Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02335/13.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/20/2022
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO VERSUS GERÊNCIA DE DIREITO,
ACTO ISOLADO, CASO JULGADO,
FACTOS ESSENCIAIS NÃO ALEGADOS
Sumário:I - A excepção do caso julgado implica verificação da tripla identidade do pedido, da causa de pedir e das partes, no que respeita a certa questão. Não existe esta identidade quando as dívidas em execução objecto de oposição são distintas.
II - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
III - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
IV - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
V – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
VI - De acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária em momento concreto, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade, principalmente em concatenação com outros factos apurados que revelam o seu alheamento da gestão e representação da mesma.
VII – Não consubstancia o exercício da gerência a prática pelo Oponente, gerente inscrito e também sócio, de actos esporádicos visando unicamente a protecção do interesse social e prevenir a delapidação do património social por outros gerentes, ainda que só de facto.
VIII - O tribunal só deve realizar ou ordenar oficiosamente diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente a factos que tenham sido alegados ou que sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Fazenda Publica
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução Fiscal - Oposição - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Desp. 11/2016]
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do ..., proferida em 29/04/2017, que julgou procedente a oposição deduzida por AA, contribuinte fiscal n.º 10...128, na qualidade de revertido, contra o processo de execução fiscal n.º 34...869 e apensos, instaurado primitivamente contra a sociedade “F..., Lda.”, NIPC: 50...152, pelo Serviço de Finanças de , por dívidas relativas a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros de mora dos meses de Fevereiro a Maio de 2012, Retenções na Fonte de Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) dos meses de Março a Maio de 2012 e Coimas Fiscais fixadas em 2012, no montante total de €189.256,64 e acrescidos.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A douta sentença recorrida julgou procedente a oposição deduzida por AA, NIF 10...128, contra o processo de execução fiscal (PEF) nº 34...869 e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de (OEF, doravante) para cobrança coerciva de dívidas de IVA dos períodos 2012/02 a 2012/05, IRS (retenção na fonte) dos meses de Março a Maio de 2012 e Coimas Fiscais fixadas em 2012, devidas pela sociedade “F..., LDA. – Comércio e Representações, Lda”, NIPC ... (adiante, F..., Lda.), na quantia exequenda de € 189 256,64.
B. Das questões que identifica como causa de pedir da oposição, a douta sentença recorrida aprecia a alegada i) incompetência territorial do Tribunal, ii) violação do exercício do direito de audição, iii) falta de fundamentação do despacho de reversão, iv) ilegitimidade do oponente por não exercício da gerência da devedora originária, e v) ausência de culpa pela falta de pagamento da dívida exequenda.
C. A Douta sentença ora recorrida decidiu pela ilegitimidade do oponente por não se encontrar preenchido um dos pressupostos para a efectivação da responsabilidade subsidiária, a saber, “falta de elementos demonstrativos que permitam a este Tribunal asseverar que o aqui Oponente geriu de facto a devedora originária”.
D. Fundamenta a sua decisão, referindo que “… o único documento em que se sustenta o órgão de execução fiscal, não é de todo idóneo para se extrair a conclusão de que o aqui Oponente, tenha exercido de facto a gerência da sociedade executada originária, …
E. Com base nesta fundamentação, o Tribunal a quo decidiu pela procedência da presente oposição, extinguindo a execução fiscal contra o aqui oponente.
F. Neste contexto, e com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto não foi correctamente valorada a prova documental e testemunhal produzida, mormente atentando no teor da prova que não foi tida em conta pelo Tribunal a quo, e que se pretende que seja adicionada à factualidade dada como provada em resultado do presente recurso, que a seguir se explanará e requererá.
G. Desde logo, o Tribunal a quo, não atendeu a outros factos constantes dos depoimentos das testemunhas inquiridas, relevantes para comprovar o efectivo exercício da gerência por parte do oponente, e que testemunham que o documento dirigido à entidade bancária assinado pelo oponente na qualidade de sócio-gerente, com direito especial à gerência, não redunda num “mero ato isolado”, quais sejam, a assinatura de cheques por parte do oponente, cfr. depoimento da 2ª testemunha, a intervenção do oponente em, pelo menos, um contrato estabelecido com a “S..., S.A.”, em representação da devedora originária, cfr. depoimento da 1ª testemunha, factos que aqui se requer que sejam dados como provados ao abrigo dos poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662º do Código de Processo Civil (CPC).
H. Efectivamente, perscrutada a inquirição de testemunhas efectuada nos presentes autos, verifica-se que ao minuto 21,43 da gravação da audiência contraditória, é referido pela primeira testemunha, BB, funcionária da “F..., Lda.”, que pelo menos no contrato celebrado com a “S..., S.A.”, constava a assinatura do aqui oponente, como gerente da devedora originária.
I. Já, a segunda testemunha, CC, também funcionária da “F..., Lda.”, questionada sobre quem assinava os cheques da empresa, ao minuto 42,04 referiu “chegou a ver pelo Sr. AA, um ou dois cheques…”, afirmação que voltou a referir ao minuto 48,25 da audição.
J. Acresce ainda que, ambas as testemunhas referiram que o aqui oponente deslocava-se à empresa pelo menos uma vez por mês e que, reunia com o Sr. DD, (minuto 20,37 – 1ª testemunha; minuto 46,19 – 2ª testemunha) desconhecendo o teor das suas conversas.
K. Quanto ao depoimento da quarta testemunha arrolada, o mesmo não revela uma razão de ciência segura, ampla e directa sobre factos essenciais à decisão do processo, porque nunca teve contacto pessoal com a efectiva gestão da empresa, pois revela desconhecimento dos actos e documentos que passavam pela gestão da “F..., Lda.”, pois, como o próprio refere ao minuto 1.31,09 da gravação, referindo-se ao aqui oponente, “sei o que ele me dizia”.
L. Do exposto, apenas pode resultar interpretação distinta da efectuada pelo Tribunal a quo.
M. Para além das outras circunstâncias demonstradas pelo OEF de que o oponente era um dos gerentes, resulta da prova testemunhal que, ainda que na parte relacionada com os funcionários estivesse como responsável o Sr. DD, referido pelas testemunhas inquiridas, e pudesse ser até o principal gerente de facto, apesar de ter renunciado formalmente à gerência, as declarações prestadas e supra descritas, demonstram, sem lugar a dúvida, que em maior ou menor grau ou importância o oponente exerceu a gerência, redundando numa repartição de tarefas entre os gerentes, que conjuntamente, segundo a sua melhor apetência geriam a sociedade originária.
N. A apreciação e valoração do desempenho probatório efectivado em qualquer processo jurisdicional, não pode deixar de pautar-se por uma visão de conjunto e consubstanciar-se num exame que atente e proceda a concatenação crítica de todos os elementos disponíveis, em ordem a, estabelecendo um quadro lógico e coerente, lograr obter a verdade dos factos.
O. Existindo nos autos elementos que permitam aferir da gerência efectiva, estes têm que ser valorados pelo juiz, ainda que não tenham sido carreados pela Administração Tributária (AT), pois, todas as provas constantes dos autos têm que ser valoradas e tidas em consideração, não podendo escudar-se a sentença, em que a prova não foi feita pela AT (art. 515º do CPC), para assim decidir contra esta.
P. Como resulta do ponto 6 do sumário do Acórdão do TCA Sul de 12/01/2010 no proc. 03687/09, “6. Esta conclusão é assumida não obstante, ao invés do sentido da pronúncia supra emitida, a AT, nesta sede, processualmente representada pela Fazenda Pública, não haver comprovado, mesmo que sumariamente, factos idóneos a demonstrar a verificação perfunctória de requisitos essenciais, positivados no art. 24.º LGT, porquanto funciona, aqui, a determinação do art. 515.º CPC, no sentido de que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las”. Trata-se do princípio da aquisição processual, segundo o qual, “só interessa saber o que está provado, e não quem o provou”
Q. Tal como se pugnou na contestação da Fazenda Pública, e tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.
R. Na Instituição da obrigação de responsabilidade, o legislador fiscal limita-se a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, quando a gerência é exercida por vários gerentes, estando quanto a esse aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade.
S. E é essa a factualidade que decorre dos autos.
T. Ao assinar os documentos e meios de pagamento referidos pelas testemunhas inquiridas, o oponente, de forma voluntária e consciente, exteriorizava, por essa via, a vontade da sociedade, vinculando-a, com a sua assinatura perante terceiros, desse modo praticando, mesmo que de forma restrita, actos próprios de gerência efectiva da executada originária.
U. Face às provas que constam dos autos, não se encontrava o oponente alheado dos desígnios da sociedade e da sua gestão, como considerou o Tribunal a quo.
V. Tal como doutrinado no douto Acórdão do TCA Sul de 06.10.2009, proc. n.º 0336/09: “VII) -Provando-se que o Oponente foi nomeado gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, tem-se por verificada a gerência de facto não obstante se admita que todos os demais actos típicos de gerência eram praticados por terceira pessoa.”
W. É certo que quando a AT pretenda activar a responsabilidade subsidiária de um gerente tem, no respeito pelas regras de repartição do ónus da prova, de provar os factos que legitimam tal exigência, isto é, comprovada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função.
X. E essa prova a AT logrou fazer.
Y. Contudo, não obstante o sentido desta exigência, é, também, acertado entender, e a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores assim também o tem entendido, que tal efectivo exercício da gerência pode, pelo juiz, ser inferido do conjunto da prova produzida e/ou omitida, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, levando a que nos presentes autos, face à prova documental constante dos autos e testemunhal produzida em sede de audiência contraditória, se possa concluir que o oponente não se encontrava alheado dos desígnios da sociedade e da sua gestão, como concluiu o Tribunal a quo.
Z. Acresce ainda que, o aqui oponente foi nomeado gerente da devedora originária em 2011/07/22, sendo-lhe atribuído um direito especial à gerência, aliás como o próprio assume na PI e na comunicação dirigida ao BANIF, que consta dos factos dados como provados.
AA. Segundo o nº 3 do art. 257º do Código das Sociedades Comerciais, “A cláusula do contrato de sociedade que atribui a um sócio um direito especial à gerência não pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio”.
BB. Os direitos especiais à gerência são, de acordo com COUTINHO DE ABREU, também designados de direitos preferentes, prioritários ou privilegiados, “os direitos atribuídos no contrato de sociedade a certo(s) sócio(s) ou a sócios titulares de ações de certa categoria, conferindo-lhe(s) uma posição privilegiada que não pode em princípio ser suprimida ou limitada sem o consentimento dos respetivos titulares” ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso de Direito Comercial, vol. II – Das Sociedades, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, p. 211.
CC. Posto isto, tendo sido atribuído ao oponente, um direito especial à gerência, e, conforme alega na PI e depoimento das testemunhas inquiridas, esse direito estava a ser limitado ou suprimido, já que, não lhe era facultada informação sobre a situação da empresa, mais não restava ao oponente que a renúncia à gerência da devedora originária, o que não ocorreu, tendo o próprio oponente referido em sede de direito de audição, que não iria renunciar à gerência para poder acompanhar a evolução da devedora originária.
DD. A assinatura de cheques ou outros documentos necessários à actividade da sociedade, em representação desta, constitui a prática de actos que objectivamente induzem qualquer declaratário normal a identificar o oponente como (também) gerente da sociedade inicialmente executada (nesse sentido o ac. do TCA Norte de 06.07.2006, proc. nº 00129/98, citando a sentença recorrida no processo em que este acórdão foi prolatado).
EE. E, se o fez, porque o pacto da sociedade assim o obrigava, é porque essa parte da gerência efectiva, de vinculação perante terceiros, pertencia ao oponente, competindo-lhe a assinatura dos cheques e papéis que fossem necessários.
FF. A responsabilidade subsidiária resulta da lei de modo indiferenciado quanto ao concreto modo em que se revela o exercício da gerência, donde não se vê que tenha apoio legal parcelarizar ou menorizar a gerência exercida por um gerente (nominal e de facto) em relação a outro (meramente de facto), mesmo que com base em divisão de funções formalizada no pacto social ou em acordo exterior a esse contrato, situação que será até usual, mas sem influência na responsabilização tributária subsidiária.
GG. É que, detendo a gerência nominal, e sendo necessária a sua intervenção concreta em actos societários praticados perante terceiros, para vinculação desta, o oponente tinha a possibilidade de indagar da finalidade dos mesmos, sempre que entendesse, até pelos deveres de gestão cuidada e criteriosa que lhe impendiam (note-se que, conforme art.º 11.º dos factos dados como provados, o oponente era administrador de outras empresas).
HH. A assinatura do oponente nos cheques e outros documentos, não se reduziam, não se podiam reduzir a meros actos formais, sem qualquer valia substancial para a responsabilização do gerente aqui oponente, em especial no plano tributário, que é o que está em causa.
II. Contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença recorrida e com o devido respeito por melhor opinião, entende a Fazenda Pública que a comunicação efectuada pelo oponente ao BANIF, única instituição bancária onde a F..., Lda. detinha conta bancária, é suficientemente idónea para demonstrar a gerência efectiva do aqui oponente na sociedade devedora originária, no período a que se referem as dívidas, e, que a falta de pagamento lhe é imputável.
JJ. De notar que, as dívidas em causa nos autos reportam-se ao ano de 2012 e o termo do prazo de pagamento é posterior à data da referida comunicação, que ocorreu em 2012/02/27, (cfr. Ponto 12º da PI).
KK. Assim sendo, com o pedido do oponente de anulação das senhas de acesso às contas, bem como, o cancelamento de transferências e dos cartões de crédito, só mesmo o próprio oponente é que poderia movimentar as contas da F..., Lda. e efectuar os pagamentos em nome da mesma, o que equivale a dizer que, mesmo que lhe tivesse sido vedada, anteriormente, qualquer informação sobre a situação da F..., Lda., o que não se concebe, na data a que se reportam as dívidas em causa nos autos, era o oponente, o sócio - gerente responsável pelo pagamento dessas dívidas ao Estado.
LL. Termos em que, se considera cabalmente demonstrado o exercício de facto da gerência por parte do oponente, sendo certo que esta prova documental, apesar de ser relevante para a boa decisão da causa, não foi devidamente valorada.
MM. E, não resultando provado nos autos, que a falta de pagamento dos impostos aqui em causa não é imputável ao oponente, sendo certo que esta prova lhe incumbia, antes pelo contrário, resulta provado que o oponente podia dispor dos meios de pagamento para fazer a satisfação dos créditos do Estado.
NN. A sentença recorrida decidiu, então, incoerentemente ou mesmo contra os factos que resultam apurados no processo, nos termos expostos, incorrendo em erro de julgamento de facto.
OO. Assim, tendo o ora oponente praticado actos de gestão que se consubstanciaram na exteriorização da vontade da sociedade nos seus negócios jurídicos, não pode o oponente deixar de ser responsável pelas dívidas fiscais, e enquanto tal, parte legítima para a execução.
PP. Nesta medida, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, devendo ser revogada com as legais consequências.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”
****
O Recorrido não apresentou contra-alegações.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
****
Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir pela ilegitimidade do Oponente, atendendo a que a Fazenda Pública não fez prova do exercício efectivo da gerência da sociedade executada, enquanto pressuposto da responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias da sociedade devedora originária.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considero provados os seguintes factos:
1. Nos termos em que se mostra registado na 1.ª Conservatória do Registo Comercial do ... – 1ª Secção, em 22/07/2011, foram nomeados gerentes da sociedade “F..., Lda.”, NIPC: 50...152, dois dos seus cinco sócios, AA, aqui Oponente, e DD, obrigando-se a sociedade, como dali consta, com a intervenção dos dois gerentes - cfr. certidão permanente datada de 05/11/2012, constante de fls. 88 a 99 do processo físico;
2. Nos termos do que ainda se mostra registado na 1.ª Conservatória do Registo Comercial do ..., em 29/03/2012, foram nomeados gerentes da sociedade em que se alude em 1), três dos cinco sócios, o aqui Oponente, DD e DD, obrigando-se a sociedade, como dali consta, “Pela assinatura de dois dos gerentes nomeados DD e AA, a quem é atribuído, a cada um deles, o direito especial à gerência, e a DD” - cfr. certidão permanente datada de 05/11/2012, constante de fls. 88 a 99 do processo físico;
3. Em 08/05/2012, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de , o processo de execução fiscal com o n.º 34...869, em que é executada a sociedade “F..., Lda.”, NIPC: 50...152, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...053, emitida em 08/05/2012, relativa a IVA do período de tributação de fevereiro de 2012 (201202), no valor de Eur 18.663,51, com data limite de pagamento voluntário até 10/04/2012 – cfr. certidão de dívida e informação do órgão de execução fiscal de fls. 13 a 21 do processo físico;
4. Ao processo de execução fiscal identificado no ponto que antecede foram apensos os seguintes processos de execução fiscal:
a) n.º 34...022, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...052, emitida em 15/05/2012, relativa a Retenções na Fonte de IRS do ano de 2012, no montante de Eur 7.508,00, com data de pagamento voluntário até 20/04/2012;
b) n.º 34...633, relativo a Coimas do ano de 2012 e outros encargos liquidados em processos de contraordenação (PCO), tendo por base as certidões de dívida emitidas em 20/05/2012, n.º 20...289 (PCO n.º 34...940), no montante de Eur 2.902,19; n.º 20...290 (PCO n.º 34...106), no montante de Eur 3.006,54; n.º 20...311 (PCO n.º 34...835), no montante de Eur 4.581,23; n.º 20...633 (PCO n.º 34...144), no montante de Eur 1.212,81; n.º 20...273 (PCO n.º 34...464), no montante de Eur 4.032,95; n.º 20...274 (PCO n.º 34...063), no montante de Eur 3.505,40; n.º 20...275 (PCO n.º 34...159), no montante de Eur 3.938,63; n.º 20...276 (PCO n.º 34...060), no montante de Eur 4.043,94; n.º 20...277 (PCO n.º 34...337), no montante de Eur 5.141,82; n.º 20...278 (PCO n.º 34...848), no montante de Eur 3.993,23; n.º 20...279 (PCO n.º 34...820), no montante de Eur 3.751,83; n.º 20...280 (PCO n.º 34...630), no montante de Eur 3.844,97; n.º 20...281 (PCO n.º 34...074), no montante de Eur 3.634,65; n.º 20...282 (PCO n.º 34...254), no montante de Eur 3.802,89; n.º 20...283 (PCO n.º 34...513), no montante de Eur 4.143,27; n.º 20...284 (PCO n.º 34...242), no montante de Eur 3.671,40; n.º 20...285 (PCO n.º 34...733), no montante de Eur 4.096,44; n.º 20...286 (PCO n.º 34...097), no montante de Eur 4.892,87; n.º 20...287 (PCO n.º 34...685), no montante de Eur 6.369,69; n.º 20...288 (PCO n.º 34...599), no montante de Eur 4.128,17, todas com data limite de pagamento voluntário até 08/05/2012;
c) n.º 34...270, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...407, emitida em 20/06/2012, relativa a IVA do período de tributação de março de 2012 (201203), no valor de Eur 5.047,30, com data limite de pagamento voluntário até 11/06/2012;
d) n.º 34...079, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...114, emitida em 26/06/2012, relativa a Retenções na Fonte de IRS do ano de 2012, no montante de Eur 6.494,00, com data de pagamento voluntário até 21/05/2012;
e) n.º 34...326, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...291, emitida em 28/06/2012, relativa a IVA do período de tributação de abril de 2012 (201204), no valor de Eur 53.259,57, com data limite de pagamento voluntário até 27/06/2012;
f) n.º 34...903, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...904, emitida em 02/07/2012, relativa a Coima do ano de 2012 e outros encargos liquidados no processo de contra-ordenação n.º 34...915, no valor de Eur 2.254,41, com data limite de pagamento voluntário até 20/06/2012;
g) n.º 34...802, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...991, emitida em 10/07/2012, relativa a Coima do ano de 2012 e outros encargos liquidados no processo de contra-ordenação n.º 34...001, no valor de Eur 1.552,40, com data limite de pagamento voluntário até 28/06/2012;
h) n.º 34...690, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...8286, emitida em 16/07/2012, relativa a Retenções na Fonte de IRS do ano de 2012, no montante de Eur 8.351,00, com data de pagamento voluntário até 20/06/2012;
i) n.º 34...769, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...488, emitida em 25/07/2012, relativa a IVA do período de tributação de maio de 2012 (201205), no valor de Eur 5.498,87, com data limite de pagamento voluntário até 24/07/2012;
j) n.º 34...773, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...032, emitida em 13/08/2012, relativa a juros de mora incidentes sobre IVA do período de tributação de fevereiro de 2012 (201202), no valor de Eur 71,66, com data limite de pagamento voluntário até 12/07/2012;
k) n.º 34...768, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...783, emitida em 16/08/2012, relativa a juros de mora incidentes sobre IVA do período de tributação de março de 2012 (201203), no valor de Eur 31,01, com data limite de pagamento voluntário até 18/07/2012;
l) n.º 34...5802, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...416, emitida em 19/08/2012, relativa a Coima do ano de 2012 e outros encargos liquidados no processo de contra-ordenação n.º 34...004, no valor de Eur 1.666,40, com data limite de pagamento voluntário até 07/08/2012;
m) n.º 34...180, tendo por base a certidão de dívida n.º 20...298, emitida em 28/08/2012, relativa a juros de mora incidentes sobre IVA do período de tributação de abril de 2012 (201204), no valor de Eur 163,59, com data limite de pagamento voluntário até 06/08/2012;
- cfr. certidões de dívida constantes de fls. 20 a 85, e relação de processos de fls. 194 a 196, todas do processo físico;
5. Por despacho de 05/04/2013, proferido pelo Chefe de Finanças de , foi determinada a notificação do aqui Oponente para exercício do direito de audição sobre a projetada reversão das dívidas em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal identificados nos pontos 3) e 4) supra, tendo o Oponente usado de tal prerrogativa, apresentando requerimento expondo as suas razões de não concordância com a projetada reversão, juntando um documento e requerendo a audição de cinco testemunhas para prova do alegado – cfr. fls. 193 a 208, do processo físico.
6. O documento junto no direito de audição exercido pelo Oponente a que se alude no ponto que antecede, refere-se a um e-mail remetido pelo Oponente em 27/02/2012, dirigido à gerente do BANIF, banco onde a sociedade originária detinha conta bancária, do qual se extrai, entre o demais, o seguinte:
“(…) Eu, AA, na qualidade de sócio e gerente, com direito especial à gerência, das Sociedades denominadas:
- F..., Lda., NIPC 50... 152 (…) por este meio, venho pedir, com urgência:
1. A anulação, imediata, das senhas anteriores, nas duas sociedades, e que me sejam fornecidas, pessoalmente, outras senhas de acesso às contas das sociedades.
2. O cancelamento, imediato, de todas as transferências e qualquer movimentação a débito, nas contas das sociedades, bem como o cancelamento dos cartões de crédito.
Mais solicito, que me sejam fornecidos extractos de movimentos das contas, a partir de 22/07/2011, data em que assumi a qualidade que invoco, nas duas sociedades, que me devem ser remetido para este e-mail ou para o seguinte endereço: Rua ... (…) O sócio gerente, AA (…)” - facto admitido, e cfr. Doc. de fls. 208 do processo físico.
7. Em 16/04/2013, foi elaborada informação pelo órgão de execução fiscal, nos seguintes termos, que entre o mais, dali se extrai:
“(…) Nesta fase do processo – Audição Prévia aprecia-se a verificação ou não dos pressupostos da reversão, isto é a responsabilização dos gerentes no período do exercício do seu cargo.
O exponente veio aos autos imputar a gerência a DD, mas os argumentos por si aduzidos são contraditórios, se por um lado invoca que não exerceu a gerência efectiva da sociedade F..., Lda., por outro no ponto 8 do seu requerimento refere que “embora não tenha renunciado à gerência, nem o vá fazer, para poder acompanhar o evoluir da situação” (sublinhado nosso). Por outro lado na carta dirigida ao Banif, dirige-se na qualidade de sócio e gerente, com direito especial à gerência e nessa qualidade requereu a anulação das senhas, requereu senhas novas, e que lhe fossem fornecidos extractos de movimentos de contas, desde 22/07/2011, data em que assumiu a qualidade que invoca.
Estamos face a verdadeiros actos de gerência. O exponente podia e devia ter renunciado à gerência, contudo não o fez.
A forma de obrigar da sociedade é feita pela assinatura dos dois gerentes nomeados, EE e o aqui Exponente, a quem são atribuídos direitos especiais de gerência. Este direito não lhe é retirado, nem com a designação de novo gerente.
(…) é meu entendimento que os argumentos do requerente não são suficientes para a sua não responsabilização, pelo que deverás ser ordenada a reversão do processo de execução (…) - cfr. doc. de fls. 211 a 213 do processo físico.
8. Em 22/05/2013, por despacho do Chefe de Finanças , foi determinada a reversão das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 34...869 e apensos, melhor identificados nos pontos 3) e 4) supra, contra AA, aqui Oponente, nos termos e com os fundamentos seguintes, que, entre o mais, dali se extrai:
“(…) Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT].
A REVERSÃO DAS COIMAS É FEITA NOS TERMOS DA AL. C) DO ARTº 14.º DO CPPT, BEM COMO DO ARTº 8º DO RGIT” – cfr. Doc. de fls. 100, do processo físico.
9. Por ofício n.º 3942, de 22/05/2013, do Serviço de Finanças de , foi dado conhecimento do despacho referido no ponto que antecede, e remetida citação, dirigida ao Oponente, por correio registado com aviso de receção, o qual se mostra assinado pelo próprio com data de 20/06/2013 – cfr. Docs. de fls. 101 a 103, do processo físico.
10. Com a entrada como sócio do Oponente em 2011, DD, sócio da executada originária, não obstante ter renunciado formalmente à gerência terem sido designados dois gerentes, o aqui Oponente e outra sócia em 22/07/2011, continuou a assegurar a gerência quotidiana daquela sociedade, lidando com os funcionários, fornecedores, bancos e clientes até à data da insolvência da sociedade ocorrida em setembro de 2012 – cfr. prova testemunhal.
11. O Oponente reside e exerce funções em duas empresas situadas na zona de ... - cfr. prova testemunhal.
12. O Oponente deslocava-se cerca de uma vez por mês às instalações da executada originária sitas no Município de ... - cfr. prova testemunhal.
13. O Oponente sempre que se deslocava às instalações da executada originária, tentava perante os funcionários obter informações sobre a situação da empresa, designadamente contabilísticas, os quais não forneciam por indicação expressa de DD, quem viam como gerente da sociedade executada originária - cfr. prova testemunhal.
**
Factos não provados
Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir.
**
Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como assente relevante para a decisão da causa, resultou da análise conjugada da prova documental constante dos autos, bem como da prova testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas, baseando-se essencialmente numa livre apreciação (cf. artigos 396.º do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil), conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
No que respeita à prova documental, teve-se em consideração os documentos constantes dos autos, que não foram impugnados.
Na apreciação da prova testemunhal, tendo o Tribunal a valorado na sua livre apreciação, jamais se perdeu de vista um critério objetivo que permitiu aferir do rigor da narração dos factos, bem como da razão de ciência de cada uma das testemunhas e das qualidades de isenção e convicção denotadas.
Especificando, BB, CC e FF, todos ex-funcionários da sociedade executada originária, entre os períodos pelo menos de 2004 a setembro de 2012, mostrando conhecimento direto do quotidiano da sociedade, prestaram depoimento de forma espontânea, assertiva e consentânea, sem manifestações de contradição ou dúvida, cuja credibilidade se não viram razões para duvidar, logrando formar a convicção no Tribunal dos factos assentes em 10), 12) e 13).
Com efeito, de forma espontânea e assertiva, criaram a convicção no tribunal, com segurança, de que era DD quem sempre assegurou, mesmo depois da entrada formal do aqui Oponente, a direção efetiva da sociedade, de forma visível e relevante.
Por sua vez, GG, diretor comercial numa das empresas em que é sócio o aqui Oponente há mais de 25 anos, sitas na zona de ..., não obstante o seu conhecimento indireto da sociedade executada originária, pela forma clara e coerente que prestou depoimento, logrou contribuir para a convicção do facto assente em 12), corroborando os anteriores depoimentos, bem como para o facto assente em 11) do probatório.”

2. O Direito
Questão Prévia
Em requerimento autónomo, apresentado nos presentes autos em 23/09/2022, o Recorrido veio suscitar o conhecimento do caso julgado, questão de conhecimento oficioso.
Para tanto, esclarece que deduziu Oposição à execução fiscal n.º 34...900 e apensos, contra si revertida e originariamente instaurada contra “F..., Lda.”, no Serviço de Finanças de , para cobrança de dívidas provenientes de IRC – Retenções na fonte, IVA e coimas fiscais, de 2012, no valor total de €19.734,43, que correu termos no âmbito do processo n.º 23..4/...3.5BEPRT, no Tribunal Administrativo e Fiscal de ....
Nesses autos, decidiu-se, em primeira instância, julgar procedente essa oposição também intentada pelo aqui oponente e julgar extinta a execução fiscal instaurada. Interposto recurso jurisdicional dessa sentença, no Tribunal Central Administrativo Sul acordou-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, transitando em julgado em 17/02/2021.
Nos presentes autos, o Recorrido deduziu Oposição à execução fiscal n.º 34...869 e apensos, contra si revertida e originariamente instaurada contra “F..., Lda..”, no Serviço de Finanças de , por dívidas provenientes de IVA, retenções na fonte de IRS e coimas fiscais de 2012, no montante total de €189.256,64 e acrescidos.
Em primeira instância, foi a presente oposição julgada totalmente procedente e, em consequência, extinta, quanto ao Oponente, a execução fiscal. É esta a sentença recorrida objecto do presente recurso.
O Recorrido defende que a sentença e o acórdão transitados no âmbito do processo n.º 23..4/...3.5BEPRT produzem caso julgado formal e material, consistindo este na força obrigatória dentro do processo e fora dele, aludindo ao disposto no artigo 619.º, n.º 1 do CPC.
Pretendendo evitar que este tribunal incorra em contradição de julgados, vinca a força vinculativa do julgamento transitado no âmbito do processo n.º 23..4/...3.5BEPRT, acentuando que o julgador não se pode afastar dela mesmo fora do processo.
Como a questão suscitada é de conhecimento oficioso, será admitida e apreciada.
Sustenta o Recorrido existir identidade do pedido, da causa de pedir e que os sujeitos processuais são os mesmos, reportando-se ao disposto no artigo 581.º do CPC.
A excepção de caso julgado, prevista nos artigos 580.º e 581.º do CPC, tem por função «proibir que o tribunal da segunda acção, dada a sua vinculação ao caso julgado da decisão transitada, profira uma decisão contraditória com a anterior, como a de obviar que esse órgão seja obrigado, numa situação de identidade de causas, a repetir a decisão transitada» - cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, p. 575.
É comum, a propósito do trânsito em julgado, falar-se da eficácia da força obrigatória do decidido, aludindo aos seus efeitos da seguinte forma:
«A função negativa do caso julgado material está inerente à excepção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova acção.
Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão» - cfr. Acórdão do TCA Sul, de 18/12/2019, proferido no âmbito do processo n.º 66/17.4BCLSB.
In casu, compulsadas as duas petições de oposição, observa-se existir identidade das partes, porém, o pedido e a causa de pedir são distintos, dado que no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 23..4/...3.5BEPRT estão em causa as dívidas cobradas através da execução fiscal n.º 34...900 e apensos, instaurada contra “F..., Lda.”, e revertida contra o oponente por dívidas provenientes de IRC – Retenções na fonte, IVA e coimas fiscais, de 2012, no valor total de €19.734,43. Por seu turno, nos presentes autos, estão em causa as dívidas referidas nos pontos 3 e 4 do probatório, cobradas através do processo de execução fiscal n.º 34...869 e apensos, portanto, dívidas relativas a IVA e juros de mora dos meses de Fevereiro a Maio de 2012, Retenções na Fonte de IRS dos meses de Março a Maio de 2012 e Coimas Fiscais fixadas em 2012, no montante total de €189.256,64 e acrescidos.
Pelo que o efeito preclusivo da autoridade do caso julgado não opera dado estarmos perante pedidos e causas de pedir distintos, uma vez que incidem sobre dívidas em execução distintas – cfr., em situação idêntica, o Acórdão do TCA Sul, de 19/11/2020, processo n.º 1365/09.4BEALM.

Na medida em que esta questão não obsta, portanto, a que este tribunal tome conhecimento do objecto do recurso, avançamos para a sua apreciação, embora reconheçamos a similitude das duas oposições - a presente e a que correu termos sob o n.º 23..4/...3.5BEPRT.
Também nestes autos a sentença ora recorrida decidiu pela procedência da presente oposição, extinguindo a execução fiscal contra o aqui oponente. De igual forma, concluiu verificar-se a ilegitimidade do mesmo, por não se encontrar preenchido o pressuposto para a efectivação da responsabilidade subsidiária de que o aqui oponente geriu de facto a devedora originária.
O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão, referindo que “(…) o único documento em que se sustenta o órgão de execução fiscal, não é de todo idóneo para se extrair a conclusão de que o aqui Oponente tenha exercido de facto a gerência da sociedade executada originária, (…)
A Recorrente não se conforma com este julgamento, defendendo que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto não foi correctamente valorada a prova documental e testemunhal produzida, mormente atentando no teor da prova que não foi tida em conta pelo Tribunal a quo, e que pretende que seja adicionada à factualidade dada como provada.
Nestes termos, a primeira questão em equação prende-se com a alegada insuficiência da factualidade levada à decisão da matéria de facto, solicitando a Recorrente que sejam aditados os seguintes factos ao probatório:
a) Assinatura de cheques por parte do oponente [fundando-se no depoimento da 2ª testemunha];
b) Intervenção do oponente em, pelo menos, um contrato estabelecido com a “S..., S.A.”, em representação da devedora originária [resultando do depoimento da 1ª testemunha].
A Recorrente concretiza o seu pedido de alteração da decisão da matéria de facto recorrendo à análise da prova testemunhal, verificando que, ao minuto 21,43 da gravação da audiência contraditória, é referido pela primeira testemunha, BB, funcionária da “F..., Lda.”, que pelo menos no contrato celebrado com a “S..., S.A.”, constava a assinatura do aqui oponente, como gerente da devedora originária. Já a segunda testemunha, CC, também funcionária da “F..., Lda.”, questionada sobre quem assinava os cheques da empresa, ao minuto 42,04 referiu “chegou a ver pelo Sr. AA, um ou dois cheques…”, afirmação que voltou a referir ao minuto 48,25 da audição.
Acrescentou que ambas as testemunhas referiram que o aqui oponente se deslocava à empresa pelo menos uma vez por mês e que reunia com o Sr. DD, (minuto 20,37 – 1ª testemunha; minuto 46,19 – 2ª testemunha) desconhecendo o teor das suas conversas.
Ora, antes de nos debruçarmos especificamente sobre a valoração que foi efectuada da prova produzida, em especial a testemunhal, ressalta que esta matéria que a Recorrente pretende ver aditada ao probatório não foi alegada pelas partes, nem é de conhecimento oficioso.
Relembramos que o juiz só se pode pronunciar sobre os factos alegados pelas partes ou daqueles que a lei manda conhecer oficiosamente – cfr. artigos 608.º, n.º 2, e 5.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC).
O certo é que o tribunal só deve realizar ou ordenar oficiosamente diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente a factos que tenham sido alegados (ou que sejam de conhecimento oficioso) – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
Na verdade, também em processo tributário a actividade inquisitória está limitada aos factos alegados pelas partes e aos do conhecimento oficioso, como decorre dos artigos 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 13.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”).
In casu, os factos de oponente ter assinado um ou dois cheques e ter intervindo num contrato com a “S..., S.A.” em representação da devedora originária, não integram a factualidade alegada – cfr. os articulados. Nem estes factos se podem considerar instrumentais em resultado da instrução e discussão da causa [cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a) do CPC], na medida em que os factos que possam espelhar a prática de actos de administração ou de representação e a falta de alheamento de toda a organização e gestão da sociedade devedora originária são essenciais para a decisão da causa.
Efectivamente, a prova que o Oponente assinou cheques ou contratos em representação da devedora originária, pode permitir retirar ilações de facto importantes quanto à gerência efectiva da sociedade executada. Por isso, é notório que tais factos que se pretendem aditar (que não foram articulados pelas partes) são essenciais e não instrumentais, dado que a gerência de facto poderá ser deduzida desses factos em concatenação com outros que já constem da factualidade apurada.
Na medida em que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, esses factos (essenciais) cujo aditamento está solicitado no recurso não foram invocados, pelo que não poderia sobre os mesmos incidir prova (recordamos que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – cfr. artigo 341.º do Código Civil).
Nesta conformidade, não tendo esta matéria sido alegada nos articulados, este tribunal mostra-se impedido de sobre a mesma tomar conhecimento. Sendo totalmente irrelevante a alusão da Recorrente ao disposto no artigo 515.º, actual 413.º, do CPC, porque o tribunal recorrido tomou em consideração todas as provas produzidas, independentemente de terem emanado da parte que devia produzi-las. Mas, note-se, que somente toma em consideração provas produzidas sobre factos que lhe é lícito conhecer, não o sendo sobre factos essenciais que não foram alegados, como vimos.
Ora, este julgamento tem, manifestamente, um efeito nefasto sobre o desfecho do recurso quanto à matéria de direito, na medida em que a Recorrente assentou os seus argumentos recursivos na dependência do aditamento que seria realizado `(e que foi negado) à decisão da matéria de facto.
Mostrando-se estabilizada a factualidade provada, que é semelhante à apurada no processo n.º 23..4/...3.5BEPRT, não vislumbramos motivos poderosos para nos afastarmos desse julgamento realizado pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 14/01/2021.
A sentença recorrida efectuou um adequado e correcto enquadramento jurídico dos requisitos para operar a responsabilidade subsidiária, não sendo controvertido caber à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação do pressuposto quanto ao oponente da gerência efectiva ou de facto da devedora originária.
As dívidas em causa nos autos respeitam a IVA, Retenções na fonte de IRS e Coimas respeitantes ao ano de 2012, com datas limites de pagamento compreendidas entre Abril a Agosto de 2012 [cfr. pontos 3) e 4)], pelo que, como é referido na sentença recorrida, é de aplicar o regime decorrente da Lei Geral Tributária (LGT), quanto às dívidas de IVA e Retenções na fonte de IR, e o Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), quanto às dívidas de Coimas, regimes em vigor à data dos factos tributários.
Vejamos as razões para o tribunal recorrido ter considerado que o labor da Fazenda Pública ficou aquém do definido legalmente para operar a responsabilidade subsidiária quanto ao ora Recorrido:
“(…) Neste contexto, e revertendo ao caso dos autos, tal como se constata do despacho de reversão e da informação que o antecede (cfr. pontos 7) e 8) do probatório), bem como dos demais elementos constantes dos autos, a Administração Tributária (AT), cingiu-se a assentar na consideração de que o aqui Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária pela sua admissão em sede de direito de audição de que não iria renunciar à gerência para poder acompanhar o evoluir da situação, e na carta por si junta em sede do exercício de direito de audição, dirigida ao banco Banif datada de 27/02/2012, na qualidade de sócio e gerente, com direito especial à gerência, onde requereu anulação de senhas e novas senhas e extractos bancários (cfr. carta coligida no ponto 6) do probatório), mais relevando a forma de obrigar da sociedade.
Ora, não obstante do documento a que a AT alude, se inferir que o Oponente se assume como sócio e gerente da sociedade, e nessa qualidade solicita a entidade terceira documentos respeitantes a elementos bancários daquela sociedade, o mesmo não é suficiente para permitir a conclusão de que o mesmo exerceu a gerência de facto da devedora originária no período a que respeitam as dívidas e na sua data de pagamento.
Desde logo, porque não obstante estarmos perante um documento contemporâneo do ano das dívidas e da sua data limite de pagamento (ano 2012), trata-se de um mero ato isolado em que, aparentemente, o Oponente terá agido em representação da executada originária num momento concreto do ano de 2012, não sendo então viável, à luz das regras de experiência comum, que do mesmo se possa extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade durante o ano de 2012, que é aquele a que se reportam as dívidas exequendas.
Acresce que o documento a que a AT alude, junto aos autos pelo próprio Oponente, conjugado com a demais prova produzida em juízo teve um propósito que não o pretendido pela AT, no sentido de que, tal como resulta do probatório, o Oponente desde que foi formalmente designado como gerente em julho de 2011, sempre teve o interesse de saber e participar nos destinos da sociedade, tendo sido tal possibilidade coarctada pelo sócio que quotidianamente dirigia os destinos da empresa, DD, o qual expressamente ordenou aos funcionários que não fosse dada qualquer informação relativa à empresa (cfr. pontos 10) e 13) do probatório), o que levou a que o Oponente munido da gerência nominal que detinha, tivesse tentado obter alguns elementos perante terceiros, algo perfeitamente verosímil, atentas as regras de experiência comum, por quem manifestou interesse no projeto a que se predispôs.
Por outro lado, no que respeita à afirmação do Oponente em sede de exercício de direito de audição de que não renuncia à gerência para poder acompanhar a evolução da sociedade, em que a AT ainda se suporta para demonstração da gerência de facto, a mesma não consubstancia prova suficiente nem confissão pelo Oponente de que exercia a gerência da sociedade devedora originária, nem tão pouco é contraditória dos argumentos de imputação de tal gerência a um dos outros sócios.
Desde logo porque tem que ser lida no contexto em que foi inserida na exposição apresentada pelo Oponente, onde o mesmo reflete preocupação dos destinos da empresa cuja participação adquiriu e cuja gerência nominal assumiu, mas cuja efetividade, tal como ali afirmou e demonstrou em juízo, não assumiu ou não conseguiu assumir perante a gerência de facto assegurada por outro sócio, o qual quotidianamente lidava com os funcionários, fornecedores, bancos e terceiros (cfr. pontos 10) e 13) do probatório).
Ainda no que respeita à forma de obrigar da sociedade, a que a AT ainda alude como indiciador do exercício de facto da gerência, tal como decorre dos factos assentes, da mesma apenas se pode inferir que no período a que respeitam as dívidas e a data limite de pagamento, haviam sido designados três gerentes da sociedade, incluindo o aqui Oponente, mas bastando-se a gerência com a intervenção de apenas dois daqueles, não significando “o direito especial à gerência”, um atuar efetivo do gerente formalmente designado, mas tão só, e tal como se depreende do artigo 257.º, n.º 3 do Código das Sociedade Comerciais, a possibilidade de derrogação dos princípios de livre destituição dos gerentes consagrado no n.º 1 do mesmo preceito, conferindo assim formalmente uma estabilidade acrescida ao vínculo de gerência que sem fixação de prazo no contrato, se torna tendencialmente perpétuo, exceto quando ocorra justa causa para tal destituição.
Destarte, analisados os elementos em que a AT se suporta para preenchimento do pressuposto do efetivo exercício da gerência de facto e toda a matéria de facto provada, constata-se que ficou por demonstrar uma realidade suscetível de evidenciar o exercício efetivo e contínuo dos poderes de gerência pelo Oponente, porque claramente insuficiente um mero documento isolado, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efetivo da gerência, forçoso é concluir que não se mostra preenchido desde logo um dos pressupostos da responsabilidade subsidiária.
“É que para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados, mas antes pela existência de uma actividade continuada. De um acto isolado praticado pelo oponente, em que terá agido em representação da executada originária num momento temporal concreto, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da sociedade” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 21/05/2015, proferido no processo n.º 05665/12, e no mesmo sentido Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 16/02/2017, proferido no processo 00644/09.5BEPNF (in www.dgsi.pt).
Acresce que, e sem embargo de não competir ao Oponente a prova de que não exerceu a gerência de facto, tal como resulta da matéria de facto assente em juízo, logrou o mesmo demonstrar que não obstante a sua pretensão de participação nos destinos da sociedade cuja participação social adquiriu em 2011 com designação da sua pessoa como gerente, a gerência foi sempre quotidianamente assumida por outro sócio, DD, o qual lidava diretamente com os trabalhadores, clientes, fornecedores e bancos, ao contrário do aqui Oponente, que nas deslocações mensais às instalações da executada originária não conseguia sequer recolher informações sobre o estado da sociedade perante os funcionários da mesma, e tão pouco exercer efetivamente a gerência que havia formalmente assumido nos destinos da sociedade (cfr. pontos 10 a 13 do probatório).
Assim sendo, o único documento em que se sustenta o órgão de execução fiscal, não é de todo idóneo para se extrair a conclusão de que o aqui Oponente, tenha exercido de facto a gerência da sociedade executada originária, principalmente em concatenação com os demais factos apurados e assentes em juízo, que revelam o seu alheamento da gestão e representação da mesma.
Destarte, na falta de elementos demonstrativos que permitam a este Tribunal asseverar que o aqui Oponente geriu de facto a devedora originária, não se mostra, por conseguinte, preenchido, um dos pressupostos para a efetivação da responsabilidade subsidiária do Oponente, o que determina a sua ilegitimidade para a presente execução fiscal, com a consequente procedência da Oposição. (…)”
Não é despiciendo relembrar inexistir uma presunção legal segundo a qual o gerente de direito o é, também, de facto.
No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
Por outro lado, o segmento dos factos provados constante da decisão da matéria de facto não foi impugnado pela Recorrente, não se vislumbrando que pudessem ser retiradas ilações diferentes daquelas que o tribunal recorrido alcançou, sendo pacífico dever contra a Fazenda Pública ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Efectivamente, do probatório e dos autos não constam quaisquer factos relevantes com base nos quais se possa firmar a convicção quanto à efectividade da gerência do oponente, lembrando-se que a dúvida a tal respeito se resolve contra a Fazenda Pública, titular do direito de reversão, que é a parte onerada com a prova.
Com efeito, o que de pertinente se extrai do probatório é que o oponente foi designado gerente da sociedade devedora originária por deliberação social de 22/07/2011 e que se mantinha como gerente inscrito à data de pagamento das dívidas, sendo que a sociedade se obrigava pela assinatura de dois dos sócios nomeados com direito especial à gerência, no caso o oponente e DD.
No entanto, nada sinaliza a intervenção activa do oponente na condução dos destinos da sociedade, praticando reiteradamente actos internos ou externos em representação da sociedade e vinculando-a perante terceiros (comprando/ vendendo/ assinando títulos de crédito/ movimentando contas bancárias da sociedade/ auferindo salário/ efectuando descontos para a Segurança Social como membro de órgão estatutário da sociedade…).
Salienta-se, como também se acentua na sentença recorrida, que do direito especial à gerência conferido ao sócio oponente por deliberação social, nada se pode retirar de útil quanto ao exercício das respectivas funções, apenas relevando para efeitos do regime da sua destituição do cargo – cfr. artigo 257.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais.
Insistimos que a Recorrente não impugnou a matéria apurada nos pontos 10 a 13 do probatório, pelo que devemos ter em consideração que DD, sócio da executada originária, continuou a assegurar a gerência quotidiana daquela sociedade, lidando com os funcionários, fornecedores, bancos e clientes até à data da insolvência da sociedade, ocorrida em Setembro de 2012, não obstante ter renunciado formalmente à gerência e terem sido designados dois gerentes, o aqui oponente e outra sócia, em 22/07/2011. Por outra banda, o oponente deslocava-se cerca de uma vez por mês às instalações da executada originária sitas no Município de ... e, nessas ocasiões, tentava perante os funcionários obter informações sobre a situação da empresa, designadamente contabilísticas, os quais não forneciam por indicação expressa de DD, a quem viam como gerente da sociedade executada originária.
Neste circunstancialismo, o facto de o oponente assumidamente ter incentivado o seu filho a cooperar comercialmente com a sociedade devedora originária; de não ter renunciado à gerência, nem o ir fazer, com o propósito de acompanhar o evoluir da situação social; e de ter pedido o cancelamento das senhas de acesso às contas bancárias da sociedade, bem como o cancelamento de transferências e cartões de crédito, não é, em si mesmo, incompatível com uma gerência de tipo nominal, porque a intervenção esporádica do gerente inscrito e também sócio, unicamente para salvaguarda do interesse social ou para prevenir actos de delapidação do património social por outros gerentes, ainda que só de facto, não traduz necessariamente a prática de modo continuado e reiterado de actos próprios e típicos de uma gerência de tipo efectivo, a única relevante para efeitos da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.º, n.º 1 da LGT.
Ademais, à luz das regras de experiência comum, o pedido do cancelamento das senhas de acesso às contas bancárias da sociedade e de cancelamento de transferências e cartões de crédito, sempre constitui a prática de um acto isolado, e, por conseguinte, deste acto único não se poderá extrair a conclusão de que o oponente exerceu de facto a gerência da sociedade devedora originária, pois, para tal, necessária seria a demonstração de uma actividade continuada, através da prática reiterada de actos de gestão ou administração – cfr. a respeito da prática de acto isolado pelos gerentes nominais, vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Sul, de 07/05/2020, processo n.º 3118/12.3BELRS, de 05/03/2020, processo n.º 2410/11.9BELRS, de 03/12/2020, processo n.º 2548/14.0BELRS, e do TCA Norte, de 21/06/2018, processo n.º 1602/13.0BEBRG.
Tal ganha especial ênfase in casu em concatenação com outros factos apurados que revelam o alheamento do Recorrido da gestão e representação da sociedade executada, nomeadamente, a matéria apurada no ponto 13 do probatório, dado que o oponente, sempre que se deslocava às instalações da executada originária, tentava perante os funcionários obter informações sobre a situação da empresa, designadamente contabilísticas, e estes não forneciam tais elementos por indicação expressa de DD, que era visto como gerente da sociedade executada originária.
Só podem ser considerados gerentes de facto os sujeitos que se ingerem na actividade de gerentes de forma estável e com carácter de continuidade, no que se refere à representação societária, não bastando uma intervenção isolada, para que os gerentes de direito possam ser considerados gerentes de facto.
Como se decidiu no acórdão deste TCA Norte, de 20/12/2011, proferido no processo n.º 639/04.5BEVIS-AVEIRO “[d]e um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto […] não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade (…)”.
Note-se que não era ao oponente que cabia produzir qualquer prova destinada a tornar duvidoso o seu exercício da gerência. Como já supra referimos, o exercício da gerência de facto é um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se efectiva através da reversão, sendo que a lei não estabelece qualquer presunção que inverta o ónus da prova nesta matéria.
Deste modo, é de concluir que ficaram por demonstrar factos integradores do conceito da gerência de facto por parte da exequente, e que era quem tinha o respectivo ónus.
Do que vimos de dizer resulta que a Fazenda Pública não logrou provar que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, o oponente também exercia de facto a gerência, praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício no ano aqui em causa e, como tal, não poderá ter lugar a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1 da LGT e, nessa medida, é de concluir pela ilegitimidade do mesmo para a execução.
É de negar, por conseguinte, provimento ao presente recurso, sendo de manter a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário
I - A excepção do caso julgado implica verificação da tripla identidade do pedido, da causa de pedir e das partes, no que respeita a certa questão. Não existe esta identidade quando as dívidas em execução objecto de oposição são distintas.
II - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
III - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
IV - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
V – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
VI - De acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária em momento concreto, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade, principalmente em concatenação com outros factos apurados que revelam o seu alheamento da gestão e representação da mesma.
VII – Não consubstancia o exercício da gerência a prática pelo Oponente, gerente inscrito e também sócio, de actos esporádicos visando unicamente a protecção do interesse social e prevenir a delapidação do património social por outros gerentes, ainda que só de facto.
VIII - O tribunal só deve realizar ou ordenar oficiosamente diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente a factos que tenham sido alegados ou que sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 20 de Outubro de 2022
Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares