Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01097/04.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Vital Lopes
Descritores:REGIME SIMPLIFICADO
COEFICIENTE APLICÁVEL
Sumário:1. A lei prevê dois métodos de determinação do rendimento colectável da categoria B (art.º3.º do CIRS): com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado, ou com base na contabilidade (art.º28.º, n.º1, do CIRS).
2. No regime simplificado de tributação, o rendimento líquido é determinado pela aplicação do coeficiente de 0,20 à venda de bens materiais e de 0,65 aos restantes rendimentos da categoria B [rendimentos empresariais e profissionais] (art.º31,º., n.º2, do CIRS);
3. Sendo de qualificar como prestação de serviços com fornecimento de materiais (art.º1207.º e 1210.º, n.º1, do Cód. Civil) as operações económicas praticadas pelo sujeito passivo, o rendimento líquido resultante da actividade assente nessas operações determina-se pela aplicação do coeficiente de 0,65 ao valor global das operações, ainda quando o sujeito passivo orçamente e facture separadamente ao cliente o fornecimento dos materiais e da mão-de-obra;
4. Os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real (art.º104.º da CRP) não saem violados perante a constatação de que a aplicação dos coeficientes previstos na lei introduz, em concreto, distorções muito significativas nos resultados, pois o regime simplificado pode ser afastado por opção expressa dos contribuintes pelo regime de contabilidade organizada (art.º28.º, n.º4, do CIRS).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:R...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por R… contra a liquidação de IRS n.º5514173953, relativa ao exercício de 2002, com imposto a pagar de 4.961,26€ e Juros Compensatórios de 69,60€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.127).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
a) Incide o presente recurso sobre a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2002 e correspondentes juros compensatórios, apurada em acção inspectiva e com base na qual foram detectadas irregularidades que determinaram a realização de correcções de natureza meramente aritmética da matéria tributável;
b) O Tribunal a quo alicerçou a procedência da presente impugnação no facto de estarmos perante errónea quantificação do rendimento tributável, que determina a anulação do acto tributário, do que discordamos;
c) As correcções meramente aritméticas levadas a efeito pela AT prendem-se com a consideração de que parte das receitas declaradas pelo Impugnante (mormente as referentes às vendas de mercadorias) constitui rendimento de prestações de serviços, a que se aplica o coeficiente de 0,65, pelo que, nesta sequência, procedeu à alteração do rendimento líquido declarado pelo impugnante;
d) Atente-se que, no anexo B da declaração de rendimentos modelo 3 referente ao ano de 2002, o impugnante, relativamente ao seu volume de negócios total (€186.717,12), declarou parte como venda de mercadorias (€146.865,01) e a parte restante como prestação de serviços (€39.852,11), a que correspondem, respectivamente, a aplicação dos coeficientes de 0,20 e 0,65, para determinação do rendimento colectável;
e) Ora, o impugnante, à data dos factos, encontrava-se colectado pela actividade principal de compra e venda de bens imobiliário (CAE 70120, exercendo também a actividade de construção civil, na modalidade de empreitadas, com aplicação de materiais, nunca tendo procedido à alteração da actividade exercida no sentido de se registar para o exercício de uma actividade de venda de material, nem tão pouco estava registado, em simultâneo, para a realização das duas actividades - uma de prestação de serviços e outra de venda de material;
f) No caso dos autos, não estamos claramente perante actividade de transmissão de bens, concretizada na transferência onerosa de materiais, mas de prestação de serviços relacionados com a construção civil, ainda que com incorporação de material, o que em nada retira o carácter de prestação de serviços à actividade exercida, conforme decorre do CIVA, art.º 4.º, n.º 2, alínea c) e n.º 6 e art.º 3.º n.º 1;
g) A incorporação de material não pode ser encarada de forma autónoma para efeitos de aplicação dos coeficientes do regime simplificado e do desempenho da actividade do impugnante, uma vez que esses materiais apenas são acessórios em relação à obra a executar;
h) A douta decisão judicial, salvo melhor entendimento, incorreu em erro, pois que, para poder operar-se a tributação nos termos aí definidos, pressupunha que o impugnante estivesse inscrito/colectado pelas duas actividades – uma de prestação de serviços e outra de venda de material a terceiros, o que não sucede no caso dos autos.
i) Não se pode descurar que, relativamente à actividade de construção civil, o impugnante apenas realiza obras (prestação de serviços), para as quais compra material para nelas ser utilizado, mas sem que tal facto transforme esses materiais em vendas de mercadorias, até porque tal qualificação não tem suporte legal, considerando que o impugnante não desempenhava uma qualquer actividade de venda de materiais, considerando que o impugnante não desempenhava uma qualquer actividade de venda de materiais;
j) Assim, os proveitos obtidos pelo impugnante, derivados do desenvolvimento da sua actividade de construção civil, devem qualificar-se como prestação de serviços, pelo que, aos rendimentos obtidos corrigidos, no valor de €32.141,19, tributados pelo regime simplificado, deve, nos termos do art.º 31.º do CIRS, ser aplicado o coeficiente de 0,65;
k) Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos art.º 31.º do CIRS e art.º 3.º e 4.º, ambos do CIVA.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente, por não provado, o vício imputado à liquidação impugnada, com as legais consequências».

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu douto parecer concluindo pela procedência do recurso e improcedência da impugnação judicial.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC), a questão central que importa resolver reconduz-se a indagar se, como entendeu a sentença, a AT errou nos pressupostos de facto e de direito ao considerar a totalidade dos rendimentos declarados do impugnante, enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento tributável, como rendimentos de prestações de serviços para efeitos de determinação do coeficiente aplicável nos termos do n.º2 do art.º31.º do CIRS.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Deixou-se consignado na sentença recorrida em sede factual:

3.1. Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:
1. O Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, de âmbito parcial (IRS e IVA) que incidiu sobre os anos de 2001 e 2002.
2. No âmbito da referida ação inspetiva, em 30.09.2003, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, constante de fls. 39 a 41 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
“[…]
S.P.A.
NOME: R…
ACTIVIDADE PRINCIPAL: COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS
CAE: 70 120
IRS
É sujeito passivo de IRS, colectado no 1.º Serviço de Finanças de Viseu – 2720 VISEU-
1, pela actividade de construção Civil, desde 1981. No ano de 2002, para além da construção para venda, também prestou serviços relacionados com a construção civil.
Não possui contabilidade organizada e, relativamente aos anos de 2001 e 2002 encontra-se no Regime Simplificado.
No início da presente acção, o s.p. não tinha declarações de rendimentos m/3 em falta.
[…]
S.P.B.
NOME: M…
ACTIVIDADE PRINCIPAL: CONFECÇÃO DE ARTIGOS DE VESTUÁRIO
CAE: 18 240
IRS
É sujeito passivo de IRS, colectado no 1.º Serviço de Finanças de Viseu – 2720 VISEU-
1, pela confecção de artigos de vestuário, mais concretamente o fabrico de batas e aventais. Estes artigos são vendidos posteriormente na feira semanal de Viseu, na sua maioria a revendedores e alguns a consumidores finais.
A actividade é desenvolvida pelo próprio s.p. e é exercida na morada fiscal do s.p., dado o reduzido volume de negócios.
Não possui contabilidade organizada e, relativamente ao ano de 2002 encontra -se no Regime Simplificado.
No início da presente acção, o s.p. não tinha declarações de rendimentos m/3 em falta.
[…]
III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1) IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES – CATEGORIA B
S.P.A – R…
Nos quadros seguintes encontram-se os valores declarados pelo s.p. relativamente aos rendimentos comerciais:
EUROS
REGIME SIMPLIFICADO - 2001 RECEITAS % RENDIMENTO LÍQUIDO
VENDAS MERCADORIAS E PRODUTOS 104.747,56 20 20.949,51
OUTRAS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS E OUTROS RENDIMENTOS 577,46 65 375,35
RESULTADO APURADO 105.325,0221.324,86

REGIME SIMPLIFICADO – 2002 RECEITAS% RENDIMENTO LÍQUIDO
VENDAS MERCADORIAS E PRODUTOS 146.865,01 20 29.373,00
OUTRAS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS E OUTROS RENDIMENTOS 39.852,11 65 25.903,87
RESULTADO APURADO 186.717,12 55.276,87
Consultados os elementos de escrita, nomeadamente os documentos de suporte aos proveitos, concluiu-se que o s.p. emitiu Facturas e registou-as, nos montantes globais de seguida indicados (valores s/IVA):
2001 - € 105.325,02;
Daquele valor, € 104.747,56 respeita à venda de uma moradia sita à Quinta…, em Braveses, conforme escritura cuja cópia constitui o Anexo =!, que foi correctamente inscrito no campo 12 do quadro 04 da modelo 3 do ano de 2001 – VENDAS DE MERCADORIAS E PRODUTOS.
2002 - € 186.717,12;
Após verificação dos documentos de suporte, conclui-se que:
- dos proveitos declarados em vendas de mercadorias e produtos (€ 146.865,01), €114.723,52 respeitam à venda de uma moradia, sito no mesmo loteamento que a referida no ponto anterior (Anexo 02); os restantes €32.141,49 respeitam a serviços prestados de construção civil, cm e sem aplicação de material. Como o s.p. considerou este último valor em vendas mercadorias infringiu o disposto no Artigo 31º do CIRS. Como tal, verifica-se uma correcção ao rendimento líquido €14.463,67, relativamente ao ano de 2002, conforme quadro seguinte:
2002 EUROS
RECEITAS
RENDIMENTO LÍQUIDO
DESCRIÇÃO DECLARADO CORRIGIDO CORRECÇÃO DECLARADO CORRIGIDO CORRECÇÃO
VENDAS MERCADORIAS 0,20 146.865,01 114.723,52 -32.141,49 29.373,00 22.944,70 -6.428,30
SERVIÇOS PRESTADOS 0,65 39.852,11 71.993,60 32.141,49 25.795,87 46.795,84 20.891,67
RENDIMENTO LÍQUIDO 186.717,12 186.717,12 0,00 14.463,37
[…]
IV REGULARIZAÇÕES EFECTUADAS PELO S.P. NO DECURSO DA ACÇÃO INSPECTIVA
VI. 1) IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES –
CATEGORIA B
S.P.A.
O S.P. procedeu à regularização das situações descritas no capítulo III.
Pata tal procedeu à entrega da declaração de substituição da m/3, relativa ao ano de 2002, conforme fotocópias que constituem os Anexo 03.
[…]”
[cfr. fls. 36 a 41 do processo administrativo apenso].
3. As correções à matéria tributável propostas no Relatório de Inspeção Tributária foram sancionadas superiormente. – cfr. fls. 36 do processo administrativo apenso.
4. Pela Administração Tributária foi emitida liquidação de IRS liquidação n.º 2003 5514173953, referente ao ano de 2002, no montante global de 5.030,86 €, com o seguinte teor.
- imagem omissa -
[cfr. doc. 1 anexo com a petição inicial].
5. O Impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação, que foi autuada sob o n.º 2720-04/400088. – cfr. fls. 1 do processo de reclamação graciosa apenso.
6. Por despacho do Sr. Diretor de Finanças de Viseu, por delegação, datado de 23.07.2004, foi a reclamação totalmente indeferida – cfr. fls. 71 do processo de reclamação graciosa apenso.
7. Em 25.08.2004 o Impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão referida no ponto anterior. – cfr. fls. 2 do processo de recurso hierárquico apenso.
8. Por despacho datado de 01.10.2004, a Sra. Diretora de Serviços de IRS negou provimento ao recurso hierárquico.
9. Constam dos autos, mais concretamente, de fls. 38 a 45, cópias das faturas n.ºs 3 a 9 e da nota de crédito n.º 1, emitidas pelo Impugnante no ano de 2002, cujo teor se tem por reproduzido.
10. Constam dos autos, mais concretamente, de fls. 54 a 72 cópias do “Livro de Registo de Compras de Matérias-primas, Subsidiárias e de Consumo”, “Listagem de Lançamentos” e “Ligação à Contabilidade”. - cujo teor se tem por reproduzido.
3.2. Factos não provados:
Para além dos factos elencados supra, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tudo conforme se encontra discriminado em cada um dos pontos do probatório».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Como decorre dos autos e do probatório e a sentença refere, o impugnante encontrava-se colectado pela actividade principal de “Compra e Venda de Bens Imobiliários” (CAE 70.120), encontrando-se enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento tributável de IRS.

No anexo B da declaração de rendimentos mod.3 referente ao ano de 2002, o impugnante declarou parte do volume de negócios como venda de mercadorias [146.865,01€] e a restante parte como prestação de serviços [39.852,11€].
A Administração tributária procedeu a uma correcção ao rendimento líquido no montante de 14.463,67€, considerando que apenas 114.723,52€ dos 146.865,01€ declarados diziam respeito a venda de mercadorias e os restantes 32.141,49€ a serviços prestados, sujeitos para efeitos de determinação do rendimento tributável ao coeficiente agravado de 0,65.

A sentença já se vê, não sufragou o entendimento da AT antes concluiu, no sentido propugnado pelo impugnante, de que ele exerce actividade de venda de materiais e a actividade de prestação de serviços, que até factura separadamente, pelo que, nessa medida e posto que se trata de um sujeito passivo enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento tributável, o rendimento tributável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor facturado e declarado das vendas de mercadorias [146.865,01€] e do coeficiente de 0,65 ao valor facturado e declarado da prestação de serviços [39.852,11€] no período em causa de 2002 (cf. facturas juntas à p.i., como doc.5, a fls.38 a 45 dos autos). Vejamos.

A lei prevê dois métodos de determinação do rendimento colectável da categoria B (art.º3.º do CIRS): com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado, ou com base na contabilidade (art.º28.º, n.º1, do CIRS).

Dispõe o n.º2 do art.º28.º do CIRS que, “ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua actividade, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: €149.739,37;
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: €99.759,58”.

Trata-se, pois, o regime simplificado do regime regra de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos relativamente aos quais se verifiquem os pressupostos previstos naquele preceito.

No entanto, a sua aplicação automática (ex lege) pode ser afastada por opção do sujeito passivo titular dos rendimentos, exercida nos termos previstos no n.º4 do art.º28.º, do CIRS.

Dispõe o n.º1 do art.º31.º do CIRS que no regime simplificado de tributação “a determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores de actividade económica”.

E o n.º2 do mesmo artigo preceitua: “Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento tributável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,65 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção, com o montante mínimo igual a €3.125”.

Os rendimentos provenientes da categoria B – “Rendimentos empresariais e profissionais” – estão previstos no art.º3.º, nºs 1 e 2, do CIRS.

No n.º2 do art.º89.º da Lei Geral Tributária prevê-se que sejam anualmente definidos indicadores objectivos de base técnico-científica da rentabilidade ou margens de lucro da actividade económica. No entanto, tais indicadores objectivos não têm sido aprovados, aplicando-se na sua falta, à determinação dos rendimentos tributáveis no regime simplificado, os coeficientes indicados naquele n.º2 do art.º31.º do CIRS (ou 53.º, n.º4, do CIRC).

Pretende o impugnante que ao valor facturado das vendas de mercadorias e produtos (ou venda de materiais), deve ser aplicado o coeficiente de 0,20 e ao valor facturado separadamente das prestações de serviço (restantes rendimentos da categoria), o coeficiente de 0,65, nos termos daquele n.º2 do art.º31.º do CIRS.

A Recorrente, expressando a posição da AT, entende que a actividade para a qual o impugnante se encontra colectado é a de compra e venda de bens imobiliários (CAE 70120) exercendo acessoriamente a actividade de construção civil na modalidade de empreitadas com aplicação de materiais, nunca tendo procedido à alteração da actividade exercida no sentido de se registar para o exercício de uma actividade de venda de material, nem tão pouco estava registado, em simultâneo, para a realização de duas actividades – uma de prestação de serviços e outra de venda de material, não se estando claramente perante uma actividade de transmissão de bens, mas de prestação de serviços com incorporação de materiais.

Todavia, da circunstância de o impugnante se encontrar colectado por uma actividade económica de prestação de serviços, não decorre necessariamente que não pratique também, ou até principalmente ou exclusivamente, actividade de venda de materiais e de produtos. E sendo tal o caso, ao valor dessa actividade empresarial deve ser aplicado o coeficiente de 0,20 na determinação do rendimento tributável.

Tudo está, pois, em saber se do ponto de vista jurídico, ou da substância económica, se podem caracterizar as operações económicas que o impugnante factura como “fornecimentos de materiais” como de verdadeira venda de mercadorias e de produtos se tratassem, devendo ser aplicado ao respectivo valor o coeficiente de 0,20 na determinação do rendimento tributável em IRS.

Entendemos que não, realçando-se que questão idêntica à dos autos já foi tratada no acórdão deste TCAN, de 14/07/2016, proferido no proc.º01505/04.0BEVIS, em que foi relator o mesmo deste e cuja linha decisória seguiremos.

Afirma o impugnante em várias intervenções ao longo do processo e também na petição inicial que no desenvolvimento da sua actividade de construção civil na modalidade de empreitadas aplica materiais e mão-de-obra e que quando efectua uma determinada obra aplica materiais previamente adquiridos e discrimina nas facturas que emite ao cliente o montante dos serviços prestados e dos materiais aplicados.

Ora, isso não consubstancia uma operação típica de compra e venda que tem como objecto essencial a transmissão de bens, ou seja, a transferência da propriedade das mercadorias e produtos para o comprador cujo principal, se não único interesse, é o da sua aquisição, embora podendo implicar por parte do fornecedor uma qualquer actividade acessória com relação ao bem fornecido, nomeadamente de instalação ou montagem – cf. art.º874.º, do Código Civil.

Como está bem de ver, se alguém contrata a pintura geral de uma moradia com fornecimento das tintas, não é pelo facto de o pintor facturar separadamente a execução do serviço de pintura e a tinta empregue nessa execução que pode dizer-se que ele praticou uma operação de venda de tintas ao cliente e uma outra de prestação de serviços de pintura.

Em situações como essa, a que se reconduz a dos autos, está-se perante uma típica prestação de serviços com fornecimento dos materiais necessários à sua execução.

De acordo com o disposto no art.º1154.º do Código Civil, «Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

O contrato de prestação de serviços pode apresentar diferentes modalidades, sendo uma delas o contrato de empreitada, «…pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço» – art.º1207.º do Código Civil.
Dispõe o n.º1 do art.º1210.º do Código Civil que no contrato de empreitada «os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção em contrário».

Assim, o contrato de empreitada, diferentemente do de compra e venda, tem como elemento essencial a realização de uma obra, mediante um preço.

As operações que os autos revelam são de qualificar como típicas prestações de serviços em que o impugnante no desenvolvimento da sua actividade ajusta com o cliente trabalhos de acabamentos ou outros de construção civil, aceitando realizá-los com aplicação de materiais e mão-de-obra por si fornecidos, que factura separadamente. Mas o facto de o fazer não descaracteriza juridicamente as operações, nem a substância económica da actividade assente em tais operações, como verdadeiras prestações de serviços e não vendas de bens materiais.

É certo que a presunção implícita de que os custos da actividade de prestação de serviços representam apenas 35% (e não 80% como no caso da venda de mercadorias e de produtos) dos proveitos ou da receita, pode não ter aderência à realidade, nem reflectir a capacidade contributiva do sujeito passivo.

No entanto, é bom lembrar que no regime simplificado de tributação a AT preocupa-se unicamente com as operações activas (geradoras dos proveitos da actividade – cf. art.º20.º do CIRC e 3.º e 32.º do CIRS), já que os custos imputáveis a tais operações são presumidos nas percentagens de 80% para a actividade de venda de mercadorias e de produtos e de 35% para a actividade de prestação de serviços.

Nem venha o impugnante esgrimir com razões de ordem constitucional decorrentes da violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real (art.º104.º da CRP).

Na verdade, o regime simplificado não é legalmente imposto ao sujeito passivo com determinado volume de receita (art.º28.º, n.º2, do CIRS), apenas se aplica automaticamente a esses contribuintes, mas pode ser afastado por opção expressa desses contribuintes pelo regime de contabilidade organizada (art.º28.º, n.º4 do CIRS).

E isso é assim exactamente porque o coeficiente aplicável à actividade de prestação de serviços pode conduzir, em concreto, a distorções muito significativas nos resultados, a recomendar a opção pelo regime de contabilidade organizada (como alegadamente será o caso do impugnante em que o valor relativo dos materiais fornecidos para a execução das obras é muito significativo), embora com perda das vantagens associadas ao regime simplificado ao nível das obrigações acessórias (cf. artigos 31.º, n.º2 da LGT, 32.º do CIRS e 115.º e 116.º do CIRC).

A sentença incorreu pois em erro de julgamento ao qualificar como venda de bens os materiais fornecidos pelo impugnante aos clientes para realização das obras que efectua e por ele facturados a esses clientes separadamente do fornecimento de mão-de-obra (cf. ponto 9 dos factos assentes), uma vez que em causa estão típicas prestações de serviços com fornecimento dos materiais necessários à realização da obra, operações económicas a que se aplica o coeficiente de 0,65 na determinação do rendimento tributável, ou seja, uma presunção implícita de que os custos associados a essas operações representam 35% da receita (e não 80% como no caso das vendas de bens materiais), não podendo manter-se na ordem jurídica.

O recurso merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.
Custas a cargo do Recorrido em 1.ª instância.

Porto, 16 de Março de 2017.
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro