Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02016/08.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/21/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:CDT ENTRE PORTUGAL E ESPANHA
Sumário:1º Os rendimentos auferidos em Portugal por profissionais de espetáculos residentes em Espanha podem ser tributados no estado contratante (Portugal);
2º Ocorrendo a tributação em Portugal, a eliminação da dupla tributação efetuar-se-á mediante dedução no Estado Espanhol do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto efectivamente pago em Portugal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: P…, Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF do Proto que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2004
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1 – Vem o presente recurso interposto da sentença que julga a presente impugnação totalmente improcedente, por não provada.
2 – Contrariamente ao que é decidido na sentença recorrida, as despesas realizadas por entidades estrangeiras contratadas pela impugnante não se encontram sujeitas a retenção na fonte.
3 – Aliás, apenas os rendimentos efetivamente auferidos seriam suscetíveis de retenção na fonte.
4 – Com o recurso à experiência comum, pode concluir-se que a entidades estrangeiras que se deslocam a Portugal para a realização de eventos e espetáculos, necessitam de realizar despesas com viagens, alojamento e demais encargos com a montagem e logística, inerentes ao evento.
5 – Por conseguinte, não se podendo considerar as despesas como rendimento, também não se pode tributar como tal.
6 - Entende a recorrente que não seria legítimo proceder à retenção na fonte de IRC em relação a tais tipos de pagamentos, porquanto as retenções na fonte devem dizer respeito apenas a rendimentos.
7 Entretanto, em relação aos pagamentos de rendimentos que fez, estava a retenção na fonte dispensada, por se tratar de residentes em países com os quais Portugal celebrou convenções destinadas a evitar a dupla tributação: Espanha, Inglaterra, França, Alemanha e Noruega.
8 - Ter-se-á considerado, porém, em alguns casos, que a dispensa de retenções não era legítima, por falta dos formulários destinados a accionar as convenções com datas não posteriores à data da colocação dos rendimentos à disposição dos respectivos beneficiários.
9 – A sentença recorrida viola o disposto no artigo 90.º-A do Código do IRC foi alterado através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), passando a dispor, no seu n.º 2, que o prazo para a prova exigida aos beneficiários dos rendimentos, que antes decorria até à data da obrigação de efectivação da retenção na fonte, foi alargado até à data limite da entrega do imposto retido nos cofres do Estado.
10 - Além disso, o n.º 6 do mesmo artigo, na sua nova redacção, veio estabelecer que ainda que o formulário seja posterior à data atrás referida, sempre será afastada a responsabilidade do substituto tributário pelo pagamento do imposto que deveria ter sido deduzido, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional.
11 – Bem como, contraria o disposto no n.º 4 do artigo 48.º da Lei n.º 67-A/2007 veio tornar a nova redacção do n.º 6 do artigo 90.º-A do Código do IRC aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da referida Lei, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto.
12 - A liquidação em apreço, na parte respeitante à existência de formulários com datas posteriores às datas de pagamento ou colocação dos rendimentos à disposição dos respetivos beneficiários, deixou de ter suporte legal, face à aplicação retroativa da nova redação do n.º 6 do artigo 90.º-A do Código do IRC 13 – Contrariamente que que consta daa sentença recorrida, a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa, que antecedeu esta impugnação, padece do vicio de falta de fundamentação de facto e de direito.
14 - Pelas razões supra explanadas, a liquidação do imposto sobre apreciação também carece de fundamento legal; devendo, assim, a presente impugnação proceder na sua totalidade, com fundamento na errónea qualificação e quantificação dos factos tributários.
Termos em que, nos melhores de Direito que V.Exª.s. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e consequente revogada a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue a presente impugnação por provada, com as demais consequências legais, como é de inteira J U S T I Ç A !

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2004.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
a) A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva, tendo-se apurado correcções em sede de IRC – retenções na Fonte de vários exercícios entre eles o do ano de 2004, no montante total de €57.281,43 (cf. fls. 17/59 do PA). ---
b) Naquela sede apurou-se que “Nos anos em análise o sujeito passivo efectuou pagamentos a entidades não residentes, relativos a rendimentos de espectáculos, serviços prestados em território nacional, direitos de autor e outros não especificados, sem que procedesse à retenção na fonte do imposto sobre a totalidade dos rendimentos pagos” (cf. fls. 27 do PA). ---
c) Diz-se no relatório inspectivo que “O contribuinte contratou a actividade de profissionais de espectáculos (artistas e bandas) não residentes, para actuarem em Portugal, em diversos eventos e festivais. Verificamos que essas entidades emitiram, por regra, duas facturas: uma correspondente a cachet e outra correspondente a custos de produção do espectáculo ou a título de “dietas” ou “viagens”. O contribuinte apenas efectuou a retenção na fonte sobre os rendimentos/facturas que referem cachet. Não obstante a divisão efectuada, todos os pagamentos realizados a estas entidades respeitam ao exercício em território nacional de actividade de profissionais de espectáculos, não relevando a descriminação efectuada nas facturas, uma vez que, relativamente aos custos de produção e às “dietas” e “viagens”, o não residente emitiu as facturas para o promotor, sem juntar os originais dos documentos de custos e despesas que eventualmente suportou em território nacional, ou estrangeiro” (cf. fls. 29 do PA). ---
d) Depois, e no que tange aos formulários é dito no relatório inspectivo que “ao contrário do que prevê o nº 2 do art. 90º-A do Código do IRC, a prova (formulário) relativa ao beneficiário T… (…) foi apresentada em data posterior à da obrigação de retenção na fonte (data do pagamento); o formulário apresentado para accionar a CDT do Reino Unido, foi emitido para entidade diversa (The Manchester… Co) da entidade beneficiária do pagamento (C… Music Productions) (…) relativamente aos anos de 2003 e 2004 e aos restantes rendimentos, o sujeito passivo não apresentou qualquer formulário
(cf. fls. 30/31 do PA). ---
e) Diz-se, ainda que “verifica-se a omissão no apuramento do resultado do exercício de ganhos obtidos com a realização do festival de V…, ganhos esses que geraram inclusivamente receitas entradas em dinheiro para o sujeito passivo. Os proveitos omitidos á contabilidade foram de 42.768,89 em 2004 e respeitam á organização da edição de 2004 do Festival” (cf. fls. 36 do PA). ---
f) Em consequência do assim apurado foi emitida em 30/08/2007, a liquidação nº 2007 6420001646, relativa a retenções na fonte de IR respeitante ao ano de 2004, no montante de €57.281,43 (cf. fls. 6 do PA). ---
g) Inconformada com a liquidação, a impugnante deduziu reclamação graciosa, a qual veio a ser indeferida por despacho de 01/09/2008 (cf. fls. 1/8 e 79 do PA). ---
h) Pelo oficio nº 51651/0403 de 2008/07/16, e no âmbito do processo de reclamação graciosa, a impugnante, ao abrigo do dever de colaboração, foi notificada para (…) em cumprimento das orientações contidas no Oficio Circulado nº 20131 de 07.04.2008 da DSRI que se junta em anexo, para, no prazo de 10 ( dez) dias, juntar aos autos a prova legalmente exigida de que, á data a que se reportam os factos, estavam verificados os pressupostos necessários á dispensa de retenção na fonte do imposto.” (cf. fls. 61 do PA).
i) Em resposta ao pedido referido em h), a impugnante veio dizer “Dando satisfação ao pedido que nos foi dirigido através do ofício em referência, vimos anexar fotocópias dos certificados de residência que nos foi possível obter posteriormente á data da colocação à disposição dos beneficiários dos rendimentos por nós pagos. Relativamente aos formulários em falta, não nos foi possível obtê-los até à presente data” (cf. fls. 62/68 do PA).---
j) A impugnante juntou dois modelos 12-RFI para o beneficiário “G…, SL”, com data de 04/02/2008 relativos a várias prestações de serviços (cf. fls. 63/68 do PA). -
k) A reclamação graciosa foi indeferida. ---
l) Inconformada com a decisão, a impugnante deduziu em 18/09/2008 a presente impugnação judicial.---
Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa. --*** ***
O tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos. ---

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A sociedade “P…, Lda” foi alvo de fiscalização externa com referência aos exercícios de 2003 a 2006 que culminou com correções à matéria colectável, bem como em sede de IVA e retenções na fonte.

No que aqui interessa a sociedade impugnou a liquidação de IRC do exercício de 2004, retenção na fonte, alegando em síntese que o dever de retenção apenas existe em relação ao pagamento de rendimentos o que não é o caso pois os pagamentos referiram-se a pagamentos de despesas de viagem e alojamento. E em relação aos pagamentos de rendimentos que fez estava a Impugnante dispensada de efetuar qualquer retenção por se tratar de residentes em países com os quis Portugal celebrou convenções destinadas a evitar a dupla tributação: Espanha, Inglaterra, França, Alemanha e Noruega.
Ter-se-á considerado em alguns casos que a dispensa de retenção não era legítima por falta dos formulários destinados a acionar as convenções com datas não posteriores à data de colocação dos rendimentos à disposição dos respetivos beneficiários. Sucede, no entanto, que o art. 90º-A do CIRC foi alterado através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro no sentido de que a prova exigida aos beneficiários dos rendimentos foi alargado até à data limite da entrega do imposto retido, e o n.º 6 permite que o formulário seja posterior à data da entrega do imposto, podendo apenas haver responsabilidade contra ordenacional, sendo ainda a nova redação aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da lei.
O despacho que recaiu sobre a Reclamação Graciosa carece de fundamentação de facto e de direito, aliás nem sequer aprecia a questão em concreto que foi colocada pelo Reclamante.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou por exceção e por impugnação. Por exceção, invocou a extemporaneidade da impugnação. E por impugnação aderiu aos fundamentos e considerações expendidas na decisão da Reclamação Graciosa.

A MMª juiz julgou a ação totalmente improcedente. A Recorrente discorda, e neste recurso reitera praticamente todas as questões que suscitou na petição inicial:
(i) Só os rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte. E contrariamente ao decidido
na sentença recorrida, as despesas realizadas por entidades estrangeiras contratadas pela Impugnante não se encontra, sujeitas a retenção por respeitarem ao pagamento de despesas.
(ii) A sentença não tomou em consideração o disposto no art.º 90º-A alterado pela Lei
n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, bem como o disposto no n.º 4 do art. 48º da mesma Lei que tornou a nova redação aplicável às situações anteriores à data da entrada em vigor da lei.
(iii) A decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa não está fundamentada e é omissa por não apreciar “...em concreto, a questão suscitada pela Impugnante” (art.º 16º das doutas alegações)

Começando pela primeira questão, a alínea C) dos Factos Provados diz o seguinte:
Diz-se no relatório inspectivo que “O contribuinte contratou a actividade de profissionais de espectáculos (artistas e bandas) não residentes, para actuarem em Portugal, em diversos eventos e festivais. Verificamos que essas entidades emitiram, por regra, duas facturas: uma correspondente a cachet e outra correspondente a custos de produção do espectáculo ou a título de “dietas” ou “viagens”. O contribuinte apenas efectuou a retenção na fonte sobre os rendimentos/facturas que referem cachet. Não obstante a divisão efectuada, todos os pagamentos realizados a estas entidades respeitam ao exercício em território nacional de actividade de profissionais de espectáculos, não relevando a descriminação efectuada nas facturas, uma vez que, relativamente aos custos de produção e às “dietas” e “viagens”, o não residente emitiu as facturas para o promotor, sem juntar os originais dos documentos de custos e despesas que eventualmente suportou em território nacional, ou estrangeiro

A MMª juiz decidiu que
“No que tange ao pagamento de despesas (nomeadamente com dietas, viagens e alojamento) e tal como resulta do relatório inspectivo, a impugnante não apresentou qualquer suporte documental que justificasse aqueles custos e despesas.---
Competia à impugnante exibir a prova, que só podia ser documental, das despesas a que alude o que como vimos não aconteceu, sendo esse um ónus que só a si incumbia, nos termos que melhor resultam do disposto no art. 74º da Lei Geral Tributária (LGT). ---
Mostram-se, assim, desrespeitadas as exigências formais de suporte documental dos custos, assistindo razão à AT na desconsideração daqueles montante”.

Como vimos, o Recorrente sustenta que só os rendimentos estão sujeitos a retenção e não as despesas suportadas. Acrescenta que “Com o recurso à experiência comum, pode concluir-se que a entidades estrangeiras que se deslocam a Portugal para a realização de eventos e espetáculos, necessitam de realizar despesas com viagens, alojamento e demais encargos com a montagem e logística, inerentes ao evento.
Por conseguinte, não se podendo considerar as despesas como rendimento, também não se pode tributar como tal”. (Conclusões 4ª e 5ª).

O Recorrente não tem razão. Pretendendo demonstrar que os pagamentos em causa correspondem ao pagamento de “despesas” e não de rendimentos, deveria ter provado documentalmente tal facto e não o fez. É certo que os não residentes emitiram por regra duas facturas: uma relativa a “cachet” e outra relativa a custos de produção do espetáculo, ou a título de “dietas” ou “viagens”. Mas não obstante esta divisão, o não residente emitiu as faturas para o promotor sem juntar os originais dos documentos de custos e despesas que eventualmente suportou em território nacional ou estrangeiro.

Alegar que pela experiência comum “pode concluir-se que a entidades estrangeiras que se deslocam a Portugal para a realização de eventos e espetáculos, necessitam de realizar despesas com viagens, alojamento e demais encargos com a montagem e logística, inerentes ao evento” é insuficiente para cumprir o dever de documentação que recai sobre o sujeito passivo (1).
Ora como nenhuma prova efetuou de que tais pagamentos tenham o caráter que lhe atribui, a sentença não merece qualquer censura nesta parte.

Quanto à segunda questão.
Na petição inicial alegou o Impugnante que em relação ao pagamento dos rendimentos que fez estava a retenção na fonte dispensada, por se tratar de residentes em países com os quais Portugal celebrou convenções destinadas a evitar a dupla tributação: Espanha, Inglaterra, França, Alemanha e Noruega.
O facto de em alguns casos não haver “formulários” destinados a acionar as convenções com datas não posteriores à data da colocação dos rendimentos à disposição dos respetivos beneficiários não relva uma vez que a nova redação dada ao artigo 90º-A do CIRC pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, alargou o prazo para tal prova até à data limite da entrega do imposto retido nos cofres do Estado.
Além disso, alega, o n.º 6 do mesmo artigo veio estabelecer que que mesmo sendo o formulário posterior à data atrás referida, sempre será afastada a responsabilidade do substituto pelo pagamento do imposto que deveria ter sido deduzido, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional.
Finalmente, o n.º 4 do art.º 48º da Lei n.º 67-A/2007 tornou a nova redação do n.º 6 do art. 90º-A aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da referida Lei, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto.

A MMª juiz refletiu sobre a questão e decidiu do seguinte modo:
“Já no que concerne à desconsideração dos formulários apresentados em data posterior às datas de pagamento ou colocação dos rendimentos à disposição dos respectivos beneficiários cumpre referir que resulta de forma clara que em sede inspectiva a impugnante não exibiu os ditos formulários.---
Em sede de reclamação graciosa, e após convite para o efeito, a impugnante juntou os formulários identificados na factualidade apurada. ---
Defende a impugnante que atento o disposto no art. 90º-A, nº 6 do CIRC, na redacção dada pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, a liquidação nesta parte deixou de ter suporte legal, mais defendendo que em relação aos pagamentos de rendimentos que fez estava dispensada a retenção na fonte atentas as Convenções Sobre Dupla Tributação (CDT’s), por se tratar de residentes em países com os quais Portugal celebrou convenções destinadas a evitar a dupla tributação, todavia não lhe assiste razão.---
Senão, vejamos. ---
No ano de 2004, a impugnante efectuou pagamentos de rendimentos a entidades não residentes, sem que procedesse à retenção na fonte do imposto sobre a totalidade dos rendimentos pagos. ---
(...)
O art. 90º-A do CIRC que dispunha sobre a dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes referia no seu nº 1 que: Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada”. ---
Aquele preceito legal dispunha ainda que:
“2 - Nas situações referidas no número anterior, bem como na alínea g) do n.º 2 do artigo 80.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:(Redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12)
Sucede que a convenção sobre dupla tributação (CDT) celebrada entre Portugal e Espanha (2), e no que tange a este tipo de rendimentos, atribui legitimidade de tributação ao Estado da fonte do rendimento (Portugal) cabendo a Espanha (Estado de residência do beneficiário dos rendimentos) a eliminação da dupla tributação (neste sentido cf. art.s 17º e 23º da CDT).---
Perante os factos apurados e a aplicação daquela CDT temos que concluir que não assiste razão à impugnante, pois não se encontravam reunidos os requisitos do art. 90º-A do CIRC e, da aplicação da CDT não resulta qualquer ilegalidade da liquidação.”
O Recorrente discorda da decisão e advoga que a apresentação dos formulários em data posterior (até à data limite de entrega do imposto retido nos cofres do Estado) é admissível mesmo para os impostos já liquidados.

Mas neste caso não tem razão.

O imposto liquidado respeita a retenção não efectuada no exercício de 2004. Nos termos constantes da alínea d) do n.º 3 do art. 4º do CIRC (redação vigente ao tempo) consideram-se obtidos em território português os rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espetáculos ou desportistas.

O pagamento destes rendimentos a pessoas coletivas está sujeito a retenção na fonte nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 88º do CIRC à taxa de 25%, o por força do disposto no art.º80º/2 e n.º 5 do art.º 88º do CIRC.
E o pagamento dos mesmos rendimentos a pessoas singulares está também sujeito a retenção na fonte como previsto no art.º 18º/1, alínea o) do CIRS à taxa de 25% como resulta da alínea c) do n.º 2 do art.º 71 do CIRS.

Como resulta dos factos provados, a Impugnante juntou na Reclamação Graciosa dois modelos 12-RFI para o beneficiário “G…, SL” (3), com data de 4/2/2008.

Reiterando o alegado na petição inicial, defende que a sentença viola o disposto no art.º 90º-A do CIRC alterado pela LN 67-A/2007, de 31 de dezembro passando a dispor no seu n.º 2, que o prazo para a prova exigida aos beneficiários dos rendimentos, que antes decorria até à data da obrigação de efectivação da retenção na fonte, foi alargado até à data limite da entrega do imposto retido nos cofres do Estado.
Além disso, o n.º 6 do mesmo artigo, na sua nova redacção, veio estabelecer que ainda que o formulário seja posterior à data atrás referida, sempre será afastada a responsabilidade do substituto tributário pelo pagamento do imposto que deveria ter sido deduzido, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional.
Bem como, contraria o disposto no n.º 4 do artigo 48.º da Lei n.º 67-A/2007 veio tornar a nova redacção do n.º 6 do artigo 90.º-A do Código do IRC aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da referida Lei, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto (Conclusões 9 a 11).

A observação está correta excepto na parte em que aponta à sentença erro de julgamento, precisamente porque o regime invocado é inaplicável ao caso dos autos.

Vejamos porquê.

Nos termos do art.º 90º/2 do CIRC na redação vigente em 2004 (4), não existe obrigação de retenção na fonte, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do art.º 88º quando os sujeito passivos beneficiem de isenção total ou parcial, ou por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação os rendimentos auferidos por um residente do outro Estado não seja atribuída ao Estado da fonte, ou o seja apenas de uma forma limitada. (5)
Ora, a CDT celebrada entre Portugal e o Reino da Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, cuja aprovação para ratificação foi efetuada por Resolução da AR n.º 6/95) dispõe no seu art. 17º:

“Artistas e desportistas
1 - Não obstante o disposto nos artigos 14.º e 15.º, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante na qualidade de profissional de espectáculos, tal como artista de teatro, cinema, rádio ou televisão, ou músico, bem como de desportista, provenientes das suas actividades pessoais exercidas nessa qualidade, no outro Estado Contratante, podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 - Não obstante o disposto nos artigos 7.º, 14.º e 15.º, os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos ou desportistas nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos ou dos desportistas.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 não é aplicável se as actividades exercidas num Estado Contratante forem financiadas principalmente através de fundos públicos do outro Estado Contratante ou de uma das suas subdivisões políticas ou administrativas ou autarquias locais. Neste caso, os rendimentos auferidos dessas actividades só podem ser tributados nesse outro Estado.”

Daqui resulta que os rendimentos obtidos pelos profissionais de espectáculo, pelo exercício nessa qualidade das suas actividades pessoais são tributados no Estado em que as actividades foram exercidas - Estado da fonte-, independentemente daqueles artistas e/ou atletas serem residentes noutro Estado.

O n.º 3 deste artigo contempla uma excepção aos números anteriores, na medida em que os rendimentos auferidos por um residente de um Estado Contratante como artista ou desportistas estão isentos de tributação no outro Estado Contratante, se as actividades exercidas nesse outro Estado forem financiadas principalmente através de fundos públicos do mencionado Estado ou de uma das suas subdivisões políticas ou administrativas ou Autarquias Locais, que não é o caso dos autos.

Por sua vez, o art. 23º inserido no capítulo IV referente à eliminação da dupla tributação estabelece o seguinte:

“Métodos

1 - No caso de um residente de Espanha, a dupla tributação será evitada, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação espanhola (desde que não contrariem os princípios gerais estabelecidos neste número), do seguinte modo:

a) Quando um residente de Espanha obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados em Portugal, a Espanha deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto efectivamente pago em Portugal.

A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal;

b) No caso de dividendos pagos por uma sociedade residente de Portugal a uma sociedade residente de Espanha, que detenha directamente pelo menos 25% do capital da sociedade que paga os dividendos, na determinação da dedução será tomado em consideração, além da importância dedutível de acordo com a alínea a) deste número, o imposto efectivamente pago pela sociedade mencionada em primeiro lugar relativamente aos lucros de que os dividendos são pagos, na importância correspondente a tais dividendos, desde que a referida importância esteja incluída, para este efeito, na base tributável da sociedade que recebe os dividendos.

Essa dedução, juntamente com a dedução aplicável relativamente aos dividendos de acordo com a alínea a) deste número, não poderá exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributados em Portugal.
Para fins da aplicação do disposto nesta alínea, será necessário que a participação na sociedade pagadora dos dividendos seja de, pelo menos, 25% e se mantenha de forma ininterrupta durante os dois anos anteriores ao dia em que os dividendos são pagos.
(...)

O n.º1 deste artigo determina como será evitada a dupla tributação, que no caso de um residente em Espanha será efetuada de acordo com as disposições aplicáveis da legislação espanhola.

Ou seja, aplicar-se-á, em geral, o método da Imputação Limitada de acordo com o qual Espanha permitirá deduzir do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto efectivamente pago em Portugal (com a limitação de que a importância deduzida não poderá exceder a fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal).

Por conseguinte, articulando o art.º 17º com o artigo 23º temos que:

1º Os rendimentos auferidos em Portugal pelos profissionais de espetáculos residentes em Espanha podem ser tributados no estado contratante (Portugal) (6);
2º Ocorrendo a tributação em Portugal, a eliminação da dupla tributação será efetuada pela dedução no Estado Espanhol do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto efectivamente pago em Portugal.

Por fim, o Recorrente alega que o despacho de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa carece de fundamentação de facto e de direito e que nem sequer aprecia em concreto a questão suscitada pela Impugnante. Por conseguinte, está tal decisão inquinada com o vício de omissão e pronuncia....”

A MMª juiz julgou improcedentes os vícios alegados com a seguinte fundamentação:
“A impugnante defende, ainda, que a decisão da reclamação graciosa não está fundamentada, no entanto nos termos do disposto no Código do Procedimento Administrativo (actual art. 153º) a decisão não tem de ser prolixa, de facto basta uma simples leitura daquela decisão para verificar que a mesma está fundamentada, uma vez que deve ser expressa de forma sucinta.---
In casu, a decisão possui os elementos necessários para que o contribuinte perceba qual o sentido da decisão, tanto assim que a impugnante não tem qualquer dúvida quando impugna a liquidação assacando-lhe os vícios que se apreciaram.
Resta, assim, concluir que não assiste razão à impugnante, estando a presente impugnação votada ao insucesso”.

A decisão não nos merece qualquer reparo. Embora refira que o despacho não está fundamentado de facto e de direito, não esclarece que factos estão em falta para conhecer o "iter cognoscitivo" seguido pela AT na decisão. E quanto à omissão de pronúncia, também não esclarece qual a questão cuja decisão a Reclamação Graciosa omitiu.

Na verdade, a leitura do requerimento de Reclamação Graciosa e a decisão que sobre ela recaiu – sustentada no parecer de 29/7/2008 e sobre o qual exerceu o direito de audição – revela que a decisão cumpriu as regras da fundamentação previstas no art.º 77º/1-2 da LGT e decidiu as questões colocadas.

Por conseguinte, também neste segmento improcede o recurso.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 21 de junho de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) Na redação do CIRC vigente em 2004, vários preceitos exigiam a comprovação dos encargos: art. 17º, 23º, 115º etc.
(2) Decreto da Presidência da República nº 14/95 de 28 de Janeiro, publicado em DR I Série-A, nº 24 de 28/01/1995
(3) Residente em Espanha.
(4) Que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002 de 30 de dezembro
(5) No aditamento efetuado pelo Decreto-Lei n.º 211/2005 de 7 de dezembro, o preceito passou a constar do art. 90-A do mesmo código.
(6) Cfr. Ac. do STA n.º 0694/12 de 28-11-2012 Relator: FERNANDA MAÇÃS
Sumário: I - No direito português, em relação à tributação do rendimento dos não residentes sem estabelecimento estável, vigora o regime regra da tributação por retenção na fonte do rendimento bruto, com a excepção dos rendimentos referidos nas alíneas a) a d), f), m) e o) do nº 1 do artigo 18º do CIRC (por força do art. 71º, nº 8, do CIRS), sendo que tal regime foi objecto de adequação ao direito comunitário e jurisprudência do Tribunal de Justiça, através da Lei nº 64º-A/2008, de 31 de Dezembro, com a redacção dada aos arts. 71º, nºs, 8 a 11, do CIRS (aplicável ex vi art. 88º do CIRC);