Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01949/10.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/07/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
NATUREZA PROCEDIMENTO - VIOLAÇÃO DOS ARTS. 1°, 53°, 54º E 123 DA LEPSAE
FALTA AUDIÊNCIA INTERESSADO
INCOMPETÊNCIA ENTIDADE - VIOLAÇÃO DO ART. 123° DA LEPSAE
Sumário:1_O procedimento de concessão de autorização de residência, previsto no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, tem natureza oficiosa, sendo impulsionado por proposta do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dirigida ao Ministro da Administração Interna, ou, directamente, pelo Ministro da Administração Interna.
2_ Não há, pois, direito a audiência prévia da decisão de não exercer a prorrogativa a que se refere o art.º 123º da Lei n.º 23/2007 de 04.07.*
*Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:K(...)
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna - SEF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:K(…), com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF dO PORTO, em 23/12/2011, que julgou improcedente a Acção Administrativa Especial por si interposta contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF], em que peticionava a anulação da decisão de não concessão de autorização de residência nos termos do art.º 123º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 23/2007 de 04.07 e que seja o R. condenado à prática do acto devido, designadamente, concessão ao A. de autorização de residência temporária nos termos daquele preceito legal.
Para tanto alega em conclusão:
1. O procedimento iniciado pelo Impugnante, aqui Recorrente/Autor, mais não passou que um “apelo”, meramente simbólico e desprovido de significado, descaracterizando-o como início de um procedimento administrativo (acto administrativo), e consequentemente, com tal entendimento, condicionou a decisão, deitando por terra todos os vícios imputados ao acto, designadamente a falta de audiência prévia e a incompetência do SEF para decidir sobre o mesmo.
2. A decisão recorrida não aplica a correcta interpretação de lei, designadamente quanto aos arts. 1°, 53°, 54º e 100° do CPA, 268° CRP, 51 do CPTA e 123° da LEPSAE.
3. Define o n° 1° do CPA por procedimento administrativo “a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução.”, e por sua vez o art° 54º CPA estabelece a dicotomia entre procedimentos de particulares — aqueles cujo inicio se origina em requerimento do interessado no — se formula um acto/decisão pretendida — e procedimentos oficiosos, que são “(..) procedimentos de auto iniciativa, isto é, aqueles cujo inicio é determinado pela entidade que tem competência dispositiva no âmbito da decisão a que o procedimento tende (…)”, in Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves, Pacheco de Amorim, Código de procedimento administrativo - anotada, Almedina, 2ª edição, 1998, págs. 294 e 373.
4. O Recorrente entende que a sentença proferida pelo Dig. Tribunal ad quo deveria decidir contrariamente ao que foi decidido, invocando que foi o Recorrente que motivou o procedimento, pelo que ofendeu os normativos supra aludidos.
5. O art. 121°, da Lei de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros, de 04 de Julho de 2007 (LEPSAE) determina que:
6. “1 - Quando se verificarem situações extraordinárias a que não sejam aplicáveis as disposições previstas no artigo 122.°, bem como nos casos de autorização de residência por razões humanitárias ao abrigo da lei que regula o direito de asilo, mediante proposta do director-geral do SEF ou por iniciativa do Ministro da Administração Interna pode, a título excepcional, ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos na presente lei:
a) Por razões de interesse nacional;
b) Por razões humanitárias;
c) Por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma actividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social.
7. Deste modo, o cerne da questão que se pretende ver analisada e decidida se prende com a caracterização “quanto à iniciativa” do procedimento estatuído no citado preceito legal, no sentido de saber se a mesma se reporta a um procedimento puramente oficioso, conforme foi singelamente caracterizado pela decisão posta em crise, ou, contrariamente, se estamos diante de um procedimento que também pode ser desencadeado por um particular.
8. Salvo o devido respeito, mas da leitura e análise mais atenta da referida norma, não se retira que a mesma -a dar origem a um procedimento/acto administrativo, só possa ocorrer por competência exclusiva da administração, quer seja o director-geral do SEF, quer seja do Ministro da Administração Interna.
9. Pode-se afirmar que o art° 123°, consagra um regime de iniciativa “misto”, permitindo que, para além do procedimento oficioso, tal acto também possa ser desencadeado por um particular, como ocorreu no caso em análise.
10. Inicialmente, é oportuno chamar à colação, o fio condutor que nos conduzirá à possibilidade daquele pedido poder ser originado por um particular, e que se prende com a legitimidade que, como no artigo 53° do CPA, se determina que “Têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direito subjectivo ou interesse legalmente protegido no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas (...)“. (sublinhado nosso)
11. É inequívoco que a pretensão formulada pelo Recorrente resulta que o mesmo é o titular directo do direito/ interesse visado na pretensão que formulou e que pretendia ver tutelado, ao dar início ao procedimento ao abrigo do artigo 123° da LEPSAE.
12. Na verdade, atendendo à dignidade do bem jurídico visado pela norma, a dignidade humana, o legislador criou aqui um “concurso de legitimados”, alargando o leque de legitimados, onde o impulso processual de um é compatível com o do outro, não se excluem, antes se cumulam, possibilitando assim um reforço no exercício do direito, atribuindo a iniciativa tanto à administração como ao particular.
13. Por esta razão, não faria sentido que fosse nas situações mais gravosas (casos do art° 123°), que o legislador viesse coartar o direito do interessado, retirando-lhe a possibilidade de se socorrer deste mecanismo legal.
14. E, resulta das mais elementares normas de interpretação do direito, que onde o legislador não distingue, não deve ser o aplicador a fazê-lo.
15. Se fosse vontade do legislador que tal procedimento se “iniciasse” apenas por iniciativa do director-geral do SEF e do Ministro, teria expressamente consagrado esta possibilidade.
16. Mas não o fez!!
17. Referindo apenas que tal se inicia “mediante proposta do director-geral do SEF ou por iniciativa do Ministro da Administração Interna!!
18. E não distingue por simples razão de orgânica e funcionamento dos serviços, na medida em que o particular só pode dirigir a sua pretensão ao director do SEF, que por sua vez faz chegar a proposta ao Ministro, ou seja, o processo só chega ao órgão decisor (Ministro da Administração Interna), por duas vias: ou é o próprio Ministro a iniciar ou recepciona a proposta (com sentido favorável ou desfavorável), proveniente do director que por sua vez inicia o procedimento também ele oficiosamente, ou recepciona-o através da iniciativa particular.
19. Só esta interpretação conferida ao n°1 do art. 123°, é que se coaduna com o disposto no n°2 daquele artigo, pois dali resulta que “2 - As decisões do Ministro da Administração Interna sobre os pedidos de autorização de residência que sejam formulados ao abrigo do regime excepcional previsto no presente artigo devem ser devidamente fundamentadas”.
20. Ora, é caso para se questionar “pedido de quem?”, “formulado por quem?”, tal norma seria desprovida de qualquer sentido e conteúdo, se o procedimento fosse de iniciativa meramente oficiosa.
21. Se assim fosse e se o legislador pretendesse consagrar apenas procedimentos oficiosos, não estaríamos aqui diante de qualquer “pedido”, pois por um lado o Ministro da Administração Interna decidiria apenas sobre procedimentos que ele mesmo iniciou, ou por outro lado, decidiria sobre propostas formuladas pelo director do SEF.
22. Não se consubstanciando essa proposta do SEF como autênticas pretensão/pedido, na medida em que aquele não é o titular do direito subjectivo, mas meramente proponente de um procedimento que ele mesmo iniciara.
23. Ou se entendermos, como se defende, que o acto também pode ser de natureza particular, o SEF aqui seria porta voz de um pedido que lhe fora endereçado, quer concorde ou não com ele, transmite-o ao órgão decisor em forma de “proposta” (negativa ou positiva).
24. O n.° 2 do art° 123, nitidamente coloca como receptor da decisão do Ministro da Administração Interna, um sujeito que, embora “oculto”, é facilmente identificável como o titular do direito subjectivo ou do interesse legalmente protegido, tal como configurado no art. 53° do CPA, que só faz sentido seja um particular, e não o próprio Ministro ou o proponente SEF.
25. Resulta que o tribunal ad quo, decidiu incorrectamente quando desvalora a actuação do interessado, considerando uma pretensão, formulada ao abrigo de um legítimo interesse a um mero apelo sem qualquer significado ou enquadramento.
26. Ainda que o legislador tivesse atribuído àquele procedimento carácter de iniciativa puramente oficiosa (o que não se prescinde e só se hipotosapor mera raciocínio académico), certo é que foi a entidade recorrida que o descaracterizou ao procedimentá-lo nos termos em que o fez.
27. Porquanto foi o Recorrente que, interessado na decisão, muniu-se de documentos que naquele momento dispunha e dirigiu-se à administração, tendo feito o pedido.
28. A Administração (entidade recorrida), por sua vez, recebeu o seu pedido em forma de “processo fisico”, conferiu e certificou documentos, cobrou as taxas devidas, e propôs-se analisar a pretensão.
29. Legitimou, por essa via, a expectativa do cidadão na elaboração de um procedimento que, vias normais, culminaria numa decisão, com todos os ritos processuais oportunos e adequados.
30. Com isso, desencadeou-se uma sucessão de acções, quer pelo interessado, quer pela administração que foram de encontro ao disposto nos artigos 53°, 54° do CPA, tendo nascido um procedimento administrativo, e com ele a obrigação, tanto da administração como do particular de se pautarem pelos princípios sob os quais deviam actuar, mormente o direito de audiência prévia.
31. Devendo para este efeito, ser considerada essa sucessão de “instruções prévias” levadas a cabo pelo recorrente, verdadeiramente como início do procedimento.
32. O facto de a administração, entidade recorrida, ter decidido não formular a proposta … causou graves prejuízos ao interessado, que viu arredada a sua possibilidade de demonstrar reunir pressupostos que concretizam o pedido.
33. Sendo esta decisão de não propulsão do processo … qualificada como uma pré-decisão, que embora não tenha constituído, produziu efeitos lesivos ao Recorrente.
34. O certo é que, a decisão posta em crise, salvo o devido respeito, não andou bem porque, ainda que os actos praticados pelo interessado, não pudessem ser caracterizados como suficientes para iniciar o processo administrativo, o mero facto da decisão da administração projectar efeitos lesivos ao interessado -decidindo não fazer a proposta, como decidiu, de per si, possibilitam ao interessado impugnar o procedimento e invocar todos os vícios e violações que foram ali praticados.
35. Tal decisão da administração, pelas suas consequências fácticas e jurídicas para o interessado, mostra-se dotado de inequívoca eficácia externa e com um conteúdo lesivo dos direitos ou interesses da mesma à luz do art. 51.°, n.° 1 do CPTA.
36. A decisão posta em crise, ao classificar o acto, como classificou, omitiu-se em decidir sobre questão da incompetência — à prática da decisão, nos termos em que foi suscitada.
37. Pois que, muito embora o art° 123° não atribuía expressamente competência ao Ministro da Administração Interna para decidir, verificando-se aqui uma lacuna, o certo é que a mesma pode ser colmatada pela própria sistemática da própria norma.
38. Uma vez que o seu n°2, refere expressamente que “as decisões do Ministro da administração Interna (...) devem ser devidamente fundamentadas”.
39. Pelo que se retira que a competência para decidir indistintamente sobre estes “pedidos” são do Ministro, exigindo ainda que as decisões sejam “fundamentadas”.
40. A exigência de fundamentar recaí sobre o Ministro, certamente também recairia para um órgão de sua tutela.
41. Sendo assim, compete exclusivamente ao Ministro se pronunciar sobre os pedidos, seja no âmbito dos processos auto iniciados, seja proposta de auto iniciativa do director do SEF, seja proposta que se origina através de pedidos de particulares.
42. Dai padecer o acto impugnado do vício de anulabilidade, que se requer seja declarado.
NESTES TERMOS, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exª. deverá o presente recurso obter provimento, e por via disso:
A) Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão judicial recorrida;
B) Condenar o executado a proceder à reabertura do procedimento administrativo em presença com emissão de acto determinando a realização da audiência prévia omitida e ulterior reexercício do poder decisório.
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O SEF apresentou contra-alegações em defesa da improcedência do recurso, embora sem formular conclusões.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, não emitiu parecer.
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FACTOS FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA (e com relevância para os autos):
1) O autor é nacional do Bangladesh e é titular do passaporte n.º W(…).
2) Em 04.03.2010, o autor requereu ao Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras autorização de residência excepcional de carácter humanitário, nos termos do art.º 62º, alínea d) do Dec. Reg. n.º 84/97 de 05.11 e 123º da Lei n.º 23/2007 de 04.07 nos termos constantes de fls. 10 a 13 do p.a. que aqui se consideram reproduzidas.
3) Por despacho de 17.03.2010 do Director Nacional do SEF que aqui se considera integralmente reproduzido (fls. 43 a 46 do p.a.), foi decidido não exercer a prorrogativa a que se refere o art.º 123º da Lei n.º 23/2007 de 04.07.
4) O autor foi notificado do acto referido em 3) nos termos constantes de fls. 47 e 48 do p.a. que aqui se consideram reproduzidos.
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QUESTÕES QUE IMPORTA CONHECER
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA.
Mas, sem esquecer o disposto no artº 149º do CPTA nos termos do qual ainda que o tribunal de recurso declare nula a sentença decide do objecto da causa de facto e de direito.
As questões que aqui importa conhecer são as seguintes:
_Nulidade da sentença
_ Natureza do procedimento (violação dos arts 1°, 53°, 54º e 123 da LEPSAE);
_Falta de audiência do Interessado;
_ Incompetência da entidade (violação do art. 123° da LEPSAE).
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O DIREITO
NULIDADE POR Omissão de Pronúncia:
Alega o Recorrente que a sentença recorrida não se pronunciou sobre matérias determinantes para a boa decisão da causa, o que acarreta a nulidade da mesma.
Resulta do art. 668.º do CPC, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que:
“1 - É nula a sentença:
…d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;(...).”
Ora, esta nulidade prevista na alínea d) do art. 668º do CPC está intimamente ligada com o art. 660º nº2 do CPC que dispõe que “ o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cujas decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” E, qual o sentido da palavra “ questões”? Ora, jurisprudência e doutrina têm entendido que há distinguir “ questões “ de “ razões “ (ou seja, argumentos), e que a falta de apreciação de todos os motivos indicados, não constituem causa de nulidade de sentença ou acórdão.
Conforme resulta deste preceito e do art. 660º nº2 do CPC o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – ver neste sentido o Ac. STJ de 25/09/2003 - Proc. n.º 03B659).
Como diz o Prof. M. Teixeira de Sousa (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221) é “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2ª parte) …” o que “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
(...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …”. sendo questões “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” (cfr. Prof. A. Varela in RLJ, Ano 122º, pág. 112) e não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” (cfr. Prof. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143).
Desde logo nas conclusões das alegações a recorrente limita-se a invocar que a decisão recorrida, ao classificar o acto, como classificou, omitiu decisão sobre questão da incompetência — à prática da decisão, nos termos em que foi suscitada.
Ora, o Recorrente impugnou o acto administrativo invocando três vícios;
_ Violação do art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho por estar em causa uma natureza não oficiosa do procedimento de concessão de autorização de residência;
_ Falta de audiência de interessados;
_ Competência para a prática do acto administrativo.
Sobre todas estas questões o Juiz a quo pronunciou-se de forma clara e expressa, individualizando cada uma das questões e subsumindo-as ao direito aplicável.
Pelo que, ao contrário do que é pretendido pelo Recorrente, o Juiz a quo não omitiu pronúncia sobre a questão da competência para praticar o acto entendendo que o que estava em causa era a competência para recusar a abertura do procedimento administrativo de concessão de autorização de residência, nos termos previstos no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho.
Pelo que, o que poderia eventualmente ocorrer seria erro de julgamento, não subsistindo qualquer nulidade da sentença recorrida.
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VIOLAÇÃO DOS ARTS 123º DO LEPSAE E 53º E 54º DO CPA
Alega o recorrente que o regime excepcional de concessão de autorização de residência, previsto no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, não assume natureza oficiosa, podendo ser desencadeado pelo particular, atendendo ao disposto no art. 53º do CPA, pelo que ambos foram violados.
Para tanto refere que “o legislador criou aqui um concurso de legitimados, alargando o leque de legitimados, onde o impulso processual de um é compatível com o outro, não se excluem, antes se cumulam, possibilitando assim um reforço no exercício do direito, atribuindo a iniciativa tanto à administração como ao particular”. Acrescentando que “resulta das mais elementares normas de interpretação do direito, que onde o legislador não distingue, não deve ser o aplicador a fazê-lo” e que “Se fosse vontade do legislador que tal procedimento se «iniciasse» apenas por iniciativa do director-geral do SEF e do Ministro, teria expressamente consagrado esta possibilidade”
Vejamos.
A Lei 23/2007, de 4 de Julho, apresenta uma série de procedimentos de concessão de autorização de residência, cuja iniciativa pertence ao particular, assim como apresenta casos de procedimentos de concessão de autorização de residência em que o mesmo é impulsionado exclusivamente pela Administração.
O regime de concessão de autorização de residência previsto no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, é um desses casos em que o procedimento é impulsionado apenas e em exclusivo pela Administração.
Como resulta deste art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho :
“1 – Quando se verificarem situações extraordinárias a que não sejam aplicáveis as disposições previstas no art. 122º, bem como nos casos autorizações de residência por razões humanitárias ao abrigo da lei que regula o direito de asilo, mediante proposta do director-geral do SEF ou por iniciativa do Ministro da Administração Interna pode, a título excepcional, ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos na presente lei:
a) Por razões de interesse nacional;
b) Por razões humanitárias;
c) Por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma actividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social”
Aliás a ratio legis deste normativo não se coaduna com o impulso particular, na medida em que este regime é um instrumento excepcional a impulsionar em situações também elas excepcionais.
Deixar o impulso nas mãos dos particulares significaria, no seu extremo, tratar situações excepcionais como se de situações não excepcionais se tratasse, e deixar ao seu alcance a derrogação do regime normal de concessão de autorização de residência.
É precisamente o cariz de excepcionalidade subjacente a este regime de concessão de autorização de residência (art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho) que impõe a sua natureza oficiosa.
Por outro lado, dispõe o art. 62º do Decreto Regulamentar 84/2007, de 5 de Novembro, que complementou o Regime de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros (Lei 23/2007, de 4 de Julho):
“O procedimento oficioso de concessão de autorização de residência, desencadeado ao abrigo do artigo 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, rege-se, com as devidas adaptações, pelo disposto nos artigos 54º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (…)”
Daqui resulta, a nosso ver que o procedimento de concessão de autorização de residência, previsto no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, tem natureza oficiosa, sendo impulsionado por proposta do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dirigida ao Ministro da Administração Interna, ou, directamente, pelo Ministro da Administração Interna, em nada obstaculizando o referido art. 53º do CPA.
Sendo a lei clara e explícita no que concerne à natureza do procedimento de concessão de autorização de residência, previsto no art. 123º da lei 23/2007, de 4 de Julho, não se impõe fazer qualquer tipo de juízo interpretativo não havendo qualquer “concurso de legitimados”, sendo a competência para abertura do procedimento oficioso de concessão de autorização de residência exclusiva da Administração – Ministro da Administração Interna ou mediante proposta àquele do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Pelo que, bem andou a sentença recorrida ao assim entender que o procedimento de concessão de autorização de residência, nos termos previstos no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, é de natureza oficiosa, não podia ser ser impulsionado pelo particular.
Nem põe em causa o supra referido a alusão à necessidade de fundamentação do ato já que tal em nada interfere com a natureza oficiosa ou não do procedimento, sendo que a iniciativa do SEF perante o Ministro da Administração Interna não deixa de constituir um pedido.
Por outro lado, o facto de o SEF ter aceite os documentos que a recorrente lhe enviou apenas significa que este, por ter a iniciativa de fazer tal pedido aceitou os referidos documentos como indícios de uma investigação interna e oficiosa o que abona em seu favor por revelar que, apesar de a iniciativa ser sua, se preocupou em atender a todos os indícios que a sociedade civil possa suscitar e que lhe competem averiguar.
Não ocorre, pois, o vício invocado.
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violação do art. 100º CPA
As conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso como resulta do art. 684º nº3 do CPC ex vi art. 1º do CPTA.
Nestas, o recorrente limita-se a dizer que a sentença recorrida viola o art. 100º do CPA., nada mais referindo.
De qualquer forma e, em plena concordância com o já referido na sentença recorrida limitamo-nos a transcrevê-la:
“Quanto à alegada preterição da audiência prévia (art. 100º do Código de Procedimento Administrativo):
Como já se referiu, o regime de concessão de autorização de residência, nos termos do art. 123º da Lei 23/2007 tem natureza oficiosa, já que o procedimento é desencadeado sob proposta do Director Nacional do serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou por iniciativa do Ministro da Administração Interna.
Assim sendo, o requerimento apresentado pelo A. mais não representa do que um apelo ao Director Nacional do S.E.F. para que pondere a possibilidade de propor ao Ministro da Administração Interna, autorização de residência por razões excepcionais de carácter humanitário.(…)
Pelo que não faz sentido a audiência de interessado já que o procedimento, verdadeiramente, não se chegou a iniciar porque, afinal, o Director Nacional do S.E.F. decidiu não o impulsionar”.
Na verdade, a exposição apresentada pelo particular não pode ter a virtualidade de afastar a natureza oficiosa do citado procedimento de concessão de título de residência e de impulsionar, ficando por isso excluída a auscultação do interessado.
É que, sem procedimento, sem instrução, não há lugar ao cumprimento do art. 100º do CPA.
Como dispõe o art. 100.º do CPA, sob a epígrafe "audiência dos interessados", que concluída "… a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta” (n.º 1), sendo que no n.º 2 do artigo seguinte se prevê que a “… notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo poderá ser consultado”.
E do art. 103.º decorre que não “… há lugar a audiência dos interessados: a) Quando a decisão seja urgente; b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão; c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevada que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada …” (n.º 1), prevendo-se a possibilidade dispensa da audiência dos interessados nos seguintes casos “… a) … os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas; b) … os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados …” (n.º 2).
Ora, estes arts. 100.º e 101.º do CPA são aplicáveis salvo excepções previstas no art. 103.º do mesmo Código a todos os procedimentos administrativos de 1º grau. [cfr. Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, Vasco Pereira da Silva, Maria Glória F.P.D. Garcia, Pedro Siza Vieira, João Raposo in: "O Código do Procedimento Administrativo" seminário Gulbenkian, 1992, pág. 26 entre outros assumindo-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 08.º do mesmo código e surge na sequência e em cumprimento da directriz constitucional inserta no art. 267.º, n.ºs. 1 e 5 da CRP constituindo um princípio estruturante do procedimento administrativo.
Daí que porque estamos perante a abertura a todos os interessados e correspondendo a um princípio de participação que o código acolheu, a audiência dos interessados nele prevista não é aplicável aos procedimentos especiais formalizados preexistentes a título subsidiário assim como a todas as situações em que não haja instrução, procedimento.
No art. 100.º do CPA consagra-se o direito a uma participação útil no âmbito de um procedimento sendo que, no caso sub judice, porque estamos perante uma atuação oficiosa por parte da Administração, não existe qualquer interessado no procedimento (que não se chegou a iniciar) a quem deva ser dado cumprimento àquele princípio nem podemos falar da existência de instrução porque a única decisão foi a de não instruir qualquer processo, não dar início a qualquer procedimento.
Pelo que não foi violado o preceito invocado.
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Incompetência da Entidade Recorrida (violação do art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho)
Alega o recorrente que a competência para decidir pertence ao Ministro da Administração Interna, mas a competência para instaurar o procedimento pertence à Entidade Recorrida, pelo que esta tinha que ter apresentado àquele o pedido para decisão não podendo ele decidir
Esta questão está intimamente ligada com o que já dissemos a propósito da violação do art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, pelo que remetemos para o que já dissemos, não tendo qualquer sentido dizer-se que o Diretor Nacional do SEF tinha que levar proposta ao Ministro da Administração Interna, por ser este o competente para decidir.
É que, o ter a possibilidade de o fazer não traduz qualquer ónus ou obrigação.
E nada o obrigava a tal já que quando se verifiquem situações extraordinárias, que não sejam enquadráveis no regime de concessão de autorização de residência, com dispensa de visto, ou na lei de asilo, mediante proposta do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou por iniciativa do Ministro da Administração interna, pode ser concedida autorização de residência, a título excepcional, a cidadãos que não preencham os requisitos exigidos no Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros.
O que significa que o procedimento administrativo pode ser instaurado por iniciativa do Ministro da Administração Interna, ou sob proposta do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, cabendo sempre a decisão do procedimento (não da sua abertura) ao Ministro da Administração Interna.
E tendo a Entidade Recorrida entendido que não estavam preenchidos os requisitos para a concessão de autorização de residência, ao abrigo do disposto no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, em virtude de a situação fáctica não ser subsumível nos conceitos de razões humanitárias, não tinha que efectuar proposta para o órgão decisor da concessão do título de residência – o Ministro da Administração Interna.
É que, não houve por parte da Entidade Recorrida decisão do procedimento administrativo de concessão de autorização de residência, ao abrigo do art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, mas tão-só a recusa (por inobservância dos requisitos legais) de proposta ao Ministro da Administração Interna para concessão de título de residência.
A Entidade Recorrida estava vinculada, pelo princípio da legalidade (art. 3º CPA) a adoptar tal conduta, na medida em que aferiu que o Recorrido não preenchia os requisitos legais para a concessão de autorização de residência.
Daí que seja de manter o decidido em 1ª instância que se transcreve:
“É verdade que a decisão de concessão excepcional de autorização de residência a que alude o art. 123º é da competência do Ministro da Administração Interna.
Mas o Ministro da Administração Interna decide conceder tal autorização por sua iniciativa ou sob proposta do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Ora, tendo o A. requerido ao Director Nacional a autorização de residência em causa, o que na verdade se decidiu foi não impulsionar, não propor ao Ministro da Administração Interna a concessão da autorização de residência excepcional por se considerar que tal pretensão carecia de fundamento legal.
Nem poderia o Director Nacional do SEF propor ao Ministro da Administração Interna a concessão de autorização de residência quando entende que não há fundamento legal para tanto.
Pelo que o acto que decidiu não propor ao Ministro da Administração interna a concessão da referida autorização foi proferido pela entidade com competência para tanto”
Não ocorre, pois, o vício invocado.
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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
R. e N.
Porto 07/3/013
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Maria do Céu Neves
Ass.: Rogério Martins