários finais, permitindo, assim, concluir que a respetiva contabilidade foi manipulada, impossibilitando a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de IRC.
Nessa medida, demonstraram os serviços de inspeção tributária que, em virtude de a escrita da Impugnante não refletir a realidade dos seus negócios, nem o resultado efetivamente obtido, se tornou e impossível quantificar e comprovar de modo direto e exato a matéria tributável para efeitos de IRC, razão pela qual foi a mesma calculada com recurso a métodos indiretos, termos dos artigos 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º, alínea a) da LGT e do n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRC.
Termos em que, em face do exposto, se entende legítimo o recurso pela Administração Tributária a avaliação por métodos indiretos de determinação da matéria tributável, designadamente para o exercício de 2009, cuja liquidação de IRC está em causa nos presentes autos, encontrando-se formal e substancialmente fundamentado no relatório da inspeção o recurso a tais métodos de determinação da matéria tributável.
Pelo que, se julga improcedente o fundamento invocado pela Impugnante a este respeito.».

Temos de concordar com o assim decidido, sendo que nas alegações de recurso, a Recorrente não logra rebater adequadamente os fundamentos da sentença, pelo que lhe competia explicar concretamente onde é que ocorre o erro de julgamento.
Diga-se, também que a menção à não viabilidade dos stocks é apenas um dos fundamentos aduzidos pela Inspeção Tributária para proceder à avaliação indireta, pelo que sempre ocorreriam outros motivos para realizar a avaliação indireta.
Para além do que fica exposto, refira-se que exatamente sobre esta matéria e em relação à mesma inspeção tributária realizada a este mesmo sujeito passivo, já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte recentemente, no processo n.º 883/11.9 BEAVR, em 25/05/2023 e no processo n.º 884/11.7BEAVR, em 11/05/2023, com cujo teor concordamos e para cuja fundamentação remetemos, com as devidas adaptações, destacando-se deste último Acórdão a seguinte passagem:
«Julgamento que desde já se diga que não nos merece reparo. Se atentarmos no facto provado n.º 6.º do RIT resulta uma análise às margens brutas declaradas nos anos de 2008 e 2009, aos inventários de 2008, 2009 e 2010 e outros indicadores anómalos tendo concluído pela impossibilidade da correção da matéria coletável, por recurso da avaliação direta.
Consta ainda do despacho do Diretor de Finanças, (facto 9) proferido ao abrigo do artigo 92.º, n, º6, da LGT, em 15.07.2011, sustentado na informação n.º 45/2011, que dele faz parte integrante, que perante os factos descritos, através dos quais se torna evidente a realização de vendas e serviços prestados sem adequado registo contabilístico, verifica-se não ser possível proceder à quantificação por recurso da avaliação direta, encontrando preenchidos os pressupostos enunciados na alínea b) do n.º 1 do art.º 87.º e nas alíneas a) e d) do art.º 88.º ambos da LGT, e ainda art.º 57.º do CIRC e no art.º 90.º do CIVA, que preveem em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dados elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável o recurso à avaliação indireta.
Nesta conformidade, teremos de concluir que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento ao considerar verificados os pressupostos do recurso a métodos indiretos nomeadamente a efetiva impossibilidade de quantificação direta e exata da matéria tributável.
Uma última nota para salientar que no caso em apreço estão em questão liquidações de IVA e juros compensatórios de 2008, pese embora a sentença, na pagina 25 se refira ao exercício de 2009, o que se deve a mero lapso, pois na sua fundamentação esta subjacente o ano de 2008, como decorre do introito da sentença e dos factos provados em 7) e 11), não se pondo em questão a validade da sentença recorrida como parece pretender a Recorrente na sua conclusão 35).
Acresce ainda esclarecer, que não pode vingar o argumento da Recorrente que a AT não poderia efetuar a avaliação indireta por se tratar do primeiro ano de atividade pois não tem qualquer suporte legal nem mesmo a Recorrente o indica.
Como é sabido, o art.º 1.º do CIRC preceitua que o IRC incide sobre os rendimentos obtidos, mesmos quando provenientes de atos ilícitos, no período de tributação.
Por sua vez, o n.º 1 do art.º 17.º do CIRC prevê que “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
O facto da empresa ter iniciado a sua atividade no ano de 2008, não a dispensa do pagamento do IRC, a que houver lugar, nem do cumprimento das suas obrigações tributárias, ou seja, o dever de ter contabilidade organizada de modo que seja percetível à AT, verificar o montante dos rendimentos obtidos, nesse período de tributação.
Nesta conformidade, improcede a pretensão da Recorrente.».
*
Em segundo lugar, alega a Recorrente que a Administração Tributária errou ao não se basear em critérios objetivos na avaliação da matéria tributável, pelo que ao contrário do sentenciado, o critério usado é completamente errado e inadequado, não tendo qualquer base legal, não cumprindo o disposto no n.º 1 do artigo 84.º da Lei Geral Tributária.
Mais refere que, tendo iniciado a sua atividade em maio de 2008, é ilegal aplicar métodos indiretos no ano seguinte à constituição da sociedade, para além de que a Inspeção Tributária não se baseia em quaisquer factos concretos, pelo que a quantificação que realizou é tecnicamente excessiva e errónea, tendo em conta que corrigiu para mais o custo das mercadorias vendidas e consumidas declaradas, sem qualquer fundamentação e sem qualquer inventariação das existências, presumindo as existências iniciais e finais, com base nas existências finais do exercício de 2010.
Em resumo, a Recorrente entende que o critério utilizado pela Administração Tributária não é o mais adequado para calcular a matéria coletável e errónea e excessiva quantificação da matéria tributável.
Igualmente sobre este assunto, também se pronunciou este TCA Norte, nos Acórdãos acima identificados, com cujo teor concordamos e para o qual remetemos, mas que por facilidade de apreensão aqui damos por reproduzido o que ficou dito no Acórdão lavrado no processo n.º 884/11.7BEAVR:
«4.3. Nas conclusões do recurso – 18), 29) e 30) – questiona-se o critério e cálculo valores corrigidos, no entendimento que o nº 1 do artigo 90.º da Lei Geral Tributária fixam-se os factores a atender nos casos de aplicação de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável referidos no artigo 88° da Lei Geral Tributária, cuja lista de factores a atender tem carácter taxativo.
E como resulta dos artigos 59.° do Código do IRC e 90.° do Código do IVA, a determinação da matéria tributável, quer em termos de IRC, bem como de IVA, basear-se-á em todos os elementos de que a Administração Tributária disponha, segundo os termos do artigo 90.° da Lei Geral Tributária, o que quer dizer que só pode fixar a matéria tributável através de avaliação indireta baseando-se nos elementos indicados na lei, constituindo vicio de violação de lei a utilização de elementos sem cobertura legal, como é o caso dos presentes autos.
Vejamos.
Com efeito compete à Administração Tributária, nos termos previstos no art.º 90.º da LGT, escolher o(s) critério(s) que repute mais adequado(s), à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a aquela e o sujeito passivo.
Como supra se referiu, o n.º 4 do art.º 77.º da LGT obriga a Administração quando recorre à tributação por métodos indiretos, a indicar os critérios utilizados na sua determinação.
Por sua vez, art.º 90.º da LGT, sob a epigrafe “Determinação da matéria tributável por métodos indiretos” prevê que: “1 - Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos:
a) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros;
b) As taxas médias de rentabilidade de capital investido;
c) O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos directos;
d) Os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte;
e) A localização e dimensão da actividade exercida;
f) Os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade;
g) A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária.
h) O valor de mercado dos bens ou serviços tributados;
i) Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte. (…)”
O art.º 90.º da LGT, enuncia a título meramente exemplificativo, os factores a atender na determinação da matéria tributável por impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.
A avaliação indireta propriamente dita integra a escolha de um dos métodos de quantificação enunciados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo. Tem-se entendido que os factores quantitativos propostos nesse normativo não têm carácter taxativo, pois ali se diz que a determinação da matéria tributável por métodos indiretos não sendo obrigatório atender a todos os factores mas recorrer-se apenas aos que, em cada caso, se afigurem como mais seguros para permitir com maior rigor aquele desiderato.
O erro sobre a escolha do método de quantificação ou sobre a sua aplicação que conduza a um excesso de quantificação pode gerar, portanto, o vício de violação de lei, por erro na quantificação.
Resulta da matéria de facto provada que o critério utilizado para o apuramento da matéria coletável consta do ponto V do RIT e do despacho do Diretor de Finanças, (cfr. ponto 6.º e 9.º do probatório), tendo a Inspeção optado por efetuar um estudo às margens comerciais praticadas em 2008, elaborando 71 amostragens, que abrangeram os meses de atividade desse ano (Abril a Dezembro), conforme consta do anexo 1 do RIT.
Dessa amostragem concluiu que a Impugnante/Recorrente obteve uma margem bruta sobre o custo de 106,20%, superior à revelada pela contabilidade em 2009, que foi de 83%, e afastando-se consideravelmente da margem declarada para o ano de 2008, que apenas ascendeu a 17%.
A AT considerou nos seus cálculos, para valorizar a componente Vendas, a margem declarada pela própria Impugnante/Recorrente no exercício de 2009, de 83%.
No que concerne aos inventários, a Inspeção considerou a variação de existências nulas, para 2008 e 2009, tendo como referência para a existência final de 2008, inicial de 2009, o valor € 3543,46, correspondente ao valor apresentado pelo inventário final de 2010 da Impugnante/Recorrente, (por ela fornecido) por lhe oferecer reais garantias de veracidade.
Para calcular os Serviços Prestados (SP) presumidos, foi utilizado a relação entre esta componente (SP) tem nas Vendas, sendo de 1, 171 das vendas em 2008 e de 1,2244 em 2009.
Como supra se disse a AT não esta vinculada à escolha de um dos métodos de quantificação elencados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT podendo, em concreto, recorrer a outros se revele mais adequado a uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo.
Do que foi analisado, os critérios utilizados, foram retirados da contabilidade do Impugnante/Recorrente mostrando-se admissíveis, objetivos, adequados e fundamentados.
Aqui chegados, uma breve nota para a questão da AT ter usado o valor constante no inventário de 2010, por o considerar adequado. Nas suas alegações a Recorrente parece pretender a anulação das liquidações, por que sendo a inspeção para os anos de 2008 e 2009, não poderia a AT, usar os dados que lhe foram fornecidos voluntariamente pelos sócios gerentes da Recorrente.
Porém não tem qualquer razão, o uso dos valores constantes do inventário, voluntariamente cedidos, não configura um alargamento da inspeção nem os torna ilegais.
Refira-se que o facto da AT ter utilizado os valores de 2010, não a impedia de demonstrar que o inventário de 2008 era diferente e consequentemente, a quantificação era excessiva, o que aliás lhe competia.
Destarte improcede a pretensão da Recorrente.
(…)
4.5. Nas conclusões 22) a 26) alega que quanto à utilização do inventário final de 2010 para a determinação da matéria tributável, os Serviços de Inspeção Tributária excederam indevidamente e ilegalmente a extensão da ação inspetiva ao abrigo da Ordem de Serviço N° ..., de âmbito parcial, que apenas se circunscreveu aos exercícios de 2008 e 2009, conforme página 2 do Relatório.
E que apesar da Inspeção se circunscrever aos exercícios de 2008 e 2009, o agente inspetivo procedeu à investigação e análise do inventário final do ano de 2010, tendo, inclusive, solicitado aos sócios que lhe fornecessem o inventário final de 2010, constituído por 65 folhas (página 5 do Relatório), mas como se refere na página 14 do Relatório Final "algumas folhas sem valores", o que revela dúvida na sua quantificação.
Ora, nos termos dos artigos 14°, 15° e 46° do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária, o início do procedimento externo da Inspeção depende da Ordem de Serviço para o procedimento da Inspeção e, essa ordem de serviço tem de conter a indicação do âmbito e a extensão da ação de inspeção, sendo que, quanto à extensão, o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação, e esta só pode ser alterada mediante despacho fundamentado da entidade competente.
Alega que, não tendo sido alterada, pela entidade competente, a extensão da inspeção, não podia ser analisado o inventário das existências finais do ano de 2010, para apreciar e avaliar a capacidade contributiva do sujeito passivo nos exercícios de 2008 e 2009, quer em termos de IRC, quer em termos de IVA, até porque, além do mais, como é referido na página 14 do Relatório Final, o inventário das existências finais do ano de 2010, continha algumas folhas sem valores, pelo que, assim sendo, tal inventário carece de valor, conforme resulta do artigo 115°, n° 2 do CPTT.
Ao invocar o inventário final de 2010, e com base nisso, afirmar que é impossível determinar diretamente e exatamente a matéria tributável dos exercícios de 2008 e 2009, é manifestamente despropositado, ilegítimo e ilegal.
Vejamos:
Analisada a petição inicial verifica-se que esta questão não foi equacionada nem mesmo a sentença recorrida de debruçou sobre ela, pelo que estamos perante uma questão nova que este Tribunal está impedido de conhecer.
Dispõe o n.º 1 do art.º 676.º do CPC (atual 627.º) que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados à reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)“(grifado nosso).
Da interpretação do n.º 1 do art.º 676.º do CPC o tribunal de recurso fica impedido de conhecer questões que não tenham sido anteriormente apreciadas.
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas sendo que dele não se conhece nesta parte.
*
Em terceiro lugar, alega a Recorrente que, ao contrário do sentenciado, a decisão de aplicação de métodos indiretos é do Diretor de Finanças, sendo que no caso que fixou foi um funcionário sem competência para o efeito, pelo que a fixação deve ser considerada nula, por incompetência do autor do ato.
Mais alega que, o funcionário em apreço, emitiu parecer de concordância com o Relatório de Inspeção Tributária, pelo que estava impedido de praticar o ato de fixação de imposto por métodos indiretos, violando o princípio da imparcialidade.
A Sentença recorrida debruçou-se sobre a competência de fixação de métodos indiretos, limitando-se a Recorrente repetir o que disse na Petição Inicial, ou seja, não contradiz, como lhe competia, a bondade do sentenciado.
Assim, a sentença dissertou sobre o assunto, o seguinte:
«V.4. Da incompetência da entidade que fixou o IRC por métodos indiretos
Invoca a Impugnante que a decisão de aplicação de métodos indiretos nos anos de 2008 e 2009, não foi efetuada pelo Diretor das Finanças, nem por funcionário a quem este delegou essa competência, alegando ser tal circunstância geradora de nulidade.
Apreciando.
Antes de mais, esclareça-se que o vício invocado pela Impugnante, correspondendo a uma situação de incompetência relativa, a verificar-se, não gera a nulidade do ato de liquidação, conforme sustentado, mas a sua mera anulabilidade.
Decorre, de facto, do artigo 59.º do Código do IRC que «a determinação do lucro tributável por métodos indirectos é efectuada pelo director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue e baseia-se em todos os elementos de que a administração tributária disponha, de acordo com o artigo 90.º da lei geral tributária e demais normas legais aplicáveis».
Da factualidade provada decorre que o Relatório de inspeção tributária foi homologado, em 08-04-2011, por despacho do Chefe de Divisão “FF”, ao abrigo de subdelegação de poderes datada de 19-11-2019, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 249, de 2010/12/27, Aviso Extrato n.º 27244/2010 [cfr, ponto 7) do probatório].
Ora, do referido Aviso ..., de 2010/12/27, emitido pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública - Direção-Geral dos Impostos, consta o seguinte:
«Delegação de competências
No âmbito da delegação de competências do director de Finanças ..., constante do despacho de 2010/11/19, ao abrigo do disposto nos artigos 62.º da lei geral tributária (LGT) e 35.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), subdelego as competências referidas no n.º 1.7, 2.1 e 2.3 a 2.15 do capítulo II, nos seguintes chefes de divisão:
1) BB, relativamente à unidade orgânica em que superintende - ... (DIT I) - bem como as competências do dirigente mencionado no n.º 2), nas suas faltas, ausências e impedimentos (…)
(…)
19 de Novembro de 2010.
- O Director de Finanças-Adjunto de ..., GG.».
Por seu turno, no Aviso (extrato) n.º 27243/2010, também publicado no DR, 2.ª Série, n.º 249, de 2010/12/27, consta expressamente que o Diretor de Finanças ..., subdelegou no diretor de finanças-adjunto GG, as seguintes competências, com poder de as subdelegar:
«2.11 – Determinação do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável e a prática dos actos de apuramento, fixação ou alteração, nos termos dos artigos 39.º e 65.º do CIRS, 57.º do CIRC, 90.º do CIVA, n.º 2 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e artigos 82.º e 87.º a 90.º da LGT, relativamente aos processos tramitados na inspecção tributária».
Donde se constata ter sido publicada em Diário da República, nas séries acima referidas, a delegação e subsequente subdelegação de poderes para a prática do ato em questão, não ocorrendo qualquer violação do disposto no artigo 59.º do Código do IRC.
Nesta conformidade, sem necessidade de outros considerandos, atenda a clareza dos despachos acima transcritos e devidamente publicados, verifica-se que a entidade que decidiu a fixação em sede de IRC, por métodos indiretos, por referência aos exercícios de 2008 e 2009, se encontrava no legítimo uso dos seus poderes, tendo indicado a qualidade em que praticou o ato.
Termos em que, improcede o vício de falta de competência invocado pela Impugnante.»
Portanto, no seguimento do que se acaba de transcrever, verifica-se que o funcionário em apreço estava munido de uma subdelegação de competências, pelo que detinha competência para a prática do ato em causa.
No que concerne à alegada violação do princípio da imparcialidade pelo funcionário em apreço, verifica-se ser questão nova no recurso, uma vez que não foi invocada na Petição Inicial, nem a sentença sobre esta matéria se pronunciou, pelo que não pode ser conhecida no recurso.
Veja-se sobre o assunto o que refere o Conselheiro Abrantes Geraldes, em anotação ao artigo 635.º do CPC, no seu livro, Recursos em Processo Civil, (6.ª edição, 2020, Almedina), a págs. 139-141:
«5. A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame no sentido da repetição da instância no tribunal de recurso.
Compreendem-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema tenha sido assim desenhado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios. Quando respeitem à matéria de facto, mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas.
A assunção desta regra encontra na jurisprudência numerosos exemplos:
a) As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, que por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões e, não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição.
b) Os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso.
c) Se no requerimento de interposição de recurso se restringiu o seu objeto à parte do despacho saneador que julgou improcedente a exceção de incompetência material, não se pode discutir nas alegações do recurso a questão da legitimidade já decidida especificamente no despacho saneador.

Em face do exposto, tratando-se que questão nova no recurso não pode ser apreciada, pelo que improcede, desde logo, esta alegação.
*
De seguida alega a Recorrente que, ao contrário do sentenciado, existe preterição de formalidades essenciais, mormente do direito de audição do interessado no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, pois após o exercício do direito de audição e antes da liquidação, foram invocados factos novos sobre os quais não lhe foi dada oportunidade de se pronunciar, para além de terem sido juntos “prints” do sistema informático das declarações periódicas relativas aos trimestres do ano de 2010, tendo sido violadas as disposições combinadas do n.º 3 e 1, alíneas b) e a) do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
Relativamente a esta matéria a sentença decidiu-a da seguinte forma:
«No caso dos presentes autos, está demonstrado que a Impugnante já havia sido ouvida em sede de procedimento de inspeção tributária através do exercício do direito de audição prévia, em resposta à notificação emitida em 25-02-2011 [pontos 4) e 5) do probatório].
Paralelamente, no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável interveio o perito designado pela Impugnante no debate contraditório realizado [ponto 14) do probatório], na sequência do que foi proferida Resolução pelo Diretor de Finanças da Direção de Finanças de ... no sentido de manter as correções promovidas, em concordância com o teor do parecer n.º 45/2011 [pontos 15) e 16) do probatório].
Note-se que a referência, naquele parecer, à interpretação a conferir ao artigo 90.º da LGT, no que respeita ao seu caráter taxativo ou exemplificativo, faz-se por remissão para teor do laudo do perito da Administração Tributária, emitido na sequência do debate realizado entre ambos os peritos, versando sobre as questões por estes discutidas nessa sede, onde, naturalmente se inclui, atenta a matéria em causa, a discussão sobre a aplicação e em que termos daquele preceito.
Ademais, entende-se que a matéria em questão – isto é, a referência no parecer em apreço à interpretação do artigo 90.º da LGT – não consubstancia a introdução de novos elementos na matéria em discussão que acarretem uma modificação das questões/matérias constantes no projeto de relatório de inspeção sobre o qual a Impugnante teve oportunidade de se pronunciar, porquanto, dele constando a indicação dos critérios utilizados pelos serviços de inspeção tributária, pretendendo a Impugnante insurgir-se contra os mesmos, poderia, querendo, tê-lo feito nessa sede, esclarecendo o que entendesse a respeito da aplicação do artigo 90.º da LGT, mormente quanto ao caráter taxativo ou não do elenco de critérios previstos no normativo em questão, o que não fez.
Já no que tange à menção ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-11-2002, em resposta ao direito de audição apresentado pela Impugnante, tal justifica-se unicamente para reforçar, com apoio jurisprudencial, a posição assumida pelos serviços de inspeção relativamente à regra da presunção da veracidade das declarações e escritas do sujeito passivo, em nada correspondendo ao aportar de novos elementos para a decisão.
Por fim, quanto à junção dos prints do sistema informático das declarações periódicas relativas aos trimestres do ano de 2010, também em resposta ao direito de audição exercido pela Impugnante, diga-se que os mesmos serviram, igualmente, de reforço às conclusões e considerações, vertidas no projeto de relatório e relatório final, que os serviços de inspeção foram tecendo relativamente à valorização de inventários por referência aos exercícios de 2008 e 2009, quando comparada com os valores de 2010 [ponto 10) do probatório], já tendo a Administração Tributária, aquando do procedimento inspetivo, posteriormente plasmado naqueles documentos, feito menção aos valores declarados pela Impugnante relativamente ao período de 2010 [pontos 8) e 9) do probatório], em nada inovando ou acrescentando à argumentação expendida.
Posto isto, atentas as circunstâncias do caso concreto, entende-se não ter acolhimento a afirmação da Impugnante no sentido da existência de elementos novos relevantes relativamente aos quais não lhe foi proporcionada a possibilidade de se pronunciar.
Donde, não se subsume a factualidade considerada nos presentes autos à previsão normativa ínsita na parte final do n.º 3 do artigo 60.º da LGT e, consequentemente, não se está em face de uma das situações excecionais em que se impunha a audição da Impugnante antes da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável que culminou com a emissão da liquidação ora impugnada.
Termos em que se conclui não ter sido preterida a aludida formalidade essencial do procedimento da liquidação, julgando-se o vício em questão improcedente.».

Ora, a Recorrente limita-se a reafirmar o alegado vício, não rebatendo o sentenciado. Em todo o caso, sempre se diga que, concordamos com a decisão recorrida, pelo não assiste razão à Recorrente.
Aliás, segundo o decidido noutros processos, a Recorrente não logra sindicar, neste aspeto, a sentença, conforme se pode ver pelo que ficou exarado no Acórdão proferido no processo n.º 884/11.7BEAVR, de 11/05/2023, com cujo teor concordamos e aqui damos por reproduzido:
«A Recorrente não questiona a sentença recorrida, parecendo mesmo ignorar o que nela foi decidido.
Não contrariam os fundamentos e a posição sustentado pela MMª juíza na sentença, sustentando o foi dito na petição inicial – pontos 84.º a 88.º- , como se a questão não tivesse sido objeto de apreciação judicial.
Importa relembrar que o objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 676.º do CPC são as decisões judiciais e não os atos administrativos e tributários praticados pela Administração Fiscal.
O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que a Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.
A Recorrente terá de convocar argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
A propósito da imposição do ónus de alegação ao recorrente refere Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357 que “(...) em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.(…)”.
É jurisprudência deste Tribunal se sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial, não ataca o julgado, pelo que não pode o Tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no n.º 4 do artigo 684.º do CPC (Cfr. TCAN n.º 01806/09.0BEBRG de 15-02-2012 e ac. do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013)
Não vindo questionado o julgamento em que assentou a decisão objeto de recurso, não pode este Tribunal novamente conhecer agora essa questão, nos termos do artigo 684.º, nº 4 do CPC, (atual n.º5 do art.º 635.º) pelo que o recurso não poderia obter provimento nesta parte.»
*
Face ao exposto, o recurso não merece provimento.
*
No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

**
Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - Decorre da interpretação conjugada dos n.ºs 3 do art.º 74.º e n.º4 do art.º 77.º da LGT que compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, bem como o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
II- Após recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação
*
*
Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
*
*
Custas a cargo da Recorrente.
*
*
Porto, 07 de junho de 2023.

Paulo Moura
Vítor Salazar Unas
Ana Patrocínio