Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01012/16.8BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/19/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:OBRA. AMPLIAÇÃO. PROTECÇÃO DO EXISTENTE.
Sumário:I) – Beneficiam do princípio de protecção do existente as edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas; mas já não as “clandestinas”, sem o controlo prévio que se lhes exigiria.

II) – O acto que, ao tempo do CPA91, licenciou obra de ampliação a edificação sem esse controlo, elemento essencial, é nulo.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

A. e marido F. (Rua (…)), na presente acção administrativa, em que demandam no TAF de Penafiel o Município (...) (Rua (…)) – e em que são contra-interessados M. e marido A. (Rua (…)) -, e pela qual impugnam despacho do vice-presidente da CÂMARA MUNICIPAL (...) de 04.05.2016 que declarou a nulidade do ato de anterior licenciamento urbanístico (a que corresponde alvará n.º 67/2011, de 12/05), interpõem recurso jurisdicional face à decisão de improcedência da acção.

Os recorrentes concluem:

I – Salvaguardado o devido respeito pelo entendimento nela vertido, não podem os ora Recorrentes conformar-se com a douta decisão recorrida, que julgou a presente acção administrativa improcedente, ao concluir pela não verificação dos invocados vícios do acto impugnado, designada e concretamente do vício de ilegalidade por erro quanto aos pressupostos e do vício de “errada qualificação do desvalor jurídico”.
A) DA MATÉRIA DE FACTO
II - No que concretamente se reporta à fixação da matéria de facto relevante, entendem os ora Recorrentes que deverá ser eliminado o facto constante do ponto 7 do elenco da factualidade provada, quer porque não se pode ter por provado, quer porque, em qualquer caso, se trata de facto irrelevante para a decisão da causa.
III – Relativamente ao ponto 21 da matéria de facto provada, afigura-se aos ora Recorrentes que o ali vertido padece de incompletude, devendo ser acrescentado ao respectivo teor que o pedido de licença foi deferido na reunião da Câmara Municipal de (...) de 15 de Abril de 1958.
IV - Entendem, por outro lado, os ora Recorrentes que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provada a factualidade vertida no ponto 22 do elenco da matéria de facto provada.
V – Ainda no que tange à matéria de facto, deverá ser acrescentada ao elenco da matéria de facto provada a seguinte factualidade, essencial e relevante para a boa decisão da causa e que se encontra documentalmente provada: “a edificação erigida no prédio da Autora referido em 1. foi inscrita na matriz em 1960”.
B) DO DIREITO
VI – Na presente acção, os Autores, aqui Recorrentes, alegaram, além do mais, que o despacho do VICE-PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL (...), de 04/05/2016 (acto impugnado), que declarou a nulidade do acto de licenciamento a que corresponde o alvará n.º 67/2011, de 12 de Maio (despacho, de 18/02/2011, da VEREADORA COM COMPETÊNCIAS DELEGADAS DRA. T.), foi exarado sem que se pudesse ter por verificado o apontado vício sobre os pressupostos do acto declarado nulo, estando, assim, ferido de ilegalidade.
VII – Na douta sentença recorrida, o M.mo Juiz a quo concluiu que “não se mostra possível dar guarida à alegação em causa”, por os Autores não terem logrado “como lhes competia, abalar o pressuposto material da decisão de declaração de nulidade: que, afinal, não existia no prédio qualquer construção destinada a habitação erigida antes da entrada em vigor do RGEU na freguesia de (...)”, e por não terem alegado e provado “que o edifício a ampliar efetivamente já estava implantado na estrema do seu prédio, confinante com o dos contrainteressados”.
VIII – Sucede que, contrariamente ao afirmado na douta sentença sob recurso, e conforme afirmado pela mais reconhecida doutrina e uniformemente acolhido em jurisprudência constante, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, estando em causa um acto ablativo, não era aos Autores, aqui Recorrentes, que competia “abalar o pressuposto material da decisão de declaração de nulidade”, antes era ao ora Réu, aqui Recorrido, que competia efectuar a demonstração do preenchimento dos pressupostos dessa decisão.
IX – Compulsada a matéria de facto levada ao probatório, verifica-se que o ora Réu, aqui Recorrido, não fez prova da factualidade que fundamentou, rectius, que tinha de fundamentar a decisão de declarar a nulidade do mencionado acto de licenciamento, pelo que não ficaram provados os pressupostos em que assentou o despacho do VICE-PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL (...), de 04/05/2016, aqui em crise.
X – Impor-se-á, assim, concluir pela ilegalidade e consequente anulação do despacho impugnado - o erro sobre a realidade dos factos torna o acto sempre ilegal, em via de violação de lei, por vício quanto aos pressupostos.
XI – Ao assim não decidir, o M.mo Juiz a quo incorreu em erro de julgamento, tendo violado o disposto no artigo 163º do CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA) em vigor.
SEM PRESCINDIR,
XII – A entender-se que o acto impugnado não padece do apontado vício quanto aos pressupostos e a ter-se por provada a factualidade constante do ponto 22 do probatório – o que não se concede, mas se equaciona por cautela de patrocínio -, ainda assim se imporá concluir pela ilegalidade, e consequente anulação, do despacho do VICE-PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL (...) em crise, por violação do disposto nos artigos 133º e 135º do CPA de 1991 e do disposto nos artigos 161º e 163º do CPA de 2015.
XIII – A regra no nosso ordenamento jurídico-administrativo tem sido e continua a ser a da anulabilidade do acto administrativo (artigo 135º do CPA de 1991 e artigo 163º, n.º 1, do CPA de 2015), constituindo a nulidade a invalidade-excepção.
XIV – Por “razões de segurança jurídica, associadas à exigência de alguma previsibilidade quanto à estabilidade das definições jurídicas introduzidas no exercício de poderes jurídico-administrativos”, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 133º do referido CPA de 1991, a nulidade do acto administrativo só se verificava quando lhe faltasse qualquer dos "elementos essenciais" (1.ª parte) ou a lei cominasse expressamente essa forma de invalidade (2.ª parte).
XV – Reconhecendo que a interpretação do conceito de “elementos essenciais” da referida 1.ª parte do n.º 1 do artigo 133º se mostrava manifestamente problemática, no CPA de 2015, “por razões de certeza e segurança” (cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que aprovou o novo Código do Procedimento Administrativo), a nulidade passou a estar limitada aos casos em que “a lei comine expressamente essa forma de invalidade” (artigo 161º, n.º 1, do referido CPA).
XVI – Como o M.mo Juiz a quo bem afirmou na douta decisão recorrida, “não é fácil determinar a existência de uma nulidade por natureza”, sendo que, pelas apontadas razões que levaram mesmo o legislador a, em momento anterior ao da prática do acto impugnado, “emendar” o regime legal anterior, a integração da indeterminação conceitual deverá ser efectuada com a máxima cautela, só se podendo concluir pela nulidade do acto, quando o preenchimento do conceito de “elementos essenciais” se apresente isento de quaisquer dúvidas.
XVII – Na douta sentença recorrida, o M.mo Juiz a quo, considerando que a legalidade da construção já existente era um elemento essencial do acto que defere as obras de ampliação e que, no caso, essa construção era ilegal, concluiu pelo preenchimento da previsão do n.º 1 do artigo 133º do CPA de 1991 e, consequentemente, pela confirmação da nulidade do despacho que deferiu a licença.
XVIII – Sucede que, desde logo, não se afigura de acolher o entendimento de que a ilegalidade da construção pré-existente corresponde à ausência total de um “elemento essencial” do acto de licenciamento de obras de ampliação, para efeitos do disposto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 133º do CPA de 1991.
XIX – Em todo o caso, sempre o decidido pelo M.mo Juiz a quo radica no pressuposto errado de que a prévia construção dos autos era ilegal - o eventual facto de haver uma parte da edificação ilegal, por essa parte ter sido construída sem licenciamento prévio após a data em que esse licenciamento era exigível, não torna ilegal a restante parte da edificação, legalmente erigida, sendo que, no caso dos autos, é inquestionável que a (parte da) edificação originariamente construída é legal.
XX – Assim, na situação sub judice, a maleita do acto de licenciamento datado de 18/02/2011 não será reconduzível à falta de qualquer elemento essencial do acto administrativo, mas tão-só a um erro sobre os pressupostos de facto – concretamente, erro sobre a área e a exacta configuração/implantação da edificação legalmente construída no prédio, por o referido acto de licenciamento ter pressuposto que a mesma sempre esteve implantada até ao limite posterior do terreno e tal não se verificar -, gerador de mera anulabilidade, e não de nulidade.
XXI – Em suma, ao decidir como decidiu, a douta decisão recorrida incorreu em erro de interpretação dos factos e em erro de interpretação e aplicação da lei, designadamente do disposto nos artigos 133º e 135º do CPA de 1991 e do disposto nos artigos 161º e 163º do CPA de 2015, não se podendo manter.

Contra-alegou o recorrido Município, rematando que “deve ser negado provimento ao recurso”.

Contra-alegaram os contra-interessados, sustentando que “deve improceder o recurso com as consequências legais”.
*
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º do CPTA, não tendo emitido parecer.
*
Com legal dispensa de vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*
Os factos, julgados provados pelo tribunal “a quo”:
1. A autora é dona do prédio urbano sito na Rua (…), na freguesia de (...), do concelho da (...), que se encontra descrito na conservatória do registo predial da (...) sob o número 614 da freguesia de (...), e inscrito na respetiva matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art.º 236 – cf. documentos n.º 1 (certidão do registo predial) e n.º 2 junto com a petição inicial;
2. Tal prédio é contíguo ao que pertence aos contrainteressados, confrontando com este pelo seu lado nascente;
3. Em 15.09.2010, a aqui autora, então juntamente com C., apresentaram requerimento junto dos serviços municipais da (...), tendo em vista a obtenção de licença para a realização de obras de ampliação de prédio de habitação unifamiliar existente no prédio identificado no ponto 1.; nesse requerimento declaram ainda que, no ponto “antecedentes” que “o prédio foi edificado anteriormente à entrada em vigor do RGEU” cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial, e documentos de fls. 2 e ss. do processo de licenciamento n.º 451/10 apenso aos autos;
4. Na sequência da apresentação de tal requerimento, correu termos nos serviços municipais da (...) o processo de licenciamento identificado pelo n.º 451/10 – cf. processo de licenciamento n.º 451/10 apenso aos autos;
5. Com o seu requerimento, a autora juntou a respetiva memória descritiva, na qual se pode ler designadamente o seguinte:
“(…)
Introdução
Refere-se a presente memória descritiva e justificativa ao pedido de licenciamento de obras de edificação a levar a efeito no prédio de habitação unifamiliar das requerentes, sito na morada supra indicada e carece de obras de conservação e ampliação.
As requerentes, na qualidade de donos do prédio que lhes coube em herança apresentam o pedido de licenciamento em conformidade com o pretendido.
O edifício existente foi construído anteriormente à entrada em vigor do RGEU.
(…)”;
Cf. documento de fls. 22/23 do processo de licenciamento n.º 451/10 apenso aos autos;
6. Com o seu pedido de licenciamento, a autora fez também juntar um documento escrito, intitulado “Declaração”, do seguinte teor:
(…)
C., Presidente da Junta de Freguesia do (...), concelho da (...), Distrito do Porto, no uso da competência que lhe confere a alínea n) do n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro e para cumprimento da alínea p) do n.º 6 do artigo 34.º da mesma Lei, com as alterações introduzidas pela Lei 5-A/2002 de 11 de Janeiro, declara, para os devidos efeitos, e a pedido de A., e irmã C., filhas de J. e de M., que o prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º 614 – (...), e com a matriz urbana 236, com a área da matriz urbana 344,50 m2, sito na Rua da Igreja, n.º 811, desta freguesia e concelho, foi construído anteriormente ao ano de 1950.
Pode ser verdade e para constar, passo a presente declaração, que assino e vai autenticada com o selo branco em uso nesta Junta.
(...), 7 de Setembro de 2010
Taxa: Eur = 1,50
(…)”;
Cf. documento de fls. 17 do processo de licenciamento n.º 451/10, apenso aos autos;
7. Não obstante no documento em causa se encontrar uma assinatura atribuída ao presidente da Junta de Freguesia de (...), C., tal assinatura não pertence a este último, nem foi por ele aposta;
8. Bem como, na respetiva planta de implantação que instruiu o mesmo requerimento consta que a habitação unifamiliar ampliar se encontra na estrema do prédio, não deixando qualquer espaço para o prédio pertença dos contrainteressados – cf. documentos de fls. 37 e 38 do processo de licenciamento n.º 451/10 apenso aos autos;
9. Em 18.02.2011 a vereadora da CÂMARA MUNICIPAL (...) proferiu despacho, sobre a informação elaborada pelos serviços municipais em 15.02.2011, e em concordância com esta, deferindo o requerimento apresentado e referido em 3. – cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial, e documento de fls. 218 a 220 do processo de licenciamento n.º 451/10 apenso aos autos;
10. Em consequência do que, em 12.05.2011, foi emitido o correspondente alvará n.º 67/2011 – cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial, e documento de fls. 257 do processo de licenciamento n.º 451/10 apenso aos autos;
11. No dia 28.03.2014, os contrainteressados apresentaram junto dos serviços municipais da (...) requerimento escrito dirigido ao presidente da CÂMARA MUNICIPAL (...), no qual solicitavam a demolição do edificado pela autora – cf. documento de fls. 1 a 30 do processo n.º E/3735N/2014 apenso aos autos;
12. Nessa sequência, em 14.12.2015, os serviços municipais da (...) elaboraram informação, de referência I/9345/2015, na qual se pode ler o seguinte:
(…)
Em resposta ao ofício n° S/6878/2015, a requerente vem justificar a diferença entre o edifício representado no processo como existente e aquele que ressalta das reproduções aerográficas autênticas emitidas pela Direção-Geral do Território, realizadas em 31/05/1966 e 29/06/1974, com os argumentos indicados a seguir:
- Nas reproduções aerográficas apresentadas pela reclamante são visíveis construções encostadas ao muro de vedação com caraterísticas de cobertura semelhantes à época da edificação;
- Existia ao longo de toda a extensão do edifício cobertura em fibrocimento que prova a existência de edificações encostadas ao muro de vedação;
- As edificações já existiam e são anteriores a 1951;
- O licenciamento não assentou em pressupostos falsos como demonstram as preexistências que é possível constatar nas plantas cartográficas de 1977 e 2003 (com proveniência desconhecida) e nas reproduções aerofotográficas autenticadas emitidas pela Direção-Geral do Território, realizadas em 1983,1994 e 2005;
- A edificação existente há muitos anos apenas sofreu ampliação na vertical com o processo de licenciamento de 2010;
- A propriedade da requerente e dos vizinhos possui muros de divisão do terreno confinante com o muro da reclamante que inviabiliza a existência de qualquer meia cana para escoamento de águas que nunca existiu no terreno da requerente;
- A primeira declaração emitida pela Junta de Freguesia atesta que o edifício é anterior a 1951. A segunda declaração emitida não é incompatível com a primeira, uma vez que aquela atesta a existência de uma caleira não especificando a sua localização.
Face ao exposto, cumpre informar que os argumentos da requerente contradizem os da reclamante quanto à diferença entre o edifício representado no processo como existente e aquele que ressalta das reproduções aerográficas.
As duas partes apresentam em sua defesa argumentos contraditórios que assentam, por um lado, nas exposições da reclamante, onde relata que são propriedade sua, o muro que separa a sua quinta do terreno da requerente e uma faixa de cerca de um metro, com a função de caleira, que se prolonga por todo o terreno, onde se encontra implantada a edificação existente no terreno da requerente por cima da sua propriedade e da sapata do seu muro de vedação. Em resposta, a requerente procurou refutar o que era apontado, designadamente que não existe nem existiu qualquer faixa de terreno destinado a caleira.
Assim cumpre referir que a questão sobre eventual apropriação de propriedades, por se tratar de um litígio de natureza privada, não compete à administração local decidir. A câmara municipal não pode intervir na ação de delimitação do direito de propriedade dos particulares e nem pode decidir sobre eventual ação que lesou o direito de propriedade, sob pena de estar a praticar um vício de usurpação de poder, que tomaria nulo o ato, nos termos do previsto no Código de Procedimento Administrativo.
A outra questão, é a de saber se houve ocultação de factos que serviram de pressuposto para a apreciação da pretensão de ampliação da edificação. Neste caso o que se encontra em discussão é o facto de ter sido representada em planta uma edificação principal alegadamente existente, que se encontra, em toda a sua extensão, edificada até ao limite posterior do terreno, tendo sido anexados documentos a atestar a preexistência, nomeadamente a caderneta predial urbana, certidão permanente e declaração da respetiva junta de freguesia que são incompatíveis com as reproduções aerográficas apresentadas pela reclamante e anexadas ao processo.
A reclamante, Sra. M., através do processo n.º E/3735N/2014 relativo a exposição sobre edificações ilegais em prédio confinante (terreno da requerente), apresenta cópia de projeto com o carimbo da Câmara Municipal de (...) datada de 10 de abril de 1958, que representa uma edificação que não encosta ao limite posterior do terreno, não tendo sido apresentado pela requerente quaisquer elementos que demonstrem ter existido, à data de entrada do referido processo ou em momento anterior, construções encostadas ao limite de propriedade.
A existência destes documentos não é compatível com as reproduções anexadas ao processo, no entanto, conforme referido no parecer jurídico (em anexo), vigora no âmbito de atuação da Administração pública, a possibilidade de obtenção oficiosa de provas relevantes, e também o princípio da valoração livre das provas, que implica decidir sobre quais os documentos que oferecem maior prova da realidade.
A câmara municipal terá de fazer juízo sobre os elementos apresentados pelas duas partes, no âmbito do princípio da valoração livre das provas, decidindo em conformidade sobre aqueles que entende corresponderem com maior certeza à realidade.
As reproduções aerográficas apresentadas pela reclamante, representam de forma mais nítida que a edificação principal, com cobertura de 4 águas, não se encontrava encostada ao limite posterior do terreno na data de realização do voo, e que a eventual existência de outras construções encostadas ao muro apresentam características distintas correspondentes a construções anexas, e como tal não abrangidas pelo procedimento de licenciamento de obras de ampliação de edificação principal destinada a habitação anterior a 1951.
Por outro lado, as reproduções aerográficas apresentadas pela requerente não possuem a mesma qualidade gráfica, constituindo elementos que oferecem maior dúvida para uma tomada de decisão. Dado que as mesmas foram realizadas em 1983, 1994 e 2005, não contribuem para provar que se trata de construções anteriores a 1951 e para confirmar os argumentos da requerente.
A requerente refere ainda na sua exposição que as reproduções aerográficas apresentadas pela reclamante, realizadas em 1966 e 1974 evidenciam a existência de construções encostadas ao muro de vedação com caraterísticas semelhantes à época da edificação, que já existiam e são anteriores ao ano de 1951. A este respeito, julga-se que apenas se poderá dizer que se verifica a existência de construções encostadas ao muro de vedação que não correspondem a edificação principal, não sendo possível afirmar a partir das reproduções e das datas de realização dos voos que se trata de construções anteriores a 1951 e com características semelhantes à época da edificação.
As plantas relativas a levantamento aerofotogramétrico do local, apresentadas às escalas 1:5.000 e 1:10000, não permitem retirar conclusões pormenorizadas sobre o tipo de ocupação do solo, nem a sua leitura para distâncias inferiores a 5m e 10m, respetivamente.
Assim, julga-se que da análise de todos os elementos que constam do processo, as reproduções aerográficas apresentadas pela reclamante oferecem a maior prova de que a edificação principal existente não encostava ao limite posterior da propriedade, e que a existência de outros elementos construtivos encostados ao muro de vedação não correspondem à edificação principal, podendo tratar-se de construções anexas, pavimentação do solo ou qualquer outro tipo de estrutura.
Da análise das reproduções aerográficas apresentadas pela requerente em data posterior ao apresentado pela reclamante, não é possível concluir que a edificação principal existente se encontrava encostada ao muro de vedação posterior. Todas as reproduções aerográficas foram realizadas em data posterior a 1951, pelo que não é possível comprovar que as estruturas construtivas que encostam ao muro de vedação são anteriores aquele ano, bem como estas carecem de prévio licenciamento municipal.
Não se tratando em qualquer dos casos de provas inequívocas, tendo em conta a qualidade gráfica das reproduções aerográficas, as datas dos voos com data posterior ao ano de 1951, e não havendo qualquer impedimento legal, compete à câmara municipal mesmo assim pronunciar-se com base nos elementos disponíveis, no uso das suas competências. Assim, salvo melhor opinião, entende-se que as reproduções apresentadas pela reclamante oferecem maior certeza para se afirmar que a edificação principal não encostava ao muro de vedação.
Consoante se retira do parecer jurídico: "Nestes termos, verificar-se-á que o ato de licenciamento de obras de ampliação de habitação unifamiliar assentou em pressupostos falsos, concretamente porque assentou na convicção de que o edifício existente se encontrava legal, não porque tenha sido emitida qualquer licença para o efeito, mas porque havia sido edificado anteriormente à vigência de normas legais que exigissem o seu licenciamento. Destarte, poder-se-á afirmar que o ato de licenciamento de obras de ampliação é nulo, porquanto lhe falta um elemento essencial, a legalidade da edificação existente. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 133. ° do CPA, “são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais…”. Importa referir que, nos termos do n.º 2 do artigo 134.°, "a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal”.
Mais se acrescenta que, relativamente às áreas impermeabilizadas do terreno para efeito de cálculo do índice de impermeabilização do solo máximo previsto no RPDM em vigor à data da aprovação do projeto de arquitetura, poderá o ato de aprovação do projeto de arquitetura padecer de irregularidade uma vez que o autor do projeto não considerou todas as áreas de impermeabilização. No entanto, esta situação será apreciada posteriormente.
Em face do exposto cumpre informar que a situação descrita configura a nulidade da licença de obras de ampliação concedida pela câmara municipal, pelo que deverá ser declarada a nulidade do ato de licenciamento de obras de ampliação a que corresponde o alvará n.º 67/2011 de 12 de maio.
(…)”;
Cf. documento de fls. 581/582 do processo de licenciamento 451/10 (2.º volume) apenso aos autos;
13. A autora foi notificada da projetada decisão por ofício de 17.12.2015, de referência S/10032/2015, aí lhe sendo fixado o prazo de 15 dias para, querendo, se pronunciar sobre a mesma – cf. documento de fls. 583/585 do processo de licenciamento n.º 451/10 (2.º volume) apenso aos autos;
14. O que a autora fez, apresentando requerimento escrito para o efeito – cf. documento de fls. 588/589 do processo de licenciamento n.º 451/10 (2.º volume) apenso aos autos;
15. Após o que os serviços municipais elaborado informação em 05.02.2016, de referência I/870/2016, do seguinte teor:
(…)
O que aqui se pretende ver esclarecida é a qualificação jurídica e respetiva consequência quanto ao que foi verificado na matéria factual. Em concreto, pretende-se esclarecer se o facto de o ato de licenciamento de obras de ampliação de habitação unifamiliar ter assentado em pressupostos falsos, concretamente na convicção de que o edifício existente (e para o qual foi solicitado o licenciamento de ampliação) se encontrava legal, não porque tenha sido emitida qualquer licença para o efeito, mas porque havia sido edificado anteriormente à vigências de normas legais que exigissem o seu licenciamento, sem que, contudo, esta situação se verificasse, comporta a nulidade ou mera anulabilidade do ato de licenciamento.
No parecer anteriormente emitido (I/6828/2015) tivemos oportunidade de nos pronunciarmos sobre esta situação, defendendo que o ato de licenciamento de obras de ampliação seria nulo, nos termos do n.º 1 do art.º 133.º do CPA, porquanto lhe faltava um elemento essencial, a legalidade da edificação existente. Podemos, desde já, avançar que mantemos a posição defendida.
(…)
Afastando-nos dos elementos ou referências previstos no n.º 2 do art.º 123.º, que devem constar do ato administrativo, bem como os previstos na própria noção de ato administrativo, nos termos do artigo 120.º, entende-se que o que deve ser valorado, é a falta de um elemento que, pela sua importância, pela gravidade da sua inexistência e do vício assim gerado, reclama pela nulidade do ato praticado. Os elementos essenciais serão, deste modo, aqueles que ligam a momentos ou aspetos legalmente decisivos e graves dos atos administrativos.
Ora, no caso em apreço, assim como já referido, o que está em causa é o ato de licenciamento de obras de ampliação de uma edificação, no pressuposto de que aquela se encontrava legal, nos termos em que se apresentava. Não se verificando essa legalidade antecedente da edificação, não seria admissível a ampliação daquela, sob pena de se concretizar num agravar da desconformidade legal. A legalidade da edificação existente mostra-se, nestes termos, como um elemento essencial para o ato de licenciamento de obras de ampliação, sem o qual inexoravelmente se terá de considerar o ato nulo. Admitir, em abstrato, que a falta deste elemento essencial pudesse conduzir tão-só à mera anulabilidade do ato, com as consequências que bem soube referir a requerente, designadamente quanto aos prazos curtos para a sua anulação e a sua eventual consolidação na ordem jurídica, seria equiparar a legalidade antecedente da edificação a um elemento meramente instrutório, funcional ou enfim um “side event” do qual se pode alhear, sem graves consequências, o ato de licenciamento de obras de ampliação. Não podemos aderir a tal entendimento.
Pelo disposto, entende-se que, nestes termos, não poderão ser acolhidas as alegações da requerente, pelo que o procedimento deverá seguir com a declaração de nulidade do ato de licenciamento a que corresponde o alvará n.º 67/2011 de 12 de maio.
(…)”;
Cf. documento de fls. 591/592 do processo de licenciamento n.º 451/2010 (2.º volume) apenso aos autos;
16. Após o que, em 04.05.2016, os serviços municipais da (...) elaboraram nova informação, de referência I/3102/2016, na qual se pode ler o seguinte:
(…)
1 – Aquando da notificação da decisão sobre a informação I/1761/2016, verificou-se que do teor do despacho do Senhor Vice-Presidente de 17/03/2016 “Concordo. Proceda-se em conformidade”, se deve depreender que as alegações da requerente não poderão ser acolhidas, “pelo que o procedimento deverá seguir com a declaração de nulidade do ato de licenciamento (de obras de ampliação) a que corresponde o alvará n.º 67/2011 de 12 de maio”. Porém o ato praticado não o expressa diretamente.
2 – Assim dado que a decisão em causa nega a pretensão da interessada em sede de audiência prévia de uma proposta de nulidade do ato de licenciamento, salvo melhor opinião, o despacho deveria, também, proferir que não serão acolhidas as alegações da requerente, pelo que se declara nulo o ato de licenciamento das obras de ampliação, a que corresponde o alvará n.º 67/2011, de 12 de maio, nos termos do n.º 1 do art.º 133.º do D.L. n.º 442/91, e 15 de novembro.
(…)”;
Cf. documento de fls. 594 do processo de licenciamento n.º 451/10 (volume 2.º) apenso aos autos;
17. Sobre esta informação recaiu o seguinte despacho proferido pelo vice-presidente da CÂMARA MUNICIPAL (...) em 04.05.2016: “Concordo. Declaro expressamente a nulidade do ato de licenciamento a que corresponde o alvará n.º 67/2011 de 12 de maio, nos termos e com os fundamentos que constam da I/9345/2015 e de acordo c/ a proposta constante da I/1761/2016.” – cf. documento de fls. 594 do processo de licenciamento n.º 451/10 (volume 2.º) apenso aos autos;
18. Esta decisão foi comunicada à aqui autora por ofício de 18.05.2016, de referência S/3458/2016, expedido por correio registado com aviso de receção, recebido por aquela em 20.05.2016 – cf. documentos de fls. 595/597 do processo de licenciamento n.º 451/10 (volume 2.º) apenso aos autos;
Mais ficou provado que:
19. Até Dezembro de 1998, a freguesia de (...) pertenceu ao concelho de (..);
20. Em 22.11.1962 a Câmara Municipal de (...) deliberou aprovar o Regulamento Municipal das Obras e das Edificações Urbanas, bem como a aplicação do Regulamento Geral das Edificações Urbanas a todo o território do concelho, com efeitos a 01.07.1963 – cf. documento remetido pelo Município de (..), de fls. 213 a 227 do suporte físico dos autos;
21. Já antes, em 10.04.1958, por A., foi apresentado junto dos serviços municipais de (..) requerimento escrito dirigido ao presidente da respetiva câmara municipal, pelo qual solicitava licença para construir no prédio dos autores um salão térreo destinado a oficina de serralharia e fundição cf. documento n.º 1 junto com a contestação dos contrainteressados;
22. Pelo menos em 1974, o edifício que se encontrava erigido no prédio da autora, referido em 1., não se encontrava implantado até ao limite posterior do terreno que confronta com o prédio dos contrainteressados.
*
Vejamos da apelação.
A matéria de facto.
» Julgou-se provado: «7. Não obstante no documento em causa se encontrar uma assinatura atribuída ao presidente da Junta de Freguesia de (...), C., tal assinatura não pertence a este último, nem foi por ele aposta».
O Mmº Juiz motivou:” Dos depoimentos prestados, o que assumiu maior relevância (dir-se-á mesmo que foi o único com relevância) foi o prestado por C., que exerceu as funções de presidente da junta de freguesia de (...) entre 2005 e 2017. Nada há que se possa apontar a este requerimento do ponto de vista da sua credibilidade, tendo sido pautado por serenidade, objetividade e assertividade, sem demonstrar qualquer espécie de parcialidade ou comprometimento com a versão de qualquer das partes. Assim, explicou de modo esclarecedor e, no entender do tribunal, inatacável, que a assinatura aposta na declaração que a autora fez juntar com o requerimento de atribuição de licença não é sua, reconhecendo que a única declaração que assinou foi aquela que os contrainteressados juntaram. Do que se pôde concluir, basicamente, que a autora (e a outra requerente, claro está) fez juntar um documento falso ao seu requerimento, como forma de demonstrar que a construção era anterior ao RGEU. E daqui se pôde concluir, sem margem para dúvida, quanto ao facto provado do ponto 7.”.
Os recorrentes impugnam porque entendem que só por exame pericial poderia ser verificada a autenticidade de assinatura, bem assim com base no depoimento de testemunha, que transcrevem:
FICHEIRO GRAVAÇÃO AUDIÊNCIAS 04-03-2020 09-22-14
Minuto 14:37
Mandatária dos Autores: Só para percebermos, estava a dizer efectivamente que haverá esta declaração que lhe foi exibida, que não é a sua assinatura que lá consta. Mas reconhece, sabe quem assinou?
Testemunha: Não.
Mandatária dos Autores: Mas não foi alguém da Junta que assinou? Está com papel timbrado da Junta, certo?
Testemunha: Está.
Mandatária dos Autores: E, vou dizer-lhe, vê-se outra coisa, que foi até cobrada uma taxa para ser emitida esta declaração, portanto…
Testemunha: ahh…
Mandatária dos Autores: O senhor quando foi confrontado com isto não tentou saber quem é que…
Testemunha: Tentei, tentei, tentei… ahhhh, foi pedido, portanto, apareceu-me lá um, esse, apareceu-me um atestado, que não era bem esse aí, um parecido com esse, que era para pedirem um atestado. E eu, antes disso, deixei… para, para… pedem um atestado para provar que a casa era anterior a 1951, e eu não sabia. Entretanto, deixei estar ali, porque nós temos 5 dias úteis para, para assinar um atestado, e para me informar, portanto, de quando é que era, de quando é que era a construção da casa, o licenciamento da casa, se era antes de 1951. E essa folha, ou seja, que está lá, para esse pedido de atestado, ainda está lá na Junta, e não está assinado. Entretanto, eu queria fazer mais perguntas para saber, mesmo até a quem pediu o atestado, e… e nunca mais lá apareceram. E pensei que resolveram por outra situação. Entretanto, passado não sei quanto tempo, aparece-me a esposa aqui do Sr. Alan com esse atestado, que eu fiquei com espanto. Entretanto fui ver aos arquivos, aos arquivos dos atestados, com a funcionária, e o que está lá é o tal atestado que não está assinado, ou seja, que não foi validado, que não chegou a ir para a pessoa. Portanto, e chegou a ir esse aí.
Mandatária dos Autores: Mas, se foi cobrada uma taxa não teve de ser emitido um documento de receita, inclusive?
Testemunha: É, é, é. Mas foi, foi lá, foi lá a funcionária.
Mandatária dos Autores: Ou seja, alguém terá assinado lá na Junta, mas o senhor não sabe quem foi...
Testemunha: Não.
Mandatária dos Autores: …é isso? Muito bem.
Não procede.
Este depoimento não impõe outro juízo; pelo contrário; pode até suscitar interrogações, mas não desdiz do racional e beneficia da imediação (de que a motivação se mostra exuberantemente impregnada).
O exame pericial não é único meio idóneo; mal seria que o próprio a quem é imputada a aposição de assinatura não pudesse ter uma palavra.
Mais entendem que a factualidade “não assume qualquer pertinência de per si, uma vez que, independentemente de ter sido ou não assinado pelo Presidente da Junta de Freguesia, o que releva é que o documento em causa foi emitido pela Junta de Freguesia de (...), como está demonstrado nos autos”.
Assume pertinência, pois que os recorrentes a quiseram dar e a mantêm, vendo o documento como emitido pela Junta de Freguesia.
Acontece que também só a adquire sem a dissociação pressuposta; é uma “emissão” enquanto imputável uma autoria definida pela assinatura.
Colocada em crise.
Do que o julgamento procurou resposta.
De todo o modo (enxertando aqui uma observação de direito), sempre em semelhante documento - fora do âmbito de competência legalmente atribuída - está de fora a força plena que os recorrentes pretenderão nele ver; a regra será da liberdade de julgamento.
» Julgou-se provado: «21. Já antes, em 10.04.1958, por A., foi apresentado junto dos serviços municipais de (..) requerimento escrito dirigido ao presidente da respetiva câmara municipal, pelo qual solicitava licença para construir no prédio dos autores um salão térreo destinado a oficina de serralharia e fundição».
Os recorrentes assinalam que “resulta inequivocamente do documento junto com a contestação dos Contra-Interessados como Doc. 1 que o pedido de licença ali em causa foi deferido na reunião da Câmara Municipal de (...) de 15 de Abril de 1958, o que assume inegável relevância para a decisão da causa. Deverá, pois, o mencionado ponto 21 do probatório ser completado, passando a ter o seguinte teor: - “21. Em 10.04.1958, por A., foi apresentado junto dos serviços municipais de (..) requerimento escrito dirigido ao presidente da respetiva câmara municipal, pelo qual solicitava licença para construir no prédio dos autores um salão térreo destinado a oficina de serralharia e fundição, o que foi deferido em reunião da câmara municipal de 15.04.1958”.
Não procede.
A factualidade vertida no elenco factual, mesmo que “incompleta” tem, ainda, algum interesse, no sentido indiciário de ausência de anterior licença de edificado antes do assinalado tempo; se a licença foi obtida, nem por isso vem mais luz ao caso, pois do que os autores/recorrentes sempre cuidaram foi de uma licença de ampliação em função da pré-existência de uma casa de habitação, não um “salão térreo destinado a oficina de serralharia e fundição”.
» Julgou-se provado: «22. Pelo menos em 1974, o edifício que se encontrava erigido no prédio da autora, referido em 1., não se encontrava implantado até ao limite posterior do terreno que confronta com o prédio dos contrainteressados.».
Os recorrentes entendem que não deveria ter sido dado como provado.
Avançam que:
Na fundamentação da determinação do elenco dos factos considerados provados, o Mmo. Juiz a quo, relativamente ao facto do referido ponto 22., afirmou ter sido valorado o depoimento da testemunha C., conjugado com os elementos que foram remetidos pela Direcção-Geral do Território.
Sucede que, diversamente do que foi considerado, o depoimento da testemunha C. é inidóneo para fundar qualquer tomada de posição relativamente à factualidade em questão.
Efectivamente, a testemunha em causa, que nasceu em 1968, nada esclareceu quanto à concreta factualidade em crise.
FICHEIRO GRAVAÇÃO AUDIÊNCIAS 04-03-2020 09-22-14
Minuto 04:22
Juiz: Tenho que lhe perguntar porque pode ter relevo aqui para o que estamos a discutir: quando é que nasceu?
Testemunha: Aonde é que nasci?
Juiz: Quando.
Testemunha: Quando… 68. 1968.
(…)
Minuto 16:56
Mandatária dos Autores: Relativamente à Quinta, o senhor alguma vez lá esteve?
Testemunha: Dentro da Quinta?
Mandatária dos Autores: Sim, sim.
Testemunha: Estive, mas já depois disso aí.
Mandatária dos Autores: Ou seja, antes de 2014?
Testemunha: Estive em campanha eleitoral, a passar, entrar, aqueles, mas nada mais, à procura do voto, do que propriamente ver o que estava lá dentro.
Mandatária dos Autores: Junto a este muro, em concreto, de que estamos a falar…
Testemunha: Junto ao muro… Se, se, se conheço aquilo? Conheço.
Mandatária dos Autores: Não. Se já lá esteve, em concreto, junto a este muro.
Testemunha: Sim, sim, sim.
Mandatária dos Autores: A verificar a situação do muro.
Testemunha: Sim.
Mandatária dos Autores: Antes de 2014?
Testemunha: Eu fui na altura do, do, desse atestado aí.
Mandatária dos Autores: Muito bem. Olhe, e nos logradouros da casa da D. A. e dos vizinhos, porque há ali várias moradias, certo?
Testemunha: Sim, sim.
Mandatária dos Autores: Nos logradouros dessas moradias, o senhor alguma vez esteve?
Nos logradouros traseiros, posteriores, digamos assim.
Testemunha: É assim, eu entrava quando andava no compasso, entrava nas casas, e na campanha eleitoral, mas agora propriamente para estar a, porquê, por causa do assunto em si, não.
No que, por seu turno, tange aos “elementos que foram remetidos pela Direcção-Geral do Território”, também destes não resulta demonstrada a factualidade em crise - conforme, aliás, expressamente afirmado/reconhecido pelo Réu Município no procedimento administrativo que culminou com a prática do acto impugnado (cfr. informação da DPUOP com o n.º I/9345/2015, reproduzida no ponto 12 do elenco da matéria de facto provada), “as plantas relativas a levantamento aerofotogramétrico do local, apresentadas às escalas 1:5.000 e 1:10000, não permitem retirar conclusões pormenorizadas sobre o tipo de ocupação do solo, nem a sua leitura para distâncias inferiores a 5m e 10m, respetivamente”, sendo certo, em todo o caso, que “se verifica a existência de construções encostadas ao muro de vedação”.
Não procede.
O Mm.º juíz motivou que “Da mesma forma, o depoimento foi ainda valorado positivamente em relação ao facto provado do ponto 22. Neste caso, foi conjugado com os elementos que foram remetidos pela Direção-Geral do Território (sendo certo que as fotografias já constavam do processo administrativo), e dessa conjugação resulta inquestionável que, pelo menos à data de 1974, a edificação existente no prédio da autora não encostava ao muro que delimita a propriedade dos contrainteressados. De resto, lida a petição inicial daí resulta que os autores nem questionaram de modo frontal essa realidade, limitando-se a levantar questões sobre a prova produzida no procedimento. Todavia, nestes autos qualquer dúvida que pudesse existir ficou debelada, dada a conjugação da prova produzida.”.
Já antes tinha adiantado que “no que respeita à prova documental, o tribunal considerou os documentos juntos aos autos e aos sobreditos processos administrativos”.
No que tange aos “elementos que foram remetidos pela Direcção-Geral do Território”, confrontam as reproduções aerofotográficas realizadas em 1983,1994 e 2005, e as realizadas em 31/05/1966 e 29/06/1974, com distintas resoluções de nitidez; tanto que isso mesmo foi decisivo para tomada de posição da Administração.
Os recorrentes fazem ver que a própria Administração admitiu que as escalas não permitem “conclusões pormenorizadas”.
Sim, mas também sem prejudicar constatação de que “a existência de construções encostadas ao muro de vedação que não correspondem a edificação principal”, a “prova de que a edificação principal existente não encostava ao limite posterior da propriedade, e que a existência de outros elementos construtivos encostados ao muro de vedação não correspondem à edificação principal, podendo tratar-se de construções anexas, pavimentação do solo ou qualquer outro tipo de estrutura.”.
Não se pode afirmar que o depoimento da testemunha “nada esclareceu quanto à concreta factualidade em crise”, quando o suporte para tal afirmação é apenas parte do depoimento; e quando é equacionável que esclarecimentos possam ser obtidos, ainda que sem “conclusões pormenorizadas” numa parte.
» Os recorrentes pretendem que seja aditado que:“a edificação erigida no prédio da Autora referido em 1. foi inscrita na matriz em 1960”.
Sustentam que “o apontado facto resulta provado do teor da caderneta predial junta como Doc. 2 com a petição inicial e dos documentos juntos com a contestação dos Contra-Interessados como Docs. 2, 2a), 2b) e 2c)”.
Não procede.
Têm-se em consideração os indicados documentos.
Os recorrentes chamam atenção ao que mais desdiz da sua tese!
A matriz com o art.º 236, da freguesia do (…), então Conselho de (..), datada de 1960, refere descrição, composição e afectação prédio – “Prédio destinado à indústria de fundição (…)” - bem distinta do que consta no registo predial (registo com apresentação somente em 04/08/1999…) e da actual descrição do imóvel na matriz; o que mais daqui ecoa é que a actual edificação não é edificação que ao tempo de 1960 tivesse sido inscrita na matriz…
*
O direito:
Sobre o direito, o tribunal “a quo” verteu o seguinte:
«(…)
Quanto à errada qualificação do desvalor jurídico
Em seguida, afirmam os autores que não existe fundamento para declarar a nulidade do ato de licenciamento. A seu ver, a decisão de declarar a nulidade da licença teve por base um erro nos pressupostos de facto desse primitivo ato. Todavia, esse vício apenas é suscetível de determinar a anulabilidade, e nunca a nulidade, pelo que foi violado o disposto no art.º 133.º e no art.º 135.º do CPA de 1991.
Dissente deste entendimento o Município, na medida em que se veio a constatar que ao prévio ato de licenciamento faltava um elemento essencial – a legalidade da edificação existente.
Como tal, o desvalor associado seria o da nulidade, nos termos do art.º 133.º, n.º 1, do CPA de 1991.
Da mesma forma, os contrainteressados vêm dizer que a decisão de declarar a nulidade do anterior licenciamento baseou-se na circunstância de a autora ter apresentado no âmbito daquele procedimento factos falsos que serviram de pressuposto à apreciação da pretensão de ampliação da sua habitação, tendo, em consequência, sido proferido o despacho de licenciamento da pretensão no pressuposto de que a habitação existente se encontrava legal. Mais alegam que apresentaram junto da entidade demandada diversos elementos, destinadas a demonstrar a não veracidade dos que instruíram o pedido de licenciamento, nomeadamente que a construção destinada a habitação já existia em 1951.
Apreciando.
No que diz respeito ao apuramento do desvalor jurídico que deve ser associado ao despacho que deferiu o pedido de licenciamento, importa antes de mais abordar a questão prévia de saber qual o diploma a aplicar. Isto porque tal ato foi praticado ainda em 2011, quando vigorava o CPA de 1991.
Esta questão não é despicienda para o caso concreto. Com efeito, pode afirmar-se que a redação do CPA de 2015 não é totalmente inovatória face ao CPA de 1991, no que às causas de nulidade diz respeito. Mas existe uma diferença que no caso em apreço tem influência na decisão. De facto, no art.º 133.º, n.º 1, do CPA de 1991 estabelecia-se que “são nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”.
Na primeira parte do preceito previa-se, desta forma, a designada “nulidade por natureza”, por apelo à falta dos elementos essenciais do ato administrativo. Todavia, este conceito foi abandonado com o CPA de 2015, como decorre da leitura do art.º 161.º, n.º 1, deste código, no qual agora se dispõe apenas que são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
A questão ganha acuidade porque, como decorre da leitura das informações elaboradas pelos serviços municipais, foi considerado nulo o ato de licenciamento precisamente com base na falta de um elemento essencial. Ou seja, para analisar e concluir sobre o desvalor jurídico do ato de licenciamento, declarado nulo, a entidade demandada aplicou o CPA de 1991, em concreto o seu art.º 133.º, n.º 1.
E, na verdade, entendemos também nós que essa é a única opção possível, designadamente ao abrigo do princípio tempus regit actum. Ou seja, tendo o ato declarado nulo pelo Município sido praticado em 18.02.2011 [cf. ponto 9 dos factos provados], tem de atender-se ao ordenamento jurídico que existia àquela data, como forma de determinar se o ato era inválido, e qual o desvalor jurídico associado a essa invalidade.
Aqui chegados, importa então saber se o ato de licenciamento pode ou não ser considerado nulo. Conforme já referido, no entender dos autores o que está em causa é somente um erro nos pressupostos de facto do despacho que deferiu o licenciamento (v.g., e se bem se interpreta a petição, ocorreria um erro quanto ao local de implantação da primitiva habitação a ampliar). Esse vício apenas dá origem a mera anulabilidade já que, por um lado, não se comina na lei a sanção de nulidade para tal vício, nem pode ser reconduzida à acima identificada nulidade por natureza.
A perspetiva da entidade demandada é distinta; segundo a tese desta última, não se trata de um simples erro quanto à implantação da habitação anterior, mas antes da falta de um pressuposto essencial ao deferimento da ampliação: a legalidade da construção anterior, por não ser anterior à entrada em vigor do RGEU. Da mesma forma o consideram os contrainteressados, embora estes coloquem a tónica no comportamento da autora aquando do pedido de licença, nomeadamente pela apresentação de documentos falsos.
Lendo as informações que sustentaram o ato, bem como a posição assumida em contestação pelo Município, temos por certo que, juridicamente, a decisão se fundou no art.º 133.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPA de 1991. E, como tal, o que ao tribunal cumpre apreciar é somente se o ato se deve considerar nulo ao abrigo desse preceito.
Não é fácil determinar a existência de uma nulidade por natureza; de tal modo que terá sido essa uma das razões que determinou que o legislador abandonasse essa opção em 2015 (com efeito, é pelo menos isso que resulta do preâmbulo do DL 4/2015, de 07.01).
De todo o modo, e mesmo antes de avançar, é preciso esclarecer que a entidade demandada não invocou, para decidir sobre a nulidade do ato de licenciamento, um mero erro nos pressupostos de facto. Como resulta da leitura das sobreditas informações, o que a entidade demandada considerou é que a anterior construção existente era ilegal, porque, ao contrário do afirmado pelas requerentes da licença, não foi edificada qualquer habitação antes de entrar em vigor o RGEU no concelho de (..) (ao qual, à data, pertencia a freguesia de (...)). E, no entender da entidade demandada, é elemento essencial do deferimento da licença de ampliação a legalidade da anterior edificação. Se essa legalidade, afinal, não existe, então conclui que falta um dos elementos essenciais do ato de deferimento da licença de ampliação, sendo este nulo.
Portanto, a configuração proposta na petição inicial sobre o assunto não corresponde àquela que verdadeiramente se retira dos factos provados. Daí que cumpre perguntar: era a legalidade da anterior construção (designadamente, por ter sido erigida antes da entrada em vigor do RGEU) elemento essencial do ato que deferiu a licença de obras de ampliação?
Ora, a este propósito cite-se o referido no acórdão do TCA Norte de 16.12.2016, proferido no processo n.º 01198/07.2BEBRG:
“De acordo com o artigo 133º n.º 1 do antigo CPA são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais.
Como referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, comentado, 2ª edição, pág. 642, “ “ É liquido que os elementos essenciais a que se refere o artigo 133º, n.º 1 não são os elementos ou referências que, nos termos do artigo 123º, n.º 2, “ devem constituir o acto”….Elementos essenciais” no sentido do n.º 1 do artigo 133º do Código – cuja falta determina a nulidade do acto administrativo. Seriam, pois, todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos…”.
Refere, Mário Aroso de Almeida, in, Teoria Geral do Direito Administrativo: Temas Nucleares 2012, pág. 196, que: “ A solução parece ser, portanto, a de adotar um critério material, associando o conceito de elementos essenciais” a requisitos legais de validade cuja falta, mesmo quando a lei não comine expressamente para ela a sanção da nulidade, se deva entender que, pela sua essencialidade, não deve ser apenas submetida ao regime de anulabilidade.”
Na jurisprudência ver Acórdão do STA proc. 0187/12, de 17-10-2012, quando refere:
IV - Elementos essenciais, no sentido do nº 1 do art. 133º do Código do Procedimento Administrativo, cuja falta determina a nulidade do acto administrativo, serão todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos, além daqueles a que se refere o seu nº 2, não preenchendo esse critério o alegado vício relativo aos pressupostos de facto, que conduz apenas à mera anulabilidade.
Neste aresto é, assim, utilizada a formulação que consta do acórdão do STA de 17.10.2012, proferido no processo n.º 0187/12: “IV - Elementos essenciais, no sentido do nº 1 do art. 133º do Código do Procedimento Administrativo, cuja falta determina a nulidade do acto administrativo, serão todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos, além daqueles a que se refere o seu nº 2, não preenchendo esse critério o alegado vício relativo aos pressupostos de facto, que conduz apenas à mera anulabilidade.
Por isso é que, claro está, os autores invocam o erro nos pressupostos de facto: é que, de facto, se estivermos perante um mero erro nos pressupostos de facto o ato apenas poderia ser anulado, e não declarado nulo; e como o prazo para a anulação já teria decorrido, teríamos que a decisão de deferimento da licença para obras de ampliação, mesmo ilegal, se quedaria consolidada no ordenamento jurídico.
Todavia, já se explicou que não é isso o que consta da decisão administrativa; e, fazendo uso da citada jurisprudência, o que importará saber é se ocorre a falta de um elemento que se ligue a momentos ou aspetos legalmente decisivos e graves dos atos administrativos.
E, sobre o assunto, temos aqui de concordar com a decisão administrativa: a legalidade da construção que existia no local era um elemento essencial do ato que defere as obras de ampliação.
Ou, noutra formulação, sem a legalidade da prévia construção nunca poderia existir o ato de deferimento da licença para execução de obras de ampliação. Ainda noutros termos, o pressuposto da legalidade da construção já existente (com base na alegação das requerentes no procedimento, de que a mesma foi edificada antes da entrada em vigor do RGEU) foi o elemento absolutamente determinante para o deferimento da licença para execução de obras de ampliação.
Por isso, só podemos concluir que estamos aqui na presença de um momento ou aspeto legalmente decisivo e grave ligado ao ato administrativo de deferimento da licença de obras de ampliação. Mais que não seja porque, como se disse, sem esse pressuposto a licença declarada nula nunca teria sequer sido deferida.
Diga-se ainda que a informação de 05.02.2016 [que consta do ponto 15 dos factos provados] é muito clara ao ter como referência a (i)legalidade da prévia construção, e não propriamente a sua implantação; ali pode ler-se, com efeito, o seguinte: “no parecer anteriormente emitido (I/6828/2015) tivemos oportunidade de nos pronunciarmos sobre esta situação, defendendo que o ato de licenciamento de obras de ampliação seria nulo, nos termos do n.º 1 do artigo 133.º do CPA, porquanto lhe faltava um elemento essencial, a legalidade da edificação existente. Podemos, desde já, avançar que mantemos a posição defendida.” – o sublinhado é nosso.
Nesta perspetiva, que é a da decisão administrativa, entendemos então que não deve ser censurada a atribuição da sanção de nulidade ao prévio despacho que deferiu a licença.
De resto, mesmo a doutrina que os autores citam na sua petição inicial sustenta esta mesma tese; assim, aqueles invocam a lição de Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos (Direito Administrativo Geral, Dom Quixote, tomo III, págs. 160/161), segundo a qual: “os elementos essenciais correspondem aos elementos do acto administrativo (subjectivos, objectivos, materiais, formais e funcionais). A falta de um elemento essencial para efeitos do artigo 133.º, n.º 1, do CPA corresponde à sua ausência total e não à mera existência de um vício que o afecte: assim, para um acto ser nulo por aplicação do critério em causa tem de lhe faltar o autor, os destinatários, o objecto, o conteúdo, a forma, todas as formalidades, o fim ou os motivos; não basta que haja um vício que afecte qualquer desses elementos”. Esse é precisamente o caso: ao falhar a legalidade da construção, sem a qual o ato nunca existira, este deixa de ter o seu motivo ou fundamento material. E fica, com isso, condenado à sanção de nulidade.
Pelo que também terá de improceder o vício em causa.
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Acerca da ausência de qualquer erro nos “pressupostos de facto”
No seguimento da sua linha argumentativa, v.g., partindo do pressuposto de que a decisão assentou num mero erro quanto aos pressupostos de facto do despacho que deferiu a licença, invocam ainda os autores a ausência de qualquer erro. Neste sentido, e por um lado, dizem que a decisão decorreu apenas da valoração da prova apresentada pelos contrainteressados em sede de procedimento e que, em todo o caso, é referido na informação que é possível ver a existência de construções encostadas ao muro de vedação; por outro lado, afirmam que a data relevante para efeitos de aferir o invocado “erro nos pressupostos de facto” será sempre Junho de 1963, e não o ano de 1951, pois apenas naquela data o RGEU foi considerado extensível a todo o concelho de Santo, no qual, à data, se integrava a freguesia de (...).
Apreciando.
Em relação ao primeiro aspeto, no sentido de existirem construções junto ao muro de vedação, cumpre aqui recordar que o que está em causa é a ampliação de uma construção principal que existia no prédio dos autores, alegadamente uma habitação unifamiliar, e não de qualquer anexo ou construção de apoio. E, portanto, teriam os autores de alegar e provar que o edifício a ampliar efetivamente já estava implantado na estrema do seu prédio, confinante com o dos contrainteressados.
Mas não o fizeram e, além do mais, ficou provado que tais construções não existiam pelo menos em 1974, pelo que, tendo o RGEU entrado em vigor na zona em 1951 ou m 1963 tal é indiferente [cf. ponto 22 dos factos provados].
No que respeita ao segundo ponto, temos aqui por certo que foi pressuposto do deferimento da licença a consideração de que o edifício que já existia no prédio dos contrainteressados foi, na verdade, construído antes da entrada em vigor do RGEU. E concluiu o Município, depois, que a construção era, afinal, ilegal, porque não executada antes da entrada em vigor daquele diploma, ao contrário da declaração (falsa, como se provou) apresentada pela autora e outra requerente.
Todavia, a questão de saber se o RGEU entrou em vigor em 1951 ou apenas em 1963, no que ao concelho de (..) diz respeito (zonas rurais), é absolutamente irrelevante para este efeito.
De facto, pode ler-se o seguinte no art.º 1.º do RGEU:
“A execução de novas edificações ou de quaisquer obras de construção civil, a reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição das edificações e obras existentes, e bem assim os trabalhos que impliquem alteração da topografia local, dentro do perímetro urbano e das zonas rurais de protecção fixadas para as sedes de concelho e para as demais localidades sujeitas por lei a plano de urbanização e expansão subordinar-se-ão às disposições do presente regulamento.
§ único. Fora das zonas e localidades, a que faz referência este artigo, o presente regulamento aplicar-se-á nas povoações a que seja tornado extensivo por deliberação municipal e, em todos os casos, às edificações de carácter industrial ou de utilização colectiva.
Ora, mesmo que possa ocorrer um equívoco quanto à data de aplicação do RGEU na freguesia de (...), o verdadeiro pressuposto material da apreciação consiste em saber se a edificação foi ou não realizada antes dessa entrada em vigor do diploma.
Por isso mesmo, teriam de ser os autores a demonstrar nos autos que o edifício existente se destinava a habitação unifamiliar desde que foi construído, e que já existia antes de o RGEU entrar em vigor na freguesia de (...). Ou seja, que no prédio em causa foi construído um prédio de habitação (que é o que consta na memória descritiva) antes de Junho de 1963. Vir questionar a data de entrada em vigor do RGEU no local sem dela extrair a necessária consequência (que o prédio de habitação estava construído antes dessa data) não corresponde a qualquer erro nos pressupostos de facto – necessário era demonstrar a existência da construção destinada a habitação antes daquele momento. O que não foi feito.
Além disso, cumpre até salientar que foi feita prova no sentido de que, para o prédio em questão, em 10.04.1058 foi requerida licença para construir uma oficina de serralharia e uma fundição [cf. ponto 21 dos factos provados], pelo que esta recaía necessariamente na aplicação do RGEU, atendendo ao disposto no parágrafo único do art.º 1.º deste diploma.
Ou seja, e resumindo, tendo a decisão administrativa assentado na consideração de que não foi erigida qualquer habitação unifamiliar no prédio dos autores antes da entrada em vigor do RGEU, não bastava alegar a data em que esse diploma entrou em vigor no local em questão; era, sim, necessário demonstrar, juntamente com a referida data, que aí já existia um edifício usado para habitação. Alegação que não existe; e, por inerência, não existe a respetiva prova.
E, deste modo, não lograram os autores, como lhes competia, abalar o pressuposto material da decisão de declaração de nulidade: que, afinal, não existia no prédio qualquer construção destinada a habitação erigida antes da entrada em vigor do RGEU na freguesia de (...).
Por fim, é feita na petição inicial referência aos princípios da justiça e imparcialidade, bem como da confiança legítima.
Esta alegação surge totalmente descontextualizada, ou pelo menos sem qualquer concretização, surgindo na sequência da alegação dos errados pressupostos do ato. Tratando-se de mera alegação genérica, sem se identificar sequer qual o comportamento, ou em que dimensão, o ato violou esses princípios, não é possível equacionar qualquer procedência.
De todo o modo, sempre se diga que não vemos como poderá ter ocorrido a violação de qualquer desses princípios; na verdade, constatando a entidade demandada a ilegalidade da construção, ao abrigo do princípio da legalidade apenas lhe restava tomar a inerente decisão. E se os pressupostos da decisão – (in)existência de construção antes da entrada em vigor do RGEU – estão certos ou errados, tal não significa a violação de qualquer daqueles princípios só por si. Sendo certo que, quanto aos elementos probatórios juntos, a entidade demandada tem a liberdade de os apreciar, não sendo alegado qualquer erro grosseiro ou palmar na apreciação da prova (tanto mais que nestes autos se confirma a conclusão achada no procedimento quanto à falsidade dos elementos juntos ao procedimento de requerimento de licença para obras de ampliação).
Razão pela qual também não se mostra possível dar guarida à alegação em causa.
(…)».
Num primeiro momento foi concedida licença para a realização de obras de ampliação em prédio de habitação.
Pelo acto impugnado foi declarada a nulidade desse anterior licenciamento, motivada (em síntese nossa) por, afinal, não poder ter-se esse prédio pretérito ao RGEU, como antes tinha sido alimentado, faltando, pois, um elemento essencial - a legalidade da sua edificação - à operação urbanística licenciada.
Efectivamente, não está comprovado que a actual casa de habitação tenha sido construída antes do RGEU (1951); a necessidade do controlo prévio não é afastada mesmo até tendo em conta que a aplicação do RGEU em todo o território não foi simultânea, havendo que ter, no caso, como termo inicial para essa exigência 01.07.1963 (“Em 22.11.1962 a Câmara Municipal de (...) deliberou aprovar o Regulamento Municipal das Obras e das Edificações Urbanas, bem como a aplicação do Regulamento Geral das Edificações Urbanas a todo o território do concelho, com efeitos a 01.07.1963”), em conformidade com o que o próprio RGEU previu.
Não obstante falhar reporte da edificação a ampliar a tempo anterior ao RGEU, os recorrentes invocam o licenciamento de 1958.
Mas esse foi para outra realidade, em destino e implantação (salão térreo destinado a oficina de serralharia e fundição: edificação que não encosta ao limite posterior do terreno).
Nem é para isso que foi solicitada ampliação, nem serve argumento de uso alterado apenas mediante a execução e obras interiores, não demonstrado que assim seja e comprovado que as obras não se limitaram a esse interior.
O julgamento definiu que pelo menos em 1974, o edifício que se encontrava erigido no prédio da autora, referido em 1., não se encontrava implantado até ao limite posterior do terreno que confronta com o prédio dos contra-interessados.
Tendo sido representada em planta a erigida habitação como uma edificação principal em toda a sua extensão edificada até ao limite posterior do terreno, teremos, pois, de pressupor ter havido operação urbanística sem controlo prévio.
O cenário é, pois, de licenciamento de obra de ampliação em prédio de habitação ilegal, ao qual faltou controlo prévio.
À sua data previa o RJUE (redacção da Lei 60/2007, de 4/09):
Artigo 60.º
Edificações existentes
1 - As edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas não são afectadas por normas legais e regulamentares supervenientes.
2 - A licença ou admissão de comunicação prévia de obras de reconstrução ou de alteração das edificações não pode ser recusada com fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária desde que tais obras não originem ou agravem desconformidade com as normas em vigor ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a lei pode impor condições específicas para o exercício de certas actividades em edificações já afectas a tais actividades ao abrigo do direito anterior, bem como condicionar a execução das obras referidas no número anterior à realização dos trabalhos acessórios que se mostrem necessários para a melhoria das condições de segurança e salubridade da edificação.
Numa literal leitura as obras de ampliação não são abrangidas pelo princípio da proteção do existente.
Em regra será assim (vide preâmbulo do RJUE e Fernanda Paula Oliveira, in O Novo Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, Rev. CEDOUA nº 8, ano IV, 02.01, página 47).
Nalguns casos contados será de admitir.
«Afigura-se que se tem, na verdade, de chamar à colação os dois interesses coenvolvidos no artigo 60.º, n.º 2.
O preceito não textualizou a possibilidade de obras de ampliação. Mas podem existir obras de ampliação (necessariamente limitadas), no sentido do artigo 2.º, que não originem nem agravem a desconformidade com as normas em vigor.
Nessas circunstâncias, e perante os interesses que o preceito visa assegurar, não há razão que justifique tratamento diverso do tratamento das obras de alteração ou reconstrução, no sentido do mesmo artigo 2.º.
Uma interpretação adequada da lei deve levar-nos a concluir que o legislador disse menos do que queria.» - Ac. do STA, de 01-03-2005, proc. n.º 0291/04 (tb Ac. do TCAS, de 02-02-2017, proc. n.º 11480/14).
Contudo, esta salvaguarda não se pode estender às operações urbanísticas ilegais, mesmo que à data da respetiva construção esta cumprisse com todas as normas em vigor, uma vez que o interessado não apresentou o respetivo licenciamento ou comunicação prévia, não pode ser considerada construída ao abrigo do direito anterior.
Exige-se que tenha havido cumprimento das regras em vigor e que tenha havido o controlo prévio necessário. Ainda que o particular tenha cumprido todas as normas exigidas para a realização da operação urbanística, caso não tenha submetido a mesma ao controlo exigido à época, não pode usufruir da proteção do existente e da garantia dada pelo art.º 60º, n-º 2, do RJUE.
Não cabe assim aqui o caso de edificações construídas sem licença (no mesmo sentido, cfr. Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - Comentado, Almedina, 2009, pág. 462).
Esse controlo prévio é uma “essencialidade estrutural ou funcional”.
Já voltaremos a encontrar a expressão.
Qual a consequência?
Em regra, as operações urbanísticas, por terem uma “repercussão na qualidade de vida dos cidadãos”, estão sujeitas a um controlo prévio administrativo “que garanta a defesa dos interesses públicos e o respeito pela legislação vigente” (Cfr. Pedro Gonçalves e Fernanda Paula Oliveira, “A Nulidade dos Actos Administrativos de Gestão Urbanística”, RevCEDOUA nº3, Ano II, 1.99, CEDOUA, 1999, pág. 28).
Na importância dos valores que estão em jogo, para vários actos da gestão urbanística o legislador previu desvalor da nulidade para sua invalidade; merece destaque o art. 130º do DL nº 80/2015, de 14/05, segundo o qual são nulos os actos praticados em violação de qualquer plano de âmbito intermunicipal ou municipal, sendo-lhes aplicável o disposto nos artºs. 68º e 69º RJUE; bem a assim quanto à invalidade dos actos de controlo prévio de operações urbanísticas prevista ainda no RJREN21 , no RJRAN22; e ainda no RJUE, no artº. 68º.
O tribunal “a quo” situou que seria um caso integrável em invalidade por falta de “elementos essenciais”, prevista no art.º 133º, n.º 1, do CPA91.
Julga-se que bem.
No nosso caso, o pretérito acto administrativo foi declarado nulo.
Retenha-se de fundamento: “Ora, no caso em apreço, assim como já referido, o que está em causa é o ato de licenciamento de obras de ampliação de uma edificação, no pressuposto de que aquela se encontrava legal, nos termos em que se apresentava. Não se verificando essa legalidade antecedente da edificação, não seria admissível a ampliação daquela, sob pena de se concretizar num agravar da desconformidade legal. A legalidade da edificação existente mostra-se, nestes termos, como um elemento essencial para o ato de licenciamento de obras de ampliação, sem o qual inexoravelmente se terá de considerar o ato nulo. Admitir, em abstrato, que a falta deste elemento essencial pudesse conduzir tão-só à mera anulabilidade do ato, com as consequências que bem soube referir a requerente, designadamente quanto aos prazos curtos para a sua anulação e a sua eventual consolidação na ordem jurídica, seria equiparar a legalidade antecedente da edificação a um elemento meramente instrutório, funcional ou enfim um “side event” do qual se pode alhear, sem graves consequências, o ato de licenciamento de obras de ampliação. Não podemos aderir a tal entendimento.” (supra em 15.)
Lembrando a lição de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, no seu “Comentário ao CPA”, 2ª edição, da editora Almedina, a fls. 640 e seguintes, refere-se em Ac. deste TCAN, de 11-05-2017, proc. n.º 01714/13.0BEBRG, que “a densificação do conceito “elementos essenciais”, do artigo 133º/1, não pode ser feita senão casuisticamente e por apelo à gravidade da deficiência apresentada pelo acto administrativo, em paralelismo com o “elenco exemplificativo ou concretizador dessa norma” do nº2, ou seja, por outras palavras, aquilo que atrás enunciámos como fasquia de gravidade inadmissível, intolerável, inconcebível como merecedora de sanação por falta de impugnação atempada.”.
No mesmo sentido Mário Aroso de Almeida (Teoria Geral do Direito Administrativo: Temas Nucleares, 2012, pág. 196): “A solução parece ser, portanto, a de adotar um critério material, associando o conceito de elementos essenciais” a requisitos legais de validade cuja falta, mesmo quando a lei não comine expressamente para ela a sanção da nulidade, se deva entender que, pela sua essencialidade, não deve ser apenas submetida ao regime de anulabilidade.
Assim também Vieira de Andrade, referindo que para "além dos casos previstos expressamente na lei, devem ser nulos todos os actos que sofram de vícios de tal modo graves que tornem inaceitável, em princípio, a produção dos respectivos efeitos" (cfr. Vieira de Andrade, Direito Administrativo - 2.º Ano, Sumários ao Curso de 2001-2002, ed. policop., p. 47); o mesmo autor lembra que “(…), as hipóteses exemplificativas que constam do nº 2 do art. 133º do CPA e que correspondem praticamente aos casos que a jurisprudência, a doutrina e a lei – esta apenas no que toca à administração local, desde o Código Administrativo (art. 363º) (…) – foram formulando, revelam, por si, esta ideia de essencialidade estrutural ou funcional, de tal modo que há uma relativa coincidência entre as nulidades por natureza e as nulidades por determinação legal expressa, servindo esta determinação sobretudo para afastar dúvidas ou para estender o regime mais radical a casos que, no entender do legislador, merecem uma reacção mais rigorosa da ordem jurídica, seja por razões estratégicas ou históricas (como acontece no próprio CPA), seja por razões conjunturais (assim tem acontecido, por exemplo, em leis avulsas relativamente a nomeações de funcionários ou a actos contrários a planos urbanísticos)” [Validade (do acto administrativo) - in DJAP, VII, p. 587].
Seria estrutural ou funcional à ampliação do existente que ele beneficiasse da protecção legal - edificação construída ao abrigo do direito anterior -, e isso, já se viu, não ocorre.
De um outro ponto de perspectiva, o subprocedimento para licenciamento da ampliação do edificado é, ele próprio, uma ampliação do procedimento (principal) para licenciamento da edificação a ampliar; e, portanto, não faz sentido sem o procedimento principal; estrita dependência reflectida na posterior autorização de utilização do todo…
Na mesma lógica de pressuposta dependência, a hipótese de acto que condiciona à prévia operação urbanística de loteamento/reparcelamento a possibilidade de licenciamento/legalização de obras (cfr. Ac. deste TCAN, de 08-05-2015, proc. n.º 00688/09.7BEVIS).
Assim, ainda que não por inteira fundamentação, confirma-se a decisão recorrida, sem que o recurso obtenha provimento.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelos recorrentes.

Porto, 19 de Novembro de 2021.

Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Isabel Costa, em substituição