Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00899/23.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:RECUSA DE SUBSTITUIÇÃO DE PATRONO NOMEADO;
ATO ADMINISTRATIVO;
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; FACTOS ESSENCIAIS;
Sumário:
1- Compete à Ordem dos Advogados apreciar e deliberar sobre o pedido de substituição de patrono, formulado pelo beneficiário, em função da fundamentação que o suporta, podendo indeferi-lo na ausência, insuficiência ou improcedência dos argumentos aduzidos pelo requerente, ou se o patrono nomeado tiver considerado (e exposto, de forma fundamentada, esse entendimento perante a OA), que a pretensão do beneficiário carece de fundamento legal.

2-A decisão que indeferiu o pedido de substituição de patrono oficioso, é um ato administrativo na aceção do artigo 148.º do CPA, tratando-se, por conseguinte, de um ato contenciosamente impugnável.

3-Nos termos do artigo 15.ºdo Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos Advogados «As decisões proferidas no âmbito do presente regulamento não admitem reclamação nem recurso hierárquico, sendo suscetíveis de impugnação judicial.»

4- Em sede de impugnação judicial da decisão que recusou a substituição de patrono nomeado, não bastava ao requerente alegar que estava em causa a violação do seu direito de acesso ao Direito e aos Tribunais pelo facto de se encontrar sem patrono para o prosseguimento do processo judicial que tinha em curso, impondo-se-lhe que indicasse as razões pelas quais a decisão da OA era inválida.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:

I. RELATÓRIO
1.1. «AA», com os demais sinais nos autos, intentou, nos termos do artigo 109.º do CPTA, a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a ORDEM DOS ADVOGADOS, pedindo a sua intimação para proceder à nomeação, em 5 (cinco) dias, de patrono (a) oficioso (a) ao aqui autor no processo n.º 1227/18.4BEPRT que corre termos na unidade orgânica 4 do TAF do Porto.
Para tanto, alega, em suma, que requereu à Ordem dos Advogados a substituição do seu anterior patrono oficioso, com fundamento no descontentamento perante a conclusão daquele de que a sua pretensão era inviável, pedido esse que, porém, viria a ser indeferido pela Delegação de ... da Ordem dos Advogados, em 13/07/2022.
Mais adianta que, nessa sequência, apresentou uma reclamação a 08/08/2022, em que pediu a revogação daquele despacho de indeferimento, mas sobre a qual, decorridos que se mostram 3 meses desde a sua apresentação, ainda não recaiu nenhuma decisão, razão pela qual é de ficcionar o respetivo indeferimento tácito, e concluir pela existência de uma violação do direito fundamental de acesso aos tribunais previsto designadamente no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2 da CRP.
1.2. Em 05/06/2023, a 1.ª Instância proferiu despacho de indeferimento liminar da petição inicial da presente intimação, nos seguintes termos:
« (…)
Como já se disse, o que o Autor pretende é que a Ordem dos Advogados defira o seu pedido de substituição de patrono e, nessa medida, lhe nomeie um novo.
No entanto, para sustentar essa pretensão jurisdicional de natureza condenatória, o Autor limitou-se a alegar que a Ordem dos Advogados não deu resposta à reclamação que este deduzira contra o despacho que havia indeferido tal pretensão e que o facto de este permanecer sem patrono oficioso viola o seu direito de acesso aos tribunais.
Ora, o n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho confere, de facto, ao beneficiário de apoio judiciário a faculdade de pedir a substituição do seu patrono oficioso, a qual deverá ser devidamente fundamentada pelo mesmo.
Todavia, o n.º 5 do artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho consagra uma restrição ao direito fundamental de acesso aos tribunais previsto no artigo 20.º, n.º 1 e 2 da CRP, ao permitir que a Ordem dos Advogados denegue a nomeação de novo patrono, quando se verifique uma situação de “inexistência de fundamento legal da pretensão”.
Restrição esta que, adiante-se, é adequada, necessária e proporcional, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.
Isto, porque, conforme se aduziu no Acórdão do TCA-Norte, de 08.04.2022, processo n.º 01455/20.2BEPRT, “visa evitar que os Advogados e a sua ordem profissional se vejam na contingência inadmissível de, obrigatoriamente, terem de patrocinar causas que, segundo um juízo técnico e discricionário, são inviáveis, impossíveis ou eticamente reprováveis, evitando-se, assim, a alocação de recursos humanos e materiais e dispêndio de tempo dos Advogados em processos sem fundamento, quando outros cidadãos se encontram a aguardar a nomeação de Patrono em causas credoras de justificação legal”.
Regressando ao caso dos autos, do ofício de 13.07.2022 junto a fls. 25 do SITAF, o que resulta é que a Delegação de ... da Ordem dos Advogados indeferiu o pedido de substituição de patrono oficioso apresentado pelo Autor, porque considerou, na esteira do n.º 5 do artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, que os vários patronos que lhe foram nomeados no passado haviam todos concluído pela falta de viabilidade da sua pretensão.
Este é o acto administrativo, para efeitos da acepção prevista no artigo 148.º do CPA e 51.º do CPTA, que, em bom rigor, onerou a esfera jurídica do Autor, denegando a sua pretensão material (substituição de patrono oficioso), com o fundamento, previsto no n.º 5 do artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, da “inexistência de fundamento legal da pretensão”.
Ora, perante a existência de tal obstáculo à nomeação de novo patrono oficioso, que corresponde à pretensão jurisdicional que aqui vem formulada pelo Autor, o que se lhe impunha era, claro está, que este alegasse os factos (essenciais) constitutivos que suportassem o seu efectivo direito à nomeação de novo patrono oficioso, em consonância com o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do CPC e na alínea f) do n.º 2 do artigo 78.º do CPTA.
Isto é, o Autor tinha o ónus de alegar as razões pelas quais entende que o seu pedido de substituição de patrono oficioso devia, à luz da Lei, ser deferido pela Ordem dos Advogados, o que inevitavelmente teria que passar por imputar ilegalidades ao juízo de inviabilidade da pretensão que fora efectuado pelos seus patronos oficiosos anteriores (e no qual se baseou a Delegação ... para expressamente indeferir o seu pedido).
Todavia, no caso concreto, essa alegação não foi de todo substanciada.
Com efeito, a alegação estruturada pelo Autor na sua petição inicial reconduz-se, apenas e tão só, ao facto de a Ordem dos Advogados não ter decidido no prazo legal a reclamação que aquele dirigira à Delegação ... de fls. 26-33 do SITAF.
Porém, a ausência de decisão de tal reclamação administrativa dentro do prazo legal (artigo 192.º, n.ºs 1 e 2 do CPA), mesmo que tivesse natureza necessária (que não tem), sempre se trataria de uma mera condição de acesso à justiça (artigos 192.º, n.º 3 e 198.º, n.º 4 do CPA), mas já não de uma circunstância que, a verificar-se, conferisse ao Autor, per se, o direito a obter o deferimento da sua pretensão: a substituição de patrono oficioso.
Diga-se, aliás, que, como a reclamação em questão tinha natureza facultativa (artigo 185.º, n.º 2 do CPA), a via contenciosa estava aberta para o Autor desde a data em que a Delegação ... indeferiu expressamente o seu pedido de substituição, através da formulação de um pedido de condenação à prática de acto devido, no qual se colocasse em causa os fundamentos que serviram de obstáculo ao deferimento da sua pretensão.
Aqui chegados, considerando que, por um lado, o objecto da presente intimação é enformado pela pretensão material do Autor (cf. por analogia ao critério do n.º 2 do artigo 66.º do CPTA) – ou seja, o deferimento do pedido de substituição de patrono oficioso – e, por outro, que tal pedido foi indeferido com o fundamento de que a sua pretensão não tem viabilidade legal (artigo 34.º, n.º 5 da Lei n." 34/2004), era imperioso que o Autor imputasse ilegalidades a tal juízo de inviabilidade e, enfim, alegasse os correspondentes factos constitutivos dos quais emerge o seu suposto direito material à nomeação de novo patrono oficioso.
É que, como já se disse por reporte ao citado aresto do TCA-Norte, a CRP permite que a Lei, no caso, a Lei n.º 34/2004, de 29 de Junho, por intermédio do seu n.º 5 do artigo 34.º, restringisse o direito de acesso aos tribunais, que é um direito fundamental, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º da CRP, por forma a garantir que a nomeação de patrono oficioso apenas seja concedida aos beneficiários que, embora desprovidos de capacidade económico-financeira para contratarem advogado pelos seus próprios meios, se propõem a utilizar a justiça para finalidades que não sejam juridicamente inviáveis ou inúteis.
Deste modo, a possibilidade não nomeação / não substituição de patrono, com fundamento na inexistência de fundamento legal da pretensão, não é susceptível de incorrer em inconstitucionalidade material, nomeadamente, por violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º da CRP [cf. neste sentido, para além do já citado Acórdão do TCA-Norte, vide, de igual modo, o Acórdão do TCA-Sul, de 10.12.2019, processo n.º 237/19.913ELS13-S1, acessível in www.dgsi.pt].
Posto isto, não se insurgindo o Autor (na sua petição inicial) contra o juízo de inviabilidade que fora efectuado pelos seus anteriores patronos oficiosos (e que acabou por ser acolhido pela Delegação de ... da Ordem dos Advogados), tal como plasmado no despacho de indeferimento da Requerida, cujo ofício de notificação consta de fls. 25 do SITAF, logo se antevê, pois, que jamais esta poderia ser intimada a nomear novo patrono.
Destarte, à luz da causa de pedir estruturada pelo Autor na presente intimação, a sua pretensão jurisdicional revela-se, pois, como manifestamente improcedente.
O que, de acordo com o n.º 1 do artigo 590.º do CPC aqui aplicável por via do artigo 1.º do CPTA, determina o indeferimento liminar da sua petição inicial.
*
Mercê de todo o exposto, deverá a presente petição inicial ser rejeitada. O que se decidirá.»

1.3. Inconformado com esse despacho, o Autor interpôs o presente recurso de apelação cujas alegações culmina com a formulação das seguintes CONCLUSÕES:
«PRIMEIRA
I. Andou mal o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente a petição inicial de intimação para proteção de direitos e liberdades e garantias.
II. O autor/recorrente dissente, com veemência, da conclusão do Tribunal a quo no sentido de que tinham de ser imputadas “ilegalidades” ao ato de recusa de nomeação de novo patrono pela Delegação da Ordem dos Advogados de .... Isto porque o autor/recorrente foi claro ao alegar, descrever e imputar ao ato de recusa da Delegação da Ordem dos Advogados de ... uma violação, direta, de um direito fundamental análogo aos DLG’s, em concreto, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito ao patrocínio judiciário, independentemente da situação económico-financeira do cidadão que requer a predita tutela.
III. Ora, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 20.º da CRP não necessita de qualquer mediação do legislador. As eventuais violações deste direito não necessitam, sequer, de se transmutar em “ilegalidades” como errada e equivocadamente o Tribunal a quo sustentou; são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, daí não escapando os Tribunais.
IV. É imperioso concluir que a falta de resposta da Delegação da Ordem dos Advogados de ... à reclamação do autor/recorrente, no sentido de lhe ser nomeado um patrono oficioso, equivale, de forma inequívoca, à recusa dessa pretensão, e, consequentemente, à violação direta do disposto nos 1 e 2 do art. 20.º da CRP, que o Tribunal a quo deveria ter conhecido, mas enjeitou.
V. Em contraposição, o Tribunal a quo tinha de reconhecer que a violação do direito fundamental do autor/recorrente a uma tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito a patrocínio judiciário, a qual, no caso sub iudicio, era evidente e efetiva – tal como foi alegado na petição inicial – sem necessidade de imputação de qualquer outro “vício” ou “ilegalidade” ao despacho de recusa de nomeação de patrono ao aqui autor/recorrente.
VI. Ora, ao ter procedido como procedeu, o Tribunal a quo violou o disposto nos n.º 1 e 2 do art. 20.º da CRP e bem assim, o disposto no n.º 1 do art. 18.º do mesmo diploma magno, ao interpretar e aplicar estes preceitos no sentido de que a recusa de nomeação de patrono oficioso pela entidade competente para o efeito, a Ordem dos Advogados é admissível, do ponto de vista constitucional, mesmo quando a pretensão na qual assenta o pedido de nomeação, é, em abstrato, viável e justificada.
VII. No mesmo seguimento, o Tribunal a quo violou o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 20.º da CRP e bem assim, o disposto no n.º 1 do art. 18.º do mesmo diploma magno, ao interpretar e aplicar estes preceitos no sentido de que para recorrer ao procedimento de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, é necessário imputar ao ato ou omissão violador desses direitos uma “ilegalidade”, afastando a aplicação direta dos preceitos constitucionais, mesmo quando diretamente violados.
VIII. Em contraposição, o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 20.º da CRP no sentido de que a nomeação de patrono oficioso ao requerente que não dispõe de meios económicos para assegurar o patrocínio judiciário, é obrigatória, quando a pretensão para a qual é requerida essa nomeação, se apresenta como justificada, ainda que em abstrato.
IX. Por outro lado, o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o disposto no n.º 1 do art. 18.º da CRP no sentido de que para sustentar o recurso ao procedimento especial de intimação para proteção de direitos, liberdade e garantias não é necessário imputar ilegalidades ao ato/omissão violador, a violação decorra diretamente do desrespeito de normais constitucionais, maxime, de direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, como é o caso do direito a tutela jurisdicional efetiva.
X. Face a tudo o exposto, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento da démarche processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
§
SEGUNDA
XI. O Tribunal a quo não poderia ter indeferido liminarmente a petição inicial apresentada pelo autor, uma vez que não se verifica, no caso sub iudicio, uma manifesta improcedência do pedido.
XII. Como o autor/recorrente sustentou na sua petição inicial é o seu direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva que está a ser posto em causa.
XIII. Dito isto, o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, uma vez que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só será admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório.
XIV. Um despacho de indeferimento liminar da petição ou do requerimento inicial, por manifesta improcedência do pedido, só pode ser proferido se não houver interpretação possível ou desenvolvimento possível da factualidade articulada que viabilize ou possa viabilizar o pedido, ou seja, se a evidência da improcedência tiver um caráter absoluto e objetivo, para poder sê-lo, se nenhuma outra construção jurídica for possível, além da expressa no despacho de indeferimento liminar
XV. De onde se pode concluir que o indeferimento ou rejeição liminar da petição inicial apenas deve ser utilizado com cautela e reserva, pois que a regra é a do prosseguimento dos autos, com a citação da entidade requerida, a apresentação por esta da sua defesa, a instrução do processo e a prolação de decisão, tanto mais que o despacho de rejeição é proferido sem audição da parte.
XVI. Acresce, no caso em apreço que a apreciação contida no despacho/sentença recorrida está longe de ser uma decisão que recaiu sobre uma causa manifestamente improcedente.
XVII. Decorre da doutrina que dimana da jurisprudência citada que o carácter manifesto da improcedência do pedido, se assemelha a um juízo de evidência, de certeza objetiva, e não do entendimento que o tribunal a quo terá sobre as questões a decidir, ressumando esta, na decisão recorrida, a uma apreciação subjetiva, que resulta do conhecimento que o tribunal a quo adquiriu noutras situações similares já decididas.
XVIII. E isto porque, atendendo à natureza das questões, note-se que a manifesta improcedência não resulta de o Tribunal a quo ter dado por não verificados factos que inviabilizassem concreta e objetivamente a pretensão do autor/recorrente, mas sim, de uma apreciação, naturalmente subjetiva, acerca de algumas das normas jurídicas que envolvem e estão em evidência no caso sub iudicio.
XIX. Por tudo o exposto, torna-se evidente que o Tribunal a quo atalhou caminho, procedendo a uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do art. 590.º do CPC, violando-o.
XX. Em contraposição, o Tribunal a quo não deveria ter aplicado no caso concreto o disposto no n.º 1 do art. 590.º do CPC, mas ter ordenado o prosseguimento dos autos, com citação da requerida.
XXI. Face a isto, tem a sentença recorrida de ser revogada e substituída por outra que determine o ulterior prosseguimento dos autos, o que desde já se requer.
XXII. O Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto no n.º 1 do art. 18.º., n.ºs 1 e 2 do art. 20.º todos da CRP e ainda o n.º 1 do art. 590.º do CPC.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, DETERMINANDO-SE A ULTERIOR TRAMITAÇÃO LEGAL.
ASSIM DECIDINDO, V. EXAS. ATRIBUIRÃO COR DE VERDADE À JUSTIÇA!»
1.4. A Ordem dos Advogados, contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. Tendo sido notificado Despacho Liminar proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, em 05.06.2023, considerou improcedente a pretensão do Requerente, este veio, inconformado com o decisório, interpor recurso da referida decisão.
B. Fê-lo, no entanto, sem ser capaz, inclusive, de assacar uma única irregularidade à Sentença prolatada nos autos e cuja a validade e força persuasiva, salvo melhor opinião que não se discerne, não sai abalada pelo teor das alegações de recurso em causa.
C. Analisando o teor das alegações de recurso, constata-se que, tendo o Recorrente invocado a nulidades da Sentença proferida em primeira instância, as quais identificou como decorrendo de um pretenso excesso de pronúncia, por um lado, e de uma omissão de pronúncia, por outro.
D. Refira-se, desde já, que atendendo na configuração absolutamente excepcional deste meio processual, bem como respondendo à qualificada exigência de urgência que a este subjaz, o legislador gizou uma tramitação dotada de especial sumariedade, que prevê, ainda antes da citação ou de qualquer contraditório, a prolação de despacho liminar, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 110.º do CPTA.
Acresce que, por pertinente in casu,
E. Nos termos do disposto no n.º 1 e n.º2 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa,
«A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (...) Todos têm direito, nos termos da lei (...) ao patrocínio judiciário».
F. Sendo que, é também atribuição da Ordem dos Advogados, nos termos em que resulta da al. b) do art.º 3.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, assegurar o acesso ao direito, nos termos da Constituição.
G. Nestes termos, sempre caberá referir que no n.º1 do artigo 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, é também proclamado que
«O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultura, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.»
H. Por outro lado e no âmbito da habilitação legal da Ordem dos Advogados, prevê-se no n.º 1 do art.º 30.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que
«A nomeação de patrono, sendo concedida, é realizada pela Ordem dos Advogados, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º»
(negrito e sublinhado nossos)
I. Tal como se refere, no n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 10/2008, de 03 de Janeiro, que regulamenta a Lei de Acesso ao Direito, o seguinte
«Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, a nomeação de patrono ou de defensor é efectuada pela Ordem dos Advogados, podendo ser realizada de forma totalmente automática, através de sistema electrónico gerido por esta entidade
(negrito e sublinhado nossos)
J. Cabe, por isso, referir que o direito de acesso ao Direito e aos Tribunais, consagrado no referido art.º 20º da CRP, encontra-se actualmente regulado e densificado a nível infraconstitucional na Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na redacção actualmente conferida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março,
K. Ou seja, a Ordem dos Advogados encontra-se legalmente acometida com o dever de de gerir o Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT) garantindo, nomeadamente, a selecção dos profissionais forenses que integram o sistema, bem como a nomeação de patrono a quem tenha visto o pedido de apoio judiciário nessa modalidade ser deferido.
L. Refira-se ainda que, resulta do constante do art.º 32 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, que o beneficiário de apoio judiciário poderá requerer, em pedido fundamentado, a substituição do patrono nomeado, sendo que esse pedido terá de ser objecto de apreciação por parte da Ordem dos Advogados,
«1 - O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.
2 - Deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes.
3 - Se a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono.»
(negrito e sublinhado nossos)
M. Ao passo que ao Patrono nomeado cabe a possibilidade de pedir escusa em pedido fundamentado dirigido à Ordem dos Advogados que, sendo deferido, deverá ser imediatamente sucedido de nomeação de novo patrono, exceptuando-se os casos em que o pedido de escusa se sustente na inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada a nomeação para o mesmo fim, cfr. n.º 1 e n.º 5 do art.º 34.º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
Assim sendo,
Da correcção da decisão liminarmente proferida
N. Por Despacho Liminar proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 05.06.2023, este indeferiu liminarmente a petição inicial que encetou os presentes autos intimatórios, na medida em que esta se encontra absolutamente destituída da alegação dos factos essenciais que poderiam sustentar o pedido deduzido pelo Requerente,
O. Pois que, peticionando o Recorrente que a Ré fosse condenada/intimada a proceder à nomeação, em 5 (cinco) dias, de patrono (a) oficioso (a) ao aqui autor, para o processo n.º 1227/18.4BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Unidade Orgânica 4,
P. O Recorrente limitou-se a relatar uma sucessão de factos donde, numa análise meramente perfunctória, nunca se poderia retirar a possibilidade da Ré vir condenada no pedido formulado, dado que, apenas invoca uma pretensa omissão da Ré de decisão de uma reclamação que aquele (o Recorrente) terá apresentado como reacção ao indeferimento de um prévio pedido de substituição de patrono.
Q. Desde logo, e neste conspecto completando o raciocínio laborado pelo Tribunal a quo, não só o acto de indeferimento se trata de um acto directamente sindicável junto do Tribunal, como tal se mostra, na verdade, a única possibilidade de reacção à referida decisão de indeferimento, nos termos em que resulta do art.º 15.º do Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos Advogados – Regulamento n.º 330-A/2008, de 24 de Junho nos termos da redacção que resultou da alteração dada pela deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 1551/2015 de 6 de Agosto de 2015, publicada na 2.ª série do Diário da República, n.º 152, em 06.08.2015 – que expressamente refere,
«As decisões proferidas no âmbito do presente regulamento não admitem reclamação nem recurso hierárquico, sendo suscetíveis de impugnação judicial.»
(negrito e sublinhado nossos)
R. Por outro lado, sempre caberá referir que a decisão do pedido de substituição de patrono nomeado se deverá ter como cabendo dentro da margem de livre apreciação da Administração, conforme, aliás, já se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul em Acórdão proferido nos autos do Proc. n.º 1252/19.8BELSB4, referindo, designadamente, o seguinte
«1. Compete à Ordem dos Advogados apreciar e deliberar sobre o pedido de substituição do patrono, formulado pelo beneficiário, em função da fundamentação que o suporta, podendo indeferi-lo na ausência, insuficiência ou improcedência dos argumentos aduzidos pelo requerente, ou se o patrono nomeado tiver considerado (e exposto, de forma fundamentada, esse entendimento perante a OA), que a pretensão do beneficiário carece de fundamento legal.
2. No caso do fundamento de escusa de patrono nomeado ser o da inexistência de fundamento legal da pretensão, pode a Ordem recusar a nomeação de patrono para o mesmo fim nos termos do artigo 34º do EOA.
3. Não podendo ser qualificado o acto de nomeação de patrono pela Ordem dos Advogados como um acto vinculado, não pode o mesmo ser substituído por decisão judicial, como vem peticionado.
[...]
Da leitura das normas referidas, resulta, efectivamente, que concedido o apoio judiciário pela Segurança Social, na modalidade de nomeação e pagamento de patrono, a OA está obrigada a praticar acto de nomeação de patrono ao respectivo beneficiário.
Mas nomeado o patrono, a decisão de o substituir, a requerimento do beneficiário do apoio judiciário, ou de conceder ou recusar a escusa, a pedido pelo patrono nomeado, ou de nomear novo patrono, caso conceda a escusa, não configura um acto vinculado, mas discricionário no seu conteúdo e sentido decisório.
*
Com efeito, compete à OA apreciar e deliberar sobre o pedido de substituição do patrono, formulado pelo beneficiário, em função da fundamentação que o suporta, podendo indeferi-lo na ausência, insuficiência ou improcedência dos argumentos aduzidos pelo requerente, ou se o patrono nomeado tiver considerado (e exposto, de forma fundamentada, esse entendimento perante a OA), que a pretensão do beneficiário carece de fundamento legal.
Pelo que não podendo ser qualificado o acto de nomeação de patrono pela OA como um acto vinculado, não pode o mesmo ser substituído por decisão judicial, como vem peticionado pelo A. (até em observância do princípio constitucional da separação de poderes).»
(negrito e sublinhado nosso)
S. Pelo que, e desde logo, sempre se dirá que, tratando-se o acto em causa de um acto comummente aceite como praticado no âmbito da margem de livre apreciação da Administração, a sua sindicância ter-se-á que ter como de amplitude restrita, devendo sempre fundamentar-se na invocação e prova da ocorrência de erros grosseiros, violação de princípios gerais ou em situações de desvio de poder.
T. Ora, resulta dos presentes autos como evidente à saciedade que o Autor, não tendo procedido à adução de qualquer fundamento donde pudesse decorrer a obrigação da Ré proceder à nomeação de patrono, foi igualmente de incapaz de identificar e concretizar qualquer situação de erro grosseiro ou manifesto que pudesse sustentar a sindicância do juízo de indeferimento do pedido de substituição do Patrono nomeado.
U. Mostra-se, por isso, de concretização manifesta nos presentes autos a verificação de uma situação de ineptidão da petição inicial, pois que, o Requerente, ora Recorrente, omitiu em absoluto o dever de alegação dos factos essenciais, conforme sempre lhe caberia, nos termos em que o impõem o n.º 1 do art.º 5.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA e o al. f) do n.º 2 do art.º 78.º do CPTA.
V. Ora, em tal caso e apresentando-se por evidente a verificação da referida ineptidão por omissão de causa de pedir de onde pudesse defluir a pretensão deduzida, sempre importará ter em atenção a redacção do n.º 1 do art.º 186.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA,
«1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.»
(negrito e sublinhado nossos)
W. Ora, atento o exposto e para todos os efeitos, sempre se terá que ter a petição inicial ora dada a conhecer à Ré como manifestamente inepta por inexistência de causa de pedir, nos termos do disposto no n.º 1 e al. a) do n.º 2 do art.º 186.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA.
X. Donde resulta que o Tribunal, apreciando correctamente e sendo convocado pela disciplina especial da Intimação para protecção de Direitos, Liberdades e Garantias a produzir pronúncia preliminar, nos termos do previsto no n.º 1 do art.º 110.º do CPTA, tenha, desde logo, apreciado da manifesta improcedência da pretensão do recorrente nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 590.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA.
Y. Assim, bem andou o Tribunal recorrido quando, pronunciando-se em sede de despacho liminar, referiu,
«Como já se disse o Autor pretende é que a Ordem dos Advogados defira o seu pedido de substituição de patrono, nessa medida, lhe nomeie novo patrono.
No entanto, para sustentar essa pretensão jurisdicional de natureza condenatória, o Autor limitou-se a alegar que a Ordem dos Advogados não deu resposta à reclamação que este deduzira contra o despacho que havia indeferido tal pretensão e que o facto de este permanecer sem patrono oficioso viola o seu direito de acesso aos tribunais.
Ora, o n.º1 do artigo 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho confere, de facto, ao beneficiário de apoio judiciário a faculdade de pedir a substituição do seu patrono oficioso, a qual deverá ser devidamente fundamentada pelo mesmo. Todavia, o n.º 5 do artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho consagra uma restrição ao direito fundamental de acesso aos tribunais previsto no artigo 20.º, n.º 1 e 2 da CRP, ao permitir que a Ordem dos Advogados denegue a nomeação de novo patrono, quando se verifique uma situação de “inexistência de fundamento legal da pretensão”.
Restrição esta que, adiante-se, é adequada, necessária e proporcional, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.
[...]
Ora, perante a existência de tal obstáculo à nomeação de novo patrono oficioso, que corresponde à pretensão jurisdicional que aqui vem formulada pelo Autor, o que se lhe impunha era, claro está, que este alegasse os factos (essenciais) constitutivos que suportassem o seu efectivo direito à nomeação de novo patrono oficioso, em consonância com o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do CPC e na alínea f) do n.º 2 do artigo 78.º do CPTA.
Isto é, o Autor tinha o ónus de alegar as razões pelas quais entende que o seu pedido de substituição de patrono oficioso devia, à luz da Lei, ser deferido pela Ordem dos Advogados, [...]
Todavia, no caso concreto, essa alegação não foi de todo substanciada.
Com efeito, a alegação estruturada pelo Autor na sua petição inicial reconduz-se, apenas e tão só, ao facto de a Ordem dos Advogados não ter decidido no prazo legal (artigo 192.º, n.ºs 1 e 2 do CPA), mesmo que tivesse natureza necessária (que não tem), sempre se trataria de uma mera condição de acesso à justiça (artigos 192.º, n.º 3 e 198.º, n.º 4 do CPA), mas já não de uma circunstância que, a verificar-se, conferisse ao Autor, per se, o direito a obter o deferimento da sua pretensão: a substituição do patrono oficioso.
[...]
Aqui chegados, considerando, por um lado, o objecto da presente intimação é enformado pela pretensão material do Autor [...] – ou seja , o deferimento do pedido de substituição de patrono oficioso – e, por outro, que tal pedido foi indeferido com fundamento de que a sua pretensão não tem viabilidade legal (artigo 34.º, n.º 5 da Lei n.º 34/2004), era imperioso que o Autor imputasse ilegalidades a tal juízo de inviabilidade e, enfim, alegasse os correspondentes factos constitutivos dos quais emerge o seu suposto direito material à nomeação de novo patrono oficioso.
[...]
Deste modo, a possibilidade da não nomeação/ não substituição de patrono, com fundamento na inexistência de fundamento legal da pretensão, não é susceptível de incorrer em inconstitucionalidade material, nomeadamente, por violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º da CRP [...].
Posto isto, não se insurgindo o Autor (na sua petição inicial) contra o juízo de inviabilidade que fora efectuado [...], logo se antevê, pois, que jamais esta poderia ser intimada a nomear novo patrono.
Destarte, à luz da causa de pedir estruturada pelo Autor na presente intimação, a sua pretensão jurisdicional revela-se, pois, como manifestamente improcedente.
O que, de acordo com o n.º 1 do artigo 590.º do CPC aqui aplicável por via do artigo 1.º do CPTA, determina o indeferimento liminar da sua petição inicial
(negrito e sublinhado nossos)
Z. Ora, analisado o raciocínio expendido pelo Tribunal recorrido e confrontando-o com o teor das alegações de apelação, resulta de clareza cristalina que o Recorrente não só não foi capaz de produzir qualquer discurso capaz de persuadir o Tribunal ad quem a pronunciar-se em sentido divergente do que ficou decidido em primeira instância, como, também, não foi capaz de imputar qualquer vício à Sentença proferida, pelo que, a mesma deverá permanecer no ordenamento jurídico, produzindo validamente os seus efeitos.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.ªs certamente suprirão, deverá o recurso interposto ser considerado como improcedente in totum, por não provado,
Com o que se fará a tão costumada.... JUSTIÇA.»
1.5. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
1.6. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento em matéria de direito, decorrente de ter julgado que não foram alegados factos essenciais que substanciassem a pretensão do autor, indeferindo liminarmente o pedido de intimação sem que se verificasse causa objetiva e evidente que justificasse essa decisão.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância não elencou factos na decisão recorrida, sendo bastantes os que constam do relatório supra elaborado.
*
III.B.DE DIREITO
3.2.A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias constitui um meio de tutela urgente que tem previsão ordinária no contencioso administrativo no artigo 109.º do CPTA, em cujo n.º 1 se lê que: «1- A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar».
Este tipo de processo, que tem natureza declarativa, destina-se a proteger direitos, liberdades e garantias, quando esteja em causa o seu exercício em tempo útil e a adoção da conduta requerida se revele idónea a assegurar o exercício desse direito.
Daí que, como bem apontam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha- in Comentário ao Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, 5.ª Ed., Almedina, pág.929- « o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adotar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito».
Embora a intimação não esteja sujeita a prazo de caducidade, a mesma só se justifica se esse meio processual for o único que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, não fazendo sentido utilizar este meio se estivermos perante uma lesão continuada ou já concretizada, de um direito fundamental, ou perante uma situação de inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, ou então quando a situação jurídica violada possa ser reconstituída por meios processuais normais.
Assim, em síntese, a intimação pode ser requerida: (i) se estiver em causa o exercício de um direito, liberdade e garantia; (ii) se for necessária, para a proteção do direito, liberdade e garantia, a adoção de uma conduta positiva ou negativa por parte da Administração; (iii) se a intimação for necessária para evitar em tempo útil a lesão do direito; (iv) se não for possível ou suficiente, para assegurar o exercício do direito, o decretamento de uma providência cautelar.
O n.º1 do artigo 110.º do CPTA prevê que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias está sujeita a despacho liminar, prescrevendo-se nesse normativo que:«Uma vez distribuído, o processo é concluso ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo a petição admitida, é ordenada a citação da outra parte para responder no prazo de sete dias».
O despacho liminar permite a imediata rejeição dos processos que não contenham as condições mínimas de viabilidade, pelo que, a sua correta prolação representa um inegável ganho em termos de economia processual. Porém, o legislador, quer no âmbito do processo civil, quer no contencioso administrativo, não prevê a sujeição a despacho liminar de todos os processos, mas apenas de alguns. Essa restrição tem subjacente a consciência do legislador de que a previsão da obrigatoriedade de prolação de despacho liminar em todos os processos, traria consequências negativas na fluidez da tramitação processual.
Assim, faz sentido que a haver despacho liminar o mesmo incida sobre processos urgentes, como é o caso dos processos cautelares e dos processos de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Por outro lado, como bem assinala a jurisprudência, deve reservar-se o indeferimento liminar para quando a improcedência da pretensão do autor seja tão exuberante que revela a inutilidade de qualquer instrução e discussão posterior, o mesmo é dizer, quando o seguimento do processo não se justifique de todo por traduzir um desperdício manifesto da atividade judicial.
Os casos de indeferimento liminar devem por isso corresponder a «situações em que a petição apresenta vícios substanciais ou formais de tal modo graves que permitam antever, logo nesta fase, a improcedência inequívoca da pretensão apresentada pelo autor, ou a verificação de exceções dilatórias insupríveis, incluindo a ineptidão da petição»- Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 674.
Como se elucida em Acórdão do TRG, cuja jurisprudência tem pleno cabimento no âmbito dos presentes autos «[o] indeferimento liminar de providência cautelar está reservado a situações em que ocorram exceções dilatórias insupríveis, de que o juiz possa conhecer oficiosamente, ou quando a tese do requerente não tenha qualquer possibilidade de ser acolhida perante a lei em vigor e a interpretação que dela faz a doutrina e a jurisprudência, sendo, por isso, o pedido manifestamente improcedente»-Cfr. o Ac. do TRG de 23/05/2019, processo n.º 2259/19.0T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt.
Nos presentes autos está em causa aferir se a 1.ª Instância errou ao indeferir liminarmente o pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias apresentado pelo Apelante, o que passa por saber se estão ou não verificados todos os pressupostos a que se refere o n.º1 do artigo 109.º do CPTA para o andamento do mesmo.
À semelhança do que sucede com as petições iniciais das ações declarativas que seguem a forma do processo comum, também o requerente do procedimento de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias deve expor as razões de facto e de direito que fundam a sua pretensão, sendo o objeto do procedimento integrado pela causa de pedir de que o pedido constitui o imprescindível corolário lógico, cabendo às partes, além do mais, alegar os factos essenciais que integram a causa petendi, ou seja, os factos jurídicos invocados para sustentar o direito que o autor se propõe fazer declarar.
Na definição de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “ a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido”-Cfr. Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pg. 245.-, pelo que a idoneidade do objeto da ação implica a indicação e inteligibilidade da causa de pedir e do pedido, bem como a existência de um nexo lógico formal não excludente entre aqueles dois termos da pretensão, por forma a permitir um pronunciamento de mérito positivo ou negativo- Cfr. o Ac. TRL de 01/06/2010, proferido no proc.n.º 405/07.6TVLSB.L1-7, acessível em www.dgsi.pt.
Ora, também em sede de procedimento de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, a causa de pedir é integrada pelo facto jurídico de que emana a lesão do direito, liberdade ou garantia que se pretende exercer, a qual deve ficar refletida num conjunto mais ou menos alargado de factos com relevância jurídica atinente ao direito cuja existência se alega, nos quais se sustentará a intimação requerida.
Avançando.
A Constituição garante, conforme decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º que «A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (...) Todos têm direito, nos termos da lei (...) ao patrocínio judiciário».
O direito de acesso ao Direito e aos Tribunais, tem concretização infraconstitucional na Lei nº 34/2004, de 29/07, na sua atual redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31/03, prevendo-se na alínea b) do artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, ser atribuição da Ordem dos Advogados assegurar o acesso ao direito, nos termos da Constituição.
Ora, «O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultura, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.»- cfr. n.º1 do artigo 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07.
Assim, quem não possua condições económicas para contratar advogado, tem direito a obter a nomeação de patrono, sendo essa nomeação realizada pela Ordem dos Advogados.
Nesse sentido, prevê-se no n.º 1 do art.º 30.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, que «A nomeação de patrono, sendo concedida, é realizada pela Ordem dos Advogados, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º» e no n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 10/2008, de 03/01, que regulamenta a Lei de Acesso ao Direito, estabelece-se que «Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, a nomeação de patrono ou de defensor é efetuada pela Ordem dos Advogados, podendo ser realizada de forma totalmente automática, através de sistema eletrónico gerido por esta entidade
Com interesse para os presentes autos, importa também ter presente que de acordo com o disposto no artigo 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07:
«1 - O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.
2 - Deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes.
3 - Se a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono.»
Outrossim, tenha-se presente que a lei também assegura ao patrono nomeado o direito de pedir escusa em pedido fundamentado dirigido à Ordem dos Advogados, de tal forma que, sendo esse pedido deferido, deverá ser imediatamente sucedido de nomeação de novo patrono, excetuando-se os casos em que o pedido de escusa se sustente na inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada a nomeação para o mesmo fim- cfr. n.º 1 e n.º 5 do art.º 34.º da Lei nº 34/2004, de 29/07.
No caso em análise, recorde-se que por ofício de 13/07/2022, a Ordem dos Advogados indeferiu o pedido de substituição de patrono oficioso apresentado pelo Autor, ao abrigo do disposto no n.º5 do artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, ou seja, invocando como razão a «inexistência de fundamento legal da pretensão».
O Requerente reclamou dessa decisão perante a Ordem dos Advogados, pretendendo que aquela deferisse o seu pedido de substituição de patrono e que, em consequência, lhe nomeasse um novo patrono.
Não tendo obtido resposta a essa reclamação/pretensão, o Requerente lançou mão do presente meio processual pretendendo que a Ordem dos Advogados seja intimada a nomear-lhe, em 5 (cinco) dias, patrono (a) oficioso (a), para o processo n.º 1227/18.4BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Unidade Orgânica 4.
Para sustentar a presente intimação, o Requerente alegou apenas que a Ordem dos Advogados não deu resposta à reclamação que deduzira contra o despacho que havia indeferido tal pretensão e que o facto de este permanecer sem patrono oficioso viola o seu direito de acesso aos tribunais.
Como vimos, a 1.ª Instância indeferiu liminarmente o requerimento inicial, considerando que o mesmo não continha a alegação de factos essenciais suscetíveis de sustentar o pedido formulado pelo Requerente/Apelante.
E essa decisão de indeferimento liminar é para manter.
Em primeiro lugar, importa assinalar que a decisão que indeferiu o pedido de substituição de patrono oficioso, comunicada ao Requerente/ Apelante por ofício de 13/07/2022, é um ato administrativo na aceção do artigo 148.º do CPA, tratando-se, por conseguinte, de um ato contenciosamente impugnável, sendo essa via de reação, no recorte da presente situação, a única possível contra a consolidação dos efeitos jurídicos dessa decisão administrativa na esfera jurídica do Autor/Apelante. Nesse sentido, dispõe o artigo 15.ºdo Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos Advogados – Regulamento n.º 330-A/2008, de 24/06, nos termos da redação que resultou da alteração dada pela deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 1551/201,5 de 06/08/2015, publicada na 2.ª série do Diário da República, n.º 152, em 06/08/2015-, que : «As decisões proferidas no âmbito do presente regulamento não admitem reclamação nem recurso hierárquico, sendo suscetíveis de impugnação judicial.»
Sendo assim, logo por este prisma, não tendo o Requerente reagido contenciosamente contra aquele despacho da OA, o mesmo deixou que os seus efeitos se consolidassem, pelo que, em face dessa constatação, impunha-se ao Tribunal a quo indeferir liminarmente o requerimento inicial apresentado, conquanto o recurso ao processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não era, no caso, o meio processual adequado de reação.
Ademais, é consabido que compete à Ordem dos Advogados, dentro da sua margem de livre apreciação, decidir sobre o deferimento ou indeferimento do pedido de substituição de patrono nomeado.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 1252/19.8BELSB, em cujo sumário se escreveu:
«1. Compete à Ordem dos Advogados apreciar e deliberar sobre o pedido de substituição do patrono, formulado pelo beneficiário, em função da fundamentação que o suporta, podendo indeferi-lo na ausência, insuficiência ou improcedência dos argumentos aduzidos pelo requerente, ou se o patrono nomeado tiver considerado (e exposto, de forma fundamentada, esse entendimento perante a OA), que a pretensão do beneficiário carece de fundamento legal.
2. No caso do fundamento de escusa de patrono nomeado ser o da inexistência de fundamento legal da pretensão, pode a Ordem recusar a nomeação de patrono para o mesmo fim nos termos do artigo 34º do EOA.
3. Não podendo ser qualificado o acto de nomeação de patrono pela Ordem dos Advogados como um acto vinculado, não pode o mesmo ser substituído por decisão judicial, como vem peticionado.
[...]»
No caso, como nota a 1.ª Instância, também se constata que o Requerente/ Apelante não cuidou de alegar factos essenciais nos quais pudesse alicerçar a sua pretensão, ficando-se pela invocação de uma alegada omissão da Ordem dos Advogados em decidir uma reclamação que apresentou contra o indeferimento do pedido de substituição de patrono. De facto, coligido o requerimento inicial, verifica-se que o Requerente/Apelante não alegou nenhum facto do qual se retire que a decisão que indeferiu o pedido de substituição de patrono esteja viciada, não a atacando nos seus fundamentos. O Requerente não concretizou nenhuma situação de erro grosseiro ou manifesto que pudesse determinar a anulação judicial dessa decisão de indeferimento do pedido de substituição de patrono.
Não lhe bastava alegar estar em causa a violação do seu direito de acesso ao Direito e aos Tribunais apenas pelo facto de se encontrar sem patrono para o prosseguimento do processo judicial que tinha em curso. Competia-lhe, uma vez que tinha sido destinatário de uma decisão de indeferimento do pedido de substituição de patrono com fundamento na falta de viabilidade da sua pretensão, contrapor as razões pelas quais na sua perspetiva aquele juízo da OA era invalido, o que de todo, não fez.
Outrossim, como bem observa a Apelada, compete-lhe a si apreciar e deliberar sobre o pedido de substituição do patrono, formulado pelo beneficiário, em função da fundamentação que o suporta, podendo indeferi-lo na ausência, insuficiência ou improcedência dos argumentos aduzidos pelo requerente, ou se o patrono nomeado tiver considerado (e exposto, de forma fundamentada, esse entendimento perante a OA), que a pretensão do beneficiário carece de fundamento legal.
Em face do exposto, é incontestável que o Requerente/Apelante omitiu em absoluto o dever de alegação dos factos essenciais, conforme sempre lhe caberia, nos termos em que o impõem o n.º 1 do art.º 5.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA e o al. f) do n.º 2 do art.º 78.º do CPTA, pelo que, bem andou a 1.ª Instância ao indeferir liminarmente o requerimento apresentado com fundamento na manifesta improcedência da pretensão do recorrente.
Termos em que se impõe julgar improcedente o presente recurso jurisdicional.
**
IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, com a presente fundamentação, confirmam a decisão recorrida.
*
Sem custas.
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Notifique.
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Porto, 14 de julho de 2023

Helena Ribeiro
Hélder Vieira
Ricardo de Oliveira e Sousa