Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00683/15.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/30/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Mário Rebelo
Descritores:FATURAÇÃO FALSA
FUNDAMENTAÇÃO, INDICIAÇÃO E ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas,
aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT: compete à Administração fazer prova de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
2. A AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a
consistência desse juízo.
3. Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da
transação.
4. Recaindo sobre o contribuinte o ónus de provar a materialidade das operações
faturadas, se não o conseguir, sofre as consequências desfavoráveis.
5. Não é só quando falte a fundamentação legalmente exigida que o interessado pode
recorrer à faculdade prevista no art. 37º do CPPT, mas também quando a comunicação da decisão não contenha os outros requisitos exigidos pelas leis tributárias.
6. O conteúdo do art. 29º do RCPIT, em especial a alínea b) do n.º 1 é uma prerrogativa da inspeção tributária que visa assegurar a eficácia da sua ação, como proclama o n.º 1 do art. 28º do mesmo diploma.
7. Não corresponde a um dever que recaia sobre a inspeção, nem na esfera da
Impugnante/Recorrente existe o correspetivo direito aos procedimentos previstos na alínea b) do n.º 1 do art. 29º RCPIT. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:O..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O…, Lda. melhor identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida no TAF de Aveiro que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC relativa ao período de 2013 no valor de € 28.887,43 interpôs recurso rematando as alegações com as seguintes conclusões:

1) Os actos tributários impugnados estão inquinados do vício de falta de fundamentação, pois as razões e afirmações aduzidas pela Administração Tributária no Relatório da Inspecção Tributária e, posteriormente, dadas como provadas na íntegra pelo Tribunal “a quo”, são de tal forma vagas, genéricas e não concretas que não podem, de forma alguma, fundamentar os actos impugnados.
2) O Tribunal a quo atendeu somente aos factos alegados pela Administração Tributária, designadamente, aos constantes do Relatório da Inspecção Tributária.
3) Com efeito, absteve-se de mencionar os factos alegados pela impugnante, ora recorrente, na Petição Inicial, bem como o conjunto de provas oferecidas, designadamente documentais, onde se prova que as faturas em causa titulam operações efetuadas para a Impugnante e que foram pagas aos emitentes.
4) Assim, o Relatório da Inspeção Tributária não indica, com clareza e congruência os elementos de facto e de direito, que levaram a Inspeção Tributária a considerar como faturas simuladas as faturas emitidas pelos fornecedores em causa.
5) É princípio estruturante do processo judicial tributário, o princípio do inquisitório pleno, previsto nos artigos 13º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 99° da Lei Geral Tributária, nos termos do qual o juiz deve ordenar todas as diligências necessárias para a descoberta da verdade material, ou seja, não é um processo de partes.
6) A correta análise e valoração da prova constante dos autos, n° 14 e 15, não permitia concluir de forma inequívoca e irrefutável que as faturas n°s 24, 34, 56 e 25 e 58, no valor de 106.460,00 €, não correspondessem a transacções reais, pois, não basta a “convicção”, que, em caso algum, constitui prova.
7) É que a prova de que as faturas não correspondem a transacções reais terá de ser cabal e desprovida de incertezas, pois, em matéria tão delicada, não poderá o julgador bastar-se com um mero juízo de probabilidade, como seja, no caso, a simples “convicção”.
8) Na ausência de tal certeza, a incerteza sobre os factos terá, necessariamente, de resolver-se a favor da impugnante, ora recorrente, de que é, precisamente expressão, o artigo 100°, n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
9) Aliás, é processualmente inconcebível que todos os factos dados por provados se em “convicções” transcritas em parte de outros Relatórios, no caso, dos emitentes, que não o Relatório da Impugnante, ora recorrente.
10) Assim, as conclusões do Relatório da Inspeção Tributária não são suportadas por factos retirados, designadamente, de documentos e elementos respeitantes à impugnante, ora recorrente, e que permitam provar que entre a impugnante e os emitentes das faturas em causa foi feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiros (artigo 240º do Código Civil, aplicável por força das alíneas a) e d) do artigo 2° da Lei Geral Tributária).
11) Portanto, no presente caso, está-se manifestamente perante falta de fundamentação, o que vale por dizer que a fundamentação aduzida não é clara, nem precisa, como também não õ suficiente para determinar o acto de liquidação de IRC aqui impugnado, pelo que este viola o disposto nos artigos 77°, n° 1 e 2 da Lei Geral Tributária e artigo 103°, n° 3, 104°, n° 2 e 268°, n° 3 da Constituição da Republica Portuguesa, devendo ser anulado.
12) Pois, como é possível com um volume de negócios no valor de 195.862,04 €, conforme se verifica da página 13 do Relatório Final, obter um lucro tributável de 111.927,03 €, em termos de IRC?
Fica à consideração e valoração dos Exmos. Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte a questão supra invocada.
13) Acresce que, como se verifica do Relatório Final, a Autoridade Tributária e Aduaneira não desenvolveu as diligências necessárias com vista ao apuramento da verdadeira situação tributária do contribuinte, designadamente, através de um controlo quantitativo da produção e das matérias primas, considerando o Meritíssimo Juiz a quo que seria um absurdo exigir tal controlo à Administração Tributária.
14) Mas não tem razão, e isto, porque nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 29° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, os funcionários em serviço de Inspeção Tributária podem e devem proceder à inventariação física, identificação e avaliação de quaisquer bens, incluindo a contagem física dos inventários, da caixa e do activo fixo, sempre que seja necessário, como é o presente caso.
15) Portanto, tal diligência, ou seja, controlo quantitativo da produção e das matérias primas, está prevista na lei e deve ser levada acabo pelos Serviços de Inspeção, não sendo nenhum absurdo o contribuinte exigir o cumprimento da lei.
16) Quanto à violação do princípio do contraditório, páginas 11, 12, 13 e 14 da Douta Sentença recorrida, de que a impugnante, ora recorrente, poderia ter usado a faculdade prevista no artigo 37° do C.P.P.T., o Meritíssimo Juiz a quo apreciou e decidiu mal.
17) E isto, porque a falta de comunicação dos fundamentos da liquidação não se confunde com a falta de fundamentação do acto tributário de liquidação, sendo que, enquanto a falta de fundamentação constitui vício que invalida o acto tributário de liquidação e é susceptível de determinar a sua anulação.
18) A falta de notificação, porque se situa já no exterior do acto de liquidação, apenas poderá diferir o inicio do prazo para a sua impugnação.
19) Ou seja, o artigo 37° do código de Procedimento e de Processo Tributário, ao contrário do entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que não lhe seja comunicada a fundamentação do acto notificado, ou seja, não permite à Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentar a posteriori um acto que não esteja fundamentado.
20) Foram violados os normativos legais insertos nos artigos 8°, n° 2 alínea a), artigos 55°, 58º, 77°, n° 1 e 2, 87°, n° 1, alínea c), da L.G.T., artigo 8° do RCPIT, artigo 103°, n° 3, 104°, n° 2, 266°, n° 2 e 268°, n°3 da CRP.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V. Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, seja proferida DECISÃO, na qual se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal a liquidação adicional de IRC, objecto dos autos, por falta de fundamentação legalmente exigida e preterição de formalidades legais essenciais, a bem da JUSTIÇA.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao julgar improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2013 por desconsideração de faturação falsa.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. A sociedade “A…, Lda.”, nif 5…, tinha como sócios e gerentes A…, nif 1…, e M… (ex-mulher daquele) e laborou entre 23/7/2001 e 30/3/2009 - pág. 16 do Relatório, a fls. 9 do PA, não impugnado;
2. À acima identificada sociedade sucedeu a sociedade “A…, Lda.”, nif 5…, cujo único sócio e gerente era o referido A…, foi indiciada de ter utilizado faturas reputadas falsas e cessou a atividade em 30/6/2009 - pág. 16 do Relatório, a fls. 9 do PA, não impugnado;
3. À sociedade acima identificada sucedeu a sociedade “N…, Lda.”, nif 5…, que tem como único sócio e gerente o identificado A… e em 30/6/2009 iniciou a atividade e adquiriu todo o imobilizado e stock antes pertencente à sociedade referida no ponto anterior - pág. 16 do Relatório, a fls. 9 do PA, não impugnado;
4. A sociedade identificada no ponto anterior tem sede no mesmo local e objeto social idêntico ao da agora impugnante - pág. 16 do Relatório, a fls. 9 do PA, não impugnado;
5. Em ação de inspeção à atividade e contabilidade da sociedade “N…, Lda.” levada a cabo em 2011 a AT detetou indícios de que no ano 2010 essa empresa utilizou e emitiu faturas reputadas falsas e, em ação inspetiva levado a cabo em 2014, detetou indícios de que no ano 2011 e 2012 continuou a emitir faturas falsas apesar de alegadamente o sócio gerente ter declarado “não possuir elementos da contabilidade posteriores ao 1º trimestre de 2011 e ter deixado de possuir pessoal ao serviço da empresa a partir do momento em que a sua irmã passou a exercer a atividade que a N… exercia, em nome da sociedade O…” - pág. 16 a 18 do Relatório, a fls. 9 e 10 do PA;
6. A sociedade agora Impugnante “O…, Lda.”, nif 5…, tem como única sócia e gerente nomeada O…, nif 1…– fls. 39 do PA;
7. Os sócios e gerentes das sociedades “N…, Lda.” e “O…, Lda.”, respetivamente A… e O… são familiares (irmãos) – pág. 6 do Relatório, fls. 4 do PA, não impugnado;
8. A sociedade agora Impugnante exerceu no ano 2013 a atividade de prestação de serviços de transformação de cortiça em rolhas para o único cliente, A… & Irmão, SA – pág. 7 e anexo 7 do Relatório, fls., 4-vº e 56 do PA, não impugnado;
9. No ano 2013 a agora Impugnante declarou IVA a recuperar no 1º, 2º e 4º trimestres, no total de € 8.281,62 – pág. 34 e anexo 31 do Relatório, fls. 18 e 184 a 188 do PA;
10. Na sequência de ações de prospeção levadas a cabo no ano 2011 com vista à investigação de indícios de diversas irregularidades, incluindo utilização de faturas falsas, detetadas junto de vários operadores do setor da cortiça, entre os quais a agora Impugnante, procedeu o Ministério Público competente à instauração do Processo de Inquérito nº 9/12.1IDAVR – pág. 6 do Relatório, fls. 4 e 201 do PA;
11. Ao abrigo da ordem de serviço nº OI201400576, de 4/2/2014, a AT levou a cabo ação inspetiva externa à atividade e contabilidade da agora Impugnante que decorreu entre 19/6/2014 e 11/11/2014 – pág. 5 de Relatório e fls. 3-vº e 197 a 204 do PA;
12. Da referida ação inspetiva resultou o Projeto de Relatório, homologado por despacho de 19/11/2014, que foi notificado à agora Impugnante por meio do ofício nº 8411209, de 19/11/2014, enviado sob registo postal (RF412816239PT) da mesma data e cujo aviso de receção foi assinado em 20/11/2014, tendo a agora Impugnante exercido o direito de audição em 4/12/2014 (fls. 189 a 211 do PA)
13. Relatório, datado de 12/12/2014 e homologado por despacho de 13/1/2015, na qual a AT propôs correções à matéria tributável (além do mais) do IRC do ano 2013 no valor de € 106.460,00, “de natureza meramente aritmética” pelo facto de que “o sujeito passivo contabilizou como gasto no ano 2013 as despesas suportadas por faturas timbradas em nome de My… (faturas 25, de 27/6/2013, e 58, de 31/12/2013) e Wa… (faturas 24, 24 e 56, de 20/2/2013, 28/3/2013 e 30/5/2013, respetivamente) no valor global de € 106.460,00” que a AT considera serem falsas porque “não titulam aquisições efetivas de bens ou serviços” e não podem ser aceites como gastos porque “contrariam o preconizado no nº2 do artigo 23º do CIRC” – fls. 1 a 196 do PA;
14. Em ação inspetiva levada a cabo em agosto de 2014 à atividade e contabilidade da sociedade “Wa…, Lda.”, nif 5…, a AT criou a convicção de que essa sociedade, coletada entre 25/10/2012 e 10/1/2014 para o exercício de “fabricação de rolhas de cortiça – CAE 16294”, foi gerida apenas de facto pelos identificados A… e O… sob a falsa aparência de um sócio e gerente meramente de direito e que nos anos 2012 e 2013 utilizou e emitiu faturas reputadas falsas por não ter havido qualquer operação comercial efetiva e não haver subjacente qualquer estrutura empresarial material (não tinha ativos fixos tangíveis, móveis ou imóveis, nem conta bancária, nunca teve pessoal ao seu serviço nem subcontratou, não apresentava despesas de funcionamento e não registou outras despesas para além dos honorários do TOC e da aquisição dos livros na tipografia) – pág. 20 a 22 do Relatório, fls. 11 e 12 do PA;
15. Em ação inspetiva levada a cabo em outubro de 2014 à atividade e contabilidade da sociedade “My…, Lda.”, nif 5…, a AT criou a convicção de que essa sociedade, coletada em 9/5/2013 para o exercício de “fabricação de rolhas de cortiça – CAE 16294”, tinha como único sócio e gerente A… e que no ano 2013 utilizou e emitiu (apenas entre 21/5/2013 e 30/12/2013) 65 faturas, no valor global de €1.346.123,61, reputadas falsas por não ter estrutura empresarial compatível com a dimensão da faturação (tem apenas uma máquina e uma viatura registada nos ativos fixos tangíveis, não possui outros bens móveis ou imóveis, nunca teve pessoal ao seu serviço, da derrogação do sigilo bancário concluiu-se que o efetivo beneficiário dos recebimentos das quantias faturadas foi o próprio gerente a irmã O… e marido J…) – pág. 22 a 24 do Relatório, fls. 12 e 13 do PA;
16. Da análise às faturas emitidas pela agora Impugnante ao único cliente (A… & Irmãos, SA), verifica-se que em 2013 agora Impugnante produziu 50.479.900 rolhas em 226 dias úteis de trabalho, o que resulta numa produção média de 223.362 rolhas por dia – pág. 29 e 30 e anexo 10 do Relatório, fls. 15 e 66 a 68 do PA;
17. Essas rolhas são produzidas a partir de pranchas de cortiça, prontas a ser rabaneadas, fornecidas pelo próprio cliente (A… & Irmão, SA), a troco do pagamento de €3,88 por milheiro de rolhas, mediante a devolução ao cliente de todos os desperdícios, incluindo a apara de broca - pág. 14, 26 e 32 e anexo 7 do Relatório, fls. 8, 14 e 17 e 56 a 57 do PA;
18. Em 2013 a agora Impugnante tinha ao seu serviço 8 brocas (6 brocas automáticas e 2 máquinas cegas) e 9 trabalhadores, incluindo a sócia-gerente – pág. 29 e anexos 12 a 15 do Relatório e fls. 15-vº e 76 a 92 do PA;
19. Durante a ação inspetiva a agora Impugnante recusou autorizar a AT a fazer a contagem fixa dos bens do ativo fixo tangível – pág. 30 e anexo 16 do Relatório, fls. 16 e 93 do PA;
20. Sem prejuízo, a AT recolheu indícios sérios de que a agora Impugnante usou equipamentos que contabilizou no seu ativo fixo tangível com suporte em documentos de aquisição reputados falsos, nomeadamente o empilhador de marca Nissan com chassis nº FD02E705861 e rolhas, emitidos por “Ap…” e D…– pág. 31, 32, 36 a 44 e anexos 17 a 23 do Relatório, fls. 16º-vº, 94 a 154 do PA;
21. Além disso, em 2013 a agora Impugnante contabilizou os seguintes gastos, na conta 622 – Fornecimentos e serviços externos – serviços especializados e na conta 6111 – Custo das Mercadorias Vendidas:
Data
Fatura
Fornecedor
Designação
Base
IVA
Total
20/2/2013 24 Wa… 3500 rolhas 30x21 12.250,00 2.817,50 15.067,50
28/2/2013 34 Wa… 7250 rolhas 25.375,00 5.836,25 31.211,25
30/5/2013 56 Wa.. 3500 rolhas 30x21 14.000,00 3.220,00 17.220,00
27/6/2013 25 My… 7200 rolhas30x21 27.360,00 6.292,80 33.652,80
30/12/2013 58/2013 My… 7200 rolhas30x21 27.475,00 6319,25 33.794,25
Total
106.460,00 24.485,80 130.945,80
- pág. 32, 47 e anexos 24 e 25 do Relatório, fls. 17, 155 a 166 do PA e fls. 20 a 24 do processo físico;
22. Na contabilidade da agora Impugnante a conta do fornecedor Wa… apresentava em 31/12/2013 um saldo credor (com obrigação de pagamento) de € 88.880,00 (IVA incluído), correspondente a parte das faturas 24 e 34 e à totalidade da fatura 56, encontrando-se o único pagamento registado, no valor de €11.211,25, suportado por cópia do cheque nº 2672483814 de 23/4/2013, da conta sedeada na Caixa Montepio Geral, o qual terá sido anulado – pág. 48 e anexo 25 do Relatório, fls. 25 e 161 a 166 do PA;
23. Na contabilidade da agora Impugnante a conta do fornecedor My… apresentava em 31/12/2013 um saldo credor (com obrigação de pagamento) de € 97.582,05 (IVA incluído), correspondente à totalidade da faturação da emitente para a agora Impugnante nesse ano – pág. 45 e 46 e anexo 24 do Relatório, fls. 23º-vº, 24 do PA;
24. Por ofício nº 8400239, de 14/1/2015, enviado sob registo postal cujo aviso de recção foi assinado em 16/1/2015, a AT notificou a agora Impugnante do teor do relatório final e dos documentos de fixação do resultado tributável e do IVA, incluindo o do IRC do ano 2013, no montante de € 111.927,03 – fls. 212 a 230 e seguintes do PA;
25. Em 22/1/2015 a AT efetuou a liquidação adicional nº 2015 8310035297 de IRC do ano 2013, de que resultou o montante de € 28.887,43 a pagar até 30/3/2015 – fls. 17 a 20 do processo físico e 231 do PA:
26. Em 23/6/2015 foi apresentada a petição inicial dos presentes autos – fls. 5 do processo físico;
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Com relevância para a boa decisão das questões a apreciar consideram-se não provados os seguintes factos;
1. Todas as faturas em causa nos autos correspondem a aquisições de bens ou serviços verdadeiras – artigo 36º da p.i.;
4 – Motivação de facto
A convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos, conforme se indica em cada ponto de 3.1 supra
Do conjunto da prova produzida resulta a convicção de que a sociedade agora Impugnante exerceu, no ano 2013, atividade industrial de pura prestação de serviços a um único cliente (A… & Irmãos, SA). Essa prestação de serviços consiste na fabricação de rolhas calibre 30x21 a partir de pranchas de cortiça fornecida pelo cliente, que, para além de ser dono das rolhas também é dono de todos os desperdícios gerados pela modificação industrial introduzida pela Impugnante. O valor dos serviços prestados corresponde a €3,88 por milheiro (ou milhar) de rolhas.
Ou seja, para além dessa atividade de prestação de serviços, a Impugnante não compra nem vende matérias-primas nem mercadorias (factos 15 a 18 de 3.1 supra).
Ora, o objeto do litígio é a discussão acerca da materialidade das operações descritas nas faturas emitidas pelas sociedades My… (faturas 25, de 27/6/2013, e 58, de 31/12/2013) e Wa… (faturas 24, 24 e 56, de 20/2/2013, 28/3/2013 e 30/5/2013, respetivamente) no valor global de € 106.460,00” que a AT considera serem falsas porque “não titulam aquisições efetivas de bens ou serviços” e não podem ser aceites como gastos porque “contrariam o preconizado no nº 2 do artigo 23º do CIRC” (facto 13 de 3.1 supra).
Em ações inspetivas externas dirigidas à atividade e contabilidade das referidas emitentes das faturas em causa, a AT verificou indícios sérios de que tais faturas não correspondem à realidade da vida, pelo que as reputa como sendo falsas no sentido de que as operações descritas simplesmente não ocorreram de facto, são completamente fictícias, e que tais documentos têm motivação e finalidade exclusivamente fiscal.
Essa convicção assentou essencialmente na conjugação dos seguintes factos:
- as empresas emitentes e a utilizadora (agora Impugnante) são efetivamente controladas exclusivamente pelas mesmas pessoas físicas, A… e irmã O… (factos 1 a 7 e 13 a 15 de 3.1 supra), o que significa que entre elas existem “relações especiais” que poderão “facilitar” qualquer tipo de acordo, nomeadamente simulatório;
- as empresas controladas por estas pessoas físicas são geralmente indiciadas de serem utilizados e/ou emitentes de faturas falsas (factos 1 a 7 e 13 a 15 de 3.1 supra), sabendo-se que esse é um comportamento reincidentemente verificado no setor corticeiro, com particular significado no concelho de Santa Maria da Feira, sede e residências das pessoas em causa nos autos;
- para a atividade da agora Impugnante (pura prestação de serviços) não se justifica a compra de rolhas (que não vendeu), o que poderá significar que a única finalidade de tais faturas consiste na dedução indevida do IVA e do custo fiscal em IRC, já que sem isso a atividade da Impugnante seria bastante lucrativa e não teria direito a tais deduções;
- as empresas emitentes não possuem estrutura empresarial compatível com os fornecimentos a que aludem as faturas, como resultou das ações inspetivas a que foram sujeitas pela AT;
- da contabilidade da agora Impugnante resulta que esta não pagou efetivamente o valor das faturas em causa (emitidas por empresas com as quais mantém “relações especiais”), o que, sendo uma anomalia compatível com a suspeita acerca da falsidade das operações faturadas, confirma a tese da AT;
- dos autos não consta que tais mercadorias tenham chegado a entrar e a sair das instalações da agora Impugnante ou que ainda ali se encontrem, nada sendo alegado quanto a isso pela Impugnante, o que sugere que os bens faturados não entraram nunca na disponibilidade da agora Impugnante, não entraram nas suas instalações, não se encontram lá nem nunca de lá saíram.
O ónus da prova de que a AT está errada impendia sobre a agora Impugnante, que não fez tudo o que poderia e deveria ter feito no sentido de se desonerar, nomeadamente explicando a origem dos bens em causa ou com que meios terão sido produzidos ou adquiridos pelas alegadas fornecedoras, de que modo e em que condições foram transportadas até às suas instalações, em que armazém seu se encontram ou a quem foram vendidas, por que razão não foram pagas aos fornecedores emitentes as quantias referentes às faturas agora sob litígio, etc. Por isso, o Tribunal considerou não provada a afirmação constante de 1 de 3.2 supra.
Ora, tais provas não seriam particularmente difíceis de fazer.
Por tudo isso, o Tribunal acompanha a tese da AT de que as faturas em causa são falsas no sentido de que o seu descritivo não corresponde à realidade da vida.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante é uma sociedade por quotas unipessoal-, cujo sócio único e gerente é a Sra. Olímpia dos Santos Martins - que se dedica à atividade de prestação de serviços de transformação de cortiça em rolhas para o único cliente A… & Irmão, que lhe fornece as pranchas de cortiça prontas a ser rabaneadas. Foi sujeita a fiscalização externa com incidência no exercício de 2012, estendida a 2013 por haver indícios de facturação falsa dos emitentes Wa… (gerida de facto pelos irmãos A… e O…) e My… (cujo único sócio e gerente é o Sr. A…).
A inspecção culminou com a liquidação adicional de IRC para os anos de 2012 e 2013, sendo que nestes autos apenas está em causa o imposto referente a 2013.
A Impugnante discordou e deduziu impugnação judicial contra a liquidação.
Alegou, entre o mais, a errónea quantificação da matéria tributável, e que a desconsideração dos custos contidos nas facturas emitidas por “Wa… Lda” (n.º 24, 34 e 56) e pela sociedade “My…, Lda” (n.ºs 28 e 58) não se baseiam em qualquer prova concreta. Por outro lado, apenas foram transcritas partes dos Relatórios efectuados a estas sociedades, mas deviam ter sido notificados integralmente à impugnante, o que não ocorreu, violando assim o princípio do contraditório. A correção não está fundamentada de facto nem de direito, baseando-se em meras e genéricas afirmações tais como “foram reunidos fortes e fundados indícios” sem referir ou indicar concretamente quais são. Acresce que as correções implicaram um afastamento da matéria colectável declarada superior a 30%, pelo que a AT só poderia proceder à correcção através da avaliação indireta.

O MMº juiz julgou totalmente improcedente a impugnação, decisão com que a Impugnante se não conforma e daí o presente recurso.

Nas alegações a Recorrente começa por apontar à sentença “erro de julgamento e falta de pronúncia sobre as alegações produzida pela recorrente nos termos do artigo 120º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Esta matéria, todavia, não foi incluída nas conclusões.

Com efeito, as questões que identificamos nas conclusões de recurso são, em síntese, as seguintes:
1. Os actos tributários não estão fundamentados (Conclusões 1, 4, 11)
2. Erro de julgamento, na medida em que o tribunal "a quo" somente atendeu os factos
alegados pela Autoridade Tributária, abstendo-se de mencionar os alegados pela Impugnante na petição inicial (Conclusões 2, 3).
3. Erro de julgamento na medida em que a (correcta) análise da prova não permitia
concluir de forma inequívoca e irrefutável que as faturas não correspondiam a transações reais (Conclusões 4, a 7, 9, 10)
4. A incerteza sobre os factos deverá resolver-se a favor da Impugnante, nos termos
do art. 100º do CPPT (Conclusões 8).
5. Erro de julgamento ao considerar não ter sido violado o princípio do
contraditório, na medida em que a Impugnante poderia ter usado a faculdade prevista no art. 37º do CPPT (Conclusões 16º a 19º).
6. Erro na quantificação (Conclusão 12).
7. A AT não cumpriu o dever de realização de todas as diligências necessárias com
vista ao apuramento da verdadeira situação tributária do contribuinte (Conclusões 13º, 14º, 15).

Conforme resulta do disposto no Art. 635º/4 do NCPC, a delimitação subjectiva e objectiva do recurso faz-se através das conclusões das alegações, sendo estas que delimitam objecto do recurso. Daí que se o Recorrente alega mas não conclui, o Código de Processo Civil entende que restringiu o objecto do recurso.

Vem esta observação a propósito da apontada nulidade por omissão de pronúncia “sobre as alegações produzidas pela recorrente, nos termos do art. 120º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” que a Recorrente referiu no corpo das alegações, mas não mencionou nas conclusões. Contudo, tal alegação não pode deixar de estar votada ao insucesso na medida em que não densifica, esclarece ou indica sequer, quais foram as questões alegadas cujo conhecimento foi omitido na sentença, impossibilitando dessa forma que o tribunal “ad quem” reexamine a sentença à luz da omissão que alega - mas não concretiza, não fundamenta.
Em vista disso, também não pode haver lugar ao convite para apresentar novas conclusões, como se retira do disposto no art.º 282º/6 do CPPT que só poderia ter lugar se as conclusões não refletissem os fundamentos descritos nas alegações.

A Recorrente inicia as suas conclusões com a afirmação de que o acto tributário impugnado está inquinado do vício de falta de fundamentação, pois
“...as razões e afirmações aduzidas pela Administração Tributária no Relatório da Inspecção Tributária e, posteriormente, dadas como provadas na integra pelo Tribunal “a quo”, são de tal forma vagas, genéricas e não concretas que não podem, de forma alguma, fundamentar os actos impugnados” (Conclusão 1)

Idêntica questão de falta de fundamentação foi alegada na douta petição inicial nos artigos 25º e segs. que o MMº juiz "a quo" analisou na dupla perspectiva da falta de fundamentação formal e material bem como a sua ligação com o ónus da prova, decidindo assim:

“A impugnante alega que as conclusões do Relatório final, na parte em que considera que as faturas em causa são falsas, não estão suportadas em factos retirados dos documentos e de elementos oficiais respeitantes ao agora Impugnante, como exige o princípio da legalidade consignado nos artigos 55º da LGT e 240º do CC, nada de concreto foi apurado no sentido dessa falsidade, pelo que todas as considerações tecidas a esse respeito constituem meras conclusões pessoais sem qualquer fundamentação de facto e de direito, cabendo o ónus da prova dos factos invocados, em primeiro lugar, à AT, que não cumpriu tal ónus; Além disso, os factos alegados não são adequados a fundamentar a situação concreta nos termos exigidos no artigo 77º da LGT e 125º do CPA, e caberia à AT, para apuramento da verdade material, efetuar um controlo quantitativo da produção e das matérias-primas fornecidas para a realização dos serviços prestados no exercício, como preceitua a o artigo 29º, nº 1, al. b), do RCPIT (25º a 41º p.i.)
A posição da Impugnante parece incorrer em alguma confusão entre “fundamentação formal”, a que se referem os invocados artigos 77º da LGT e 125º do CPA, e “fundamentação material” a que expressamente se refere a petição inicial (artigos 38º e 39º da p.i.) e até com “ónus da prova”. São questões diferentes e não devem ser confundidas.
A fundamentação formal dos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos é um dever constitucional imposto à administração pelo nº 3 do artigo 268º da CRP, que dispõe que ela deve ser “expressa e acessível”.
A fundamentação é entendida, em sentido formal, como motivação, traduzida na exteriorização das razões que estão na base da decisão administrativa, mas também como justificação, traduzida na verbalização dos pressupostos de facto e de direito que conduziram a essa decisão.
Trata-se da efetivação de um dever de transparência da ação da administração, que se quer aberta e correta, possibilitando, ao mesmo tempo, um controlo interno, ou de controlo disciplinar, e externo, ou de controlo contencioso. Portanto, esta é uma norma de ação administrativa e de proteção subjetiva dos administrados, que visa assegurar uma correta ponderação interna e externa da realização dos interesses públicos relativos à legalidade, imparcialidade, justiça e eficiência, bem como dos princípios da igualdade, proporcionalidade e boa fé, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (ver art.º 266º CRP).
O dever de fundamentação procedimental tributário consta, ao nível da lei ordinária, essencialmente nos artigos 77º e nº 3 do 84º da LGT, 63º RCPIT e nos artigos 152 e 153º do CPA (ou, na versão vigente até 6/3/2015, artigos124º e 125º).
O ato administrativo deve ter forma escrita, ou ser reduzido a essa forma, e a fundamentação deve consistir num discurso expresso e que seja contextual à decisão (é inadmissível a fundamentação implícita mas admite-se a fundamentação por remissão expressa) e, logo, contemporâneo dela, ou anterior a ela, claro (sem ambiguidades ou obscuridades), suficiente (estender-se a todos os elementos em relação aos quais a Administração exerce o poder) mas sucinto (não carece de ser quilométrico nem excessivamente palavroso) e congruente (isento de contradição ou mera desadequação entre as premissas e a conclusão).
É consensual na jurisprudência que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o ato estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Todo o trabalho de fundamentação visa, em suma, permitir a um sujeito de normal capacidade e sagacidade, colocado na circunstância concreta do destinatário do ato, acompanhar o itinerário cognoscitivo seguido pelo decidente que o conduziu à conclusão a que chegou.
Esse desígnio considera-se atingido sempre que da concreta ação ou defesa do destinatário resulte inequivocamente que acompanhou o referido iter cognitivo, ainda que em discordância com ele. Caso contrário, a falta de alguma das características acima resumidas inquina o ato do vício de forma por falta da fundamentação, equivalendo a esta a sua deficiência.
O ato a que falte a fundamentação é anulável (Ac. STA nº 091/11, de 25-05-2011, in www.dgsi.pt).
Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário – Ac. STA de 08/06/2011, processo 068/11.
Todavia, não basta a mera referência ou transcrição de normas legais ou de fórmulas retóricas, havendo que enquadrar factualmente a situação concreta a que aquelas se aplicam - Acórdão Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1/2013, proc.º 0607/12, de 15/11/2012.
O que significa que “A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação” - Ac. STA de 10/3/2011, processo 0862/10, disponível em www.dgsi.pt.
A eventual divergência entre os factos ou o direito invocado no discurso fundamentador e a realidade da vida não contende com a validade formal da fundamentação, mas antes com a validade material dela e deve ser apreciada como vício/erro quanto aos pressupostos de facto ou de direito relativo á decisão.
As regras sobre o ónus da prova (artigos 74º da LGT, 342º do CC, 414º do CPC) constituem regras de julgamento, e não de fundamentação formal ou material e nem sequer de apreciação da prova produzida. Nesse sentido Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 306, refere, em síntese, o seguinte: " o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de não se fazer essa prova".
Ora, no caso, a Impugnante não manifesta qualquer dúvida quanto à fundamentação formal, quanto ao percurso cognitivo que levou a AT a concluir como concluiu. Da defesa apresentada resulta que a Impugnante percebeu esse percurso, mas que discorda da conclusão.
No fundo, a Impugnante pretende alegar apenas que a AT não provou os factos que invoca e que levaram à conclusão a que chegou (que as faturas em causa são falsas).
No caso dos autos está-se perante uma situação em que a AT pretende fazer uma correção ao valor declarado pela Impugnante (aumentando a matéria tributável declarada do IRC de 2003) por considerar que esta não tem direito à dedução fiscal do custo contabilizado com suporte em faturas que reputa como falsas.
Ao contrário, a Impugnante sustenta que cabia à AT fazer a prova dos factos que invoca, presumindo-se que pretende fundar-se no disposto nos artigos 74º da LGT e 342º do CC. Nomeadamente, a Impugnante considera expressamente que cabia à AT o ónus da prova de que entre a Impugnante e os emitentes das faturas em causa existia um acordo simulatório com vista a enganar terceiros (artigo 240º do Código Civil) – artigo 40º p.i.
O pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão nº 3/2003, 10 de Julho de 2003, proferido no Processo nº 735/1999, disponível em www.dgsi.pt, disse, relativamente ao enquadramento das faturas falsas na esfera do emitente: “ Relembremos que se trata de um agente que inscreve na contabilidade de uma empresa uma factura emitida por outra empresa que não corresponda a qualquer transação real, integrando assim o imposto que lhe foi supostamente facturado na declaração periódica do IVA, com o objectivo de obter da parte do Estado um reembolso a que não tinha direito.
Se a factura emitida não corresponde a qualquer transacção real, então as transacções comerciais, a que a mesma se refere, eram pura e simplesmente inexistentes, não passavam de ficção ou encenação fraudulenta destinada a enganar o Estado. E, sendo assim, é evidente que tais «operações» (ficções) não eram tributáveis. E, não sendo tributáveis, a conduta ilícita não tem em vista diminuir as receitas fiscais ou tributárias, pois aquelas não eram, no caso, devidas.
Ao obter indevidamente o reembolso, o agente, está tão-só a apropriar-se de uma parte do património do Estado, utilizando, como se viu já, meios adequados a provocar astuciosamente um estado de erro ou engano do Estado, induzido através da administração fiscal, que é levada a praticar um acto que causa ao Estado (erário público) um prejuízo patrimonial.
Trata-se, pois, de um meio fraudulento estranho à actividade fiscal do Estado, equivalente portanto a qualquer outro artifício fraudulento produzido noutra esfera de actividade estatal. Os reembolsos obtidos foram-no de forma «absolutamente» indevida, já que nenhuma relação fiscal se estabeleceu entre o agente e o Estado. O artifício fraudulento constituído pelas facturas falsas é alheio à relação fiscal; o agente não actuou na veste de contribuinte e não visou a diminuição das receitas tributárias, mas sim obter um enriquecimento ilegítimo, mediante a determinação do Estado, através da administração fiscal, à prática de actos que lhe causam prejuízo patrimonial.
Em síntese, o agente ficcionou uma relação fiscal para se apropriar de parte do património do Estado, ao criar um artifício fraudulento idóneo a enganar os serviços desse mesmo Estado, levando -os a fazerem-lhe uma entrega patrimonial que não lhe era devida. Não está, assim, presente o elemento subjectivo do crime de fraude fiscal (específico complexo): intenção do agente de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida, visando uma diminuição das receitas fiscais ou a obtenção de um benefício fiscal injustificado. Como não está presente a relação jurídica fiscal, pressuposta pela fraude fiscal, tendo como sujeito activo o Estado Fisco e sujeito passivo o contribuinte, devedor do imposto ou responsável pelo cumprimento de alguma obrigação relacionada com a cobrança do imposto.
Essa relação jurídica fiscal, enquanto pressuposto necessário do crime de fraude fiscal, é sempre verdadeira, e não simulada. Com efeito, o negócio jurídico simulado previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 23º do RJIFNA não se refere à relação jurídica fiscal, mas sim à simulação de actos tendentes a alterar os termos daquela relação. E, no entendimento deste Tribunal que se acompanha, «o legislador fiscal, ao referir -se no artigo 23º da RJIFNA, na redacção do Decreto-Lei nº 394/93, a simulação teve em vista o conceito normativo do direito civil, nomeadamente da simulação relativa. Por isso, esse diploma não tem aplicação, nos termos do artigo 2º, nº 4, do Código Penal, quando os arguidos se limitaram a forjar facturas que não titulavam qualquer negócio» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1994, processo nº 45029.) «1) No artigo 23º, nº 2, alínea c), do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, apenas se encontra contemplada a simulação relativa e não também a simulação absoluta. 2) Não é possível falar de simulação quando o agente não celebrou qualquer negócio jurídico e se limitou a forjar fatura que não titulava qualquer negócio, sendo totalmente falsa.» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1998, processo nº 975/98.)
Sem relação tributária verdadeira, não há fraude fiscal .”
Por não ser possível falar de simulação em tais situações (talvez consciente disso, a AT refere-se a faturas falsas, e não a “acordo simulatório”) O pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido repetidamente que “como decidido no Acórdão do Pleno desta Secção do STA do passado dia 17 de Fevereiro, recurso n.º 591/15, onde se consignou: «(…) Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do nº 3 do art. 19º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.
E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2ª edição, pág, 269: "há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos"» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. nº 0241/03). (No qual se referenciam, igualmente, os ac.s de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015.)
Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio (art. 75º da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02: «Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349° e 350° do CCivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.
A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.
Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva.
Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso - o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.
De todo o modo, quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação. É isto corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete, por isso que é o agente.
Porém, no caso vertente, a Administração Fiscal não actuou baseada na existência de qualquer facto tributário, nomeadamente, liquidando o correspondente imposto. Antes, obstou ao exercício, por parte da recorrente, do seu direito à dedução do IVA constante das facturas em causa, baseada no entendimento de que, face aos indícios recolhidos, não se teriam, realmente, realizado as operações comerciais que tais facturas, supostamente, titulavam.
Como assim, o caso, aqui, é diverso, também para os efeitos de saber a quem cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta o direito à dedução: é a recorrente quem se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA -, que não é reconhecido pela Administração Fiscal.
Destarte, não é a Administração que afirma um facto positivo com consequências tributárias - é o contribuinte que invoca o seu direito à dedução do IVA pago a montante. Por isso, é ele quem deve provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.
Conforme se diz no recente - 17 de Abril de 2002 - acórdão deste mesmo Tribunal, proferido no recurso n° 26635, “da conjugação das normas dos art.s 82° n° 1 e 19° do CIVA resulta, assim, que não caberá à administração o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou fundamentadamente deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, mas que caberá ao próprio
contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Digamos (...) que (...) à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art. 82° n° 1 do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa. Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração.
Relativamente a esta matéria, a lei basta -se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei”.
Neste aresto faz-se, aliás, uma exaustiva análise da questão do ónus probatório na matéria, concluindo -se, lapidarmente, no seu sumário, que “quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação
dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art. 82° n° 1
do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art.
19° do CIVA”.».
Também a nosso ver é esta a interpretação legal que resulta do disposto nos apontados normativos (nº 3 do art. 19º e no nº 1 do art. 82º, do CIVA, art. 74º da LGT e 240º do CCivil), bem como no art. 36º (renumeração actual) do CIVA, sendo que igualmente não se vislumbram razões que levem a conclusão diversa, sendo que a própria argumentação da recorrida (nas respectivas contra-alegações) acaba, no essencial, por apelar a uma interpretação do nº 3 do art. 19º do CIVA no sentido de que a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrida com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.
E volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder a correcções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.»”- Ac. Pleno da SCT do STA de 16-03-2016, proc. 0587/15, disponível em www.dgsi.pt

A Recorrente alega que os actos tributários estão inquinados do vício de falta de fundamentação, mas não ataca ou contraria os fundamentos que o MMº juiz desenvolveu na sentença para sustentar e decidir precisamente o contrário.

Ora, sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (art. 627º CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos da sentença que lhe são desfavoráveis sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada. Cfr. ac. do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013 Relator: FRANCISCO ROTHES e o ac. do TCAN n.º 01806/09.0BEBRG de 15-02-2012 - Relator: Catarina Almeida e Sousa Sumário: III - Se, em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial de oposição, não ataca o julgado, pelo que não pode o Tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 684.º do C.P.C.

Portanto, e concluindo, não se conhece o mérito do recurso na parte referente ao vício de falta de fundamentação da liquidação.

Acrescenta a Recorrente haver erro de julgamento na medida em que o tribunal “a quo” atendeu somente aos factos alegados pela AT e se absteve de mencionar os factos alegados pela Impugnante, bem como o conjunto de provas oferecidas.

Depreendemos que a Recorrente imputa à sentença erro de julgamento da matéria de facto, mas não cumpre o disposto no art. 640º do CPC, em qualquer uma das alíneas do seu n.º 1, o que tem como consequência a rejeição imediata do recurso, nesta parte.

Ainda sob o vício de erro de julgamento da sentença a Recorrente sustenta que “a valoração da prova constante dos autos, n.º 14º e 15º não permitia concluir “e irrefutável que as faturas n°s 24, 34, 56 e 25 e 58, no valor de 106.460,00 €, não correspondessem a transacções reais, pois, não basta a “convicção”, que, em caso algum, constitui prova.
7) É que a prova de que as faturas não correspondem a transacções reais terá de ser cabal e desprovida de incertezas, pois, em matéria tão delicada, não poderá o julgador bastar-se com um mero juízo de probabilidade, como seja, no caso, a simples “convicção”.

Os n.ºs 14º e 15º dos Factos Provados têm o seguinte teor:
“14. Em ação inspetiva levada a cabo em agosto de 2014 à atividade e contabilidade da sociedade “Wa…, Lda.”, nif 5…, a AT criou a convicção de que essa sociedade, coletada entre 25/10/2012 e 10/1/2014 para o exercício de “fabricação de rolhas de cortiça – CAE 16294”, foi gerida apenas de facto pelos identificados A…l e O… sob a falsa aparência de um sócio e gerente meramente de direito e que nos anos 2012 e 2013 utilizou e emitiu faturas reputadas falsas por não ter havido qualquer operação comercial efetiva e não haver subjacente qualquer estrutura empresarial material (não tinha ativos fixos tangíveis, móveis ou imóveis, nem conta bancária, nunca teve pessoal ao seu serviço nem subcontratou, não apresentava despesas de funcionamento e não registou outras despesas para além dos honorários do TOC e da aquisição dos livros na tipografia) – pág. 20 a 22 do Relatório, fls. 11 e 12 do PA;
15. Em ação inspetiva levada a cabo em outubro de 2014 à atividade e contabilidade da sociedade “My…, Lda.”, nif 5…, a AT criou a convicção de que essa sociedade, coletada em 9/5/2013 para o exercício de “fabricação de rolhas de cortiça – CAE 16294”, tinha como único sócio e gerente A… e que no ano 2013 utilizou e emitiu (apenas entre 21/5/2013 e 30/12/2013) 65 faturas, no valor global de €1.346.123,61, reputadas falsas por não ter estrutura empresarial compatível com a dimensão da faturação (tem apenas uma máquina e uma viatura registada nos ativos fixos tangíveis, não possui outros bens móveis ou imóveis, nunca teve pessoal ao seu serviço, da derrogação do sigilo bancário concluiu-se que o efetivo beneficiário dos recebimentos das quantias faturadas foi o próprio gerente a irmã O… e marido J…) – pág. 22 a 24 do Relatório, fls. 12 e 13 do PA;”

A estes factos permitimo-nos acrescentar ainda os constantes dos n.ºs 22º e 23º que demonstram apenas ter havido um único pagamento registado em relação ao total das faturas emitidas:

22. Na contabilidade da agora Impugnante a conta do fornecedor Wa… apresentava em 31/12/2013 um saldo credor (com obrigação de pagamento) de € 88.880,00 (IVA incluído), correspondente a parte das faturas 24 e 34 e à totalidade da fatura 56, encontrando-se o único pagamento registado, no valor de €11.211,25, suportado por cópia do cheque nº 2672483814 de 23/4/2013, da conta sedeada na Caixa Montepio Geral, o qual terá sido anulado – pág. 48 e anexo 25 do Relatório, fls. 25 e 161 a 166 do PA;
23. Na contabilidade da agora Impugnante a conta do fornecedor My… apresentava em 31/12/2013 um saldo credor (com obrigação de pagamento) de € 97.582,05 (IVA incluído), correspondente à totalidade da faturação da emitente para a agora Impugnante nesse ano – pág. 45 e 46 e anexo 24 do Relatório, fls. 23º-vº, 24 do PA;

Retomando a questão do ónus da prova em matéria de facturação falsa, que o MMº juiz bem explanou, podemos agora apenas alinhar alguns considerandos, sem contudo acrescentar nada de novo ao que já é sobejamente conhecido.

Com efeito, como tem sido decidido de forma reiterada e uniforme pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Não se exige que a Administração faça a prova direta da falsidade, o que salvo raras exceções, seria praticamente impossível. Como em muitos outros casos, poderá recorrer-se à prova indirecta, isto é, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ao contrário do que alega a Recorrente, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos, indícios, que revelam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem falsas, para assim abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

E indícios são os factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (Castro Mendes, citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311).

Para recolha de tais indícios, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, não se exigindo que os indicadores de falsidade das facturas provenham, necessariamente, de elementos privativos do próprio contribuinte fiscalizado.

Em face deste critério de repartição carga probatória, vejamos se a AT lhe deu cumprimento satisfatório.

Dos factos provados transcritos resulta que a emitente Wa… coletada para o exercício de fabricação de rolhas de cortiça, foi gerida apenas de facto pelos Srs. A… e O… utilizou, e emitiu faturas reputadas falsas por não ter ativos fixos tangíveis, móveis ou imóveis, nem conta bancária, nunca teve pessoal ao seu serviço nem subcontratou, não apresentava despesas de funcionamento e não registou outras despesas para além dos honorários do TOC e da aquisição dos livros na tipografia.

Também a sociedade “My…” foi colectada para o exercício de fabricação de rolhas de cortiça emitiu 65 facturas no valor global de € 1.346.123,61 sem ter estrutura empresarial compatível com a dimensão da facturação, uma vez que tem apenas uma máquina e uma viatura registada nos activos fixos tangíveis, não possui outros bens móveis ou imóveis, nunca teve pessoal ao seu serviço e da derrogação do sigilo bancário concluiu-se que o efectivo beneficiário dos recebimentos das quantias facturadas foi o próprio gerente (A…), a irmã O… e marido J….

Estes factos que, repetimos, não têm necessariamente que advir de elementos do contribuinte fiscalizado Cfr. ac. do TCAS 08097/14 de 05-02-2015 Relator: CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Sumário: I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
II - Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
III - Não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”.
IV – Neste desiderato, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. ao contrario do que também defende a Recorrente, indiciam claramente que as facturas não correspondem a qualquer transação.

A demonstração (indiciária) da falsidade implica a devolução à Impugnante do ónus de provar a materialidade das operações facturadas, que de modo nenhum cumpriu.
Como bem referiu o MMº juiz "a quo":
“No caso dos presentes autos a AT explica as razões que levaram a reputar as faturas em causa como sendo falsas, tanto em resultado de diligências feitas na esfera jurídica das emitentes (não tem estrutura empresarial e não exercem de facto a atividade e estão indiciadas serem meras sociedades “instrumentais” para funcionarem como emitentes e/ou utilizadoras de faturas falsas) como na esfera da utilizadora agora Impugnante (não pagou o valor das faturas e mantém com as emitentes “relações especiais” resultantes da relação familiar existente entre os respetivos sócios-gerentes únicos).
Esses indícios são aptos a justificar o chamamento da Impugnante ao seu ónus de alegação e prova de factos que justifiquem o seu direito a deduzir aquele custo.
Portanto, a partir de então passou a caber à Impugnante fazer a prova dos factos em que se baseia o direito que pretende fazer valer, que é a dedução do valor das faturas em causa, como custo fiscal, à matéria tributável do IRC de 2003.
Para isso deveria provar a existência efetiva do fluxo de mercadoria para a sua empresa e do fluxo em sentido contrário dos meios financeiros correspondentes ao pagamento do preço. Nada disso foi conseguido ou sequer esboçado nos presentes autos.
Além disso, a AT considera – aparentemente com toda a razoabilidade – que, uma vez que a Impugnante não exerce atividade de venda de mercadorias, não se compreende a necessidade de fazer as ditas compras, para além da anomalia que consiste em esses bens não se encontrarem em armazém nem constar que foram vendidos.
Assim, a Impugnante também deveria ter provado – o que não fez – onde estão os bens e, se os vendeu, a existência dos respetivos fluxos das mercadorias no sentido da entrega aos clientes e dos meios financeiros em sentido contrário.
Na falta de tais provas, as regras relativas à distribuição do ónus da prova impõem que a questão se resolva contra o onerado, isto é, contra a agora Impugnante”.

A decisão afigura-se-nos correta. Recaindo sobre o contribuinte o ónus de provar a materialidade das operações faturadas, se não o conseguir, sofre as consequências desfavoráveis (art. 414º do CPC), não havendo, neste caso que apelar ao disposto no art. 100º do CPPT na medida em que a Impugnante/Recorrente não só não conseguiu abalar os indícios de falsidade recolhidos pela AT, como também não conseguiu minimamente demonstrar a veracidade das operações.

Ou seja, da prova produzida não resulta qualquer dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, pelo que também não há qualquer fundamento para aplicação do art. 100º do CPPT.

A mesma conclusão se retira para o alegado “erro na quantificação”.
A resposta à pergunta formulada pela Recorrente (como é possível com um volume de negócios no valor de 195.862,04 €, conforme se verifica da página 13 do Relatório Final, obter um lucro tributável de 111.927,03 €, em termos de IRC?) é dada pelo resultado da recuperação da fiabilidade da sua contabilidade (levada a cabo pela correção) e pela incapacidade probatória da Recorrente na demonstração da materialidade das operações facturadas, obrigando à sua desconsideração como custos.

Tudo isto com base na avaliação directa da matéria tributável suportada em critérios objectivos (art. 84º/1 LGT) visando a determinação do valor real dos rendimentos sujeitos a tributação (art. 83º/1 LGT), em obediência à regra constitucional de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art. 104º/2 da Constituição).

Saber se determinado apuramento do lucro tributável é ou não o correto (real) não é uma questão de melhor ou pior “palpite”, antes depende das operações materiais (efetivamente) realizadas e refletidas na contabilidade, como resulta do disposto no art. 17º do CIRC.

De resto, mesmo que estivéssemos no âmbito de uma avaliação indireta – e não estamos, nem poderíamos estar, porque não estão reunidos os requisitos para o efeito – sempre recairia sobre a Impugnante/Recorrente o ónus de provar o excesso ou erro na quantificação (art. 73º/3 LGT).

A Recorrente também defende que houve incumprimento do dever de realização de todas as diligências necessárias com vista ao apuramento da verdadeira situação tributária do contribuinte, mas também aqui o MMº juiz decidiu e fundamentou em termos que não nos merecem qualquer reparo:
“Além disso também falta manifestamente razão à Impugnante na parte em que sustenta que competia à AT efetuar um controlo quantitativo da produção e das matérias- primas fornecidas apara a realização dos serviços prestados no exercício, como preceitua a o artigo 29º, nº 1, al. b), do RCPIT.
A norma invocada visa apenas conferir essa “prerrogativa” ou “faculdade” aos funcionários em serviço de inspeção como forma de exercício da sua função legal. Não se trata, portanto, de uma imposição legal de cujo incumprimento resulte alguma ilegalidade procedimental.
Além disso, seria absurdo exigir à AT que efetuar um controlo quantitativo da produção e das matérias-primas fornecidas para a realização dos serviços prestados no exercício, quando esta sabe, ou julga saber, que essa prestação de serviços não consome qualquer matéria -prima fornecida pelo prestador (agora Impugnante). E ainda que houvesse algum consumo, a questão não se situa nesse aspeto da atividade (nos proveitos gerados pela prestação de serviços), mas apenas na componente passiva relativa aos custos deduzidos ao abrigo das faturas reputadas falsas.
Pelo que o fundamento sob análise tem de improceder”.

A Recorrente discorda desta decisão. Advoga que “...nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 29° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, os funcionários em serviço de Inspeção Tributária podem e devem proceder à inventariação física, identificação e avaliação de quaisquer bens, incluindo a contagem física dos inventários, da caixa e do activo fixo, sempre que seja necessário, como é o presente caso”.

Com o devido respeito, não acompanhamos da tese da Recorrente. O conteúdo do art. 29º do RCPITA, em especial a invocada alínea b) do n.º 1, quer antes da redação que lhe foi dada pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro quer depois, é uma prerrogativa da inspeção tributária (conforme aliás, expressamente consta na epígrafe do preceito) que visa assegurar a eficácia da sua ação, como proclama o n.º 1 do art. 28º do mesmo diploma.
Não corresponde a um dever que recaia sobre a inspeção, nem na esfera da Impugnante/Recorrente existe o correspetivo direito aos procedimentos previstos na alínea b) do n.º 1 do art. 29º RCPITA.
A prerrogativa contida nesta alínea será para ser usada se for necessária à eficácia da ação da AT.

Acresce que embora a Recorrente repute necessário o recurso a este procedimento não esclarece porquê, nem que “contagem física dos inventários” há a fazer numa empresa como a Recorrente cuja actividade consiste na prestação de serviços de transformação de cortiça em rolhas.
E no que respeita à verificação dos activos fixos será, talvez, oportuno lembrar à Recorrente o que consta do facto provado n.º 19 segundo o qual “Durante a ação inspetiva a agora Impugnante recusou autorizar a AT a fazer a contagem fixa dos bens do ativo fixo tangível” Facto extraído de fls. 30 do Relatório que diz o seguinte: “No âmbito da auditoria realizada, procedemos ainda à verificação dos Activos Fixos Tangíveis comprados, detidos pela O… Vista nos anos de 2012 e 2013.
A fim de proceder à contagem física dos mesmos, deslocámo-nos no dia 15-7-2014 às instalações da empresa, mas a sócia gerente recusou que fosse efetuada qualquer inventariação das máquinas equipamentos e viaturas existentes nesse local, tende nessa data sido lavrado o Termo de Contagem de Ativos Fixos Tangíveis que se junta em anexo 16”, que aliás, a sócia gerente recusou assinar.


No que respeita ao erro de julgamento por a sentença considerar não ter sido violado o princípio do contraditório, na medida em que a Impugnante poderia ter usado a faculdade prevista no art. 37º do CPPT (Conclusões 16º a 19º), também se nos afigura que a Recorrente não tem razão.
Ora vejamos:

Na douta petição inicial a Impugnante alegou que os relatórios de inspeção feitos aos emitentes não foram notificados à ora Impugnante/Recorrente, pelo que assim sendo, foi violado o princípio do contraditório (artigos 23º e segs. e 44º e segs. da petição inicial).

Sobre a matéria, o MMº juiz fundamentou e decidiu o seguinte:
“Baixando agora ao caso concreto, está em causa saber se terá sido violado o princípio do contraditório, sendo certo que a AT notificou a agora Impugnante do teor do projeto de Relatório e lhe deu oportunidade de exercer o direito de audição antes do Relatório final, direito que exerceu efetivamente (facto 12 de 3.1 supra).
No projeto de Relatório, tal como no Relatório final da inspeção à agora Impugnante, a AT transcreve as partes que considera relevantes dos Relatórios das inspeções que levou a cabo relativamente à atividade e contabilidade das sociedades agora consideradas emitentes de faturas falsas (My… e Wa…), fazendo assentar grande parte das conclusões que a levaram a efetuar as correções agora sob impugnação nos factos então verificados e relatados quanto àquelas sociedades.
Não consta dos autos que a AT tenha notificado à agora Impugnante o teor integral desses Relatório.
A AT afirma que verificou determinados factos, que explicita e que considera constituírem indícios sérios de que as faturas em causa nos presentes autos, emitidas por aquelas sociedades, não correspondem a verdadeiras operações comerciais, conforme se viu no ponto 4 supra.
A AT conferiu o direito ao contraditório quanto a essas afirmações, concedendo direito de audição antes do Relatório final (facto 12 de 3.1 supra).
De facto, “o princípio do contraditório como código informador do procedimento de inspeção encontra-se ligado ao princípio da participação, do qual constituirá uma dimensão essencial (…). Em termos mais específicos, o principio do contraditório, no âmbito do procedimento de inspeção tributária impõe à Administração tributária a obrigação de conceder ao sujeito passivo inspecionado a possibilidade de se pronunciar livremente e em prazo razoável, sobre os factos que lhe digam respeito ou que lhe sejam imputados, confirmando-os ou refutando-os, compreendendo-se assim que o princípio do contraditório (dimensão objetiva) dê origem a um direito ao contraditório (dimensão subjetiva). (…) Assim, em sede de procedimento de inspeção tributária, o sujeito passivo deve ser notificado para, num prazo entre dez a quinze dias, exercer o seu direito de audição, ou seja, pronunciar-se sobre as propostas de correções constantes no projeto de relatório” – Joaquim Freitas da Rocha, João Damião Caldeira, Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, RCPIT anotado e comentado, Coimbra Editora, 1ª ed. 2013, anotação ao artigo 8º, pág. 56-57.
Por isso, não está em causa o direito ao contraditório, que foi respeitado, mas eventual deficiência do ato comunicativo, na medida em que a notificação do projeto de relatório terá omitido a cópia dos Relatórios a que alude.
Porém, a eventual omissão das cópias dos Relatórios aludidos no Projeto notificado em 20/11/2014 (facto 12 de 3.1 supra) convolar-se-ia no vício do ato comunicativo designado “comunicação ou notificação insuficiente” previsto no artigo 37º do CPPT.
Assim, se o destinatário da comunicação ou notificação entender que nesse ato comunicativo falta algum elemento legalmente exigível pode requer a emissão de notificação contendo os elementos em falta. Caso não exerça essa prorrogativa no prazo de 30 dias contados a partir da comunicação ou notificação considerada insuficiente, tal vício fica sanado e convola-se em mera irregularidade sem efeitos anulatórios, por aceitação do ato tal como foi praticado. Neste sentido, cfr. Ac. STA de 13-10-2010, processo nº 0493/10, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual “Se o interessado for incompletamente notificado, pode requerer a notificação dos requisitos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha dentro do prazo ali fixado. Usando dessa faculdade, o prazo para reagir (graciosa ou contenciosamente) contra o acto tributário conta -se a partir da notificação dos requisitos que haviam sido omitidos ou da passagem de certidão que os contenha. Se nada requerer, a aludida insuficiência perde relevância para afastar os efeitos normais da notificação já efectuada ”.
No caso, não consta dos autos que a agora Impugnante se mostrasse inconformada com a notificação efetuada, e que tivesse usado a faculdade prevista no artigo 37º do CPPT.
E teve oportunidade de se pronunciar sobre os factos descritos no Relatório, incluindo quanto aos trechos transcritos de outros Relatórios ali aludidos.
Pelo que não se reconhece o vício invocado.
Além disso, crê-se que num caso como os dos autos a AT não estava obrigada a notificar o teor integral dos Relatórios a que aludiu no Projeto de Relatório notificado. Nem o deveria fazer, se ali constassem elementos relativos a entidades terceiras ou que não tivessem qualquer relação com o caso dos autos.
Além disso, crê-se que a agora Impugnante não teria direito a exercer o contraditório com o objetivo de, como diz ser sua intenção (artigo 24º p.i.) “verificar e apurar nos Relatórios dos emitentes, se a Autoridade Tributária e Aduaneira na área dos emitentes teria aceite e considerado como proveitos as facturas em causa, facturas essas que agora alega serem falsas”. De facto, a agora Impugnante não tem interesse nem legitimidade processual para contestar os efeitos das inspeções a terceiros produzidos ou não produzidos na esfera jurídica desses sujeitos passivos.
Pelo que, com tal finalidade, não deveria haver lugar a qualquer “direito ao contraditório”.
Assim, improcede o vício sob análise”.

A Recorrente discorda porque, segundo defende, o disposto no artº. 37º do CPPT concede ao “...contribuinte uma faculdade para os casos em que não lhe seja comunicada a fundamentação do acto notificado, ou seja, não permite à Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentar a posteriori um acto que não esteja fundamentado” (Conclusão 19º).

O n.º 1 do art. 37º do CPPT, que tem como epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente” diz o seguinte:
Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

Não é só quando falte a fundamentação legalmente exigida que o interessado pode recorrer à faculdade prevista neste preceito, mas também quando a comunicação da decisão não contenha os outros requisitos exigidos pelas leis tributárias.

É preciso deixar bem claro que o art. 37º estabelece o regime para suprir as deficiências de notificação e não o regime para suprir os vícios dos actos notificados.
Uma coisa são as irregularidades ou vícios próprios do acto notificado que o contribuinte tem o direito de impugnar, outra são as irregularidades da notificação relativas a um acto que contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram enviados na respectiva notificação. Neste caso, só neste caso, impõe-se o recurso ao disposto no art. 37º do CPPT sob pena de o contribuinte perder o direito a ser notificado dos elementos que existem, mas não lhe foram comunicados.

E não se trata nesta última situação, de obter uma fundamentação “a posteriori” (que é ilegal, como se sabe) porque no relatório notificado à Impugnante constam os fundamentos indiciadores de facturação falsa, mas sim de ter acesso ao conteúdo integral dos relatórios efectuados às sociedades emitentes que a Impugnante/Recorrente reputa essencial.

Assim, o caso que a Recorrente configura como omissão de notificação dos relatórios de inspeção efectuados às sociedades emitentes, não é uma questão de fundamentação, nem de preterição do direito ao contraditório, como bem salientou o MMº juiz, mas sim de uma (eventual, digamos) “deficiência de notificação”, por não se fazer acompanhar de todos os elementos que no, seu entender, dela deviam constar – e que até já existiam quando foi feita a inspeção à Impugnante/Recorrente.

Isto, sem embargo de em obediência ao princípio da confidencialidade o sujeito passivo apenas poder ter acesso aos dados sobre a situação tributária de outros sujeito passivos que sejam comprovadamente necessários à fundamentação da reclamação, recurso ou impugnação judicial, desde que expurgados de quaisquer elementos suscetíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito Art. 64º/4 LGT).

Como quer que seja, a verdade é que a Impugnante/Recorrente não usou da faculdade prevista no art. 37º do CPPT no prazo de 30 dias, o que tem como consequência não poder invocar tal “insuficiência”.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 30 de março de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira