Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00079/04.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:ACÇÕES ADMINISTRATIVAS ESPECIAIS;
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE VERSUS LITISPENDÊNCIA;
LIMITE DO OBJECTO DO RECURSO;
Sumário:
I - Não há coincidência, pelo menos integral, nem qualquer relação de prejudicialidade, entre os objectos de uma acção administrativa especial em que o autor pede a anulação de um acto administrativo de 1º grau e o reconhecimento, pelo Demandado, de um seu direito a haver dele certa quantia a título de reembolso de IVA, por um lado, e aquela em que o mesmo autor pede a anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico facultativo por si apresentado relativamente aquele primeiro acto e o reconhecimento, pelo mesmo demandado, daquele direito subjectivo.

II – Em qualquer caso, qualquer identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido não é susceptível de determinar, só por si, a inutilidade da primeira acção, pois o que legalmente decorre dessa coincidência é, outrossim, a excepção de litispendência na segunda acção, conforme artigos 576º nºs 1 e 2 e 577º alª i) e 580º nº 1, todos do CPC.

III - Os recursos, sem prejuízo do que vem previsto no artigo 665º nº 2 do CPC (apreciação em substituição do tribunal recorrido) servem para impugnar decisões judiciais (cf. artigo 627º do CPC), não para pôr o tribunal de recurso a apreciar o que em devido momento processual devia e ou deverá ser pedido na 1ª Instância.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
[SCom01...], SA, Pessoa Colectiva n° ...90, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 28 de Julho de 2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou extinta por inutilidade superveniente a acção administrativa especial na qual pede a anulação do despacho proferido pelo Subdirector Geral da Direcção de Serviços do IVA, datado de 30.10.2003, pelo qual foi parcialmente indeferido o seu pedido de reembolso de IVA do período 98/12T, no valor de € 6.679.649,05, bem como a condenação do demandado (o Ministério das Finanças) a reconhecer que a autora tem direito de dedução e reembolso daquela quantia.

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
1. A acção administrativa especial pendente no TAF do Porto sob o nº 2442/05.6BEPRT foi apresentada contra o despacho da DGI, de 22.08.2005 que indeferiu recurso hierárquico anteriormente apresentado pela A., com a fundamentação dele constante.
2. Por sua vez, a presente acção administrativa especial foi apresentada contra o despacho da DSIVA, de 30.10.2003. que indeferiu parcialmente pedido de reembolso de IVA, com a fundamentação dele constante.
3. Como é notório, os dois actos tributários são distintos.
4. Pelo que os pedidos são distintos em ambos os processos.
5. Consequentemente, as causas de pedir em ambas as acções são igualmente distintas.
6. Por outro lado, o recurso hierárquico interposto contra o sobredito despacho de 30.10.2003 tinha e tem natureza facultativa, conforme decorre do disposto no artigo 67º nº 1 do CPPT.
7. Ou seja, a partir da notificação daquele despacho administrativo de 30.10.2003 passou de imediato a correr prazo para apresentação de acção administrativa especial, independentemente do recurso hierárquico entretanto apresentado.
8. Com efeito, o recurso hierárquico não teve efeito suspensivo, outrossim meramente devolutivo, como se extrai do mesmo artigo 67º nº 1 do CPPT.
9. O despacho aqui impugnado, de 30.10.2003, foi e é juridicamente eficaz em relação à A, e não foi anulado, tão pouco substituído, pelo ulterior despacho de 22.08.2005. impugnado naquela acção administrativa especial nº 2442/05.6BEPRT.
10. Por conseguinte, a apresentação subsequente da sobredita acção administrativa especial nº 2442/05.6BEPRT. contra aquele despacho de 22.08.2005 (de indeferimento de recurso hierárquico), não produziu a inutilidade superveniente da presente lide.
11. A presente lide continua a ter plena utilidade, já que o despacho aqui impugnado continua válido e eficaz, não tendo sido revogado ou substituído por qualquer despacho/acto administrativo posterior.
12. Com efeito, a decisão do recurso hierárquico não foi nem é a decisão final na matéria, já que não revogou a decisão administrativa anterior, nem expressa, nem tacitamente, 
13. limitando-se, quando muito, a ser um acto administrativo confirmativo da anterior, ainda que com pressupostos e fundamentação distintas.
17. Por conseguinte, para evitar que ambas as acções corram em paralelo, com o consequente risco de contradição de julgados, devem outrossim ser apensadas, nos termos do artigo 267º do CPC, para serem decididas conjuntamente.
14. Assim, a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais, tendo interpretado e aplicado erradamente o disposto no artigo 277º e) do CPC.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando a douta Sentença recorrida e ordenando a apensação de ambas as acções, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA».

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Delimitação do objecto do recurso
A - Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações
Posto isto, as questões que a recorrente pretende ver apreciadas em apelação são as seguintes:

1ª Questão
Errou, a sentença recorrida, em matéria de direito, ao julgar a presente instância extinta por inutilidade da lide por causa da instauração, posterior à destes autos, da acção administrativa especial nº 2442/05.2BEPRT, pela qual são pedidos a anulação do despacho do Sr. Sub-director Geral dos Impostos, de 22/08/2005, que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela Autora relativamente ao despacho do Sr. Director de serviço do IVA, de 30.10.2003, que indeferira parcialmente o seu pedido de reembolso de IVA relativamente ao trimestre de 12T/98, na quantia de € 6.679.649,05, bem como a condenação do Demandado Ministério das Finanças, a reconhecer o seu direito a haver deste aquela quantia, enquanto crédito de IVA naquele trimestre?

2ª Questão
No caso de ser afirmativa a resposta à primeira questão, deverá ordenar-se a apensação “de ambas as acções”, nos termos do artigo 267º do CPC, para evitar que as mesmas corram em paralelo, com o consequente risco de contradição de julgados?

III - Apreciação do objecto do recurso
A sentença recorrida é a seguinte:
«[SCom01...], S.A. veio intentar acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças, tendo por objecto o “acto de indeferimento parcial” do pedido de reembolso de IVA do período 98/12T, no valor de € 6.679.649,05, consubstanciado no despacho proferido pelo Subdirector Geral da Direcção de Serviços do IVA, datado de
30.10.2003, pedindo a anulação do dito despacho e a condenação da demandada a reconhecer que a autora tem direito de dedução e reembolso da quantia de € 6.679.649,05.
Na contestação apresentada, o réu defendeu-se por impugnação e por excepção, aduzindo a este título a ineptidão da p.i. por inexistência do acto impugnado, bem como a irrecorribilidade do acto.
A autora instaurou neste Tribunal, em Dezembro de 2005, acção administrativa especial, a que coube o n° 2442/05.6BEPRT, ainda pendente.
Ocorre que, como resulta da petição inicial, daquele proc. n° 2442/05.6BEPRT (junta a estes autos), e documentos juntos, a autora interpôs recurso hierárquico contra o despacho de 30.10.2003, do Subdirector Geral da Direcção de Serviços do IVA, aqui impugnado. E, contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, instaurou a acção administrativa especial n° 2442/05.6BEPRT.
Verifica-se, assim, que, quer nesta acção quer na acção que corre termos sob o n°2442/05.6BEPRT, está em causa o indeferimento do reembolso de IVA relativo ao período 98/12T (exarado no despacho de 30.10.2003), porém, a acção n° 2442/05.6BEPRT visa ainda a decisão de indeferimento proferida no recurso hierárquico, em 22.8.2005, pelo Subdirector Geral dos Impostos.
Ora, as duas acções não podem prosseguir em paralelo, sob pena de serem proferidas decisões contraditórias sobre a questão do reembolso decidida no despacho de 30.10.2003, comum a ambas as acções.
Constituindo o recurso hierárquico, no caso, a decisão final da Administração Tributária sobre a questão da legalidade do pedido de reembolso, deverá a acção n° 2442/05.6BEPRT prosseguir, já que envolve a apreciação da legalidade do despacho de 30.10.2003, aqui impugnado, bem como a legalidade da decisão proferida no recurso hierárquico.
As partes foram ouvidas quanto à inutilidade superveniente da lide.
Assim, tendo em conta que a presente acção não pode prosseguir os seus termos, por via da instauração de recurso hierárquico posterior e impugnação da respectiva decisão, por parte da autora, impõe-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art. 277°, al. e), do Código de Processo Civil, ex vi art. 2o, al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.»

As ocorrências processuais documentadas nos autos, portanto, de conhecimento oficioso e relevantes para a discussão da primeira questão são as seguintes:
1
No dia 5 de Janeiro de 2004 deu entrada no TAF do Porto a Petição inicial que deu origem à presenta acção administrativa especial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, destacando os seguintes segmentos:
«[SCom01...], SA, Pessoa Colectiva n° ...90, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., vem apresentar ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra a DIRECÇÂO GERAL DOS IMPOSTOS (MINISTÉRIO DAS FINANÇAS), domiciliada na Avenida ..., ..., para impugnação do despacho do Exmo. Senhor Subdirector-Geral dos Impostos, de 30.10.2003, que, concordando com a Informação da DSIVA n° 1652, de 28.07.2003, indeferiu parcialmente o pedido de reembolso de IVA referente ao período de 98.12T, na parte correspondente a Euro 6.679.649,05 (Esc. 1.339.149.400$00), nos termos e com os seguintes fundamentos:
(…)
Nestes termos, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exa., deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, ordenando-se a anulação ou declarando-se a nulidade do dito despacho de indeferimento parcial do pedido de reembolso relativo ao período de 9812T, e, consequentemente, condenando-se a demandada a reconhecer que a. tem direito de dedução e reembolso da dita importância de Euro 6.679.649,05 (Esc. 1.339.149.400$00), com as legais consequências.»
2
No dia 21 de Dezembro de 2005 deu entrada no TAF do Porto a Petição inicial que deu origem à acção administrativa especial nº 2442/05.6BEPRT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, destacando os seguintes segmentos:
«[SCom01...], SA, Pessoa Colectiva n° ...00, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., vem apresentar ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra:
DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS - Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado (Ministério das Finanças), domiciliada na Avenida ..., ... ..., para impugnação do despacho do Exmo. Senhor Subdirector-Geral dos Impostos, de 22.08.2005, que, concordando com a Informação da DSIVA n° 1703, de 12.08.2005, negou provimento ao recurso hierárquico apresentado em 04.12.2003, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Em 04.12.2003, a A. Interpôs recurso hierárquico do despacho do Exmo. Senhor Subdirector-Geral dos Impostos, de 30.10.2003, que, concordando com a Informação da DSIVA n° 1652, de 28.07.2003, indeferiu parcialmente o pedido de reembolso de IVA referente ao período de 98.12T, na parte correspondente a Euro 6.679.649,05 (Esc. 1.339.149.400$00) (cfr. doc. 1).
(…)
Nestes termos, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exa., deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente, anulado o despacho ora impugnado e condenada a R. a reconhecer que a A. tem direito à totalidade do reembolso de IVA que peticionou quanto ao 4° trimestre de 1998, com as legais consequências.»
3
O despacho impugnado na presente acção foi emitido em 30/10/2003. Consta do doc. 1 da Petição destes autos e homologou a informação sobre que foi redigido, a qual se dá aqui por reproduzida, destacando os seguintes segmentos (final):
Assunto: Cedência da posição contratual num contrato de compra e venda de uma grande superfície.
Tendo por referência a Nota interna nº ...16 de 99.08.09 da Direcção de Serviços de reembolso que nos remete a informação nº ...50 de 99.08.09, bem como exposições apresentadas pelo sujeito passivo [SCom01...] S.A em 2001.11.27 e 2001.09.10, esta última remetida a estes através de Nota Interna nº ...85 de 2002.11.26 da Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, cumpre-me prestar a seguinte
INFORMAÇÃO:
(…)
11. Do exposto podemos concluir que:
11.1 O Indeferimento de parte do reembolso no valor de 1. 339. 149. 400$00 efectuado pelos serviços de inspecção tributária do ... encontra-se correcto, dado que o carácter pessoal do direito à dedução é intransmissível e uma vez que carece de apoio legal.
11.2 Quanto à questão de, na sequência da liquidação adicional efectuada pelos serviços de inspecção Tributária de ... já poder deduzir o IVA liquidado pelo [SCom02...] à [SCom03...], IVA este que o sujeito passivo identifica como referido no contrato de cedência de Posição contratual da grande superfície, há que referir que tal liquidação adicional foi por parte destes serviços mandada anular, conforme já referido no ponto 9 desta informação e se pode constatar através de consulta do sistema informático.»
4
O despacho impugnado na acção 2442/05, datado 22/8/2005, foi manuscrito sobre uma informação técnica da direcção de serviços do IVA e tinha o seguinte teor:
“Concordo, salientando que a correcção controvertida deu origem a uma liquidação adicional de IVA, no montante de 6 667…(ilegível) acrescida dos respectivos juros compensatórios, que foi atacada pelo meio próprio, a reclamação graciosa, entretanto indeferida.
Pelo director geral
«AA»”
5
O teor da informação homologada era o que consta na cópia junta à cópia da Petição da acção 2442/05 entre folhas SITAF 896 e 1072 destes autos, de que se destaca os seguintes trechos:
“3. APRECIAÇÃO DO RECURSO HIERÁRQUICO
3.1. Os Factos
A Informação n.º ..52 da DSIVA, objecto do presente recurso, teve por base:
i) Nota interna n.° I0S..6 de 09.08.1999 da Direcção de Serviços de Reembolsos (DSR), que remete a Informação n.° ...50 de 09.08.1999, elaborada pela DPIT-DF. ..., face a um pedido de reembolso apresentado pela recorrente no montante de 1.819.545.568$00, em que foram efectuadas correcções no valor.de 1.339.149.400$00.
ii) Exposição apresentada pela recorrente em 10.09.2001, solicitando a revisão oficiosa da liquidação adicional do IVA no montante de 1.339.149.400$ e juros compensatórios. Esta exposição foi remetida a estes Serviços, através da Nota Interna n.° ...85 de 26.11.2002 pela Direcção de Serviços da Cobrança (DSC).
iii) Segunda exposição apresentada pela recorrente em 27.11.2001 solicitando a dedução do IVA no montante de 1.339.149.400$, ao abrigo do disposto no n° 7 do artigo 71 ° do CIVA.
3.2. Parecer
(…)
4. Conclusão
Em face do exposto, a posição sustentada pela recorrente, não pode ter qualquer tipo de acolhimento em relação. às suas pretensões, porque ao tomar a posição da cedente ([SCom03...]), assumindo todos os direitos e obrigações que aquela tinha com a [SCom02...], nomeadamente nos adiantamentos efectuados pela futura aquisição do imóvel que aquela ([SCom02...]) estava a construir, e encontrando-se a cedente ([SCom03...]) no regime de isenção do IVA por força do artigo 9° por praticar operações sujeitas a sisa, estava impedida de deduzir o respectivo IVA dos adiantamentos efectuados no valor de 1.339.149.4000 Sic., motivo pela qual foi contabilizado como custo na sua contabilidade ([SCom03...]).
Pretendendo a recorrente agora, obter através da formalização da escritura da compra e venda do imóvel, que tal IVA se tome dedutível, i.e. pretende que aquando da escritura de Cessão de Posição Contratual com a ([SCom03...]) e a [SCom02...] em 30.11.1996, ao ter descrito na Cláusula 3ª
1. Por via desta cessão de posição contratual, a segunda contratante, ([SCom01...]) fica obrigada a reembolsar a primeira ([SCom03...]) na quantia de Esc. 7.877.349.406$, que esta já entregou a título dê sinal e principio de pagamento à terceira contraente ([SCom02...])
2. Ao montante anteriormente referido acrescerá a quantia de EscJ.359.149.4mS, a título de IVA.
Ser este o documento de suporte legal que lhe permite vir posteriormente a deduzir o IVA, quando efectua a escritura final de compra e venda do imóvel, transformando o IVA suportado por aquela ([SCom03...]), através da escritura publica, o mesmo IVA se transformasse em IVA dedutível (na recorrente), pretendendo ultrapassar desta forma quer i) a restrição a que a cedente ([SCom03...]) no acto de cessão estava impedida de o fazer, por estar no regime de isenção, quer ii) a [SCom03...] não pode emitir documento legal fazendo menção ao IVA, na medida em que existe um impedimento legal quanto ao documento emitido visando impossibilitar na economia do Imposto, quando o valor do IVA suportado num agente económico, nunca pode ser dedutível noutro, por inexistência de suporte legal, e iii) que nesta situação concreta, pretende ser ultrapassado pelo formalismo legal que revestiu a operação (escritura pública), que lhe permite vir invocar esse reembolso.
• e que a recorrente, pelo facto de ter administradores comuns em ambas as empresas, tinha perfeito conhecimento dessa impossibilidade, pretendendo deste modo ultrapassar a interrupção criada na economia do Imposto, tentando, ultrapassar o impedimento legal do direito à dedutibilidade do imposto por um sujeito passivo que pratica operações que estão isentas de IVA ([SCom03...]) para outro sujeito passivo que não estando abrangido por essas mesmas restrições, através de um instrumento formal de escritura de compra e venda, pretende abarcar essa possibilidade, pelo que concordo com o entendimento exposto na referida Informação,
À consideração superior”
6
A acção administrativa especial nº 2442/05 encontra-se pendente.

Posto isto, enfrentemos a 1ª questão supra enunciada, que, recordemo-lo, é a seguinte:
Errou, a sentença recorrida, em matéria de direito, ao julgar extinta a presente lide por inutilidade superveniente, devido à instauração, posterior à destes autos, da acção administrativa especial nº 2442/05.2BEPRT, pela qual são pedidos a anulação do despacho do Sr. Sub-director Geral dos Impostos, de 22/08/2005, que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela Autora relativamente ao despacho do Sr. Director de serviço do IVA, de 30.10.2003, que indeferira parcialmente o seu pedido de reembolso de IVA relativamente ao trimestre de 12T/98, na quantia de € 6.679.649,05, acto este que é o impugnando nos presentes autos, bem como a condenação do Demandado Ministério das Finanças, a reconhecer o seu direito a haver deste aquela quantia, enquanto crédito de IVA naquele trimestre, o que também já é pedido nestes autos?

Os fundamentos de direito da sentença recorrida reconduzem-se à consideração de que, tratando-se das mesmas partes, o objecto da acção administrativa especial 2442/05 conteria o objecto da presenta acção, acrescendo-lhe apenas o pedido de anulação do acto de segundo grau e a respectiva causa de pedir. Assim, a consumpção do objecto da primeira acção no objecto, mais vasto, da segunda, determinaria a inutilidade da primeira.
Contudo a verdade é que nem mesmo essa consumpção parcial ocorre.
O Objecto da presente acção, tal como releva da Petição e da contestação, é constituído pelas pretensões da Autora, de anulação do acto aludido supra em 3 e de condenação do Demandado Ministério das Finanças a reconhecer o seu direito a haver deste, como seu crédito de IVA no 12T/98, a quantia de € 6.679.649,05 – com fundamento nas razões invocadas para a anulabilidade por, violação de Lei, daquele indigitado acto administrativo em matéria tributária, acto de 1º grau, dotado de eficácia externa própria.
Já o objecto da acção 2442/05, definido pela respectiva petição, é constituído pela pretensão da Autora de obter a anulação do despacho aludido supra em 5 e o reconhecimento, pelo Réu Ministério das Finanças, do direito da Autora a haver deste, como seu crédito de IVA no 12T/98, a quantia de € 6.679.649,05 – com fundamento nas razões invocadas para a anulabilidade, por violação de Lei, deste último acto administrativo em matéria tributária, que é um acto de 2º grau relativamente àquele outro.
Assim, não há coincidência nos objectos de uma e outra acções, quanto ao acto administrativo a anular.
Nem podia haver, mesmo que na redacção da Petição da acção 2442/05 possa parecer que se discute nele também a legalidade do acto primário aqui impugnado. Como bem recorda a Recorrente, o recuso hierárquico interposto pela Autora era meramente facultativo (artigo 67º do CPPT). Por outro lado, o acto impugnando na presenta acção não surge como um acto interlocutório, ainda que destacável, pois o seu dispositivo constitui o objecto específico do procedimento e é imediatamente eficaz na esfera jurídica da Autora, no sentido de negar a pretensão formulada – de lhe ser reembolsado um alegado crédito de IVA – pelo que a sua impugnação contenciosa não viola a regra da impugnação contenciosa unitária disposta no artigo 54º do CPPT. Portanto, a anulação do acto de 1º grau só na presente acção e com os fundamentos invocados na respectiva Petição pode ser discutida e determinada. À acção 2442/05, no que concerne à pretensão anulatória, caberá tão só discutir a legalidade e a validade do despacho que indeferiu o recurso hierárquico, tendo em conta, apenas, os vícios invocados como próprios desse acto (não os imputados ao acto de 1º grau). Na verdade, na parte em que tenha secundado e confirmado o acto graciosamente recorrido, posto que aprofundando os pressupostos de facto e de direito já invocados no acto de 1º grau, o acto de segundo grau é inimpugnável, por ter natureza meramente confirmativa de outro e, logo, não ser dotado de eficácia lesiva própria (cf. artigo 51º nº 1 do CPTA, na redacção original (Lei 15/2002 de 22/2).
Já no que respeita ao pedido de condenação do Demandado a reconhecer o direito do Autor ao reembolso, aí sim, poderá dar-se uma identidade essencial do pedido e da causa de pedir, atenta a redutibilidade da causa de pedir à mesma relação material tributária.
Não se mostra útil, porém, apreciar essa questão.
É que, mesmo que efectivamente ocorresse repetição parcial ou total dos objectos das duas acções, nem por isso estariam reunidos os pressupostos para uma extinção da instância por inutilidade superveniente – nos termos do artigo 277º alª e) do CPC. Na verdade, do que se trataria seria sempre de uma situação de litispendência, que, ao invés de determinar a extinção da lide anterior, mais não seria do que uma excepção dilatória quanto à parte do objecto da acção instaurada em segundo lugar, que já o fosse da acção mais antiga, conforme limpidamente decorre dos artigos 576º nºs 1 e 2 e 577º alª i) e 580º nº 1, todos do CPC.
Assim, a resposta a esta primeira questão é afirmativa.

2ª Questão
Deverá ordenar-se a apensação “de ambas as acções”, nos termos do artigo 267º do CPC, para evitar que ambas as acções corram em paralelo, com o consequente risco de contradição de julgados?

O objecto desta questão transcende manifestamente os limites do que pode ser objecto deste recurso.
Trata-se de uma questão nova, sobre a qual não houve juízo na 1º Instância, desde logo porque tal não fora pedido.
Ora, os recursos, sem prejuízo do que vem previsto no artigo 665º nº 2 do CPC (apreciação em substituição do tribunal recorrido) servem para impugnar decisões judiciais (cf. artigo 627º do CPC), não para pôr o tribunal de recurso a apreciar o que em devido momento processual devia e ou deverá ser pedido na 1ª Instância.
Conforme se sumariou no ac. do STA de 14/01/2015 proferido no processo nº 0973/13 (acessível em www.dgsi.pt):
I – O recurso jurisdicional tem como objecto a sentença recorrida e destina-se a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afectá-la.
(…)
III – Nesta circunstância, em que o efeito jurídico pretendido com o recurso não é juridicamente possível, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento do recurso, porque aos tribunais está vedada a prática de actos inúteis (cfr. art. 130.º do CPC).
Assim sendo este Tribunal de Apelação não se pronuncia sobre a presente questão. Caberá à Mª Juiz no tribunal a quo apreciá-la, mesmo oficiosamente, conforme dispõe o artigo 28º do CPTA.

Conclusão
Do exposto resulta que o recurso merece provimento, pelo que se impõe revogar a sentença recorrida e ordenar o regresso do processo à 1ª Instância para aí prosseguir os seus termos, se a tanto mais nada obstar.

Custas
As custas do recurso ficarão a cargo da Recorrida, atento o seu total decaimento (artigo 527º do CPC).
Entretanto:
Considerando a adequada conduta processual das partes, bem como o concreto valor das custas a suportar pela Recorrida no seu decaimento total, valor que se mostra desproporcionado, entendemos que se justifica a dispensa da totalidade do remanescente o da taxa de justiça devida, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Como assim, vão as partes dispensadas do pagamento de todo o remanescente da Taxa de Justiça devida.

Dispositivo
Assim, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar procedente o recurso e determinar que os autos regressem ao Tribunal a quo para aí prosseguirem os seus termos se a tanto mais nada obstar.
Custas pela Recorrida, indo dispensado o remanescente da taxa de justiça: artigos 527º do CPC e 6º nº 7 do RCP.
Porto, 25/1/2024

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos
Irene Isabel Gomes das Neves