Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00095/01-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
EXCESSO NA QUANTIFICAÇÃO
Sumário:1. Impugnando a quantificação por métodos indirectos, não basta ao contribuinte lançar a dúvida sobre a quantificação realizada pela AT.
2. Estando ele onerado com o ónus da prova do excesso, a dúvida resolve-se a favor da AT.
3. A provável falibilidade, inverosimilhança, da quantificação é resultado da inevitabilidade em accionar o método indirecto ou presuntivo.
4. Mas a duplicação de bens numa amostragem não pode considerar-se inerente à falibilidade do método de avaliação indirecta.
5. Mesmo não estando concretizado em montante exacto o excesso na quantificação, se ele é real e evidente, a liquidação deve ser anulada.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Snack-Bar..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença proferida no TAF do Porto que julgou procedente a impugnação deduzida por Snack Bar ... Unipessoal, Lda. contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1996 no valor de Esc. 1.231.170$

Concluiu as alegações com as seguintes conclusões:

A. A Fazenda Pública não se conforma com a douta decisão emanada, na parte relativa à errónea quantificação da matéria tributável, por contraditória, incorrendo em erro de julgamento da matéria de facto.
B. A douta sentença recorrida, por um lado, refere que a impugnante não logrou provar em concreto que a quantificação efectuada pela Administração Fiscal foi excessiva, dado que apresentou parcos elementos objectivos, não os quantificando, não permitindo apreciar até onde vai o alegado excesso e erro na determinação da matéria colectável; adiante acrescenta que era necessário provar que os critérios utilizados não são razoáveis ou que existe ostensiva imponderação.
C. A douta sentença recorrida nota que o recurso a estimativas comporta sempre alguma margem de erro, e torna difícil ter em conta todas as especificidades comerciais do contribuinte
D. Todavia, a douta sentença reconhece que os serviços de inspecção explicitaram com clareza o método seguido, assente nos dados disponíveis.
E. Não obstante, contraditoriamente e sem justificar cabalmente, refere ter ficado a ideia que houve excesso de quantificação, ante o teor dos testemunhos, por duplicação na estimativa de produtos, apontando alguma subjectividade na consideração desta duplicação de produtos que distorceu os resultados finais e desfasando-os da realidade do negócio.
F. Entende a Fazenda Pública, pelo contrário, que foram demonstrados os pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a métodos indirectos, objectivamente.
G. Feita essa prova, e porque em relação à quantificação com recurso a métodos indirectos, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, recaía sobre a impugnante o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação, que os elementos utilizados pela Administração Fiscal ou o método que utilizou são errados ou geraram excesso manifesto.
H. Com efeito, reconhecida que é a ocorrência de discricionariedade, nomeadamente, de cunho técnico, na actuação de métodos indirectos de avaliação, torna-se muito provável que o valor, então, apurado seja “um valor probabilístico e não um valor absolutamente certo”.
I. Sendo uma certa margem de discricionariedade inevitável, esta é porém é susceptível de controle judicial, mediante a produção de provas adequadas e fortemente convincentes em ordem à demonstração que o funcionamento daquele poder discricionário conduziu ao apuramento de valores e à fixação de resultados objectiva e inquestionavelmente excessivos.
J. Sobre o aspecto da quantificação da matéria tributável por métodos indirectos é imperativo atentar e fazer actuar o regime legal positivado nos art.s 100º, nºs 2 e 3, do CPPT e do disposto nos art.s 51º, 52º e 98º, todos do CIRC, infringidos pela douta sentença recorrida.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. PGA junto deste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento ao determinar a anulação da liquidação por haver excesso na quantificação da matéria tributável.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados:
A sociedade Snack-Bar ..., Lda. foi constituída sob a forma de sociedade por quotas, figurando na data da sua constituição como sócios-gerentes G… e mulher C….
Por escritura pública, lavrada em 06/10/1997, verificou-se alteração da gerência, figurando, agora, como sócia-gerente da impugnante M….
A sociedade Impugnante encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e é tributada em sede de IRC pelo regime geral de tributação.
A actividade exercida pela impugnante é snack-bar, confeitaria e pastelaria.
Para além dos sócios gerentes, trabalhavam na empresa dois funcionários.
A impugnante possui contabilidade organizada de harmonia com a lei comercial e fiscal, encontrando-se os livros a que se refere o artigo 31.º do Código Comercial escriturados e em dia.
Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto procederam a acção de fiscalização, que se iniciou em 07/01/2000 e foi concluída em 23/02/2000, analisando a contabilidade da impugnante em sede de IVA e de IRC e, nessa sequência, foi-lhe efectuada, designadamente, liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1996.
A impugnante foi objecto desta acção de fiscalização que resultou de uma proposta de fiscalização externa, elaborada na sequência de um exame à escrita efectuado para o exercício de 1993 e teve por base os elevados prejuízos fiscais que apresentou nos exercícios de 1995 e 1996.
Consideradas as omissões na contabilidade e os elementos referidos no relatório de inspecção tributária, cujo teor de fls. 21 a 36 dos autos aqui se tem por integralmente reproduzido, os serviços de fiscalização verificaram a existência de indícios fundados de que a contabilidade, nos exercícios de 1995 e 1996 não reflectia a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, não sendo possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, pelo que propuseram a determinação do lucro tributável por métodos indirectos, nos termos do artigo 51.º do Código de IRC.

Para determinação do volume de negócios, por não ter sido exibida a lista de preços praticados em 1995 e 1996, foram tidos em conta os valores dos preços praticados tal como referidos pelo sócio-gerente e as compras apuradas através dos registos contabilísticos da impugnante – cfr. teor integral do auto de declarações prestadas por G…, ínsito a fls. 277 a 282 dos autos, que aqui se tem por integralmente reproduzido.
A impugnante foi notificada do teor do projecto de conclusões da acção inspectiva – relatório de inspecção tributária, de acordo com os artigos 60.º da LGT e do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo exercido o direito de audição neste momento – cfr. documento 5 junto com a petição inicial, ínsito a fls. 60 e 61 dos autos, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
As razões da impugnante, apresentadas em sede de audição prévia, foram analisadas e consideradas insusceptíveis de aceitação pela Administração Fiscal com os fundamentos constantes de fls. 30 dos autos, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
Em 24/04/2000, sobre as conclusões do relatório de inspecção tributária recaiu decisão final, cujo teor se passa a transcrever: “Confirmo as correcções propostas, bem como a tributação por métodos indirectos, nos termos dos artigos 87.º a 89.º da Lei Geral Tributária, face à fundamentação do presente relatório. (…)” – cfr. fls. 21 dos autos.
Nessa sequência, foi apurado o lucro tributável, conforme fls. 29 dos autos, com recurso a métodos indirectos.
Não se conformando com os valores obtidos pela Administração Tributária, a impugnante, em Junho de 2000, apresentou reclamação para a Comissão de Revisão – cfr. 43 a 47 dos autos, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
O pedido foi indeferido, por decisão proferida em 03/08/2000, com os fundamentos constantes de fls. 50 a 56 dos autos, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
Foi enviado à impugnante o ofício n.º 11034, de 06/09/2000, contendo a notificação desta decisão – cfr. fls. 49 dos autos.
Nesta sequência, foi liquidado adicionalmente IRC, relativo ao exercício de 1996, em 20/09/2000, pelo acto de liquidação identificado com o n.º 8 310 011 386, no valor global de Esc.1.231.170$00 (€6.141,05), do qual Esc.821.073$00 respeita a IRC e Esc.327.990$00 respeita a juros compensatórios – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
Tal liquidação tinha como prazo de pagamento voluntário o dia 22/11/2000.
Nas refeições económicas servidas no snack-bar da impugnante estava incluído no preço a sopa, o prato de peixe ou de carne, o pão, e, a maioria das vezes, o café, a bebida e a sobremesa.
As quatro pessoas que trabalhavam no Snack-bar bebiam livremente café, tendo a pessoa que trabalhava na cozinha admitido que bebia, por dia, cerca de seis cafés.
Com a realização de obras na Avenida… (que duraram mais de um ano) e com o encerramento de vários stands naquela área, verificou-se uma grande diminuição da clientela no Snack-bar da impugnante.
O Snack-bar quase só tinha clientela à hora do almoço.
Na Rua… e no mesmo lado do passeio onde se localizava o Snack-bar da impugnante havia mais três estabelecimentos do mesmo género, onde também se serviam refeições económicas.
O antigo gerente, G…, comentara com alguns clientes que o dinheiro realizado no estabelecimento só chegava para pagar aos empregados.
Esse gerente socorria-se de empréstimos em dinheiro, junto de alguns clientes, para pagar a renda do estabelecimento.
A presente impugnação foi apresentada no serviço de finanças do Porto – 3 em 20/02/2001 – cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, dos constantes do processo administrativo ínsito nos mesmos, por acordo das partes e na prova testemunhal produzida.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação contra a liquidação adicional de IRC referente a 1996 por julgar verificado excesso na quantificação.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda da decisão e defende que o valor apurado é um valor probabilístico e não um valor absolutamente certo e que, portanto, não houve –ou não foi demonstrado – excesso na quantificação.

A quantificação da matéria tributável foi apurada com recurso a métodos indirectos.
Instaurado procedimento de revisão da matéria tributável, não se alcançou acordo entre os peritos.

A MMª juiz «a quo» julgou verificados os requisitos para recurso à avaliação indirecta, mas concluiu haver excesso na quantificação da matéria tributável.

Com esta decisão não se conforma o Exmo. Representante da Fazenda Pública.

Assim, impõe-se analisar se a Recorrida fez a demonstração do excesso na quantificação conforme exige o art. 74/3 da LGT: Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.

A MMª juiz «a quo» pareceu reconhecer que a Impugnante falhou no ónus probatório que lhe competia. «Note-se», diz a douta sentença, «…que a impugnante não logrou provar, em concreto, que a quantificação efectuada pela Administração Fiscal foi excessiva, dado que apresentou parcos elementos objectivos, não os quantificando, por forma a contrapor a quantificação feita pela Administração. Logo, não é possível apreciar, concretamente, até onde vai o alegado excesso e erro na determinação da matéria colectável, por falta de especificação e quantificação pela impugnante.»

Mas este reconhecimento do fracasso no ónus probatório da Impugnante é aparente porque logo de seguida a MMª juiz prossegue dizendo que «Contudo, se, por um lado, não ficou demonstrado que a contabilidade demonstrava a realidade económica e patrimonial, por outro, ficou claramente a ideia que houve excesso de quantificação de matéria tributável.
Na verdade, a prova testemunhal foi clara em transmitir ao tribunal a convicção de que a clientela da impugnante era reduzida (principalmente por força das obras realizadas na Avenida dos Combatentes) e que tinha muita concorrência de estabelecimentos idênticos nas imediações. Não é igualmente despiciendo o facto de alguns testemunhos terem revelado que os lucros da empresa apenas chegavam para pagar aos trabalhadores.
Ora, se por um lado não se pode esquecer que se tratou de uma liquidação efectuada por recurso a estimativas uma vez que a contabilidade da impugnante não possibilitava os elementos suficientes e claros para o efeito e que, naturalmente, um valor apurado por presunção comporta sempre a hipótese de alguma margem de erro, o qual tanto pode reverter a favor ou contra o contribuinte ; por outro lado, a impugnante logrou provar que na amostragem efectuada ocorreu manifesta duplicação de produtos, designadamente no que tange a bebidas e a café, já que por uma via foram analisados individualmente e, por outra, foram incluídos no preço das refeições.»

Recuperando os fundamentos da sentença, vemos que se levaram em consideração factos relevantes para o reconhecimento do excesso na quantificação:

A clientela da impugnante era reduzida;
Tinha muita concorrência de estabelecimentos idênticos nas imediações;
Alguns testemunhos revelam que os lucros da empresa apenas chegavam para pagar aos trabalhadores;
Na amostragem efectuada ocorreu manifesta duplicação de produtos, designadamente no que tange a bebidas e a café, já que por uma via foram analisados individualmente e, por outra, foram incluídos no preço das refeições.

Perante estas considerações factuais e a conclusão de que houve excesso na quantificação, será contraditório dizer-se que a «…impugnante não logrou provar, em concreto, que a quantificação efectuada pela Administração Fiscal foi excessiva…»?

Aparentemente sim. Mas cremos que a interpretação da douta sentença dissipa essa contraditoriedade aparente (as sentenças também devem ser interpretadas. Cfr. ac. do TCAS n.º 06234/10 de 19-01-2012 - Relator: BENJAMIM BARBOSA- Sumário: -As sentenças, tal como as normas, tal como as leis, devem ser interpretadas no seu contexto legal e factual, não bastando ser lidas, porque só uma interpretação adequada do texto da sentença permite em regra alcançar o raciocínio jurídico subjacente à decisão)


Ora vejamos.
Prosseguindo a sua análise relativa à quantificação, a MMª juiz «a quo» adianta que a Impugnante «apresentou parcos elementos objectivos, não os quantificando, por forma a contrapor a quantificação feita pela administração. Logo, não é possível apreciar, concretamente, até onde vai o alegado excesso e erro na determinação da matéria colectável, por falta de especificação e quantificação pela impugnante». (destaque nosso)

Reconhecendo-se a regra segundo a qual o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (art. 413º do NCPC – anterior 413º do CPC), o que retiramos da douta sentença é que aos valores apurados pela AT na quantificação a Impugnante não contrapôs valores exactos. Ou seja, aos valores determinados pela AT a Impugnante não apresentou (não demonstrou) outros valores (mais baixos).

Parecendo-nos ser esta a interpretação que se colhe da douta sentença, compreendemos agora melhor o que a MMª juiz «a quo» quis dizer quando afirmou que a impugnante não logrou provar, em concreto, que a quantificação efectuada pela Administração Fiscal foi excessiva. Embora não seja uma formulação totalmente feliz, ela é compreensível no seu contexto e com a interpretação que nos parece devida.

Em suma, não vislumbramos qualquer contradição nem nulidade da sentença (que também não foi invocada pelo Recorrente)

Prosseguindo com a análise do recurso, a AT defende nas suas conclusões que
a) Foram demonstrados os pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a métodos indirectos (Conclusão F)
b) Feita essa prova, recaía sobre a impugnante o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação (Conclusão F)
c) Em relação à quantificação com recurso a métodos indirectos, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte (conclusão G.).
d) Uma certa margem de discricionariedade é inevitável (conclusão I).
e) Esta porém é susceptível de controle judicial, mediante a produção de provas adequadas e fortemente convincentes em ordem à demonstração que o funcionamento daquele poder discricionário conduziu ao apuramento de valores e à fixação de resultados objectiva e inquestionavelmente excessivos (conclusão I).

Não há qualquer dúvida sobre a pertinência do recurso à avaliação indirecta neste processo, e também que cabe à AT prova dos seus pressupostos que, aliás, logrou demonstrar (cfr. art.º 51º/-d) do CIRC).
Isso nem sequer está em discussão neste recurso, pelo que sobre essa matéria não nos debruçaremos.

Também não há dúvida de que recai sobre o contribuinte o ónus da prova de que houve excesso (e não apenas erro) na quantificação.

São ambas questões pacíficas, estão previstas na lei (art. 74º/3 LGT) e têm sido objecto de vasta e uniforme jurisprudência (cfr. por todos ac. do TCAN n.º 00169/08.6BEBRG de 13-11-2014 Relator: Cristina Flora)

Apenas cabe referir que não basta ao contribuinte lançar a dúvida sobre a quantificação realizada pela AT. Estando ele onerado com o ónus da prova do excesso, a dúvida resolve-se a favor da AT (art. 414 do NCPC correspondente ao anterior art. 516º cfr. ac. do TCAS n.º 04335/10 de 18-10-2011 Relator: ANÍBAL FERRAZ Sumário: 2. Sendo característico das situações apontadas por lei como de impossibilidade de avaliação directa da matéria tributável o aparecimento de dúvidas sobre a quantificação real, inerentes e consequentes da utilização de métodos indirectos, que, actuando indicadores, sempre e só podem alcançar um valor aproximado do que provavelmente a matéria tributável efectiva terá tido, só é viável e legalmente sustentável uma decisão no sentido da anulação do acto tributário impugnado, por alegado erro em sede de quantificação da matéria tributável, caso o impugnante, sem reticências ou necessários reparos, demonstre, comprove, a ocorrência de “erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada”.
3. Assim, não aproveita ao impugnante uma actuação processual e, sobretudo, probatória, direccionada e orientada pelo, simplista e preguiçoso, objectivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário. É imprescindível um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável.)

Também se entende que uma certa dose de discricionariedade, imprecisão e incerteza são admissíveis na quantificação da matéria tributável por avaliação indirecta.

Essa incerteza manifesta-se nas situações em que o respectivo apuramento se mostra inviabilizado pela falta de credibilidade, inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração da responsabilidade do sujeito passivo.

Sendo esta a causa que determina a necessidade de a AT lançar mão dos métodos indirectos, também a mesma tem de servir para tolerar e justificar que na execução desses métodos ocorra alguma margem de discricionariedade no estabelecimento dos valores em que se há-de expressar a quantificação, não viabilizada com o apoio da contabilidade ou declaração do contribuinte.

Isto é, a provável falibilidade, inverosimilhança, da quantificação é resultado da inevitabilidade em accionar o método indirecto ou presuntivo, derradeira possibilidade de repor a legalidade e apurar uma determinante e insubstituível matéria tributável que, apenas por motivos, deficiências, imputáveis ao sujeito passivo, não pode estabelecer-se com recurso à via normal (directa) que é a contabilidade ou escrita comercial deste (ac. do TCAN n.º 00235/04.7BEPNF de 25-01-2007 Relator: Aníbal Ferraz.)

Dessa incerteza na quantificação deu conta a MMª juiz «a quo» ao referir que «… a partir do momento em que se mostra legitimado o recurso a métodos indirectos, dificilmente será possível ter em conta todas as especificidades, em concreto, do contribuinte em causa, tudo funcionando por margens médias, taxas médias, coeficientes, entre outros elementos, já que a verificação directa é impossível, também o sendo a tributação real e efectiva, em prejuízo de grande parte das especificidades comerciais do contribuinte. Todavia, já em sede de audição prévia e de reclamação para a comissão de revisão a impugnante havia alertado para o facto de o preço das refeições económicas incluir a sopa, o prato de peixe ou carne, pão, bebida e café, não podendo depois a Administração Fiscal individualizar cada produto (bebida e café); tendo-se logrado provar esta constituição da refeição económica».

Ou seja, tomando como ponto de partida a incerteza na quantificação por métodos indirectos, também não foi por falta de colaboração do sujeito passivo que a AT incluiu no seu método de quantificação a individualização da bebida e do café quando estes produtos estavam incluídos na refeição económica, acabando assim por os duplicar.

E essa «duplicação» também não é uma decorrência inevitável do método de avaliação indirecta. Não é uma «incerteza/duplicação» que seja inerente ao método; revela antes uma opção (não rigorosa) na escolha dos bens/produtos que constituem a amostragem (refeição económica) para estimativa de valores.

Assim «duplicando» alguns bens que constituem a amostragem, como bem assinala a MMª juiz «a quo», «Os resultados finais mostram-se efectivamente distorcidos e desfasados do negócio em apreço, e acabam por ter a relevância que a impugnante lhe quer dar, já que, como se disse, apesar terem sido utilizados métodos indiciários e haver uma margem de erro, algumas imprecisões e trabalhar-se com estimativas, com amostragens, é um facto que ocorreu duplicação de produtos nestas, reflectindo-se em lucro que manifestamente a impugnante não terá tido. (…) Perante tal factualidade, o critério utilizado merece credibilidade e ponderação, sempre com a ressalva de se tratar de uma amostragem média; todavia, alguns parâmetros e coeficientes utilizados pela administração, nos termos da alínea c) do artigo 52.º do CIRC, padecem de erro de facto (ou até de arbitrariedade, mas pelo menos de subjectividade), já que é inadmissível a duplicação de produtos na amostragem, pelo que se impõe a anulação da liquidação, mesmo não estando devidamente concretizado o excesso.»

E de facto assim é. Mesmo não estando concretizado em montante exacto o excesso na quantificação, ele é real e evidente.

Isto significa estar demonstrado o excesso na quantificação da avaliação indirecta (art. 74º/3 LGT) pelo que a sentença não poderá deixar de ser confirmada.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
Porto, 15 de Outubro de 2015.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira