Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02587/12.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; MATÉRIA DE FACTO CONTROVERTIDA NÃO CONSIDERADA; PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR.
Sumário:
1. Se o tribunal colectivo conheceu da prescrição do procedimento disciplinar sem ter sido produzida prova necessária para apurar factos controvertidos relevantes para o conhecimento desta matéria não existe nulidade do acórdão por ter conhecido de matéria suscitada pelo autor e contrariada pelo réu.
2. O que sucede é existir um erro de julgamento, por não ter considerado factos relevantes e no caso controvertidos, por entender, erradamente, já existir elementos suficientes nos autos para decidir. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:DJA
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar o saneador-sentença
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

DJA veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 11.02.2015, pelo qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa especial conexa com actos administrativos intentada pela Recorrente contra o Município do Porto, e absolvido o Réu do pedido de que fosse anulada a deliberação da Câmara Municipal do Porto de 17.07.2012 – Processo Disciplinar nº 20/11-A, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão de 60 dias e do pedido de condenação do Réu no reembolso de todas as quantias que porventura lhe tenha retirado na sequência da mesma deliberação, nomeadamente a privação de quaisquer salários que o mesmo tenha obtido aquando do seu afastamento do serviço no início do cumprimento dessa pena disciplinar e que eventualmente ainda não tenham sido repostos.
Invocou para tanto, em síntese, que o procedimento disciplinar prescreveu ou, assim não se entendendo, que se impõe o prosseguimento dos autos, para prova em audiência de julgamento dos factos que permitem concluir no sentido da verificação de tal prescrição; que se verificam nulidades da sentença; que a autorização de acumulação de funções deveria ter sido concedida, por se verificarem os pressupostos exigidos por lei para tal efeito, não havendo incompatibilidade entre as duas funções que o Autor acumulou; que o Autor não violou nem o dever de obediência, nem o dever de imparcialidade e que a pena de suspensão não se adequa à potencial infracção disciplinar que o Autor tenha cometido.
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O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção integral do decidido.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1. O Recorrente exerce desde o ano de 2007 funções profissionais na Provedoria dos Cidadãos com Deficiência, da Câmara Municipal do Porto, cujo Director e seu Superior Hierárquico desde essa data e até ao ano de 2012 foi JCO.
2. As avaliações fiscais da Direcção de Finanças do Porto, realizadas pelo aqui Recorrente como Perito Avaliador nos anos de 2008, 2009 e 2010, foram sempre do conhecimento imediato deste seu superior hierárquico, como foi alegado na respectiva petição inicial, e também consta do “parecer fundamentado do dirigente” com data de 06.09.2010, e que se encontra junto aos autos, já que instruiu requerimento apresentado pelo aqui recorrente na Câmara Municipal do Porto aquando do pedido de autorização para exercer a função de perito avaliador. E neste parecer é claro e indesmentível quanto a dois factos essenciais para uma justa decisão da causa, e que são os seguintes:
- Não há incompatibilidade com as funções de serviço;
- o superior hierárquico, JCO, sabia que o aqui Recorrente Engenheiro DJA já desempenhava essas funções de Perito Avaliador da Direcção de Finanças do Porto.
3. Está escrito nesse parecer deste superior hierárquico do Recorrente que “a actividade que o funcionário desempenha fora das horas de serviço não é, de modo nenhum conflituante com as funções que exerce na Câmara Municipal do Porto. Sou da opinião que se deve autorizar a acumulação de funções”.
4. Tratando-se de matéria indiscutivelmente relevante para a melhor decisão da causa, estes factos tinham obrigatória e necessariamente que ser levados à matéria assente e provada, e se alguma dúvida persistisse quanto à veracidade destes factos, ou quanto ao real entendimento e conhecimento que o Senhor Provedor e Superior Hierárquico tinha dessas avaliações então tinha necessariamente que haver lugar à realização de audiência para que fosse concedida ao A. a possibilidade de fazer prova dessa matéria por si alegada e de tamanho relevo – já que até o Provedor fora arrolado como testemunha – para se evitar uma efectiva e injustificada denegação da justiça.
5. Esta matéria tem especial e decisivo relevo no que concerne à apreciação da alegada prescrição do procedimento disciplinar referida pelo Autor e aqui Recorrente na sua petição inicial.
6. Atento ao facto de que o superior hierárquico do aqui Recorrente teve sempre conhecimento das avaliações fiscais feitas por este perito avaliador, e tendo decorrido muito mais de 30 dias entre a data em que foram feitas todas as avaliações fiscais apreciadas no processo disciplinar, e nomeadamente em 06.09.2010 e a data de instauração deste processo disciplinar – dia 06.05.2011 – a sentença recorrida tinha que reconhecer esse facto, e se houvesse dúvidas tinha o dever de as esclarecer através da prova apresentada, mas não reconheceu, pelo que este concreto ponto de facto foi incorrectamente apreciado e julgado, por omissão do dever e até da obrigação de audição e apreciação de todos os meios de prova apresentados pelo Autor para cabal esclarecimento de toda a verdade dos factos – “ É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” – artigo 615.º do Código de Processo Civil.
7. Aplica-se à matéria dos presentes autos a Lei n.º 58/2008, de 09.09 – Estatuto Disciplinar – e nos termos do artigo 6.º, n.º 2, deste Estatuto o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente processo disciplinar no prazo de 30 dias.
8. Mas na sentença recorrida diz-se que: “…igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias” e “…no caso concreto, o “dirigente máximo do serviço para efeitos de operar a prescrição do procedimento nos termos do n.º 2, do Art.º 6.º. do E.D. será quanto ao Autor, a Câmara Municipal, quando muito o Presidente”
Assim,
9. É evidente que na sentença recorrida, foi feita uma leitura da Lei que não corresponde notoriamente nem à letra, nem ao seu espírito, já que este preceito legal aqui aplicado não tem o conteúdo nem o alcance que lhe foi conferido na sentença - a sentença recorrida enferma de uma errada leitura, interpretação e aplicação do Estatuto Disciplinar – artigo 6.º, n.º 2 – aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09.09, e havendo, como deve haver, uma correcta leitura, interpretação e aplicação da Lei, ter-se-á necessariamente de concluir que o direito de instauração deste procedimento disciplinar pela Câmara Municipal do Porto, se encontrava prescrito e como houve violação da Lei aplicável, a sentença recorrida deve ser anulada.
10. A sentença recorrida, fez uma transcrição dos factos considerados provados no processo disciplinar instaurado pela Câmara Municipal do Porto ao aqui Recorrente, factos esses que muitos deles foram contraditados pelo arguido. Estes factos foram julgados e considerados provados por uma das partes mais interessadas neste processo – a Câmara Municipal do Porto - o que torna incompreensível, inadmissível é ilegal que se venham a transcrever como “factos provados” na sentença recorrida – também aqui houve uma clara violação da lei.
11. Reconhece o Autor e aqui Recorrente que houve de facto acumulação de funções nestas avaliações fiscais e sem autorização prévia da sua entidade patronal. E ficaram aqui esclarecidas as razões porque houve essa acumulação, já que tinham a concordância do respectivo superior hierárquico e tratava-se de uma prática corrente em todo o País e em particular nas Câmaras Municipais.
12. Reconhece o Recorrente que sempre agiu de boa-fé e que esta acumulação não acarretou nenhum prejuízo para o interesse público, nomeadamente para a Câmara Municipal do Porto, em cuja área de jurisdição até nem teria sido feita qualquer avaliação fiscal.
13. A razão da Lei ao não permitir que o funcionário desempenhe funções em regime privado em acumulação com a sua função pública é que se não ponha em causa o interesse público, e no presente caso este interesse nunca foi prejudicado.
14. O Estatuto Disciplinar prevê a pena de suspensão para o funcionário que “exerça funções em acumulação, sem autorização, ou apesar de não autorizado” – artigo 17.º, alínea c), do Estatuto Disciplinar – mas para que esta punição tenha lugar, também se exige cumulativamente que “ o trabalhador actue com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e que o seu comportamento atente gravemente contra a dignidade e o prestígio da função “ – o mesmo artigo 17º – o que de todo neste processo não aconteceu, e até muito pelo contrário, sempre se agiu com total boa-fé e sem qualquer gravame para o interesse público, pelo que também com base na alegada acumulação de funções houve uma errada aplicação da Lei, o que torna a sentença nula.
15. Reconhece a sentença recorrida que “ como está bom de ver, o exercício da actividade de perito avaliador de avaliações para aplicação do I.M.I. na Direcção-Geral dos Impostos, próprias de um técnico perito avaliador junto do Ministério das Finanças, nada tem a ver com as funções públicas exercidas junto do Réu ”ademais e especialmente, as relativas ao exercício do cargo de coordenador de um dos sectores de fiscalização da Divisão de Edificações Urbanas da C.M. do Porto”. Mas a verdade é que desde 2007, este funcionário nem sequer ocupara um cargo de coordenador em nenhum destes sectores aqui anunciados, como sempre se esclareceu neste processo. E mesmo que estivesse ligado a algum destes três sectores, que não estava, o exercício destas tarefas privadas, não tinha nada a ver com a sua função pública, não se justifica que o mesmo fosse “condenado”, por esse exercício, como foi, situação que pela sua ambiguidade e obscuridade torna a decisão ininteligível, o que justifica a sua anulação – artigo 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.
16. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, é entendimento do Recorrente que não houve na sua conduta infracção do dever de obediência, já que nos termos do artigo 3.º, n.º 2, alínea f), e n.º 8, do Estatuto Disciplinar:
“O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal “ e o presente processo disciplinar não foi instaurado com base no não acatamento ou incumprimento de qualquer ordem de Superior Hierárquico dada em objecto de serviço e com a forma legal.
17. Também para a punição de um funcionário com a pena de suspensão exige a Lei que este “ desobedeça escandalosamente, ou perante o público e em lugar aberto ao mesmo, às ordens superiores” – artigo 17.º, alínea g), do Estatuto Disciplinar, e que cumulativamente “ o trabalhador actue com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e aqueles cujos comportamentos atentem contra a dignidade e o prestígio da função”. Como estas exigências legais para aplicação da aludida e gravosa pena de suspensão não se encontram preenchidas neste processo, a sentença recorrida, ao considerar que houve infracção do dever de obediência fez uma errada interpretação e aplicação da Lei – artigo 17.º, alínea g), do Estatuto Disciplinar, e havendo violação da Lei, a sentença deve ser anulada.
18. Considera a sentença recorrida que este funcionário violou o princípio da imparcialidade ínsito no artigo 3º, n.º 5 e artigo 17.º, alínea m), do Estatuto Disciplinar. Não existe neste processo nada que prove que este funcionário quer no exercício da sua função pública, quer no exercício da função privada como Perito Avaliador, não desempenhou as mesmas com equidistância relativamente aos interesses com que fosse confrontado, ou que haja discriminado positiva ou negativamente qualquer deles, na perspectiva do respeito pela igualdade dos Cidadãos, como preceitua o artigo 3.º, n.º 5, do Estatuto Disciplinar. E ficou aqui bem esclarecido que este funcionário não violou, com culpa grave ou dolo, o mesmo dever de imparcialidade no exercício de funções como preceitua o artigo 17.º, alínea m), do Estatuto Disciplinar, pelo que não estando, como não estão, preenchidas as exigências legais para aplicação da gravosa pena de suspensão. Também neste ponto a sentença recorrida fez uma errada interpretação da Lei, e esta violação da Lei conduz à anulação da mesma sentença.
19. Este funcionário em toda a sua actuação em toda a matéria constante deste processo agiu de boa-fé, teve a compreensão e apoio do seu Superior Hierárquico, em nada prejudicou o interesse público, em que os poucos proventos auferidos – honorários - foram legitimamente justificados, não justificava que lhe fosse aplicada uma pena tão gravosa como a de suspensão, já que também não estavam reunidos todos os requisitos legais para a sua aplicação, sendo esta pena enormemente desproporcionada ao comportamento deste funcionário. A sentença recorrida, ao reconhecer e manter esta pena de suspensão, violou o princípio da justiça e da proporcionalidade, previsto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, o que a torna nula e de nenhum efeito.
*
II – Matéria de facto.
Foram dados como provados os seguintes factos:
1. O Autor é licenciado em Engenharia Civil, pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto, há mais de trinta anos – acordo das partes.
2. E há quase trinta anos, e também como Engenheiro Civil, exerce funções profissionais na Câmara Municipal do Porto, pertencendo ao respectivo quadro de pessoal – acordo das partes.
3. A maior parte deste exercício da sua profissão ocorreu na Direcção Municipal de Urbanismo, o que estava em sintonia com uma das suas habilitações Profissionais – acordo das partes.
4. Até ao ano de 2000, sempre essa actividade profissional foi exercida no referido âmbito do Urbanismo dessa Câmara Municipal, nomeadamente como coordenador de um dos três Sectores da Fiscalização da Divisão de Edificações Urbanas e na Direcção Municipal de Ambiente e Serviços Urbanos – acordo das partes.
5. Nos anos de 2008, 2009, e 2010, o aqui Autor participou como perito avaliador da DGI em várias avaliações na Região do Porto – acordo das partes.
6. Por requerimento datado de 28.04.2010, com a referência 40549/10/CMP, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal do Porto, o Autor solicitou autorização para acumular as funções por si exercidas no Município com a actividade de perito de avaliações para aplicação do IMI na Direcção Geral dos Impostos - folhas. 6 a 9 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. O referido pedido de acumulação de funções foi apreciado juridicamente, nos termos da informação I/83251/10/CMP de 17.06.2010 que concluiu nos seguintes termos: “Desta feita, considerando o teor do requerimento apresentado, e os preceitos legais e regulamentares supra avançados, parece, salvo melhor opinião que, de um ponto de vista jurídico, as funções de perito regional que o Autor propõe acumular com as funções exercidas no município não reúnem os requisitos necessários para a sua acumulação com as por ele exercidas no município, não se encontrando o requerimento em causa nas condições necessárias para ser deferido pela Senhora Vereadora do Pelouro da Habitação – no uso da competência delegada pelo Senhor Presidente, nos termos da Ordem de Serviço n.º I/144599/09/CMP, de 4 de Novembro” -folhas 11 a 13 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Sobre o rosto da informação acabada de referir recaiu despacho da Vereadora do Pelouro da Habitação, datado de 25.06.2010, do seguinte teor: ”(…) Indefiro nos termos da presente informação (…)” - folhas 11 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Em 29.06.2010, o Autor foi notificado, via e-mail, do despacho de indeferimento do seu pedido de acumulação de funções – folhas 14 e 15 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. Por requerimento datado de 03.09.2010, com a referência 79385/10/CMP, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal do Porto, o Autor solicitou novamente autorização para acumular as funções por si exercidas com a actividade de perito de avaliações para aplicação do IMI na Direcção Geral dos Impostos – folhas 16 a 20 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. Este pedido também foi sujeito a apreciação jurídica, nos termos da informação I/126965/10/CMP de 22.09.2010, que concluiu igualmente o seguinte: “(…) as funções de perito avaliador da Direcção Geral de Impostos que o A. se propõe acumular com as funções exercidas no Município do Porto, não reúnem os requisitos necessários para a sua acumulação, (…) não se encontrando o requerimento em causa nas condições necessárias para ser deferido (…) ” - folhas 21 a 24 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Sobre o rosto da informação referida em 11) recaiu despacho da Vereadora do Pelouro da Habitação, datado de 07.10.2010, do seguinte teor:” (…) Concordo, pelo que indefiro (…)” – folhas 11 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. Em 11.10.2010, o Autor foi notificado, via e-mail, do supra referido despacho de indeferimento - folhas 25 e 26 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. Por ofício com a referência I/17285/11/CMP, datado de 01.02.2011, a Directora Municipal de Recursos Humanos solicitou ao Director dos Serviços de Avaliações da Direcção Geral de Contribuições e Impostos que indicasse as remunerações atribuídas aos peritos locais/regionais com vínculo à Câmara Municipal durante os anos de 2008 e 2010 - folha 43 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Em resposta ao solicitado, por ofício registado com a referência 45394/11/CMP em 15.04.2011, a Direcção de Serviços de Gestão dos Recursos Financeiros da Direcção Geral dos Impostos informou que o Autor auferiu as seguintes quantias, no exercício de prestação de serviços como Perito Avaliador: ano de 2008 – € 1,519,44; ano de 2009 – € 798,49; e ano de 2010 – € 1.266,42 - folha 1 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16. Por e-mail datado de 26.01.2012 a Direcção de Serviços de Avaliações informou ainda que, o Autor, na qualidade de “Perito Regional do Distrito do Porto” efectuou 36 avaliações, no ano de 2010, conforme emerge da análise de fls. 55 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
17. Por despacho da Vereadora do Pelouro dos Recursos Humanos, datado de 06 de Maio de 2011, foi instaurado procedimento disciplinar ao Autor, tendo sido nomeado como instrutor do processo o técnico superior (jurista) CCP, conforme emerge da análise de fls. 47 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18. No âmbito do referido processo disciplinar foi deduzida a peça acusatória que faz folhas 64 a 68 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. O Autor apresentou a resposta à nota de culpa nos termos constantes de folhas 71 a 76 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. Após a instrução do processo, foi elaborado o relatório final do processo disciplinar constante de fls. 124 a 126 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual se destaca o seguinte:
«(…)
2. Factos provados.
Atento tudo o acima exposto considero provados os seguintes factos:
1) O arguido, DJA, técnico superior, com o n.º mecanográfico 3…3, é trabalhador do Município do Porto, desde 15.09.1983, em regime de Contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado desde 01.01.2009 (fls. 38),
2) Por requerimento, datado de 29.04.2010, com a referência 40549/10/CMP, dirigido ao Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, o arguido solicitou autorização para acumular as funções por si exercidas no Município com a actividade de perito de avaliações para aplicação do IMI na Direcção Geral dos Impostos (folhas 6 a 10),
3) O referido pedido de acumulação de funções foi apreciado juridicamente, nos termos da Informação 1/83251/10/CMP de 17.06.2010 que concluiu nos seguintes termos: “Desta feita, considerando o teor do requerimento apresentado e os preceitos legais e regulamentares supra avançados, parece; salvo melhor opinião que, de um ponto de vista jurídico, as funções de perito regional que o requerente se propõe acumular com as funções exercidas no município não reúnem os requisitos necessários para o sua acumulação com as por ele exercidas no município, não se encontrando o requerimento em causa nas condições necessárias para ser deferido pela Senhora Vereadora do Pelouro da Habitação - no uso do competência delegado pelo Senhor Presidente, nos termos do Ordem de Serviço n.º 1/144599/09/CMP, de 4 de Novembro” (fls. 11 a 13)
4) Nessa sequência, o pedido de acumulação de funções do arguido foi INDEFERIDO, por despacho proferido pela Senhora Vereadora do Pelouro da Habitação datado de 25.06.2010 (fls. 11).
5) A 29.06.2010, o arguido foi notificado, via e-mail, do despacho de indeferimento do seu pedido de acumulação de funções (fls. 14).
6) Por requerimento, datado de 03.09.2010, com a referência 79385/10/CMP, dirigido ao Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, o arguido solicitou novamente autorização para acumular as funções por si exercidas com a actividade de perito de avaliações para aplicação do IMI na Direcção Geral dos Impostos (fls. 16 a 20),
7) Este pedido também foi sujeito a apreciação jurídica, nos termos da Informação 1/126965/10/CMP de 22.09.2010, que concluiu igualmente o seguinte: "( ... ) as funções de perito avaliador do Direcção Geral de Impostos que o requerente se propõe acumular com as funções exercidas no Município do Porto; não reúnem os requisitos necessários para a sua acumulação (….) não se encontrando o requerimento em causa nos condições necessárias paro ser deferido (…)”, (fls. 21 a 24).
8) Pelo que, também este pedido de acumulação de funções foi INDEFERIDO, por despacho proferido pela Senhora Vereadora do Pelouro da Habitação datado de 07.10.2010 (fls. 21).
9) A 11.10.2010, o arguido foi notificado, via e-mail, do supra referido despacho de indeferimento (fl. 25).
10) Por ofício com a referência 1/17285/11/CMP, datado de 01.02.2011, a Exma. Sr.ª Directora Municipal de Recursos Humanos solicitou ao Director dos Serviços de Avaliações da Direcção Geral de Contribuições e Impostos que indicasse as remunerações atribuídas aos peritos locais/regionais com vínculo à Câmara Municipal durante os anos 2008 e 2010 (fl. 31).
11) Em resposta ao solicitado, por ofício registado (com a referência 45394/11/CMP em 15.04.2011, a Direcção de Serviços de Gestão dos Recursos Financeiros da Direcção Geral dos Impostos informou que o arguido auferiu as seguintes quantias, no exercício de prestação de serviços como Perito Avaliador (fl. 1):
(…)
12) Por email datado de 26.01.2012 a Direcção de Serviços de Avaliações informou ainda que, o arguido, na qualidade de "Perito regional do distrito do Porto" efectuou 36 avaliações, no ano 2010 (fl. 43)
13) A última avaliação, no ano 2010, realizada pelo arguido, ocorreu em 13.08.2010, onde interveio na qualidade de “presidente em comissões de 2ªs avaliações (…) sendo esta a última data em que participou nas referidas avaliações” (fl. 69)
14) A nomeação, para realização da avaliação referida no artigo anterior, ocorreu em 19.03.2010 (fl. 69).
15) Por informação prestada pelo Sr. Chefe de Divisão, NM, DF Porto - Div. Liquidação Impostos - Património e Outros Impostos, via e-mail de 05.04.2012, o arguido realizou, ainda, com relevância disciplinar neste processo, as seguintes avaliações no ano 2010 (com respectiva data de nomeação e correspondente valor pago) (fl. 75):
(…)
16) A 23.04.2012 o arguido foi notificado pessoalmente da informação prestada pelo Sr. Chefe de Divisão, NM, constante a fls. 73 a 75, tendo-lhe sido concedido o prazo de 10 dias úteis para, querendo, se pronunciar (fls. 76 e 77).
17) Terminado o refendo prazo a 09.05.2012 o arguido não se pronunciou sobre os referidos documentos.
3. Direito aplicável.
Parte das questões suscitadas no presente processo prendem-se com o regime jurídico da acumulação das funções.
A previsão legal de impedimentos e incompatibilidades visa garantir a imparcialidade no exercício de funções públicas (artigo 25º da Lei n.º 12-A/2008 de 27/02 adiante designada LVCR). Em regra, as funções públicas são exercidas em regime de exclusividade (artigo 26º LVCR). Excepcionalmente, verificados os requisitos legais exigidos para o efeito, podem ser exercidas outras actividades/funções públicas ou privadas.
O arguido é técnico superior do Município do Porto e exerce funções no Gabinete do Provedor Municipal dos Cidadãos com Deficiência. Com os requerimentos referª 40549/10/CMP de 29.04.2010 e referª 79385/10/CMP de 03.09.2010 o arguido solicitou autorização para acumular as funções exercidas por si no Município com a actividade de perito de avaliações para aplicação do IMI na Direcção Geral dos impostos. Esta actividade foi considerada igualmente pública. Pelo que, a análise dos pedidos de acumulação de funções supra referidos foram analisados nos termos do disposto no artigo 27º LVCR (este artigo não sofreu qualquer alteração com lei n.º 34/2010 de 2/9). A acumulação com funções públicas tem natureza excepcional só podendo ser autorizada caso exista manifesto interesse público. Existindo o referido interesse público, a possibilidade dos trabalhadores poderem acumular as funções, varia consoante exista ou não, remuneração. Sendo as funções a acumular remuneradas, a autorização só pode ser concedida nas situações taxativamente previstas. Ainda assim, a verificação dos pressupostos legais mencionados, não significa que o trabalhador tenha um direito imediato a acumulação. Apenas demonstra que é admissível em termos legais, ficando a autorização, ainda, dependente de um juízo de valor, discricionário, por parte da administração. Acresce que, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 29º LVCR, a acumulação de funções depende de autorização prévia emitida pela respectiva entidade competente.
4. Apreciação jurídica da prova produzida e dos argumentos aduzidos na defesa à acusação.
Decorre do disposto no artigo 29º da LVCR que a acumulação de funções públicas com actividades públicas carece de autorização. Com esta exigência, visa-se reforçar a dignidade e transparência daqueles que estão ao serviço da Administração Pública, de modo a evitar situações que comprometam a credibilidade e isenção que o exercício de funções públicas exige.
Ora, independentemente das opiniões que se possam formular quanto aos requisitos materiais de admissibilidade da acumulação de funções, o facto é que, o arguido, nunca poderia exercer ambas as actividades sem prévia autorização, nos termos do referido preceito legal. No caso em apreço, o arguido, não só exerceu a actividade de perito avaliador sem autorização (avaliações realizadas e constantes do facto n.º 15) como violou expressamente o despacho de indeferimento proferido pela Senhora Vereadora de 25.06.2010. Note-se que, o arguido é notificado do despacho de indeferimento do requerimento refer.ª 40549/10/CMP, em 29.06.2010 e, pelo menos, em 13.08.2010 realizou uma avaliação como perito avaliador. Sabendo clara e expressamente que não estava autorizado não se inibiu de praticar a actividade. Para compreensão, contextualização e análise do comportamento do arguido é ainda de salientar que, pelos factos dados como provados, este comportamento do arguido foi reiterado ao longo do tempo, pois em 2008, 2009 e 2010 exerceu a actividade em acumulação sempre sem autorização. Saliente-se que estes factos não são contestados pelo arguido em sede de defesa. O arguido assumiu o referido exercício de funções, alegando apenas que o seu exercício não era incompatível com as funções exercidas no município.
5. Tipificação e Enquadramento da infracção disciplinar.
O exercício de funções públicas em acumulação, sem a devida autorização, pode envolver a prática de uma infracção disciplinar Assim, a alínea c) do art. 17º do Estatuto Disciplinar sanciona abstractamente com pena de suspensão aqueles que, actuando com grave negligência ou grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais ou atentando gravemente contra a dignidade e prestígio da função, exerçam funções em acumulação sem a devida autorização. Convém sempre salientar que a aplicação desta ou de outra medida disciplinar pelo exercício de funções em acumulação sem a devida autorização, não dispensa a verificação dos elementos essenciais do conceito de infracção disciplinar definido no n.º 1 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar. Nos termos deste preceito, considera-se infracção disciplinar “o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão ainda que meramente culposo; que viole deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce”. São, portanto, pressupostos da infracção disciplinar:
a conduta do trabalhador (ação ou omissão; uma manifestação controlada pela vontade);
ilicitude, a conduta decorrente da violação de um dever geral ou especial inerente à função que exerce;
o nexo de imputação, que se traduz na censurabilidade da conduta a título de dolo ou mera culpa.
Enunciados os elementos fundamentais do conceito de infracção disciplinar, somos levados a concluir que, a actuação do arguido, na realização das avaliações ocorridas em 26.05.2010 (4), 02.06.2010 (4), 09.07.2010, 06.08.2010 e 13.082010 (2) integram aquele conceito.
A conduta do arguido é censurável, existindo culpa, na medida em que, sabia que só podia exercer funções de perito avaliador em acumulação com as funções no Município mediante autorização prévia (o próprio não contesta essa necessidade e assume-o em sede de defesa, mas mesmo assim, efectuou varias avaliações sem autorização e ainda porque, mesmo após ter sido notificado do indeferimento do seu pedido de acumulação de funções, realizou uma avaliação, violando directamente o referido despacho. O arguido nunca devia ter exercido as actividades em acumulação sem autorização E após o indeferimento expresso tinha suficiente liberdade de determinação para não continuar a exercer a actividade, tal como lhe era juridicamente exigido.
Assim, o arguido praticou uma infracção disciplinar, por violação do dever de imparcialidade e de obediência, previstos, respectivamente, na alínea c) e f) do n.º 2, n.º 5 e n.º 8 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar. O arguido, ao exercer as funções públicas de perito avaliador sem autorização não actuou com equidistância. Actuou em benefício próprio, fazendo prevalecer interesses particulares em detrimento do interesse público. Acresce que fê-lo também, em violação directa do despacho de indeferimento proferido pela Senhora Vereadora.
O despacho de indeferimento ordenou a proibição do exercício de funções em acumulação e o arguido não cumpriu.
VI. PROPOSTA
Nos termos do artigo 20.º do Estatuto Disciplinar, na medida da pena atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigos l5.º a 19.º do Estatuto Disciplinar e ainda à natureza, missão e atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do arguido, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade da sua relação jurídica de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infracção tenha sido cometida militem contra ou a favor dele.
Cumpre então fazer a descrição dos aspectos que considero terem influência na medida da pena que irei propor a final.
Quanto à categoria do arguido, importa referir que o mesmo é técnico superior, com cerca de 30 anos de vínculo ao Município, pelo que, lhe era exigível, o conhecimento pleno das regras inerentes à acumulação de funções, cujo núcleo essencial do regime jurídico é muito anterior a LVCR.
No que concerne ao grau de culpa, a matéria dada como provada evidencia que o arguido actuou com culpa. A natureza da infracção cometida revela que o arguido poderia objectivamente ter tido outro comportamento. Mas não. Optou deliberada e conscientemente pela prática da infracção. Sabia que estava a praticar atos sem a exigida autorização para o efeito e ainda um ato cuja autorização lhe tinha sido expressamente negada via despacho, sabendo que a sua conduta era proibida por lei e juridicamente censurável.
No que diz respeito à personalidade do arguido a mesma revela-se desadaptada ao grau de exigência de um servidor da função pública e especificamente do Município do Porto.
Não se verifica a existência de quaisquer circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar do arguido, nem quaisquer circunstâncias atenuantes ou agravantes especiais, nos termos do disposto nos artigos 21º a 24º do Estatuto Disciplinar.
Orientada pelos princípios da justiça e da proporcionalidade, e tendo em conta tudo o que atrás foi dito, cumpre ponderar qual a pena adequada.
No presente caso verifica-se urna 'infracção disciplinar por violação do dever de imparcialidade e de obediência, previstos, respectivamente, na alínea c) e f) do n.º 2, n.º 5 e n.º 8 do artigo 39 do estatuto Disciplinar, a qual corresponde a respectiva pena de suspensão nos termos do artigo 17.º, alínea d) do mesmo Estatuto.
Tendo em conta todo o circunstancialismo que o processo comporta, considera-se ajustada e proporcional a aplicação da pena de suspensão de 60 dias por ser a pena que se reputa de suficiente e necessária a operar a punição do arguido e a satisfazer as necessidades de prevenção especial e geral que o caso suscita.»
21. Por deliberação da Câmara Municipal do Porto, tomada em reunião de 17 de Junho de 2012, foi aplicada a pena disciplinar de suspensão de 60 dias - folhas 23 e seguintes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
22. Por ofício datado de 20.07.2012, foi o Autor notificado da deliberação referida em 21) - folha 22 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
23. Dá-se por reproduzido o teor de todos os documentos que integram os autos [inclusive o processo administrativo apenso].
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III- Enquadramento jurídico.
1. A prescrição do procedimento disciplinar; a necessidade de produção de prova - a nulidade da sentença.
Concluiu neste ponto em particular o Recorrente:
1. O Recorrente exerce desde o ano de 2007 funções profissionais na Provedoria dos Cidadãos com Deficiência, da Câmara Municipal do Porto, cujo Director e seu Superior Hierárquico desde essa data e até ao ano de 2012 foi JCO.
2. As avaliações fiscais da Direcção de Finanças do Porto, realizadas pelo aqui Recorrente como Perito Avaliador nos anos de 2008, 2009 e 2010, foram sempre do conhecimento imediato deste seu superior hierárquico, como foi alegado na respectiva petição inicial, e também consta do “parecer fundamentado do dirigente” com data de 06.09.2010, e que se encontra junto aos autos, já que instruiu requerimento apresentado pelo aqui recorrente na Câmara Municipal do Porto aquando do pedido de autorização para exercer a função de perito avaliador. E neste parecer é claro e indesmentível quanto a dois factos essenciais para uma justa decisão da causa, e que são os seguintes:
- Não há incompatibilidade com as funções de serviço;
- o superior hierárquico, JCO, sabia que o aqui Recorrente Engenheiro DJA já desempenhava essas funções de Perito Avaliador da Direcção de Finanças do Porto.
3. Está escrito nesse parecer deste superior hierárquico do Recorrente que “a actividade que o funcionário desempenha fora das horas de serviço não é, de modo nenhum conflituante com as funções que exerce na Câmara Municipal do Porto. Sou da opinião que se deve autorizar a acumulação de funções”.
4. Tratando-se de matéria indiscutivelmente relevante para a melhor decisão da causa, estes factos tinham obrigatória e necessariamente que ser levados à matéria assente e provada, e se alguma dúvida persistisse quanto à veracidade destes factos, ou quanto ao real entendimento e conhecimento que o Senhor Provedor e Superior Hierárquico tinha dessas avaliações então tinha necessariamente que haver lugar à realização de audiência para que fosse concedida ao Autor a possibilidade de fazer prova dessa matéria por si alegada e de tamanho relevo – já que até o Provedor fora arrolado como testemunha – para se evitar uma efectiva e injustificada denegação da justiça.
5. Esta matéria tem especial e decisivo relevo no que concerne à apreciação da alegada prescrição do procedimento disciplinar referida pelo Autor e aqui Recorrente na sua petição inicial.
E, na verdade, tinha invocado nos artigos 65º a 68º da petição inicial que:
“Artigo 65º - O superior hierárquico do Autor, Dr. JOC– Senhor provedor Municipal dos cidadãos com Deficiência – também teve conhecimento pelo menos em 06/09/2010 – pág. 7 do relatório final – data em que elaborou a informação atrás referida que o arguido desempenhara a última avaliação fiscal em 13-08-2010, e pretendia continuar a desempenhar esse trabalho de avaliação.
Artigo 66º - E contrariamente ao que consta nessa pág. 7, do relatório final, o Sr. Dr. JOC, quando teve conhecimento do indeferimento em 07-10-2010, pela Senhora Vereadora para os Recursos Humanos do requerimento com o NUD 79385/10/CMP, de 03/09/2010, telefonou nesse mesmo dia à mesma Senhora Directora e reagiu energicamente manifestando o seu desacordo com o teor do despacho de indeferimento.
Artigo 67º - E mais lhe disse nesse mesmo telefonema que tinha conhecimento das várias avaliações que o Eng. DJA tinha feito e que em nada prejudicara o seu serviço na C.M.P..
Artigo 68º - Por várias vezes, estas avaliações fiscais foram objecto de conversa entre o aqui Autor, o Dr. Jc a sua adjunta Srª Arquitecta LF.”
A estes factos respondeu o Réu nos artigos 66º a 73º da contestação:
“Artigo 66.º - Diz ainda o A. – sem fundamento e lendo nos documentos que junta o que deles não consta – que o seu superior hierárquico sabia desde 06.09.2010 que o A. atuava em cumulação de funções e tencionava continuar a fazê-lo.
Artigo 67.º - Trata-se, evidentemente, de uma gigantesca falácia, sem qualquer apoio nos factos, ou nos documentos.
Artigo 68.º - O superior hierárquico soube, apenas, da vontade ou pretensão do A. em cumular funções, emitindo parecer sobre essa vontade. Nada mais.
Artigo 69.º - Nesse momento, ficou a saber que o A. havia legitimamente apresentado um requerimento e pronunciou-se acerca do mesmo. Tudo normal.
Artigo 70.º - Daí até saber que o A. violava a lei e atuava em cumulação de funções não autorizada vai uma distância equivalente à que separa a realidade da fantasia.
Artigo 71.º - Como se constata, o superior hierárquico do A. não tomou conhecimento que o A. se encontrava a exercer a atividade de perito avaliador sem autorização,
Artigo 72.º - Sendo que, bem ao invés, podia e devia presumir que o não fazia. Se não, por alma de quem estaria a pedir autorização?...
Artigo 73.º Bem ao invés, os superiores hierárquicos do A. tomaram conhecimento da acumulação de funções somente a 15 de abril de 2011, data em que as Finanças informaram o R. de que o A. vinha auferindo valores pelos serviços prestados como perito avaliador das Finanças – cfr. fl. 1 do processo disciplinar.”
Aos presentes autos, que deram entrada em juízo em 2012, aplica-se, na fase dos articulados, o Código de Processo Civil de 1995, por força do artigo 5º, nº 3, da Lei nº 41/2013, de 26.06, ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002.
Os factos alegados pelo Autor foram, como resulta do teor dos artigos supra citados da contestação, contestados pelo Réu, que, assim, cumpriu o disposto no artigo 490º, nº 1, do referido Código de Processo Civil, sendo certo que, só com a sua prova, pode concluir-se no sentido propugnado pelo Autor – a verificação da prescrição do procedimento disciplinar.
Tendo sido contestados e sendo os mesmos decisivos para se conhecer dessa prescrição, terão que ser objecto de produção de prova em audiência de discussão e julgamento, para se concluir pela sua verificação ou não verificação.
Logo depois da fase dos articulados, impõe-se cumprir o disposto no artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06, ou seja, notificar as partes para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos do Código Processo Civil, aprovado em anexo à referida lei – Código de Processo Civil de 2013.
Depois da notificação das partes a que alude aquela norma, cumpre proferir despacho saneador, identificar o objecto do litígio e enunciar os temas de prova, neste caso, cingindo-se o tema de prova aos factos enunciados neste despacho – artigos 65º a 68º da petição inicial, que deverão ser objecto de prova em audiência de julgamento.
A faculdade de o fazer, em audiência prévia, ou com dispensa de audiência prévia, pertence ao Juiz a quo.
O Colectivo a quo, ao proferir a decisão final, conheceu de questão que podia conhecer, a prescrição do procedimento disciplinar, por ser tema da acção, suscitado pelo Autor e contestado pelo Réu, ao contrário do defendido pelo Recorrente.
Mas errou por decidir sem apurar factos relevantes e controversos cumprindo previamente o disposto a artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06, e produzindo prova em audiência de julgamento, por entender, erradamente, não ser necessário cumprir esses trâmites e já existir elementos suficientes nos autos para decidir.

2. Demais questões suscitadas no presente recurso.
A decisão tomada quanto ao prosseguimento dos presentes autos para prova dos factos integradores da prescrição do procedimento disciplinar impede que se conheça das demais questões suscitadas no presente recurso.
Assim, o recurso merece provimento, impondo-se revogar o saneador-sentença recorrido, e ordenar o cumprimento do disposto no artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06.
***
IV- Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, pelo que:
A) Revogam o saneador-sentença recorrido.
C) Ordenam o cumprimento do disposto no artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06, seguindo-se os ulteriores termos dos autos nos termos impostos pelo Código do Processo Civil, aprovado em anexo à referida Lei.
D) Ordenam a baixa dos autos à 1ª instância para prossecução dos seus ulteriores termos.
Não é devida tributação
Porto, 28.06.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro