Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00700/22.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
INADMISSIBILIDADE DE PEDIDO DE ESCLARECIMENTO:
ERRO DE ESCRITA - FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:

I – A formulação de um pedido de “prestação de esclarecimentos” mostra-se reservada para os elementos constantes das propostas apresentadas sobre os quais subsistam dúvidas, especialmente, de interpretação e/ou de legibilidade.

II – Assim, em ordem ao júri concursal poder lançar mão desta faculdade, necessário se tornava que, da referida proposta, emergisse já a evidência sustentada de tal representação.

III- A convocação do instituto previsto no artigo 249º do C.C está dependente da deteção da existência de um (i) erro de cálculo e/ou de (ii) escrita, ambos ostensivos, percetíveis a qualquer pessoa de medianos conhecimentos.

IV- Apresentando-se distintivo que a proposta apresentada pela Recorrente não deixa margem para dúvidas interpretativas, nem evidencia a existência de qualquer erro de escrita, deve concluir-se no sentido da inadmissibilidade da formulação de um pedido de esclarecimento por parte do júri concursal, mormente, com fundamento na representação da existência de um erro de escrita, desde logo, face à normação vertida no nº.4 do artigo 72º do CCP.

V- Detetando-se que o júri concursal distinguiu e graduou as propostas entre si com recurso ao uso de adjetivos como “inovador”, “diversificado”, “relevante”, “notável”, “profundo”, “básica”, “médio” e “moderada”, sem qualquer referência ou explicitação quanto à alusão a tais representações, deve entender-se que a fundamentação adotada pela Administração redunda no uso de conceitos genéricos, impregnados de subjetivismo, certezas resultantes da íntima convicção, inescrutável e não racionalizável, portanto, não analisável e incontrolável, em torno da realidade existente.

VI- Donde se conclui que não resulta apreensível, por qualquer destinatário médio, as razões que conduziram à atribuição das específicas pontuações, o que equivale por dizer que o ato não se encontra devidamente fundamentado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
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I – RELATÓRIO
1. Município ... e [SCom01...], LDA., aquele Réu e esta Contra-interessada nos autos à margem referenciados de AÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora [SCom02...], LDA., vêm interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou “(…) procedente a presente ação e, em consequência, anul[ou] o despacho de 19.9.2022 do Presidente da Câmara Municipal ..., ratificado por deliberação da Câmara Municipal ... de 22.9.2022, de adjudicação à [SCom01...], Lda. do procedimento concursal visando a Concessão da Gestão e Exploração do Mercado ..., em ...”.
2. Alegando, o Recorrente Município ... formulou as seguintes conclusões: “(…)
A) O segmento decisório da sentença, que determina a anulação do despacho de 19/09/2022 do Presidente da Câmara Municipal ..., ratificado por deliberação da Câmara Municipal ... de 22/09/2022, de adjudicação à [SCom01...], Lda. o procedimento concursal visando a “Concessão da Gestão e Exploração do Mercado ..., em ...”, está em contradição com a fundamentação de direito atento o exposto a página 92 da decisão recorrida que dispõe que: “No âmbito das ações impugnatórias dispõe-se no art.° 55.° n.° 1 al. a) do CPTA ex vi art.° 101.°, n.° 1 do CPTA que tem legitimidade para impugnar um ato administrativo “quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.”. Para efeitos deste dispositivo entende-se que o interesse será direto quando tem repercussão imediata no interessado, isto é, um interesse atual e efetivo (excluindo as situações em que o interesse é reflexo, indireto, eventual ou meramente hipotético), e será pessoal se a repercussão da anulação do ato se projeta na sua própria esfera jurídica (reportando-se à utilidade ou vantagem que poderá advir da anulação do ato impugnado). Por sua vez, o interesse em agir é o pressuposto pelo qual a parte, legitima, justifica a carência de tutela judiciária, relacionando-se com o interesse adjetivo, que decorre da situação, objetivamente existente, de necessidade de proteção judicial daquele interesse substantivo. Note-se que embora o autor possa ter interesse direto em demandar e ser o titular da relação material controvertida, desfrutando, portanto, de legitimidade processual, pode não ter necessidade de lançar mão da ação. Com efeito, porque se exige um real interesse do autor e porque os Tribunais devem julgar questões concretas de relevante interesse, exige-se como requisito que o demandante demonstre a necessidade de usar o meio que a ação exprime, pois que, de outro modo, os Tribunais seriam enxameados de pleitos para se obterem decisões a que poderiam corresponder meros caprichos, ou propósitos de solução de questões puramente académicas, transformando os Tribunais em órgãos de consulta”;
B) Assim, da fundamentação enunciada resulta necessariamente outra decisão quanto à aferição do pressuposto processual quanto ao (falta de) interesse em agir, pois que, sem prejuízo daquela não obrigatoriedade da cumulação de pedidos, uma vez que se exige que o demandante demonstre a necessidade de usar o meio que a ação exprime, é que a Autora, derivado da sua posição no procedimento concursal (3° classificado) , deveria ter efetuado a cumulação de pedidos em sede declarativa para, só assim, conseguir demonstrar e acautelar o seu interesse em agir, e não o fez, o que resultaria na procedência da exceção dilatória de ilegitimidade da Autora, dando lugar à absolvição do Réu, aqui Recorrente, da instância, nos termos do n.° 1 e n.° 2 do art.° 89.° do CPTA, enfermando assim a decisão de nulidade, atenta a contradição insanável, já que a fundamentação da sentença aponta num sentido e a decisão no sentido oposto, nos termos da alínea c) do n.° 1 do art.° 615° do CPC ex vi art.° 1.° do CPTA;
C) Por sua vez, assacar conclusão contrária com base num juízo de prognose sobre a futura conduta da Autora, presumindo que esta, na hipótese do pedido proceder, irá/poderá socorrer-se da execução de sentença para pedir a condenação à prática do ato devido (quando já o devia ter feito), resvala para um campo de incerteza que pode acabar por fazer da sentença proferida “uma solução de questões puramente académicas” sobre o procedimento concursal em crise, sem qualquer efeito jurídico na esfera das partes, em violação do disposto no n.° 3 e 4 do art.° 607.° do CPC, ex vi art.° 1.° do CPTA;
D) Verifica-se também erro de julgamento quanto à matéria de facto, nos termos da al. b) do n.° 1 do art.° 640.° do CPC, aplicável ex vi, art.° 1.° do CPTA, quando a sentença refere, na página 99, que "(...) lida a proposta da CI e as circunstâncias em que foi feita, não se deteta qualquer evidência de que estivesse em causa no local apenas e só o armazenamento de bebidas e não a sua venda.”;
E) E por isso conclui que o que emergia do esclarecimento solicitado pelo júri se traduziria numa alteração da proposta da CI e, uma vez que nos termos das cláusulas 1ª, n.° 2 e 1ã, n.° 2 do Anexo I do CE, a concessão apenas abrange o direito de explorar o restaurante do piso 1 e até 4 quiosques no piso 0, de tal forma que a inserção de um novo espaço a explorar pelo concessionário - quando a proposta da CI já contemplava 4 quiosques no piso 0 - "... traduz-se na apresentação pela proposta de uma condição em violação de um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência a determinar a exclusão da proposta nos termos do art.° 70.°, n.° 2, al. b) do CCP e, por isso, a inadmissibilidade do esclarecimento nos termos do art.° 72.°, n.° 2 do CCP”;
F) Porém, resulta da Memória Descritiva da proposta da CI (cfr. III.1. Matéria de Facto, Ponto 6., da sentença), contrariamente ao aventado na sentença recorrida, evidências de que sob o espaço sobrelevado estivesse em causa um local apenas para o armazenamento de bebidas - veja-se o Plano Arquitetónico, as imagens 3D constantes da paginas 66 e 67 do documento (Doc. ...1 da pasta 5 do PA) para visualização do espaço, e das Axonometrias disponíveis na pagina 70 e 71 do mesmo documento, que revelam que aquele espaço sobrelevado é totalmente fechado, como que uma "caixa”, com acesso ao palco por uma escada traseira com acesso pela lateral, sem qualquer balcão (contrariamente aos quiosques);
G) Não estando assim em causa um 5° espaço de exploração e, consequentemente, não se verificando por isso qualquer causa de exclusão da proposta da CI, bem como, reflete a fundada razão para a dúvida colocada pelo júri, tendo em conta todos os elementos da proposta, designadamente o Plano Arquitetónico.
H) Termos em que, da matéria de facto, designadamente da Proposta da CI (ponto III. 1, facto 6. Da sentença recorrida), do Plano Arquitetónico, impunha decisão diversa da recorrida nos termos da al. b) do n.° 1 do art.° 640.° do CPC, aplicável ex vi art.° 1.° do CPTA.
I) Acresce, ainda, que a sentença padece de erro de julgamento de direito e da matéria de facto, nos termos do n.° 3 e n.° 4 do art.° 607.°, al. b) do n.° 2 do art.° 639.° e al. b) do n.° 1 do art.° 640.° todos do CPC aplicáveis ex vi art.° 1.° do CPTA, na análise da alegada falta de fundamentação do ato, considerando que sentença desconsidera o facto de que em momento nenhum do procedimento concursal, nem na Petição Inicial, seja a primeira ou a aperfeiçoada, foi colocado em causa as peças do procedimento, nomeadamente a suficiência (ou falta dela) do detalhe da grelha de avaliação;
J) Desconsidera também o facto de que a Autora, ao se candidatar, aderiu às peças do procedimento, não tendo, nunca, pedido qualquer esclarecimento quanto às mesmas, não existindo nada na factualidade dada como provada que sugira um tal desvalor da grelha de avaliação adotada no presente concurso;
K) E, ainda que o art.° 148.° do CCP imponha que o júri elabore um relatório final fundamentado, não significa que tenha introduzido qualquer exigência especial de fundamentação, continuando a ser o parâmetro do dever de fundamentação o previsto no art.° 153.° do CPA.
L) Neste sentido, o acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, de 21/01/2014, no Proc. n.° 1790/13 quando dispõe: “Ora, a ponderação das propostas apresentadas num concurso mediante a referência delas aos itens de uma grelha de classificativa suficientemente densa, a que se sigam as operações aritméticas que quantifiquem as propostas e permitam a sua graduação reciproca, exprime e comunica logo a valia de cada uma elas - sob vários aspetos parcelares por que foram apreciadas, seja globalmente - bem como os motivos da classificação que obtiveram. Por isso, a jurisprudência habitual do STA - onde se filia este acórdão fundamento - vem dizendo que essas operações de subsunção das propostas aos vários critérios, fatores ou itens da referida grelha explicam, “per se”, a ponderação que lhes foi atribuída no concurso, sem necessidade de um discurso complementar que, no fundo, redundaria numa fundamentação da fundamentação.”
M) Porém, ainda que não lhe sendo exigível, o júri, em sede de Análise das Audiências Prévias e Relatório Final explicitou os fundamentos da sua decisão, termos em que, da matéria de Direito aplicável e da matéria de facto dada como provada, designadamente do Relatório Final (ponto III. 1, facto 12. da sentença recorrida), impunha decisão diversa da recorrida nos termos da al. b) do n.° 2 do art.° 639.° e al. b) do n.° 1 do art.° 640.° ambos CPC, aplicável ex vi art.° 1.° do CPTA (…)”.
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3. Já quanto ao seu recurso, a Recorrente [SCom01...], Lda., rematou nos seguintes termos: “(…)
i. A Recorrente entende que, salvo o muito e devido respeito, não se decidiu de acordo com a lei, subvertendo-se, totalmente, o espírito da Lei e a vontade do legislador.
ii. A A. moveu a presente ação de impugnação de contencioso pré-contratual contra o Município ..., peticionando a declaração de nulidade do ato de adjudicação do procedimento concursal visando a Concessão da Gestão e Exploração do Mercado ..., em ..., invocando, de entre outros, a violação princípios da transparência, igualdade e concorrência porquanto a ED notificou a CI convidando-a a alterar a sua proposta no sentido pretendido, ao invés de solicitar esclarecimentos, e falta de fundamentação das notações atribuídas aos subfatores plano estratégico, viabilidade económica e modelo de gestão.
iii. A douta sentença recorrida não reconheceu o vício de violação dos princípios da contratação pública, porém pronunciou-se sobre facto que não foi suscitado pela Autora, designadamente que o esclarecimento solicitado e cuja resposta foi induzida, implicou a alteração de um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência e que determina a exclusão da proposta.
iv. Ora, previamente a apreciar uma factualidade diferente daquela que foi suscitada pela A., ou apreciando oficiosamente questões que cumprisse ao Tribunal apreciar, nunca deveria tê-lo feito, sem dar cumprimento ao formalismo vertido no n.° 3 do referido artigo 95° do CPTA, ou seja, notificando todas as partes para alegações complementares, assim dando cumprimento estrito, ao princípio do contraditório.
v. A douta sentença recorrida omitiu este formalismo, violando o princípio do contraditório, e decidiu questão diversa da constante no pedido da A., incorrendo em excesso de pronúncia.
vi. Mas ainda que assim não se entendesse, o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio, entende-se que o esclarecimento ou a resposta induzida, em nada alterou as condições constantes no caderno de encargos ou de qualquer outra peça do procedimento.
vii. A proposta apresentada pela CI, contempla os quatro (4) quiosques, sendo que uma zona de armazenamento de bebidas, não pode ser considerado um novo quiosque ou um novo espaço a explorar.
viii. Trata-se de uma zona de arrumos, que nem se situa nas zonas de passagem, mas antes por baixo de uma escada que acede ao 1° piso, não podendo, nem devendo, ser interpretado como um novo quiosque/espaço a explorar, até porque aquele espaço é completamente fechado, nunca dando qualquer margem para espaço reservado a quiosque, conforme resulta do Plano Arquitetónico apresentado com a proposta e constante da pág. 50 da douta sentença a quo.
ix. Não existiu nenhuma alteração da proposta com os esclarecimentos solicitados pelo Júri, tão pouco pela resposta «induzida» da CI, e sequer vêm colocados em causa algum dos atributos submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos.
x. Não existe aqui nenhuma “inovação” do objeto do concurso, até porque está inerente à atividade da concessão, a existência de espaços para arrumação de material, bebidas e outros.
xi. Sendo que a existência destes espaços, não têm de figurar no procedimento, como área de gestão, manutenção e dinamização.
xii. O mesmo será dizer, que os esclarecimentos em questão não beliscam me nada, os atributos exigidos pelo caderno de encargos.
xiii. Os esclarecimentos solicitados e/ou a resposta induzida, não conduziram à alteração de qualquer destes fatores, na medida em que não alterou o preço da proposta, nem interferiu no fator de qualidade do projeto de gestão, porquanto não se trata de esclarecimento que estivesse relacionado com algum dos atributos da proposta, nem quaisquer termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos aos quais a entidade adjudicante pretendesse que o concorrente se vinculasse.
xiv. Pelo que, e contrariamente ao decidido, não existe fundamento legal para a exclusão da proposta da CI, pelo que incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento.
xv. No que concerne à verificação do vício de falta de fundamentação das notações atribuídas aos subfatores plano estratégico, viabilidade económica e modelo de gestão, diga-se que analisada a fundamentação em causa, concluímos que esta não padece de obscuridade, contradição ou insuficiência. Bem pelo contrário. Mostram-se claramente expressas as razões pelas quais foi valorizada e nos termos em que foi a proposta da CI.
xvi. O preenchimento da grelha classificativa, em que se definem os fatores de avaliação, a que se fazem corresponder vários graus valorativos, com recurso a menções qualitativos e notações quantitativos, com a respetiva explicitação standardizada embora, proporciona ao interessado um conhecimento adequado das razões pelas quais o júri optou concursal pela valoração adotada.
xvii. Não se verificando, pois, qualquer insuficiência de fundamentação.
xviii. Tendo o douto Tribunal incorrido em erro de julgamento.
xix. Em face do exposto, a decisão recorrida violou os artigos 3°, n.° 3, 4°, 412°, 608°, n.° 2 e 615°, n.° 1, al. d), ambos do CPC, e 7°, 7°-A, 95°, n.° 1 e 3 do CPTA, 148° do CCP e artigo 20° da CRP.(…)”.
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4. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida [SCom02...], Lda., produziu contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos: ”(…)
A- Nenhuma censura merece a Sentença Recorrida.
B- A Demandada Câmara Municipal vem em sede de Recurso alegar a falta do pressuposto processual interesse em agir, quando deveria ter invocado tamanha exceção em sede de contestação, pelo que, preclodiu o seu direito.
C- Sem conceder, limitar o interesse em agir aqueles que ficassem em segundo lugar, mesmo em caso em que ocorressem factos do jaez dos demonstrados nos autos, poderia redundar na total falta de escrutínio das entidades públicas e dos seus procedimentos concursais, o que além do mais viola, os mais elementares princípios norteadores da atividade administrativa, tais como os princípios da transparência, da igualdade, tanto mais que,
D- O reconhecimento das ilegalidades cometidas “obriga” à repetição de todos os atos afetados pela declaração de Nulidade/anulabilidade, o que na prática redundará numa nova tomada de posição pelo júri, em obediência aos princípios e normas violadas, e cujo resultado será diferente.
E- No que à manifesta falta de fundamento para o pedido de esclarecimentos formulado é manifesto que a língua portuguesa é entendida por todos e "armazém” ou “espaço de armazenamento de bebidas” não significam, nem nunca significaram um espaço de venda de bebidas, pelo que,
F- Se nenhuma ambiguidade resultava do texto, nenhuma dúvida poderia assaltar o júri, sendo que, ao fazer um verdadeiro convite para emendar a mão, cometeu o júri a ilegalidade reconhecida na Sentença em crise.
G- A “função da contratação pública não é dificultar a vida dos concorrentes”, contudo, nunca poderá ser a de privilegiar uns em detrimento de outros.
H- o que foi perfeitamente demonstrado na Sentença em crise, pelo que, também aqui não merece qualquer censura.
I- No que ao reconhecido vício de falta de fundamentação da decisão do júri é manifesto que este, como que se demitiu de tomar posição optando por uma espécie de Justiça Salomónica pontuando todos de forma equivalente, procurando assim lavar as mãos da sua função de decidir.
J- Perante diferentes modelos de negócio tinha o Júri de analisar cada uma das propostas e explicitar a forma como chegou à sua avaliação e às suas conclusões, o que não fez.
K- O dever de fundamentação prende-se efetivamente com a capacidade do julgador demonstrar a razão de ser das suas opções/decisões. Mais,
L- Sempre se dirá que o modelo de negócio da proposta vencedora, que passe pela subconcessão dos espaços concessionados em nada defende o interesse público, sequer as regras de boa gestão.
M- A Demandada ao “permitir” que o concorrente vencedor subconcessione os espaços, a quem quiser, nas condições que quiser, sem haver o mínimo controle sobre essa subconcessão, está a demitir-se das suas obrigações últimas enquanto entidade com a competência de fazer essa gestão e fiscalização.
N- Do exposto resulta demonstrado que o Procedimento Concursal que redundou no ato de Adjudicação padeceu de vícios que o invalidam, tal como reconhecido na Sentença em crise, impondo-se a sua confirmação, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA (…)”.
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5. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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6. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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7. Com dispensa de vistos prévios, cumpre apreciar e decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
8. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
9. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes:
(i) Recurso interposto pelo Município ...: (i.1) nulidade de sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão; (i.2) erro de julgamento da matéria de facto; (i.3) erro de julgamento de direito quanto ao juízo decisório firmado em torno da falta de fundamentação das notações atribuídas aos subfatores Plano Estratégico e Modelo de Gestão e Dinamização;
(ii) Recurso interposto por [SCom01...], Lda.: nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, e erro de julgamento de direito, por violação dos artigos “(…) artigos 3º, n.º 3, 4º, 412º, 608º, n.º 2 e 615º, n.º 1, al. d), ambos do CPC, e 7º, 7º-A, 95º, n.º 1 e 3 do CPTA, 148º do CCP e artigo 20º da CRP (…)”.
10. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

III.1- Recurso interposto pelo Município ...
10. As questões decidendas suscitada no recurso jurisdicional interposto pelo Município ..., como se colhe inequivocamente do ponto II) do presente aresto, traduzem-se em saber se saber se a sentença recorrida enferma de (i) nulidade[s] da sentença, por (i.1) por contradição entre os fundamentos e a decisão; de (i.2) erro de julgamento da matéria de facto; e ainda de (i.3) erro de julgamento de direito quanto ao juízo decisório firmado em torno da falta de fundamentação das notações atribuídas aos subfatores Plano Estratégico e Modelo de Gestão e Dinamização;
11. Vejamos estas questões especificadamente.
12. Assim, e quanto ao primeiro grupo de razões, refira-se que dispõe a alínea c) do nº.1 do artigo 615º: “É nula a sentença quando (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (...)”.
13. Ora, esclarece-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.09.2011, tirado no processo n.º 0371/11, que a “(…) nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão (…)”.
14. Na verdade, tal nulidade “(…) verifica-se quando há um vício real na lógico-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso (…)” [vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2014, proferido no processo n.º 01608/13].
15. Por outro lado, passou ainda a ser considerado fundamento de nulidade da decisão judicial nos termos desta alínea a ambiguidade ou obscuridade da decisão que tornem ininteligível.
16. A obscuridade traduz-se num dificuldade de perceção do sentido da expressão ou da frase: a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, isto é, não se sabe o que o julgador quis dizer [cf. entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, acessível em www.dgsi.pt].
17. De facto, como doutrinava J. Alberto dos Reis com plena atualidade a “… sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível: é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz ...” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V., págs. 151 e 152].
18. A decisão só é, assim, obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos.
19. Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada.
20. Sopesando os aspetos de natureza jurisprudencial e doutrinal que se vêm de salientar, afigura-se que, in casu, não ocorre a nulidade suscitada.
21. De facto, o Recorrente Município ... nem sequer alega que existe contradição entre os fundamentos de facto especificados no probatório coligido nos autos e a decisão, tendo sustentado, ao invés, “(…) que o raciocínio lógico decorrente da fundamentação invocada na sentença, obriga a decisão contrária àquela que foi por ela imposta, designadamente a procedência da exceção dilatória de falta de interesse em agir da Autora que dá lugar à absolvição do Réu, aqui Recorrente, da instância, nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 89.º do CPTA, contradição insanável, já que a fundamentação aponta num sentido e a decisão num sentido oposto (…)”, o que não configura uma circunstância enquadrável na sobredita alínea c) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C.
22. Em todo o caso, saliente-se que não se descortina qualquer antinomia entre o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal a quo e o sentido decisório assumido quanto à matéria excetiva em questão.
23. De facto, a fundamentação segue o pensamento de que “(…) que por via da remoção da ordem jurídica do ato de adjudicação do concurso à CI e, considerando a causa de pedir, e os termos que emergirão do julgado, o efeito reconstitutivo do julgado anulatório poderá consubstanciar-se na adjudicação do procedimento a favor da A. (…)”.
24. E a decisão - “E daí que, efetivamente, além de parte legítima a A. detém interesse em agir na pretensão que deduz nestes autos “ - seguiu esse mesmo sentido.
25. Ademais, não se descortina a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso que a Mmª. Juiz a quo ali expendeu, o qual é perfeitamente inteligível.
26. De facto, a fundamentação de direito, tal como foi externada, não impossibilita, portanto, o destinatário da sentença de saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir.
27. Saber se saber se o Tribunal a quo decidiu com acerto, ou se pelo contrário fez incorreta interpretação e/ou aplicação da lei, são questões que já não contendem com a nulidade da sentença, mas sim com o erro de julgamento - este, traduzindo uma apreciação da questão em desconformidade com a lei [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., p. 686, sublinham que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário].
28. Não se reconhece, portanto, a existência de qualquer nulidade de sentença, por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão.
29. O que nos transporta para a segunda questão suscitada no recurso ora em análise, e que se prende com o eventual erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
30. Realmente, o Recorrente invoca que “(…) verifica-se também erro de julgamento quanto à matéria de facto, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, aplicável ex vi, art.º 1.º do CPTA, quando a sentença refere, na página 99, que “(…) lida a proposta da CI e as circunstâncias em que foi feita, não se deteta qualquer evidência de que estivesse em causa no local apenas e só o armazenamento de bebidas e não a sua venda (…)”.
31. Se bem se interpreta o pensamento vazado nas conclusões de recurso, o Recorrente, em bom rigor, não se insurge contra a matéria de facto coligida na sentença recorrida [impugnação da decisão da matéria de facto em sentido clássico].
32. Diferentemente, amotina-se com a ilação de facto produzida pela julgadora da causa a fls. 99 da sentença no sentido de que “(…) não se deteta qualquer evidência de que estivesse em causa no local apenas e só o armazenamento de bebidas e não a sua venda (…)”.
33. E isto por manter a firme convicção de que “(…) resultam da Memória Descritiva evidências de que sob o espaço sobrelevado estivesse em causa um local apenas para o armazenamento de bebidas (...)”.
34. Vejamos, convocando, desde, já, no que ao particular conspecto concerne, o que se discorreu na 1ª instância: “(…)
Defende a A. que a decisão de adjudicação do procedimento concursal para a “Concessão da Gestão e Exploração do Mercado ... em ...” padece de ilegalidade decorrente de o júri, ao invés de solicitar meros esclarecimentos, ter convidado a CI a alterar a sua proposta e terem sido veiculadas pela ED as notícias da adjudicação quando o procedimento se encontrava a decorrer e a decisão passaria pelo júri.
É sabido que o princípio da concorrência se assume como a trave-mestra em sede de procedimentos adjudicatórios públicos, decompondo-se e projetando-se nas demais diretivas que os regem, designadamente os princípios da transparência e da igualdade de tratamento.
Como escreve Ana Fernanda Neves “Os Princípios da Contratação Pública”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia - Volume II, Coimbra Editora, 2011, p.40) “O princípio da concorrência tutela os interesses relativos ao acesso aos mercados públicos e o interesse público na contratação ótima. Postula a realização de procedimento pré-contratual, ainda que exista outra entidade adjudicante com interesse na adjudicação, cuja participação não deve distorcer a concorrência em relação aos proponentes privados. Veda restrições injustificadas e desproporcionadas à liberdade de candidatura. Implica que nenhum obstáculo ou favor, seja introduzido nas regras de um procedimento em que há vários interessados numa vantagem pública, de molde que a escolha do co-contratante resulte do confronto juridicamente correto das respetivas propostas.”.
Interessando-nos, essencialmente, a conexão do princípio da concorrência com o princípio da igualdade, ou seja na sua nota de igualdade concorrencial (e já não de liberdade concorrencial) importa reter que com a mobilização deste princípio visa-se, fundamentalmente, permitir a vinda ao procedimento adjudicatório do maior número possível de candidatos, em condições de igualdade, garantindo-se o mais amplo acesso e a mais ampla abertura, num ambiente de sã e efetiva competição.
Na esteira de Pedro Costa Gonçalves (Direito dos Contratos Públicos, Almedina, 2021 -5ª edição, p. 135), “o princípio da concorrência surge como expressão concretizada da primazia da igualdade, em concreto, como exigência, reclamada à Administração Pública, de um tratamento igualitário de todos os operadores económicos”, adstringe a entidade adjudicante a usar procedimentos abertos, competitivos, concorrenciais, que confiram aos interessados, operadores económicos, iguais condições de acesso e participação e iguais condições de tratamento. E como dá nota o autor, “o objetivo igualitário do princípio da concorrência não consiste em igualizar os concorrentes ou os seus poderes de oferta, mas apenas em igualizar as respectivas condições de participação”.
E no seguimento do autor refira-se, ainda, que enquanto cânone normativo o princípio da concorrência apresenta um efeito direto na ordem jurídica administrativa, definindo um padrão de interpretação e integração de prescrições previstas no CCP, mas também como “critério de decisão para situações em que não há regras explicitas ou em que, por si mesmas, as regras da contração poderiam admitir várias soluções” (ob. cit., p. 137).
Na linha da igualdade concorrencial, o princípio da igualdade consiste em tutelar a igualdade de condições, de acesso e de oportunidades no âmbito do concurso, dando-se garantias que visam assegurar os direitos e interesses legalmente protegidos de cada candidato e de assegurar o respeito do princípio da igualdade de tratamento pela Administração.
Assim, a entidade adjudicante deverá adotar a mesma conduta para todos os concorrentes e candidatos, não permitindo o princípio da igualdade que aquele tome medidas discriminatórias que possam beneficiar ou prejudicar injustificada e ilegitimamente qualquer ou quaisquer deles. Em suma, os concorrentes deverão estar numa posição de igualdade na apresentação das suas propostas e no momento em que estas serão comparadas e avaliadas pela entidade adjudicante.
Como refere Pedro Costa Gonçalves (ob. cit. p. 139) “[o]s concorrentes devem dispor das mesmas chances na formulação dos termos das suas propostas, o que implica que todas estas sejam submetidas às mesmas regras e condições. A situação do concorrente ( vg. tratar-se de um organismo publico, ser titular de um contrato com a entidade adjudicante que vai ser substituído pelo contrato a adjudicar no procedimento) não tem de envolver, só por si, a infração ao princípio da igualdade)”.
Por sua vez, o princípio da transparência assume-se como a garantia de que os eventuais atentados às determinações da lei e às exigências dos princípios da contratação pública serão conhecidos pelos interessados, pretendendo-se que “os sujeitos administrativos do procedimento atuem às claras, mostrando como procedem e porque procedem dessa maneira, dando a conhecer antecipadamente tudo aquilo que possa influenciar a conduta a adotar pelos concorrentes e documentando oficialmente as opções tomadas e os juízos formulados, de maneira a que os interessados saibam, possam saber, exatamente como “as coisas” do procedimento se passaram para, em consciência, se conformarem ou reagirem contra elas” (Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina, p. 222). Este princípio manifesta-se, além do mais, nas exigências de publicidade do procedimento.
Isto posto, no que respeita aos esclarecimentos dispõe-se no art. 72.° do CCP (na redação anterior ao DL 78/2022 aplicável) que,
1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.
2 - Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 70. °
[…]
4 - O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.
Refira-se que os esclarecimentos são algo que se destina a aclarar, explicitar, clarificar algum elemento da proposta que está ou parece estar enunciado de modo pouco claro, ou de não ser apreensível, ou unívoco o sentido duma expressão, dum aspeto ou elemento da proposta. Serão inadmissíveis os esclarecimentos prestados pelos concorrentes que contrariem elementos constantes de documentos das propostas, que alterem ou completem estas nas respetivas caraterísticas/atributos ou que se destinem ou visem suprir omissões da proposta a que faltasse algum dos atributos submetidos à concorrência pelo caderno de encargos e que seriam conducentes à sua exclusão (n°s 1 e 2 do art. 72.° do CCP).
O n.° 4 do normativo citado reconduz-nos, por sua vez, ao erro de cálculo ou de escrita a que se reporta o art. 249.° do CCP, segundo o qual “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta”.
Os erros dizem-se de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil deteção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação. O simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita. Se as circunstâncias em que a declaração foi efetuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a retificação do mesmo, como veremos suceder no caso em apreço.
Isto posto, como emerge do probatório, na Memória Descritiva da sua proposta, a CI indicou que pretendia executar um espaço sobre-elevado para colocar a música a localizar na área circular que acompanha a escada para o 1.° piso e indicou que “ Sob esse espaço temos pensado ter a zona de venda de bebidas. O espaço previsto dos quiosques está devidamente dimensionado para servir a alimentação nos conceitos projetados, mas tende a ficar “curto” para as bebidas. Cerveja, sumos, vinhos, espumantes todos precisam de frito em quantidade para o movimento que projetamos ter, face às atividades que iremos ali dinamizar. Assim, pensamos usar esse espaço sob a zona de atuação de artistas para esse fim, concentrando as bebidas nesse espaço. ”
Tendo o júri solicitado o seguinte esclarecimento - 1. Referem V. Exa. que no espaço sobre elevado para colocar a música ambiente, localizado junto à área circular que acompanha a escada para o primeiro piso, será localizada a zona de venda de bebidas. Solicita-se esclarecimento, tendo por base um “lapso de escrita” aquando da elaboração da proposta, e o espaço servirá de armazém de bebidas e não para venda de bebidas, para além da sua principal afetação”, a CI respondeu que “Foi um lapso de escrita. O espaço servirá para armazenamento.”.
Refira-se que, efetivamente, a forma como o júri formula o pedido de esclarecimento, adiantando-se tratar-se de um lapso de escrita”, não se coaduna com um mero pedido de clarificação pois que, desde logo, é o júri a adiantar o sentido com que a declaração deve ser interpretada. Mas assim sendo, se o próprio júri já conhecia o sentido a dar à declaração, então não se compreende porque solicitou o esclarecimento.
Acrescente-se que se o júri considerasse tratar-se de um mero lapso de escrita, como de resto adiantou no pedido, não se vislumbra qual a necessidade de solicitar o esclarecimento, já que dispunha da possibilidade de correção oficiosa a que se reporta o art. 72.°, n.° 4 do CCP.
Mas o certo é que tal não consubstancia qualquer erro de escrita pois que, lida a proposta da CI e as circunstâncias em que foi feita, não se deteta qualquer evidência de que estivesse em causa no local apenas e só o armazenamento de bebidas e não a sua venda [destaque nosso].
Com efeito, é que importa não ignorar que é a CI a expressamente indicar que é o sítio onde pensou ter a zona de venda de bebidas, assumindo que o espaço dos quiosques —dimensionado para servir a alimentação” fica curto” para as bebidas - que precisam de frio em quantidade - e nessa medida tencionando concentrar as bebidas nesse espaço. E tanto assim é que, analisado o Plano Gastronómico constante da proposta, se verifica que nos conceitos a introduzir nos quiosques a CI não prevê a venda de bebidas. Ou seja, não é manifesto, nem evidente que o que a CI pretendesse fosse tornar aquela zona apenas de armazenamento.
Sem prejuízo, per si a forma como é feito o pedido de esclarecimento - embora induza a resposta - não revela a violação dos princípios da contratação pública, havendo que se conjugar com a análise da (in)admissibilidade do pedido de clarificação e do esclarecimento prestado. Isto é, se por essa via o que o júri fez foi tentar encontrar uma justificação” para induzir uma resposta e admitir um esclarecimento que, na realidade, não era admissível.
A este propósito cumpre notar que nos termos do art. 70.°, n.° 2 al. b) ex vi 146.°, n.° 2 al. o) do CCP são excluídas as propostas que “apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nºs. 10 a 12 do artigo 49. °”.
A respeito desta causa de exclusão prevista na al. b) do n.° 2 do art. 70.° do CCP escreve Pedro Fernandez Sanchez (in Direito da Contratação Pública, Vol. II, Almedina, p. 254 e ss.), que a norma confirma o valor do caderno de encargos como projeto imperativo de contrato que a entidade adjudicante revela aos concorrentes e cujas condições têm de ser integral e incondicionalmente aceites pelos interessados em contratar para que a relação contratual possa sequer iniciar-se.
Se é evidente que a entidade adjudicante só decide celebrar um contrato quando identifica uma necessidade de interesse público que reclama a criação de um acordo de vontades com um particular, é justamente no projeto de contrato constante do caderno de encargos que a entidade adjudicante esclarece quais as necessidades que pretende ver satisfeitas e quais as condições contratuais cujo respeito é exigido para esse efeito. Portanto, se, uma vez, plasmado o interesse público nas cláusulas contratuais do caderno de encargos, a entidade adjudicante decidisse ainda adjudicar uma proposta que com elas se não conforma, “tal significaria que abdicara de prosseguir o fim que determinara o contrato e a abertura de concurso”.
2. Neste quadro, é apenas entre as propostas que satisfazem as condições contratuais impostas pela entidade adjudicante que será selecionada aquela que se mostrar mais vantajosa à luz do critério de adjudicação; qualquer proposta que desrespeite uma única das clausulas contratuais previstas no caderno de encargos tem que ser excluída [...]
[...] cada uma das cláusulas que, no momento de abertura das propostas, vigora no caderno de encargos representa um verdadeiro parâmetro de aceitabilidade contratual; o seu desrespeito conduz à imediata exclusão da proposta.
É isso mesmo que é esclarecido na alínea b) do n.° 2: independentemente de a violação do caderno de encargos resultar da desconformidade i) entre um atributo da proposta e um parâmetro base do caderno de encargos ou, pelo contrário, ii) entre um termo ou condição da proposta e um aspeto contratual não submetido à concorrência pelo caderno de encargos, a consequência jurídica que se impõe à entidade adjudicante é, também aqui, uniforme - a exclusão da proposta em razão da sua inaceitabilidade contratual.
[...]
Em suma, ressalvados os casos impostos pelos n°s 10 a 12 do artigo 49.° do CCP (...) a deteção de uma desconformidade entre um aspeto da proposta e um aspeto do caderno de encargos determina sempre a exclusão da proposta ao abrigo da alínea b) do n.° 2 do artigo 70.°.".
O que está em causa na al. b) do n° 2 do art. 70.° do CCP é, assim, a apresentação na proposta de atributos ou condições ou termos em desconformidade com o Caderno de Encargos.
Esclareça-se, ainda, que a distinção entre atributos e termos ou condições da proposta assenta na circunstância de o aspeto da execução do contrato estar submetido à concorrência (atributos) ou dela subtraído, não sendo objeto de avaliação (termos ou condições da proposta) - art. 42.°, n.° 3 a 5 do CCP.
Estaremos perante um atributo da proposta quando o aspeto da execução do contrato fizer parte do critério de adjudicação, num qualquer fator ou subfator, significando que se trata de um elemento ou característica da proposta em função do qual a entidade adjudicante avalia a proposta, correspondendo a um aspeto submetido à concorrência. Se não for assim, então tratar- se-á de um aspeto não submetido à concorrência.
No caso dos autos, como decorre da cláusula 16ª do Programa do Procedimento foi adotado o critério da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade multifator, com a avaliação da Qualidade do Projeto de Gestão e do Valor da remuneração mensal proposto como fatores submetidos à concorrência, nos termos art. 74.°, n° 1 do CCP. Sendo que, o fator Qualidade do projeto de gestão, se decompõe nos subfatores Plano Estratégico, Viabilidade Económico Financeira e Modelo de Gestão e Dinamização.
Retomando, como dissemos supra, os esclarecimentos destinam-se a aclarar, explicitar, clarificar algum elemento da proposta enunciado de forma equívoca ou pouco clara. Não é o caso que sucede na proposta da CI.
A este respeito recorda-se que a interpretação do negócio jurídico, enquanto atividade destinada a determinar o significado juridicamente relevante do respetivo conteúdo declarativo, obedece, em termos gerais, aos princípios consignados no artigo 236.° do CC do qual resulta,
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Assim, a regra, nos negócios jurídicos em geral, é da que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal (alguém medianamente sagaz, diligente e prudente), colocado na posição do declaratário real, possa deduzir do comportamento do declarante. A exceção tem lugar nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou o declaratário conheça a vontade real do declarante. Sendo que, no que concerne aos negócios jurídicos formais, como o do presente processo, há o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Atento o supra exposto a interpretação que um declaratário normal colocado na posição do declaratário real retira, sendo que a Memória Descritiva não deixa margem para dúvidas, é que o que a CI propõe é criar, sob/junto do espaço sobrelevado, uma zona de venda de bebidas por entender que não dispõe nos quiosques de espaço suficiente para as manter. Nessa zona não pretende, ou não pretende apenas, conservar/armazenar bebidas, antes quer um espaço onde possa concentrar a venda e, consequentemente a conservação, das bebidas. De resto, como referido, o Plano Gastronómico confirma que nos conceitos a introduzir nos quiosques a CI não prevê a venda de bebidas.
Nesse sentido nada havia a clarificar ou esclarecer, pois que o que daí emergiria, como de resto sucedeu, era que o esclarecimento que fosse prestado pela CI no sentido solicitado/induzido pelo júri - ou seja, de que o que estava em causa era apenas o armazenamento de bebidas - se traduziria numa alteração da proposta da CI.
Importa notar que, nos termos das cláusulas 1ª, n.° 2 e 1.a, n.° 2 do Anexo I do CE, a concessão apenas abrange o direito a explorar o restaurante sito no 1.° andar e até 4 quiosques sitos no rés-do-chão, de tal forma que a inserção de um novo espaço destinado à venda de bebidas no r/c - ou seja, um novo espaço a explorar pelo concessionário -, quando a proposta da CI já contempla 4 quiosque no r/c, traduz-se na apresentação pela proposta de uma condição em violação de um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência a determinar a exclusão da proposta nos termos do art. 70.°, n.° 2 al. b) do CCP e, por isso, a inadmissibilidade do esclarecimento nos termos do art. 72.°, n.° 2 do CCP.
Ora, a conduta do júri ao solicitar o esclarecimento quando nada havia a clarificar e induzir, por via de um pedido de esclarecimento, uma resposta tendente a suprir o vício de que padecia a proposta da CI não só viola o disposto no art. 72.°, n.° 1 do CCP, como se revela violadora da igualdade concorrencial, porque proporciona um tratamento desigual favorecendo indevidamente a posição da CI que, por essa via, viu a sua proposta ser admitida quando se verificava, quanto à mesma, a causa de exclusão tipificada no art. 70.°, n.° 2 al. b) do CCP.
No que respeita à publicitação da decisão previamente à proposta do júri como resulta do art. 148.° do CCP após a audiência prévia o júri elabora um relatório final no qual pondera as observações dos concorrentes efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de qualquer proposta se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no n.° 2 do artigo 146.° (n.° 1), sendo o relatório final enviado ao órgão competente para a decisão de contratar a quem compete decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas no relatório final, nomeadamente para efeitos de adjudicação (n°s 3 e 4), e cabendo-lhe tomar a decisão de adjudicação (art. 73.°, n.° 1 do CCP).
Nos termos do art. 77.°, n.° 1 do CCP a decisão de adjudicação é notificada em simultâneo a todos os concorrentes.
Como emerge do probatório, o júri elaborou o relatório final em 13.9.2022, tendo sido tomada a decisão de adjudicação em 19.9.2022 pelo Presidente da Câmara Municipal ..., a qual foi posteriormente ratificada por deliberação da Câmara Municipal ... de 22.9.2022.
Do exposto resulta que, ainda que na sequência da nota de imprensa de 22.9.2022, nessa data tenha sido publicitada a adjudicação, mesmo antes da notificação dos concorrentes, a decisão de adjudicação não só foi tomada com base nas propostas constantes do relatório do júri, como foi tomada previamente à publicitação da mesma nos órgãos de comunicação social.
Tal significa que foram cumpridos os trâmites legais, não se evidenciando a violação de qualquer dos princípios da contratação pública.
Note-se que ainda que a publicitação nos meios de comunicação tenha ocorrido previamente à notificação dos concorrentes, é sabido que a publicitação/notificação, enquanto requisitos de eficácia do ato, sendo posteriores e exteriores à prática do ato administrativo não afetam a sua validade. Pelo que, naturalmente, nesta parte, nenhuma razão assiste à A.
Assim, procede o vício apenas no que respeita à ilegalidade do pedido de esclarecimento formulado pelo júri.
35. Conforme emerge grandemente do que se vem de transcrever, a alegação recursiva não representa a “equação total” do segmento decisório visado, nem sequer tem qualquer correspondência com o pensamento espraiado na sentença recorrida quanto à matéria versada.
36. Realmente, a ilação produzida pelo Tribunal a quo – devidamente assinalada a negrito – surge no contexto da qualificação e respectiva admissibilidade procedimental do pedido de esclarecimentos formulado pelo júri concursal à concorrente [SCom01...], Lda.
37. O Tribunal a quo, diga-se, numa análise certeira e justificada, considerou que o fundamento invocado pelo júri concursal para solicitar um pedido de esclarecimento – a existência de um erro material de escrita – não se coadunava com a natureza de um pedido de esclarecimento, já que era o próprio júri concursal a adiantar o sentido com que a declaração deveria ser interpretada, o que esvaziava o pedido de esclarecimento de qualquer utilidade.
38. Considerou ainda que não se verificava qualquer lapso de escrita na proposta justificadora da necessidade de qualquer pedido de esclarecimento, já que não resultava visível “(…) qualquer evidência de que estivesse em causa no local apenas e só o armazenamento de bebidas e não a sua venda (…)”.
39. Ora, é precisamente no enfoque evidenciado no sobredito parágrafo 38) que reside a crítica apontada à decisão judicial.
40. Julgamos, porém, que os termos em que o Recorrente desenvolve a sua argumentação são absolutamente imprestáveis para fulminar a decisão com o invocado erro de julgamento de facto.
41. De facto, a formulação de um pedido de esclarecimento com fundamento na representação de um erro material de escrita surge inviabilizado face à normação vertida no nº.4 do artigo 72º do CCP.
42. Sem prejuízo, retenha-se que a convocação do instituto previsto no artigo 249º do C.C está dependente da deteção da existência de um (i) erro de cálculo e/ou de (ii) escrita, ambos ostensivos, percetíveis a qualquer pessoa de medianos conhecimentos.
43. Quer isto tanto significar que, em ordem ao júri concursal poder invocar a existência de um erro material como fundamento da necessidade de esclarecimentos da proposta apresentada pela concorrente [SCom01...] e [SCom03...], necessário se tornava que, da referida proposta na sua versão originária, emergisse já a evidência sustentada de que a estrutura a construir se destinava exclusivamente ao armazenamento de bebidas e não à venda de bebidas alcoólicas.
44. Tal representação, porém, não é extraível da proposta apresentada pela referida concorrente.
45. Efetivamente, conforme dimana cristalinamente do probatório coligido nos autos, a própria concorrente [SCom01...] e [SCom03...] afirmou na sua proposta o seguinte:”(…)
Propomos também executar um espaço sobre elevado para colocar a música ambiente quer DJ's ou pequenos espetáculos.
A melhor localização que encontramos foi junto à área circular que acompanha a escada para o 1° piso.
Desta forma os músicos/artistas serão visíveis e terão visibilidade sobre toda a praça, o que nos parece importante.
Sob esse espaço temos pensado ter a zona de venda de bebidas.
O espaço previsto dos quiosques está devidamente dimensionado para servir a alimentação nos conceitos projetados, mas tende a ficar "curto" para as bebidas.
Cerveja, sumos, vinhos, espumantes todos precisam de frio em quantidade para o movimento que projetamos ter, face às atividades que iremos ali dinamizar.
Assim pensamos usar esse espaço sob a zona de atuação de artistas para esse fim, concentrando as bebidas nesse espaço. (…)”
46. Esta caracterização é inequívoca na afirmação de que a concorrente [SCom01...] e [SCom03...] anteviu a possibilidade do espaço previsto para os quiosques ser insuficiente para a venda de bebidas alcoólicas, justificando-se, por isso, a necessidade de construção de uma nova estrutura para esse fim, ou seja, para a venda de bebidas alcoólicas.
47. Esta declaração não deixa margem para dúvidas interpretativas, nem evidencia a existência de qualquer erro de escrita.
48. O que serve para atestar plenamente a consistência do juízo afirmado pela 1ª instância a este propósito, o que não é minimamente beliscado pela circunstância de eventualmente emergir da memória descritiva - como sustenta o Recorrente - a projeção daquele espaço sobrelevado como “(…) sendo totalmente fechado, como que uma “caixa”, com acesso ao palco por uma escada traseira com acesso pela lateral (…) sem qualquer balcão (…)”, porque não absolutamente inequívoco da realidade que se afirma, isto é, que se destinava exclusivamente a um espaço de armazenamento de bebidas.
49. Nestes termos, e também por não se antolhar a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto, improcede o invocado erro de julgamento de facto.
50. Dissolvida a segunda questão decidenda, vejamos agora se assiste razão ao Recorrente quanto ao invocado erro de julgamento de direito quanto ao juízo decisório firmado em torno da falta de fundamentação das notações atribuídas aos subfatores Plano Estratégico e Modelo de Gestão e Dinamização.
51. Neste domínio, cabe notar que o Tribunal a quo entendeu “(…) que, efetivamente, no que respeita aos subfatores Plano Estratégico e Modelo de Gestão e Dinamização, a avaliação, limitando-se a, no essencial, reiterar os conceitos genéricos e vagos em que se concretizam os descritores constantes da grelha classificativa, assenta em meras conclusões, não consubstanciadas e concretizadas, que nada nos dizem quanto às razões pelas quais o júri entendeu atribuir a cada uma das propostas as respetivas classificações.
Essa generalidade e caráter abstrato da fundamentação impedem que se conheça o iter cognoscitivo e valorativo que subjaz às notações atribuídas, ao ponto de não permitir que se proceda à análise do imputado erro na avaliação por, efetivamente, se desconhecerem os motivos que presidiram ao entendimento do júri de cada uma das propostas merecia as pontuações que lhes foram atribuídas.
A apreciação desse vício nestas condições em que a Administração não fundamenta o juízo avaliativo implicaria que, em violação do princípio da separação de poderes, o Tribunal se substituísse à Administração na tarefa de avaliação, fundamentando o que esta não fez, ao invés de se limitar a aferir da legalidade da atuação administrativa.
Ou seja, quanto aos subfatores Plano Estratégico e Modelo de Gestão e Dinamização a fundamentação não é clara, nem cabal, não sendo percetíveis as razões pelas quais foi atribuída às propostas da A. e das CI as respetivas pontuações, padecendo, pois, o ato de falta de fundamentação (…)”.
52. Espraiada a fundamentação pertinente vertida na decisão judicial recorrida, e cotejando a mesmo com a natureza do alegado pelo Recorrente em esteio do presente recurso no domínio do fundamento em análise, entendemos que a decisão judicial recorrida, no particular conspecto, não merece o menor reparo.
53. Na verdade, conforme se extrai do probatório coligido nos autos, o ato adjudicatório teve por base o (i) Relatório Preliminar e o (ii) Relatório Final, ambos elaborados pelo júri concursal.
54. Ou seja, teve na sua génese a seguinte fundamentação emergente do Relatório Preliminar: “(…)
----No que se refere à análise/avaliação do subfator Plano Estratégico, temos:---
Concorrente nº. 1 - atribuição de Excelente, pontuado com 10 pontos, considerando que a proposta do concorrente apresenta projeto inovador e diferenciador de serviços compatíveis com o objeto do concurso, permite identificar clara e inequivocamente o grau de qualidade notável dos serviços a prestar, designadamente o conceito gastronómico e a sua concretização, enquadrados nas características que o espaço e a envolvente proporcionam. Apresenta 3 soluções de comunicação.------------------------------------------------------------------------------------------------
Concorrente n.° 2 - atribuição de Bom, pontuado com 5 pontos, considerando que a proposta do concorrente apresenta projeto de serviços compatíveis com o objeto do Concurso, com grau médio de inovação ou elementos diferenciadores e enquadrado nas características que o espaço e a envolvente proporcionam. Apresenta 3 soluções de comunicação.----------------------
Concorrente n.° 4 - atribuição de Insuficiente, pontuado com 1 ponto, considerando que a proposta do concorrente apresenta projeto de serviços compatíveis com o objeto do Concurso, sem qualquer fator de inovação ou diferenciação e desenquadrado nas características que o espaço e a envolvente proporcionam. Apresenta 3 soluções de comunicação.------------------------
----Quanto ao subfator Viabilidade Económico Financeira, foi atribuído, a todas de as propostas Excelente, pontuado com 10 pontos, considerando que as propostas dos concorrentes indicam e descrevem os pressupostos financeiros do negócio, caracterização e estrutura do investimento, elaboração dos mapas financeiros previsionais e análise da viabilidade do projeto com o plano estratégico proposto----------------------------------------------------------------------------
----Sobre o subfator Modelo de gestão e dinamização, temos: --------------------------------
Concorrente n.° 1 - atribuição de Excelente, pontuado com 10 pontos, considerando que a proposta do concorrente apresenta um modelo de gestão inovador, com número de ações diversificado e relevante, de qualidade notável, reveladora de conhecimento profundo da realidade envolvente ao espaço e potencial mente captadora de novos públicos. Apresenta 5 projetos de dinamização do espaço. -------------------------------------------------------------------------
Concorrente n.° 2 - atribuição de Bom, pontuado com 5 pontos, considerando que a proposta do concorrente apresenta um modelo de gestão de qualidade básica, com número de ações médio, de qualidade moderada, reveladora de baixo conhecimento da realidade envolvente ao espaço e medianamente dinamizadora de novos públicos. Apresenta 3 projetos de dinamização do espaço.
Concorrente n.° 4 - atribuição de Bom, pontuado com 5 pontos, considerando que a proposta do concorrente apresenta um modelo de gestão de qualidade básica, com número de ações médio, de qualidade moderada, reveladora de baixo conhecimento da realidade envolvente ao espaço e medianamente dinamizadora de novos públicos. Apresenta 3 projetos de dinamização do espaço (…)”
Assim temos:------------------------------------------------------------------------------
CONCORRENTESQualidade do projeto de gestão (QP)PONTUAÇÃO
n,°1[SCom01...], LDA0,50*10+0,25*10+0,25*1010
n.°2AGRUPAMENTO0,50*5+0,25*10+025*5625
n.°4[SCom02...], LDA0,50*1+0,25*10+0,25*54,25

55. E a seguinte motivação emergente do Relatório Final: “(…)
ix. Subfator Viabilidade Económico Financeira, foi decisão do Júri a atribuição de 10 pontos a todos os concorrentes, porquanto não foi estabelecido no procedimento nenhum modelo base/tabela em concreto que permita considerar que qualquer um dos modelos apresentados, junto ás propostas, não cumpre os requisitos elementares que o Júri necessita para a avaliação deste subfator da qualidade do projeto de gestão
x. Ademais, foi assumida, pelo Júri, a avaliação máxima, considerando que todos os concorrentes apresentaram de uma forma geral um documento que demonstra a exequibilidade e sustentabilidade financeira do projeto;----------------------------------------------------------------------
(…)
C. PROPOSTA DA ORA RECLAMANTE - CONCORRENTE N.° 4 - [SCom02...], LDA---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
i. No que diz respeito ao subfator Piano Estratégico, a proposta da ora reclamante apresenta um projeto de exploração de serviços bem estruturado e compatível com o objeto do concurso, não apresentando nenhum conceito inovador ou diferenciador;----------------------------
ii. O conceito gastronómico apresentado para o restaurante, sito no 1.° andar do Mercado, “..., com o inspiração gastronómica de cardápios norte-americanos (...)“ - é desenquadrado das características do espaço e da sua envolvente;-----------
---Face ao aqui exposto, deliberou o Júri manter a pontuação de 1 ponto neste subfator.-
iii. Sobre o subfator Modelo de Gestão e Dinamização, temos que, da proposta, consta a enumeração de 12 espetáculos anuais com música ao vivo, bem como ações que vão da gastronomia e vinhos até à realização de exposições e workshops;-------------------------------------
iv. Decorre também da proposta a realização de atividades que são assumidas pelo concorrente como complementares às festividades do Município e do Bairro ...;------
v. Verifica-se ainda que, para cada evento, se encontra definido o respetivo público-alvo (pág.,’ 27 do documento denominado 'PROPOSTA'); -----------------------------------------------
vi. Todavia, a proposta não apresenta um modelo de gestão inovador, seja nos produtos (bens ou serviços), seja no método organizacional proposto. -------------------------------------------
Por estas razões, deliberou o Júri manter a pontuação de 5 pontos atribuída a este subfator (…)”.
56. Neste sentido, entendemos que a entidade decidente aceitou a proposta de graduação final, assim, absorvendo o respetivo conteúdo e fundamentação, desse modo, a convertendo em decisão própria.
57. Perante este quadro de referência, e uma vez analisada a fundamentação [per relationem] em causa, não sentimos hesitação em assumir que o júri concursal distinguiu e graduou as propostas entre si mediante o uso de maior ou menor adjetivação consoante a maior ou menor pontuação atribuída a cada uma, não procurando concretizar ou especificar tais representações.
58. Efetivamente, o estabelecimento da ordem concursal motivou-se com recurso ao uso de adjetivos como “inovador”, “diversificado”, “relevante”, “notável”, “profundo”, “básica”, “médio” e “moderada”, sem qualquer referência ou explicitação quanto à alusão de tais representações.
59. Ora, não resultando concretizadas as realidades fácticas inerentes à utilização destes adjetivos, apresenta-se distintivo que a fundamentação adotada pela Administração redunda no uso de conceitos genéricos, impregnados de subjetivismo, certezas resultantes da íntima convicção, inescrutável e não racionalizável, portanto, não analisável e incontrolável, em torno da realidade existente.
60. Donde concluímos que não resulta apreensível, por qualquer destinatário médio, as razões que conduziram à atribuição das específicas pontuações, o que equivale por dizer que o ato não se encontra devidamente fundamentado.
61. Por isso, nenhum juízo de censura merece a sentença recorrida ao concluir que “(...) quanto aos subfatores Plano Estratégico e Modelo de Gestão e Dinamização a fundamentação não é clara, nem cabal, não sendo percetíveis as razões pelas quais foi atribuída às propostas da A. e das CI as respetivas pontuações, padecendo, pois, o ato de falta de fundamentação (…)”.
62. E assim fenecem todas as conclusões do recurso interposto pelo Município ..., impondo-se negar provimento ao mesmo, ao que se provirá no dispositivo.
III.2- Recurso interposto pela [SCom01...], Lda.
63. O objeto do presente recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
64. Nas conclusões i) a v), sustenta a Recorrente [SCom01...], Lda., que Tribunal a quo pronunciou-se sobre facto que não foi suscitado pela Autora - designadamente que o esclarecimento solicitado e cuja resposta foi induzida, implicou a alteração de um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência e que determina a exclusão da proposta - sem dar cumprimento ao formalismo vertido no n.º 3 do referido artigo 95º do CPTA, dessa forma violando o princípio do contraditório, e decidiu questão diversa da constante no pedido da A., incorrendo em excesso de pronúncia.
65. Esta alegação, porém, não é minimamente persuasiva, carecendo, inclusive, de substrato legitimador.
66. Realmente, a lei processual administrativa admite expressamente que o Tribunal possa conhecer de vícios não alegados pelas partes contado que seja cumprido o princípio do contraditório mediante a notificação para produção de alegações complementares.
67. Tal é que o emana grandemente do disposto nos artigo 95º, nº. 3 in fine do C.P.T.A.
68. Porém, o casuísmo dos autos que nos envolvem mostra-se claramente desajustado à eventual aplicação deste mecanismo processual.
69. Realmente, escrutinado o libelo inicial, logo se constata que a Autora substanciou as suas pretensões jurisdicionais com base no entendimento, de entre outras realidades, que o “(…) princípio da transparência (promovido pela regra da desmaterialização total e obrigatória dos procedimentos pré-contratuais), o princípio da igualdade (que opera, particularmente, ao nível da participação dos interessados nos procedimentos) e o princípio da concorrência, foram violados no presente procedimento (…)”.
70. Verifica-se ainda que a Recorrente arrimou tal convicção, de entre outro, no entendimento de que o júri concursal notificou a concorrente [SCom01...], Lda., convidando-a a alterar a sua proposta no sentido pretendido ao invés de solicitar esclarecimentos, tendo veiculado notícias da adjudicação quando o procedimento se encontrava a decorrer e a decisão passaria pelo júri.
71. A partir daqui, o Tribunal a quo tinha que conhecer desta causa de invalidade nos termos e com o alcance supra explicitados.
72. O que veio, efetivamente, a suceder.
73. De facto, a motivação de direito emanada na decisão judicial recorrida no patamar em análise é inequívoca na afirmação de que “(…) a conduta do júri ao solicitar o esclarecimento quando nada havia a clarificar (…) ” é ofensiva da igualdade concorrencial, o que se mostra claramente contido no horizonte argumentativo vertido no libelo inicial, devendo considerar-se a alusão à violação do disposto no artigo 72º, nº.1 do CCP como um reforço de tal convicção e não como a declaração de verificação de qualquer outra causa de invalidade, aliás, como é bem demonstrativo o segmento conclusivo emanado a este propósito “(…) Assim, procede o vício apenas no que respeita à ilegalidade do pedido de esclarecimento formulado pelo júri (…)”.
74. O que serve para concluir pela inaplicabilidade do disposto no artigo 95º, nº. 3 do CPTA, e dessa sorte, pela inexistência de qualquer ofensa do principio do contraditória e excesso de pronúncia.
75. Não vinga, portanto, a tese recursiva do Recorrente ora em análise.
76. Já nas conclusões xi) a xiv), a Recorrente [SCom01...], Lda., defende que “(…) não existiu nenhuma alteração da proposta com os esclarecimentos solicitados pelo Júri, tão pouco pela resposta «induzida» da CI, e sequer vêm colocados em causa algum dos atributos submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos (…) Pelo que, e contrariamente ao decidido, não existe fundamento legal para a exclusão da proposta da CI, pelo que incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento (…)”.
77. Falece-lhe, porém, razão, por duas ordens de razão, a saber:
78. A primeira ordem de razão prende-se com o facto da decisão judicial recorrida não versar sobre a existência de uma causa de exclusão da proposta da Recorrente emergente da transformação da proposta como decorrência de um pedido de esclarecimento formulado pelo júri concursal, mas antes sobre a própria ilegalidade do pedido de esclarecimento formulado pelo júri concursal.
79. Realmente, ao contrário do que a Recorrente pretende conduzir em discussão no seu recurso, a “ratio decidendi” do julgado não teve foco na consideração de que “(…) os esclarecimentos solicitados e/ou a resposta induzida, não conduziram à alteração de qualquer destes fatores, na medida em que não alterou o preço da proposta, nem interferiu no fator de qualidade do projeto de gestão, porquanto não se trata de esclarecimento que estivesse relacionado com algum dos atributos da proposta, nem quaisquer termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos aos quais a entidade adjudicante pretendesse que o concorrente se vinculasse (…)”, inexistindo, por isso, “(…) fundamento legal para a exclusão da proposta da CI (…)”.cfr. conclusões XIII)e XIV].
80. Diferentemente, teve enfoque no entendimento de que “(…) a conduta do júri ao solicitar o esclarecimento quando nada havia a clarificar e induzir, por via de um pedido de esclarecimento, uma resposta tendente a suprir o vício de que padecia a proposta da CI não só viola o disposto no art. 72.º, n.º 1 do CCP, como se revela violadora da igualdade concorrencial, porque proporciona um tratamento desigual favorecendo indevidamente a posição da CI que, por essa via, viu a sua proposta ser admitida quando se verificava, quanto à mesma, a causa de exclusão tipificada no art. 70.º, n.º 2 al. b) do CCP (…)”.
81. Ou seja, focalizou-se na “(…) inadmissibilidade do pedido de esclarecimento formulado pelo júri (…)” e não na eventual existência de “(…) fundamento legal para a exclusão da proposta da CI (…)”.
82. Sendo estes os contornos em evidência, é nosso entendimento que os termos que a Recorrente desenvolve a sua argumentação não apresentam qualquer correlação com os fundamentos da decisão recorrida, configurando-se, portanto, os mesmos como inócuos e insuficientes para impactar o sentido decisório da mesma.
83. De facto, a alegação recursiva em análise não faz qualquer crítica à “ratio decidendi” operado na sentença recorrida, procurando antes conduzir a discussão em torno de um caminho não trilhado pelo Tribunal a quo, o que é insuscetível de relevar em termos da definição do presente recurso, não sendo, por isso, de acolher.
84. A segunda ordem de razões relaciona-se com a certeza de que o decidido pelo Tribunal a quo não merece o menor reparo, encontrando-se certeiramente justificado.
85. Na verdade, a formulação de um pedido de “prestação de esclarecimentos” mostra-se reservada para os elementos constantes das propostas apresentadas sobre os quais subsistam dúvidas, especialmente, de interpretação e/ou de legibilidade, não sendo de integrar aqui os eventuais erros materiais de escritos face ao que dimana do artigo 72º, nº.4 do CCP.
86. Porém, conforme grassa do já assuntado nos parágrafos 29) a 48) do presente aresto, nada disso é extraível da proposta apresentada pela referida concorrente.
87. O que nos transporta para evidência da “(…) inadmissibilidade do pedido do inadmissibilidade do pedido de esclarecimento formulado pelo júri (…)”, determinante, conjuntamente com a patenteada falta de fundamentação do ato impugnado, da anulação “(…) do despacho de 19.9.2022 do Presidente da Câmara Municipal ..., ratificado por deliberação da Câmara Municipal ... de 22.9.2022, de adjudicação à [SCom01...], Lda. do procedimento concursal visando a “Concessão da Gestão e Exploração do Mercado ..., em ... (…)”.
88. Por conseguinte, não se divisa a existência de qualquer erro de julgamento da direito no domínio em apreço.
89. Derradeiramente, nas conclusões xv) a xvii), a Recorrente [SCom01...], Lda., insurge-se contra o juízo decisório firmado a propósito da falta de fundamentação do ato impugnado aos subfatores plano estratégico, viabilidade económica e modelo de gestão.
90. Neste domínio, entendemos que seria até deselegante aqui reproduzir tudo o quanto já ficou exposto nos parágrafos 49) e 65) do presente aresto, pelo que, nesta altura, nos limitamos a remeter para tudo o quanto o lá ficou exposto nos domínios em questão.
91. Deste modo, à luz do que lá se vem de expor, é mandatório concluir pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida no domínio da falta de fundamentação do ato impugnado.
92. Concludentemente, e por tudo o quanto ficou ante exposto, é também de negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente [SCom01...] e [SCom03...], Lda.
93. Assim se decidirá.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO a ambos os recursos interpostos, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso interposto pelo Município ... pelo Recorrente.
Custas do recurso deduzido pela [SCom01...] e [SCom03...], Lda., pela Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 20 de outubro de 2023

Ricardo de Oliveira e Sousa
Antero Pires Salvador
Helena Maria Mesquita Ribeiro