Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00421/14.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INSPECÇÕES PERIÓDICAS A VEÍCULOS/DGV-IMTT/EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO
Recorrente:I., Lda
Recorrido 1:Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

I., Lda, com sede na Travessa (…), instaurou acção administrativa especial contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P. (IMTT, IP), com sede na Avenida (…), formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo produzido, em 28.11.13, pelo Conselho Directivo do IMTT, IP, por violação do disposto na alínea d) do nº 2, do artº 133º do C.P.A.; ou, caso assim se não entenda,
b) A anulação daquele mesmo acto administrativo, por vício de violação de lei, designadamente dos 3º, 5º, 6º, 6ºA, 9º, 100º, 107º, 124º, nº 1, al. a) e c) e 125º do CPA, 1º, 2º, 13º, 266º e 268º da CRP;
c) A declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo proferido em 28.01.95, pelo Sr. Director-geral de Viação, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 2 do art. 133º do CPA, por o mesmo ofender gravemente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da Igualdade, da Justiça e da Boa-fé e os princípios gerais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade e da boa fé, consagrados nos artºs 13º e nº 2 do 266º e 268º da CRP e nos 3º, 5º, 6º e 6º A do CPA;
d) A condenação do R., através dos órgãos competentes, na aprovação para início de actividade do centro de inspecções da A., sito em (...), a praticar em trinta dias – ou no prazo porventura considerado mais adequado – e no mesmo prazo manter a validade da autorização para o exercício da actividade de inspecção de veículos concedida pelo Despacho SEAI nº. 106, de 01.08.1994, publicado na IIª Série do “DR” nº 196, de 25.08.94.
e) A fixação de sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento do dever de praticar os actos referidos na alínea anterior, tendo em conta os antecedentes do R. ao não cumprir voluntariamente as obrigações que lhe são impostas.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi verificada a excepção de caso julgado e absolvida da instância a Entidade Demandada.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
i. A ora recorrente não se conforma com a decisão que julgou verificada a exceção de caso julgado, por referência ao Acórdão do STA, datado de 30.09.1998 e à decisão proferida no processo nº 2032/08.1BEPRT, e em consequência absolveu a entidade demandada da instância.
ii. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, o Tribunal a quo fez errada interpretação da concreta pretensão da Recorrente. Razões:
iii. O procedimento administrativo em causa respeita à instalação e funcionamento de um centro de inspeção automóvel.

iv. Conforme resulta da matéria dada provada, após inicialmente ter sido aprovado, o início de atividade foi indeferido por despacho do Diretor Geral de Viação proferido aos 28.01.1995 – vide facto provado em 7.

v. Tal como consta da sentença proferida no processo nº 2032/08.1 BEPRT e parcialmente transcrita em 20 dos factos provados, “sucede que, após esta decisão, a autora veio a ter conhecimento de circunstância ocorrida aquando o primeiro ato de indeferimento (datado do ano de 1995) – logo, de superveniência subjetiva mas não objetiva – que permitiram que outros centros, alegadamente em situação fossem autorizados a funcionar”.

vi. Com tal fundamento, a Recorrente em 03.05.2007 (facto provado em 10) apresentou junto da entidade competente, à data, um requerimento a pedir a revogação do ato de indeferimento do início da atividade proferido em 28.01.1995, abrindo-se, então, um novo procedimento ou subprocedimento de revogação.

vii. Após informações jurídicas no sentido da existência de tratamento desigual em relação à recorrente, portanto favoráveis à sua pretensão (fatos provados em 11, 12 e 13), inexplicavelmente, o Conselho de Administração do IMTT, que, entretanto, havia sucedido à extinta DGV, considerou o procedimento extinto – facto provado em 14.

viii. Fê-lo, omitindo o requerimento apresentado pela Recorrente aos 03.05.2007 e sem qualquer fundamentação, razão pela qual, por sentença proferida no processo que correu termos pelo TAF de Braga com o nº 2032/08.0BEPRT, tal ato foi anulado e condenada a entidade demandada a proferir novo ato sem os indicados vícios.

ix. Na sequência de execução dessa sentença anulatória, a entidade demandada proferiu aos 28/11/2013 o ato impugnado.

x. Não se conformando com o mesmo, a Recorrente intentou a presente ação, alegando que o acto impugnado padecia de vários vícios, nomeadamente: falta de audiência prévia, falta ou fundamentação insuficiente, erro sobre os pressupostos.

xi. Tal como foi configurada a petição inicial, a concreta pretensão consiste em obrigar a entidade demandada a cumprir a formalidade preterida da audiência prévia e a proferir uma decisão sobre o requerimento de 03.05.2007, devidamente, fundamentada, que demonstre cabalmente a existência ou não de tratamento desigual, ou seja, que explique com factos devidamente comprovados que os centros de inspeções mencionados em 26, 29 e 104 da petição inicial estavam ou não nas mesmas condições do centro da aqui Recorrente, se necessário com o recurso a perícia sobre os procedimentos em causa.

xii. A concretização de tal pretensão revela-se essencial para o cumprimento da tutela efetiva jurisdicional e que consiste no direito da Recorrente ter um procedimento justo, legal e transparente, ou seja, no direito de exercer o contraditório e a obter uma decisão, devidamente, fundamentada.

xiii. Independentemente de se entender que a causa de pedir consiste em cada dos vícios invocados, como foi entendido no processo que correu termos TAF de Braga com o nº 2032/08.1BEPRT, ou, de se entender que será a concreta pretensão que a Recorrente pretende garantir através da decisão judicial, nunca haverá caso jugado, sob pena de a questão da preterição da audiência prévia e da violação do principio da igualdade jamais serem apreciadas e decididas, impedindo anulação do ato impugnado e o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela recorrente, o que relegou para ação autónoma - vide os artigos 133º e 134º da petição.

xiv. Assim sendo, fez o tribunal a quo errada apreciação da pretensão concreta da recorrente.

Posto isto:
xv. O CD do IMT proferiu aos 28/11/2013 decisão de indeferimento (o ato impugnado) e não notificou a recorrente do sentido provável da decisão, para exercer, querendo, o direito de audiência prévia, ou seja, não deu à Recorrente a oportunidade de exercer o contraditório e de influenciar a decisão final, pelo que estamos claramente perante uma decisão “surpresa” e violadora do princípio da confiança, pois que, face às informações favoráveis e ao despacho de “concordo”, a Recorrente tinha a legítima expetativa que a decisão final seria no mesmo sentido.

xvi. Trata-se de uma questão NOVA, nunca antes apreciada e ou decidida, pelo que, se mais não fosse, afasta imediatamente a aplicabilidade da exceção de caso julgado.

xvii. Há, assim, clara violação do disposto no artigo 100º do (antigo) CPA e gera a anulabilidade do ato impugnado, o que aqui se requer ao abrigo do disposto no artigo 607º, nº 4, aplicável por remissão do disposto no artigo 663º, nº 2 do CPC.

xviii. Por conseguinte, deve o ato impugnado ser anulado e condenada a entidade demandada a notificar a recorrente para o exercício da audiência prévia, que a concretizar-se permitirá à recorrente demonstrar cabalmente que foi alvo de tratamento desigual e os prejuízos sofridos em consequência de tal.

Acresce que:
xix. A informação técnica que serviu de base ao ato impugnado nunca foi notificada à Recorrente, sem o que não se consegue perceber o iter cognoscitivo – vide artigos 65º a 69º da pi. - pois que, a entidade demandada não explica e nem fundamenta porque é que pediu nova informação, quando o processo administrativo estava informado e decidido no sentido favorável à pretensão da recorrente – vide factos provados em 10, 11, 12 e 13 e vide fls. 148 a 161 do PA2 (facto alegado em 33 da p.i).

xx. Além disso, não fundamenta a existência de caso julgado – vide o alegado em 76 a 81 da petição inicial, aliás, tal seria manifestamente impossível, pois que, o pedido de revogação apresentado pela Recorrente assenta ou tem por base o conhecimento superveniente da ocorrência de um tratamento desigual em relação à pretensão da Recorrente,

xxi. O que constitui, transcrevendo parte do facto provado em 20 (3º paragrafo da pág. 13) (…) uma ilegalidade crassa por violação do referido princípio constitucional (princípio da igualdade) e sobre esta questão (violação do princípio da igualdade), a deliberação impugnada não está suficientemente fundamentada, limitando-se a tecer meras conclusões, sem explicar a mudança de sentido em relação às informações anteriores.

xxii. Face a tal, impunha-se à entidade demandada um dever acrescido de fundamentação, pelo que, temos uma decisão opaca e obscura, violando o princípio da transparência que deve nortear toda a atividade da administração pública, o que constitui causa de invalidade do ato impugnado ainda não apreciada e que gera a sua anulabilidade, o que aqui se requer ao abrigo do disposto no artigo 607º, nº 4, aplicável por remissão do disposto no artigo 663º, nº 2 do CPC.

Mais:
xxiii. O Tribunal a quo considerou que a questão da violação do princípio da igualdade já teria sido apreciada e decidida no processo nº 2032/08.1BEPRT, o que, salvo o devido respeito, não é correto, pois que, tal como consta da transcrição feita no ponto 18 dos factos provados, no processo nº 2032/08.1BEPRT, foi verificada a exceção de caso julgado apenas em relação a parte dos fundamentos, constando expressamente da sentença o seguinte (vide 1º, 2º 3 parágrafos da página 11):

Restam, apenas os fundamentos invocados em 69º a 74º da p.i., que se concretizam na circunstância de a Entidade Demandada ter autorizado, em momento posterior à prolação do despacho impugnado, outros Centros de Inspecção que se encontravam em situação similar à da A., a iniciar a sua actividade; o que, no entender da A., configuraria uma violação do conteúdo essencial do direito fundamental à igualdade, e dos princípios gerais por que se deve reger toda a actividade administrativa (arts. 3º, 5º, 6º e 6º-A do C.P.A., e art.º 266º, n.º2 da C.R.P.). Relativamente a estes fundamentos - e tendo presente a tese de que a causa de pedir, pelo menos no domínio do anterior contencioso administrativo, corresponde a cada um dos vícios invocados que assim, e por si só, configuram, cada um deles, uma causa de pedir autónoma (…) - não se verifica verdadeira identidade quanto à causa de pedir. Nesta medida, relativamente ao concreto fundamento em apreço, fica por preencher integralmente o requisito da identidade das causas de pedir, de que depende a procedência da excepção de caso julgado.

Aliás,

xxiv. No processo nº 2032/08.1BEPRT, por sentença, foi anulado o despacho de 23.05.2008 que julgou extinto o procedimento, por verificação dos vícios de forma: omissão do dever de pronúncia e a falta de fundamentação – facto provado em 19.

xxv. A omissão de pronúncia respeita exatamente ao pedido de revogação formulado em 03.05.2007, em que a Recorrente invoca o tratamento desigual em relação a outros centros de inspeções.

xxvi. Ora, tendo sido a entidade demandada condenada na prática de novo acto sem os indicados vícios, significa que estava obrigada a apreciar e a conhecer da questão do tratamento desigual.

xxvii. Tendo a entidade demandada apreciado e conhecido de tal questão no ato ora impugnado, mas sem fundamentação ou com fundamentação deficiente, o vicio daí decorrente é claramente uma questão NOVA, ainda não apreciada.

xxviii. Salvo melhor opinião, não faria qualquer sentido anular o despacho anterior com o fundamento na omissão de pronúncia sobre a questão do tratamento desigual e, posteriormente, aquando da impugnação do ato proferido no lugar daquele, considerar que tal questão já foi apreciada e decidida, pelo que, há uma contradição insanável.

xxix. Acresce que, deveria ser a entidade demandada a primeira a querer ver tal questão discutida e decidida de mérito, pois que, estão em causa os princípios da transparência, boa fé, igualdade e justiça, que são basilares e estruturantes de toda a atividade da administração pública.

xxx. Aliás, dada a gravidade da situação decorrente de informações contraditórias e a opacidade subjacente ao indeferimento, a bem da legalidade, justiça e transparência impunha-se uma decisão sobre o mérito, com recurso, se necessário, por exemplo, a uma perícia a todos os procedimentos de autorização invocados pela ora recorrente, no sentido de apurar se existiu ou não um tratamento desigual.

Assim sendo:

xxxi. O tribunal a quo fez errada apreciação da sentença proferida no processo nº 2032/08.3BEPRT, pois que, não foi decidida a questão da violação do princípio da igualdade, ou seja, não proferiu uma decisão sobre o mérito, logo não há caso julgado, em relação à violação do princípio da igualdade.

xxxii. E, nem a fundamentação constante da sentença, quanto ao ónus da prova, faz caso julgado e nem sequer o facto de não se ter recorrido, significa que a autora se conformou com a repartição do ónus da prova.

xxxiii. Em relação a tal questão, a doutrina e a jurisprudência mais recentes vão no sentido da teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova, segundo a qual, a imputação do ónus da prova é feita àquele que tem maiores condições de produzi-la, de acordo com a análise das circunstâncias de cada caso concreto, como manifestação dos poderes instrutórios do juiz, concretizado no reforço do princípio do inquisitório.

xxxiv. No caso, parece evidente que o ónus da prova caberia à entidade demandada, pois que, desde logo, cabe-lhe, demonstrar que cumpriu o princípio da legalidade e todos os demais princípios inerentes à atividade administrativa, nomeadamente o da igualdade.

xxxv. Por outro lado, é a entidade demandada quem está em melhores condições de demonstrar que cumpriu o princípio da igualdade, pois que tem na sua posse todos os procedimentos de autorização do início de atividade dos centros em causa e sabe quais os critérios que foram utilizados.

xxxvi. E, por último, face ao reconhecimento da existência de tratamento desigual (vide informações transcritas nos factos 11, 12 e 13), caber-lhe-ia o ónus da prova do seu contrário, ou seja, a entidade demandada teria de alegar e de provar que tais informações estavam erradas e que existiu tratamento igual para situações iguais.

xxxvii. Pelo que, não há caso julgado em relação à violação do princípio da igualdade.

xxxviii. Falta ainda a identidade dos objetos, pois que no recurso do STA (recº nº 40921) foi impugnado o despacho do Diretor Geral de Viação de 28/01/1995 de “concordo” aposto sob a informação nº 67 DSVCRDV de 26.01 que propôs o indeferimento do pedido de início de atividade (vide factos provados em 6 e 7) e no processo 2032/08.1BEPRT foi impugnada a deliberação de 23.05.2008,

xxxix. Também falta a identidade dos pedidos, tendo no processo nº 2032/08.1BEPRT sido decidido que não se verificava a exceção de caso julgado formado no recurso do STA relativamente aos fundamentos invocados em 69º a 74º da p.i., que se concretizam na circunstância de a Entidade Demandada ter autorizado, em momento posterior à prolação do despacho impugnado, outros Centros de Inspecção que se encontravam em situação similar à da A., a iniciar a sua actividade; o que, no entender da A., configuraria uma violação do conteúdo essencial do direito fundamental à igualdade, e dos princípios gerais por que se deve reger toda a actividade administrativa (arts. 3º, 5º, 6º e 6º-A do C.P.A., e art.º 266º, n.º2 da C.R.P.).

Por último:

xl. Na parte final da sentença, o Tribunal diz o seguinte:

E se assim é, de nada serviria à Autora obter a declaração de nulidade ou anulação da deliberação de 28.11.2013, sendo certo que se a Autora, quando notificada da referida deliberação, entendeu que esta continuava a padecer dos mesmos vícios do despacho (anulado) de 23.05.2008, desrespeitando a sentença judicial, deveria ter diligenciado pela sua correcção no âmbito do processo de execução de julgado.

xli. Com o devido respeito, tal afirmação é a prova provada da inexistência de caso julgado, pois que, se se deveria pedir a correção dos vícios em sede de processo de execução de julgado é porque não existe caso julgado.

Sempre:

xlii. O eventual erro na forma do processo não obsta ao conhecimento da ação, dando lugar à convolação, nos termos do disposto no artigo 193º do CPC, que prescreve o seguinte:
Artigo 193.º (art.º 199.º CPC 1961)
Erro na forma do processo ou no meio processual
1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.

xliii. No caso, todos os actos podem ser aproveitados, não resultando qualquer diminuição de garantias para a entidade demandada, bem pelo contrário, pelo que, o eventual erro na qualificação do meio processual, o que se concede por mero raciocínio, deveria ser corrigido pelo Ex.ma Sra. Juiz, o que é imposto pelos princípios pro actione e da celeridade processual – vide Acórdãos do Pleno de 5/07/2005 (rec. n.º 45497-A) e da Secção de 10/05/2006 (rec. n.º 38240-A).); Acórdãos do Pleno de 9/05/2002 (rec. 701/02), e da Secção de 15/03/2000 (rec. n.º 45.912), de 23/09/2004 (rec. n.º 1972/03) e de 23/02/2005 (rec. n.º 40920-A), todos do STA), o que aqui expressamente se invoca.

Posto isto:

xliv. O tribunal a quo fez errada apreciação da pretensão concreta da ora recorrente e da sentença proferida no processo nº 2032.081BEPRT.

xlv. Não se verificando a exceção de caso julgado, devendo a sentença ser alterada no sentido da improcedência dessa exceção e ser declarada a anulabilidade do ato impugnado por verificação da preterição do exercício da audiência prévia e por falta ou fundamentação insuficiente.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado por provado e procedente e alterada a sentença no sentido supra referido, assim se fazendo inteira e costumada JUSTIÇA!

O Réu juntou contra-alegações, concluindo:

1 - O recurso jurisdicional interposto pela Autora, ora Recorrente, não tem o menor fundamento, uma vez que não logrou demonstrar que foi efectuada uma errada apreciação da sua pretensão e da sentença proferida no processo nº 2032/08.1BEPRT,
2 - Concluindo, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
“(…) A existência da excepção de caso julgado tem como pressuposto a existência de uma repetição da causa, sendo mister que entre as causas se verifique a denominada tripla identidade quanto às partes, ao pedido e causa de pedir —cfr. artigos 580°e 581°d o CC.P.
Identificado o legal critério que serve de base à análise da questão em apreço, há que verificar se se encontram verificados os pressupostos em que assenta a excepção, tendo por referente o articulado inicial, o acórdão do S.T.A. de 30.09.1998, proferido no recurso nº 40921, e a decisão proferida no processo n° 2032/08.1BEPRT.
Desde logo, é manifesto que se verifica a identidade das partes: a Autora é a mesma e a Entidade Demandada (quer na presente acção quer na acção n° 2032/08) é tida, para estes efeitos, como a mesma, tendo presente que o IMTT, IP, sucedeu à antiga DGV, por força do disposto no art° 16°, do DL 147/2007, de 27 de Abril, no que concerne às atribuições em matéria de condutores e de veículos. (…)”.
Nestes termos,
Deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela Autora ora Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida, com as consequências legais.

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO


Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1- Mediante requerimento, entrado na Direcção-Geral de Viação (DGV) em 06 de Julho de 1994, a Autora solicitou autorização para o exercício da actividade de inspecções periódicas obrigatórias a veículos – fls. 01 a 25 do processo administrativo relativo ao pedido de autorização formulado pela Autora em 1994 (doravante, P.A.-1).
2- Por despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, datado de 01.08.1994, foi a Autora autorizada a exercer a actividade de inspecção periódica de veículos – fls. 28 do P.A.-1.
3- Por requerimento, entrado na DGV em 29.09.1994, solicitou a A. “a aprovação de instalações e equipamentos das suas novas instalações” – fls. 30 do P.A.-1.
4- Em 03.11.1994, o Director de Serviços de Veículos e Circulação Rodoviária da DGV solicitou ao Director de Serviços de Viação do Norte que fosse promovida vistoria, com carácter de urgência, às instalações do Centro de Inspecções pertença da A. – fls. 51 do P.A.-1.
5- No seguimento, foi informado, relativamente à A.: “OBRAS NÃO PRONTAS. SÓ PARA FINS DEZ.” – fls. 52 do P.A.-1.
6- Foi então elaborada a Informação n.º 67 DSVCRDV, de 26.01, com o teor de fls. 53 e 54 do P.A.-1 que aqui se têm por reproduzidas, sendo proposto o indeferimento do pedido de início de actividade.
7- Sobre esta proposta, foi, em 28.01.1995 proferido despacho do Director Geral de Viação, de “Concordo” - fls. 53 do P.A.-1.
8- Não se conformando com este despacho, a Autora interpôs recurso hierárquico, que veio a ser indeferido, após o que intentou o respectivo recurso contencioso de anulação – cfr. fls. 96 a 141 do P.A.-1.
9- Por acórdão do S.T.A., de 30.09.1998 (rec.º n.º 40921), foi o recurso contencioso julgado totalmente improcedente, nos termos e fundamentos de fls. 138 a 141 do P.A. -1, que aqui se consideram integralmente transcritas.
10- Em 03.05.2007, deu entrada no Ministério da Administração Interna, Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna, requerimento subscrito pela Autora, com o teor de fls. 1 a 14 do P.A. relativo ao pedido formulado pela Autora em 2007 (doravante, P.A. -2) que se têm por inteiramente reproduzidas, através do qual a Requerente formulou o seguinte pedido:
“Face ao exposto, se requer a V.Exª. se digne revogar o supracitado Despacho do Sr. Director-geral de Viação e que seja considerado suspenso o procedimento relativo ao início de actividade do Centro da requerente, desde 1994 até ao momento, uma vez que a sua inactividade não pode ser imputável à requerente, logo não se verificando a caducidade da respectiva autorização, prevista na alínea a), do nº.3, do artº 43º do Decreto-Lei nº 550/99, de 15 de Dezembro, e que seja ordenado o seu imediato prosseguimento com vista à sua aprovação, nos termos do disposto no artº 26º do Decreto-Lei n.º. 550/99, de 15 de Dezembro e nº2, da Portaria nº 1165/2000, de 9 de Dezembro, de modo a que a requerente possa dar início à actividade para que está devidamente autorizada”.
11- Em sede de instrução do processo, em 26.10.2007, foi elaborada informação por Jurista da Direcção – Geral de Viação, com o seguinte teor:
“(…)
17. Logo, conclui-se que o centro de inspecções propriedade do exponente encontrava-se em situação similar à dos centros cujo início de atividade foi deferida por despacho de Sua Exª. O Senhor Secretário de Estado da Administração Interna de 22 de março de 1995 (vide doc. 25)
(…)
15. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos que não possibilitar que a exponente abra o respetivo centro de inspeções, dando assim início à atividade para a qual se encontra devidamente autorizada, tendo-se conforme supra descrito se possibilitado que centros de inspeção em condições similares ao da exponente tivessem iniciado a respetiva actividade, é tratar de maneira diferenciada situações idênticas, ou seja, em violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, plasmados nos artigos 5º e 6º do CPA.
(…)” – cfr. fls. 148 a 161 do PA-2.
12- Em 31.03.2008, foi elaborada a informação nº 112/GJC-DJ, pelo Jurista referido no ponto antecedente, desta vez já em representação do IMTT, IP (ora réu), o qual reiterou o que havia exposto na informação anterior – cfr. fls. 208 a 217 do PA2.
13- Em 07.04.2008, sobre esta informação, foi aposto o seguinte parecer:
“(…)
Estando em causa decidir sobre a resposta a dar à exposição, restam dois caminhos – não apreciar o requerido, mantendo-se assim a decisão ou aceitar os argumentos aduzidos e alterar o despacho de 1995.
A primeira solução tem fundamento na convalidação temporal do ato (mesmo que fosse anulável) e nas subsequentes decisões judiciais, designadamente a decisão do STA que foi desfavorável ao recorrente, ora requerente.
A segunda solução, revogação do despacho ao abrigo do art. 140º do CPA (revogabilidade de atos válidos) implica admitir que o mesmo não foi decidido em conformidade com situações idênticas que ocorreram à data e, como tal, o reconhecimento da inconveniência do ato.
Muito embora se retire da exposição que as circunstâncias foram adversas ao exponente, revogar o ato, passados mais de 10 anos, ainda que possível, põe em causa a certeza e segurança dos atos jurídicos”. – cfr. fls. 217 do PA2.
14- Sob a mesma informação foi aposta a deliberação, de 23.05.2008, do Conselho de Administração do IMTT, IP, com o seguinte teor “...considerar o procedimento extinto” – fls. 217 do P.A.-2.
15- A Autora tomou conhecimento desta deliberação em 29.06.2008, através do ofício nº 1393, de 23.06.2008, que lhe foi remetido pelo Gabinete da Secretária de estado das Obras Públicas.
16- A 23.09.2008, a aqui Autora instaurou contra o aqui Réu acção administrativa especial, que correu termos neste Tribunal, sob o nº 2032/08.1BEPRT, com os seguintes pedidos:
“a) A declaração da nulidade e/ou inexistência do acto administrativo produzido, em 23.05.08, pelo Conselho Directivo do IMTT, IP, por violação do disposto na alínea b) do nº 2, do artº. 133º do C.P.A.; ou, caso assim se não entenda
b) A anulação daquele mesmo acto administrativo, por vício de violação de lei, designadamente nos artºs. 9º., alínea c), do 66º, nº.1, do 68º, 107º, 123º, 124º e 125º do C.P.A. e ainda o nº.3 do artº. 268º da C.R.P.;
c) A declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo proferido em 28.01.95, pelo Sr. Director-geral de Viação, por o mesmo ofender gravemente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da Igualdade e da Justiça e os princípios gerais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade e da boa fé, consagrados nos artºs. 13º e nº2, do 266º da C.R.P. e nos 3º, 5º, 6º e 6º A do C.P.A., violando assim o disposto na alínea d) do nº.2, do artº. 133º do C.P.A., e ainda por ser humanamente impossível em doze dias seguidos construir instalações para o exercício da actividade de inspecções periódicas, quando o prazo estabelecido com a Administração era de 6 a 8 meses, o que viola o disposto no nº. 1, do artº. 133º do C.P.A.
d) A condenação do R., através dos órgãos competentes, na aprovação para início de actividade do centro de inspecções da A., sito em (...), a praticar em trinta dias – ou no prazo porventura considerado mais adequado – e no mesmo prazo manter a validade da autorização para o exercício da actividade de inspecção de veículos concedida pelo Despacho SEAI nº. 106, de 01.08.1994, publicado na IIª Série do “DR” nº. 196, de 25.08.94.
e) A fixação de sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento do dever de praticar os actos referidos na alínea anterior.
17- Na referida acção, o Réu deduziu contestação, na qual, além do mais, suscitou a excepção de caso julgado, tendo em conta que do acto datado de 28.01.1994, pelo qual foi indeferido o pedido de início de actividade apresentado pela A., foi interposto recurso hierárquico e posterior recurso contencioso, tendo o S.T.A., por acórdão de 30.09.1998, concluído que o acto impugnado não violou as normas ou princípios invocados pela recorrente; sustentando ainda a “caducidade do direito a ver reapreciado o acto praticado pelo Director-Geral de Viação em 1995”.
18- Na referida acção, foi proferido despacho saneador que se pronunciou sobre a excepção de caso julgado nos seguintes termos:
“Identificado o legal critério que serve de base à análise da questão em apreço, há que verificar se se encontram verificados os pressupostos em que assenta a excepção, tendo por referente o articulado inicial, e o Acórdão do S.T.A., datado de 30.09.1998 (rec.º n.º 40921).
Desde logo, é manifesto que se verifica a identidade das partes: a Autora é a mesma, e a Entidade Demandada na presente acção é tida, para estes efeitos, como a mesma, tendo presente que o IMTT, IP, sucedeu à antiga DGV, por força do disposto no art.º 16º, do DL 147/2007, de 27 de Abril, no que concerne às atribuições em matéria de condutores e de veículos.
No que concerne ao pedido, existe também identidade, por vir peticionada a anulação/nulidade do despacho proferido em 28.01.1995.
Finalmente, no que concerne aos fundamentos do pedido, comparando os fundamentos vertidos nos artigos 33º a 68º da petição inicial com o que foi alegado e decidido, em sede de recurso contencioso, verifica-se que os fundamentos relativos à eventual (in)aplicabilidade do regime emergente do DL 194/94, de 18 de Julho, e da eventual aplicação retroactiva deste regime, foi já objecto de discussão e decisão, no âmbito do recurso contencioso anteriormente intentado pela A., verificando-se relativamente a esses fundamentos, a invocada excepção de caso julgado.
Restam, apenas os fundamentos invocados em 69º a 74º da p.i., que se concretizam na circunstância de a Entidade Demandada ter autorizado, em momento posterior à prolação do despacho impugnado, outros Centros de Inspecção que se encontravam em situação similar à da A., a iniciar a sua actividade; o que, no entender da A., configuraria uma violação do conteúdo essencial do direito fundamental à igualdade, e dos princípios gerais por que se deve reger toda a actividade administrativa (arts. 3º, 5º, 6º e 6º-A do C.P.A., e art.º 266º, nº 2 da C.R.P.).
Relativamente a estes fundamentos - e tendo presente a tese de que a causa de pedir, pelo menos no domínio do anterior contencioso administrativo, corresponde a cada um dos vícios invocados que assim, e por si só, configuram, cada um deles, uma causa de pedir autónoma (…) - não se verifica verdadeira identidade quanto à causa de pedir.
Nesta medida, relativamente ao concreto fundamento em apreço, fica por preencher integralmente o requisito da identidade das causas de pedir, de que depende a procedência da excepção de caso julgado.
Mas daqui não se segue que poderá o tribunal conhecer da eventual ilegalidade do despacho, no que concerne aos vícios que vêm invocados.
Com efeito, há que ter presente que vem também invocada a caducidade do direito de acção.
Não obstante vir invocada a nulidade da decisão de 28.01.1995, é de salientar que a eventual violação do princípio da igualdade, apenas gerará, por regra, a anulabilidade do acto administrativo, só podendo ser equacionada uma possível violação do conteúdo essencial do direito fundamental à igualdade quando esteja em causa a dignidade da pessoa humana, por referência às categorias valorativas elencadas no n.º 2 do art.º 13º da C.R.P. (…).
Ora, em abstracto, os fundamentos invocados pela A. não são passíveis de preencher tal situação, seja, e desde logo, por a A., enquanto pessoa colectiva, não poder beneficiar – sequer por analogia – da esfera de protecção constitucionalmente garantida à dignidade da pessoa humana, seja ainda por a causa de pedir não ter qualquer correspondência às categorias valorativas previstas no nº2 do art.º 13º citado.
De igual modo, a eventual violação dos princípios jurídicos invocados pela A., também não se revelam aptos a gerar a nulidade do acto, mas somente a sua anulação.
Assim, e mesmo que procedessem os fundamentos invocados pela A., a consequência jurídica que daí emergiria seria a mera anulação do acto praticado em 28.01.1995, cuja impugnação, por força da alínea b) do art.º 58º, n.º 2, do C.P.T.A., teria de ser intentada no prazo de 3 meses.
E mesmo considerando que o referido prazo apenas se tenha iniciado com o conhecimento, no início de 2007, dos factos que fundam o pedido formulado pela A., certo é que, no momento da propositura da presente acção (Setembro de 2008), há muito se mostrava decorrido o prazo em referência.
Pelo que, relativamente a essa concreta causa de pedir, se verifica a caducidade do direito de agir, atento o preceito do C.P.T.A. já citado.
Assim, e pelas razões apontadas, há que decretar a absolvição da instância do Réu, relativamente ao pedido de declaração de nulidade/inexistência do despacho de 28.01.1995, por se verificar a excepção de caso julgado relativamente a parte dos fundamentos que servem de base a este pedido, e a caducidade do direito de acção, relativamente aos restantes fundamentos da causa de pedir, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 87º, nº 1, al. a) e 89º, nº 1, als. h) e i) do CPTA.”
19- A 27.09.2012, no processo nº 2032.08.1BEPRT, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, anulou o despacho de 23.05.2008 que julgou extinto o procedimento de aprovação do Centro de Inspecções Periódicas de Veículos, por verificação dos vícios de forma: omissão do dever de pronúncia e falta de fundamentação.
20- No que tange ao pedido de condenação à prática do acto devido, consta o seguinte da sentença proferida no proc. 2032/08:
“No que concerne ao direito que a Autora invoca que lhe assiste, verifica-se que quanto ao mesmo já correu junto da Administração procedimento, o qual terminou com a pronúncia do Supremo Tribunal Administrativo que não lhe deu razão. Sucede que, após esta decisão, a Autora veio a ter conhecimento de circunstâncias ocorridas aquando do primeiro ato de indeferimento (datado do ano de 1995) – logo, de superveniência subjetiva mas não objetiva – que permitiram que outros centros, alegadamente em igual situação fossem autorizados a funcionar.
Quanto a este aspeto, a Autora não aduziu nem carreou para o processo elementos que pudessem atestar, indubitavelmente, o tratamento desigual de situações semelhantes, configurando violação do princípio da igualdade. E diga-se que, uma vez que se aprecia a sua pretensão sobre, ela recai tal ónus, podendo o mesmo a vir a ser decidido contra si, por falta de alegação e prova.
Não obstante, compulsada a matéria de facto assente (…) verifica-se que há um reconhecimento por parte da entidade decisora – ora Réu – de que efetivamente houve um tratamento desigual em situações similares. É que várias foram as vezes em que o Jurista responsável se manifestou no sentido de que haveria uma ilegalidade crassa por violação do referido princípio constitucional.
Ora, na verdade, o Réu não adotou tal fundamento, mas também, saliente-se, não se pronunciou quanto ao mesmo. Vindo tal questão diretamente colocada em sede da informação jurídica exposta, o Réu nada diz, bastando-se com uma decisão de considerar o procedimento extinto sem qualquer tipo de argumento.
Além disso, em sede de contestação, o Réu também nada impugna.
Todavia, destes elementos não pode o Tribunal aferir com certeza, porque não se encontra munido de todos os elementos essenciais, se o direito que a Autora invoca lhe assiste ou não. É que, como se disse supra, sobre a Autora recai um ónus acrescido em termos de sustentar a sua pretensão, o que não ocorrendo, como ocorre, impede o conhecimento do pedido de condenação deduzido.
Assim, face ao que fica dito, decide anular-se o ato praticado pelos fundamentos expostos (…) procedendo o primeiro pedido formulado. Quanto ao mais, improcede a presente ação por falta de elementos que permitam conhecer do peticionado.”
21- A referida sentença não foi objecto de recurso, tendo transitado em julgado.
22- Em 15.05.2013, a aqui Autora instaurou contra o aqui Réu processo de execução de sentença de anulação de actos administrativos, requerendo a execução da sentença no item 21, que, na versão da exequente, envolve a prática dos seguintes actos: substituição do acto anulado por um outro expurgado da ilegalidade determinante da anulação, o que implica que seja respeitado o disposto nos artigos 107º e 124º do CPTA; e que seja permitido à exequente iniciar o funcionamento e a exploração do seu centro de inspecções em (...).
23- O executado, ora Réu, notificado para, querendo, deduzir oposição, informou os autos de que se encontra a encetar diligências no sentido de dar cumprimento à decisão supra referida.
24- A 12.07.2013, foi proferida sentença que julgou procedente “o pedido de condenação do Executado na emissão de um novo acto administrativo que não incida nos vícios do acto administrativo anteriormente praticado e anulado pela sentença supra referida e já transitada em julgado, fixando-se o prazo máximo de três meses para cumprimento integral e efectivo da sentença proferida na acção apensa a esta execução.”
25- As partes não recorreram da referida sentença, tendo a mesma transitado em julgado.
26- A 25.10.2013, foi elaborada a informação técnica nº 564/DSRTS/DIVR – cfr. fls. 57 e 58 do PA4 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
27- A 28.11.2013, o Conselho Directivo do IMT, IP, deliberou nos seguintes termos:
“… Pelo que, o Conselho Diretivo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT, I.P.), sucessor do IMTT, IP, delibera:
1. Concordar genericamente com os fundamentos aduzidos na informação técnica e, em consequência:
2. Indeferir o pedido formulado pela empresa I., Lda, Lda., relativamente à exposição que apresentou em 10/1/2008, dirigida à Secretaria de Estado dos Transportes, com os seguintes fundamentos:
a) Quanto à alegada nulidade do ato – Despacho do Sr. Diretor-Geral de Viação de 28/1/2005, remete-se para o acórdão do STA, de 30 de Setembro de 1998, proferido no recurso nº 40921, interposto pela ora requerente do ato que indeferiu o recurso hierárquico do despacho de 28/01/1995.
Aquele acórdão transitou em julgado ficando definitivamente assente a situação jurídica da requerente, definida pelo despacho de indeferimento de 28/01/1995.
O indeferimento da abertura do centro teve por fundamento o facto de o centro não ter as instalações prontas a funcionar até à data de 30 de Setembro de 1994, data a partir da qual passou a exigir-se concurso público para abertura de centros de inspecção (cf. Art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 190/94 de 18 de julho). Nem estavam prontas as instalações em 31 de outubro de 1994, data superiormente aceite pelo então SEAI, como resulta do despacho exarado na Informação n.º 2/DG do Diretor-Geral de Viação, de 30 de janeiro de 1995, relativamente a um conjunto de centros de inspecção, que interpuseram recurso hierárquico contra o indeferimento para início da actividade.
Com efeito, ficou comprovado pelo resultado de vistoria no local realizada pela Direcção Regional do Norte, em 29/11/1994, na qual se constata que as obras do centro I. ainda não estavam prontas.
b) Relativamente à alegação de que a Direção-Geral de Viação autorizou, em datas posteriores a 22/3/95, a abertura de centros de inspecção que se encontravam na mesma situação da requerente, configurando tal situação tratamento desigual para situações iguais, dir-se-á que os centros que a requerente refere estarem na mesma situação da sua, demonstraram que, até aquela data de 31 de Outubro de 1994, tinham as instalações prontas a iniciar a actividade.
Como a requerente não tinha as instalações prontas a funcionar até à data de 31 de Outubro de 1994, não pode invocar que foi dado tratamento desigual para situações iguais, pois, como se demonstrou as situações não eram iguais.
Por outro lado, os centros que a requerente invoca estarem na mesma situação da sua, obtiveram o respectivo deferimento ao abrigo do artigo 172.º do CPA, em despacho de 1995/03/22, exarado na mesma Informação n.º 2/DG do Diretor-Geral de Viação, na sequência de recurso hierárquico interposto para o SEAI.
Não houve, portanto, qualquer violação ou desrespeito pelos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade.
3. Encarregar o Departamento de Inspeção de Veículos Rodoviários de proceder à notificação da requerente da presente deliberação, remetendo cópia da mesma e documentos nela referidos.” – cfr. doc. 1 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
28- A Autora foi notificada daquela deliberação, a 04.12.2013, através do ofício nº. 2350, de 29-11-2013, de referência DSRTS/DIVR 043200079979430, acompanhado de cópia da Informação n.º 2/DG/95, de 30.01, uma folha manuscrita do Director de Serviços de Viação Norte, uma relação de centros de inspecção, datada de 26.01.1994 e o Despacho SEAI de 22.03.95 – cfr. doc. 1 junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
29- A petição inicial relativa à presente acção deu entrada, via mail, em 21.02.2014.

DE DIREITO

Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador:

A existência da excepção de caso julgado tem como pressuposto a existência de uma repetição da causa, sendo mister que entre as causas se verifique a denominada tripla identidade quanto às partes, ao pedido e causa de pedir – cfr. artigos 580º e 581º do C.P.C.
Identificado o legal critério que serve de base à análise da questão em apreço, há que verificar se se encontram verificados os pressupostos em que assenta a excepção, tendo por referente o articulado inicial, o acórdão do S.T.A., de 30.09.1998, proferido no recurso n.º 40921 e a decisão proferida no processo nº 2032/08.1BEPRT.
Desde logo, é manifesto que se verifica a identidade das partes: a Autora é a mesma e a Entidade Demandada (quer na presente acção quer na acção nº 2032/08) é tida, para estes efeitos, como a mesma, tendo presente que o IMTT, IP, sucedeu à antiga DGV, por força do disposto no art.º 16º, do DL 147/2007, de 27 de Abril, no que concerne às atribuições em matéria de condutores e de veículos.
No que concerne ao pedido e à causa de pedir, importa tecer algumas considerações prévias.
Visto que, essencialmente, a excepção de caso julgado ocorre quando existe uma situação de repetição de causa já anteriormente julgada (segunda parte do n.º 1 do artigo 580º, n.º 1 do CPC), a aferição da verificação de tal identidade de causa que se possa repetir terá de inevitavelmente passar pelo confronto dos respectivos objectos dos processos, que é conferido pela conjugação da causa de pedir e do pedido aduzidos nas acções em comparação.
Lida a petição inicial, verifica-se, desde logo, que a Autora fundamenta a sua apresentação ao abrigo do disposto nos artigos 66º e seguintes do CPTA, que regulam quer as especificidades quer a tramitação da acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido.
Diz-nos o artigo 66º, nº 2 que “Ainda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória.”
Assim, a Autora vem aos presentes autos afirmar uma posição subjectiva própria cujo conteúdo impõe tanto o reconhecimento de tal posição como a emissão de um acto administrativo com o conteúdo inerente à pretensão por ela formulada.
Ainda que a Autora faça menção que impugna um acto administrativo (ou melhor, dois actos), empreendendo-se a leitura do articulado, verifica-se que a Autora imputa uma série de vícios às decisões em crise, demonstrando sempre que a ilegalidade material daquelas decisões reside essencialmente na circunstância de as mesmas indeferirem a pretensão que a Autora submeteu à Entidade Demandada. Isto é, a Autora, para além dos vícios que imputa às decisões da Entidade Demandada, vem sustentar que as mesmas só estarão em conformidade legal se deferirem a pretensão por si formulada.
A concreta pretensão que a Autora pretende garantir através da decisão judicial a emitir nos presentes autos é que lhe seja reconhecido que a mesma poderia iniciar actividade do centro de inspecções em causa e que se lhe mantenha a validade da autorização para o exercício da actividade de inspecção de veículos desde 01/08/1994.
O pedido de condenação da Entidade Demandada à aprovação do início de actividade do centro de inspecções em causa nos presentes autos e à manutenção da validade da autorização para o início de actividade de inspecção de veículos é a única forma de dar efectividade à pretensão que a mesma pretende ver atribuída pelo presente Tribunal.
Ressalta evidente que a estrita declaração de nulidade ou de inexistência ou de anulação dos actos administrativos que fundamentam a apresentação da presente acção não se mostrará capaz de empreender a regulação da relação jurídica que a Autora pretende pois os efeitos da estrita declaração de nulidade ou anulação se quedarão na expurgação de tais actos da ordem jurídica e impedindo que a Entidade Administrativa pratique novo acto nos mesmos termos, não possuindo implicações de ordem positiva quanto à regulação da relação jurídica pretendida pela Autora.
A este propósito, pronunciou-se o STA, em acórdão de 16.01.2013, proferido no processo n.º 0232/12 (disponível para consulta em www.dgsi.pt), nos seguintes termos:
“Em suma, a finalidade deste tipo de acções é a de impor à Administração o dever de praticar um determinado acto administrativo que o autor reputa ter sido ilegalmente omitido ou recusado, visando a condenação da Administração na prolação de um acto que, substituindo aquele que é sindicado, emita pronúncia sobre o caso concreto ou dê satisfação à pretensão deduzida. E, nessa medida, mostra-se desnecessária a dedução de pedido de anulação, de declaração de nulidade ou de inexistência do acto de indeferimento sindicado, porquanto resulta directamente da pronúncia condenatória a eliminação da ordem jurídica desse acto.
E, tal como tem sido também explicado pela doutrina e pela jurisprudência, a condenação à prática de acto devido não é necessariamente a condenação à prática de acto administrativo com conteúdo vinculado, já que também é possível a condenação à prática de actos administrativos de conteúdo discricionário, desde que a sua emissão seja devida. Quando a prática do acto ilegalmente recusado ou omitido envolva o exercício de poderes discricionários, o tribunal pode condenar a Administração a praticá-lo, traçando, em maior ou menor medida, o quadro, de facto e de direito, dentro do qual esses poderes discricionários deverão ser exercidos. (Sobre o assunto, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA, em “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, págs. 335 e 336).
O que significa que estamos em presença de um meio ou processo de plena jurisdição cujo objecto diz respeito à pretensão material do interessado, à relação material controvertida que se constituiu e que remete para o tribunal o dever de analisar e decidir do mérito da pretensão”.
Posição também secundada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00584/14.6BEPRT, de 15.09.2016, onde de se afirma “é que, no novo contencioso administrativo, o meio processual adequado para reagir contra actos administrativos de indeferimento passou a ser a acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido, deixando de ser, como até 2003, o processo de impugnação com vista à mera anulação ou declaração de nulidade do acto em causa”.
Assim, o objecto do presente processo é a pretensão da Autora manifestada no pedido de condenação à prática do acto devido, mais concretamente, na pretensão em ver reconhecido o direito invocado e a condenação da Entidade Demandada a aprovar a autorização para início de actividade do centro de inspecções e a manter a validade da autorização para o início de actividade de inspecção de veículos emitida em 01/08/1994 e publicada em Diário da República em 25/08/1994.
E se assim é, é forçoso concluir que ocorre a excepção de caso julgado, verificando-se a tríplice identidade, por referência ao acórdão do S.T.A., datado de 30.09.1998 (rec.º n.º 40921) e à decisão proferida no processo nº 2032/08.1BEPRT.
Os fundamentos relativos à eventual (in)aplicabilidade do regime emergente do DL 194/94, de 18 de Julho, e da eventual aplicação retroactiva deste regime, foi já objecto de discussão e decisão, no âmbito do recurso contencioso anteriormente intentado pela Autora (rec.º n.º 40921), verificando-se relativamente a esses fundamentos, a invocada excepção de caso julgado.
Por sua vez, os demais fundamentos, que se reconduzem à circunstância de a Entidade Demandada ter autorizado, em momento posterior à prolação do despacho de indeferimento, datado de 28.01.1995, outros centros de inspecção que se encontravam em situação similar à da Autora, a iniciar a sua actividade, foram já apreciados e decididos no âmbito do processo nº 2032/08.1BEPRT.
Com efeito, como resulta da factualidade apurada, naquele processo foi proferida sentença, transitada em julgado, que, tendo decidido anular - com fundamento na verificação de dois vícios (omissão do dever de pronúncia e falta de fundamentação) - o acto praticado pela Entidade Demandada, a 23.05.2008 - pelo qual foi considerado extinto o procedimento, recusando a pretensão da Autora, formulada em requerimentos apresentados em 2007 e 2008 -, não se quedou por aí e conheceu ainda da pretensão da interessada/Autora.
Quer isto dizer que a referida sentença cuidou de saber se assistia à Autora o direito de ver reconhecido que a mesma poderia iniciar actividade do centro de inspecções em causa e que se lhe mantenha a validade da autorização para o exercício da actividade de inspecção de veículos desde 01/08/1994, com fundamento no circunstancialismo alegado de que outros centros, em situação igual à da Autora, foram autorizados a funcionar; tendo decidido que a Autora, a quem cabia o ónus de demonstrar a factualidade alegada, não lograra, afinal, demonstrar o tratamento desigual de situações semelhantes.
Em suma, entendeu-se ali que a Autora não fez prova, como lhe cabia, do bem fundado da sua pretensão. Decisão com a qual a Autora se conformou.
O único elemento que distingue a acção nº 2032/08.1BEPRT da presente é a prolação da deliberação do Conselho Directivo do IMT, IP, de 28.11.2013, que visou executar a decisão proferida naquela acção, ou seja, emitir novo acto que não incidisse nos vícios do acto praticado a 23.05.2008 (recorde-se, omissão do dever de pronúncia e falta de fundamentação).
Ora, a deliberação de 28.11.2013 é também no sentido de indeferir a pretensão da Autora, sustentando que os (outros) centros de inspecção que alegadamente estariam na mesma situação da aqui Autora e que foram autorizados a iniciar actividade, estavam afinal numa situação diferente.
Aqui chegados, concluímos que a pretensão da Autora de ver aprovado o início de actividade e de se manter a validade da autorização para o exercício da actividade de inspecção – ora com fundamento na (in)aplicabilidade do regime emergente do DL 194/94, de 18 de Julho, e da eventual aplicação retroactiva deste regime ora com fundamento na desigualdade de tratamento – foram já conhecidas e decididas, de forma definitiva, não reconhecendo razão à Autora.
E se assim é, de nada serviria à Autora obter a declaração de nulidade ou anulação da deliberação de 28.11.2013, sendo certo que se a Autora, quando notificada da referida deliberação, entendeu que esta continuava a padecer dos mesmos vícios do despacho (anulado) de 23.05.2008, desrespeitando a sentença judicial, deveria ter diligenciado pela sua correcção no âmbito do processo de execução de julgado.
Como entendeu o STA, no acórdão de 26.06.2002 (proc. 502/02), disponível para consulta em www.dgsi.pt, “O processo de execução do julgado é o meio próprio para conhecer da legalidade dos actos praticados pela administração em execução da sentença de anulação do acto tributário impugnado (…); porquanto “Na execução do julgado anulatório, a administração deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada.”
Em suma, estamos na presença de uma causa a ser julgada pelo tribunal mais do que uma vez, pelo que existe caso julgado.
A excepção de caso julgado obsta ao prosseguimento do processo e acarreta a absolvição do Réu da instância – cfr. art. 89º, nº 1, al. i) do CPTA e art. 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. i) do CPC.

X

A nossa lei adjectiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respectivo trânsito em julgado.

No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, a doutrina e a jurisprudência vêm atribuindo duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva -“autoridade do caso julgado”- e uma função negativa - “excepção do caso julgado”.

Segundo Castro Mendes, os efeitos de autoridade do caso julgado e a excepção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda (em “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pág. 36 e segs..

Assim:

A função positiva do caso julgado opera o efeito de “autoridade do caso julgado”, o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos 205º/2, da Constituição República Portuguesa e 24º/2, da Lei 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º/1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil.

E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.

A função negativa do caso julgado (traduzida na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da “excepção dilatória do caso julgado”, nos termos previstos nos artigos 577º/i), 580º e 581º do CPC, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objecto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objecto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

A este propósito, sublinha Teixeira de Sousa: “O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (…).” (em “Preclusão e “contrario contraditório””, Cadernos de Direito Privado, nº 41, págs. 24-25).

E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, “a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (em “O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, págs. 171 e segs.).

Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto: “a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção” (em “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 354).

Munidos destes ensinamentos podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:
-a excepção dilatória do caso julgado “destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas acções (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;
-a autoridade de caso julgado “tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica”, pressupondo a vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em acção anterior e que se inscreve, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda) não possa voltar a ser discutida, não sendo, assim, exigível a coexistência da tríplice identidade a que alude o artigo 580º do Código de Processo Civil - cfr. Rodrigues Bastos, em “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, págs. 60 e 61).

Ora, conforme ficou referido, para efeitos de excepção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença (ou saneador-sentença a ela completamente assimilado) que já não admite recurso ordinário (cfr. parte final do nº 1 do artigo 580º do CPC). E o artigo 581º/1 estabelece que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do mesmo preceito), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do preceito em análise) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do referido artigo 581º).

Verifica-se, então, a identidade de sujeitos quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objecto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado activo ou passivo da lide.

A identidade relevante é, assim, identidade jurídica (enquanto identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada), do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objecto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na acção.
Por sua vez, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado.

E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter.

Por último, a identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objecto da acção.

E, de acordo com a “teoria da substanciação”, subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objecto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.

Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objecto da decisão transitada e o do processo ulterior, ensina, ainda, Teixeira de Sousa que “o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento” (em “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 576).

Definindo o alcance do caso julgado, estatui o artigo 621º do Código de Processo Civil: “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.

Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a limites objectivos e subjectivos (questão a que directamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do artigo 581º anteriormente analisada), mas também temporais.

Quanto ao âmbito objectivo do caso julgado (respectivos limites objectivos), no que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado, durante algum tempo foi dominante o entendimento de que a eficácia do caso julgado apenas abrangia a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na pretensão reconvencional e limitada através da respectiva causa de pedir (concepção restrita do caso julgado).

Actualmente, a posição jurisprudencial predominante reconhece, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (cfr. R.L.J. ano 110º, pág. 232) - embora sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença / a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão (tese ampla) -, que, apesar da eficácia do caso julgado material incidir nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, a mesma alcança também a decisão daquelas questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado (isto é, os fundamentos e as questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito enquanto limites objectivos dessa decisão), em homenagem à economia processual e à estabilidade e certeza das relações jurídicas (tese ecléctica). E, quanto à assinalada extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, enfatiza ainda Teixeira de Sousa que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (vide “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, págs. 578/579).

Do ponto de vista dos limites subjectivos, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram (questão traduzida no brocardo res inter alios iudicata tertio necque nocet necque prodest).

Esta regra da “eficácia relativa” do caso julgado sofre, todavia, restrições e desvios, derivados da possibilidade de a sentença se projectar na esfera jurídica de terceiros: Quer pela “vinculação directa desses sujeitos” (“extensão do caso julgado a terceiros”), que se justifica “quando (…) importa abranger pelo caso julgado os terceiros para os quais ele implica a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica” e que se fundamenta, designadamente, na identidade da qualidade jurídica entre a parte processual e o terceiro (por sucessão “inter vivos” ou “mortis causa”); na hipótese de substituição processual; na situação de titularidade pelo terceiro de uma situação jurídica dependente do objecto apreciado e na oponibilidade resultante do registo da acção; Quer através da “eficácia reflexa do caso julgado”, que se verifica “quando a acção decorreu entre todos os interessados directos (quer activos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores (…) deve ser aceite por qualquer terceiro” - Teixeira de Sousa, em “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 590.

Por último, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil, pelo que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.

Já para as partes, o estabelecido naquele nº 1 do artigo 611º significa que têm o ónus de alegar os factos supervenientes, ou a verificação superveniente de factos alegados, que ocorram até ao encerramento da discussão em 1ª instância.

À luz deste quadro normativo cumpre regressar ao caso concreto.

A decisão recorrida julgou verificada a exceção de caso julgado, por referência ao Acórdão do STA, datado de 30/09/1998 e à decisão proferida no processo nº 2032/08.1BEPRT.

Com a fundamentação que acima se deixou exposta, tal decisão considerou que a pretensão dos autos já foi conhecida no referido acórdão do STA e no processo nº 2032/08.1BEPRT.

A Recorrente advoga que o Tribunal fez errada interpretação da sua concreta pretensão.

Cremos que tem razão.

Vejamos,
O procedimento administrativo em causa respeita à instalação e funcionamento de um centro de inspeção automóvel.
Conforme resulta da factualidade tida por assente, após inicialmente ter sido aprovado, o início de atividade foi indeferido por despacho do Diretor Geral de viação proferido aos 28.01.1995 - vide facto 7.
Tal como consta da sentença proferida no processo nº 2032/08.1BEPRT e parcialmente transcrita em 20 dos factos provados, “sucede que, após esta decisão, a autora veio a ter conhecimento de circunstância ocorrida aquando o primeiro ato de indeferimento (datado do ano de 1995) - logo, de superveniência subjetiva mas não objetiva - que permitiram que outros centros, alegadamente em igual situação fossem autorizados a funcionar”.
Razão pela qual, a Recorrente em 03.05.2007 (facto provado em 10) apresentou junto da entidade competente, à data, um requerimento a pedir a revogação do ato de indeferimento do início da atividade proferido em 28.01.1995, abrindo-se, então, um novo procedimento ou subprocedimento de revogação.

Após informações jurídicas no sentido da existência de tratamento desigual em relação à Recorrente, portanto favoráveis à sua pretensão, (factos provados em 11, 12 e 13), o Conselho de Administração do IMTT, que, entretanto, havia sucedido à extinta Direção Geral de Viação (DGV), considerou o procedimento extinto - facto provado em 14.

Fê-lo, omitindo o requerimento apresentado pela Recorrente em 03.05.2007 e sem qualquer fundamentação, razão pela qual, por sentença proferida no processo que correu termos pelo TAF de Braga sob o nº 2032/08.1BEPRT, tal ato foi anulado e condenada a Entidade Demandada a proferir novo ato sem os indicados vícios.

Na sequência de execução dessa sentença anulatória, a Entidade Demandada proferiu, em 28.11.2013, o ato ora impugnado.

Não se conformando com o mesmo, a Recorrente intentou a presente ação, alegando que o ato impugnado padecia de vários vícios, nomeadamente: falta de audiência prévia, falta ou fundamentação insuficiente, erro sobre os pressupostos, violação do princípio da igualdade.

Atente-se nos antecedentes do ato impugnado aqui trazidos pela Recorrente:

-Por despacho do Secretário da Administração Interna de 01/08/1994, a Recorrente foi autorizada a exercer a atividade de inspeção periódica de veículos;

-Por despacho do Diretor Geral de Viação de 28.01.1995 foi indeferido o pedido de início de atividade;

-A ora Recorrente recorreu desse despacho e, por Acórdão do STA de 30.09.1998, foi o recurso julgado totalmente improcedente;

-Em 03.05.2007, a Autora pediu a revogação do despacho do Sr. Diretor Geral de Viação, com base no conhecimento superveniente de factos reveladores de tratamento desigual;

-Em sede de instrução desse pedido, em 26.10.2007, foi elaborada informação por Jurista da Direção-Geral de Viação, favorável à pretensão da Recorrente, com o seguinte teor:
“(…)
17. Logo, conclui-se que o centro de inspecções propriedade do exponente encontrava-se em situação similar à dos centros cujo início de atividade foi deferida por despacho de Sua Exª. O Senhor Secretário de Estado da Administração Interna de 22 de março de 1995 (vide doc. 25)
(…)
15. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos que não possibilitar que a exponente abra o respetivo centro de inspeções, dando assim início à atividade para a qual se encontra devidamente autorizada, tendo-se conforme supra descrito se possibilitado que centros de inspeção em condições similares ao da exponente tivessem iniciado a respetiva actividade, é tratar de maneira diferenciada situações idênticas, ou seja, em violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, plasmados nos artigos 5º e 6º do CPA.(…)”;

-Sobre tal informação, na mesma data, o Diretor-Geral de Viação colocou o despacho de “Concordo” - cfr. fls. 148 a 161 do PA-2;
-Em 31.03.2008, foi elaborada a informação nº 112/GJC-DJ, pelo Jurista referido no ponto antecedente, desta vez já em representação do IMTT, IP (ora Réu), o qual reiterou o que havia exposto na informação anterior - cfr. fls. 208 a 217 do PA2;
-Em 23.05.2008, o CA do IMTT deliberou extinguir o procedimento;
-A Autora impugnou tal ato através da ação administrativa especial que correu termos pelo TAF de Braga com o nº 2032/08.1BEPRT;
-Tal ação foi julgada parcialmente procedente e anulou a deliberação de 23.05.2008 que julgou extinto o procedimento de aprovação do CITV, por verificação dos vícios de forma: omissão do dever de pronúncia e falta de fundamentação, devendo praticar novo ato que não incida nos referidos vícios;
-A Entidade demanda não emitiu o novo ato e a aqui Recorrente intentou processo de execução de sentença de anulação de atos administrativos, tendo sido proferida sentença que julgou procedente o pedido de condenação na emissão de novo ato;
-Em 28.11.2013, a Entidade Demandada proferiu o novo ato, o qual foi impugnado nos presentes autos;
-A Recorrente pretende aqui a anulação do ato impugnado e a condenação da entidade demandada a praticar um outro, sem os indicados vícios, ou seja, que lhe seja permitido o exercício do direito fundamental ao contraditório e assim influenciar a decisão final.
Como alega, o eventual reconhecimento da violação do princípio da igualdade poderá ser causa de revogação do ato proferido aos 28.01.1995, conforme requerido em 03.05.2007 e poderá, ainda, ser gerador de responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos. Isto é, se reconhecida ou declarada a violação do princípio da igualdade, a Entidade Demandada, conforme as informações jurídicas existentes no PA, poderá revogar o despacho de indeferimento e ou, não o fazendo, poderá incorrer em responsabilidade civil.

Assim, tal como foi configurada a petição inicial, a concreta pretensão consiste em obrigar a Entidade Demandada a apreciar o requerimento de 03.05.2007 e, em específico, a verificar a existência ou não de tratamento desigual, mas que, previamente, permita à Recorrente o exercício de audiência prévia e que a decisão final seja devidamente fundamentada, ou seja, que explique com factos devidamente comprovados que os centros de inspeções mencionados em 26, 29 e 104 da petição inicial estavam ou não nas mesmas condições do centro da aqui Recorrente e em caso afirmativo, porque foi autorizado o início da atividade daqueles quando o da Recorrente foi indeferido.

Como também invocado, a concretização de tal pretensão revela-se essencial para o cumprimento da tutela jurisdicional efetiva e que consiste no direito da Recorrente ter um procedimento justo, ou seja, o direito a ser tratada de forma igual aos demais interessados e no direito de exercer o contraditório e a obter uma decisão, devidamente, fundamentada.

Ora, independentemente de se entender que a causa de pedir consiste em cada dos vícios invocados, como foi entendido no processo que correu termos no TAF de Braga com o nº 2032/08.1BEPRT, ou que será a concreta pretensão que a Recorrente pretende garantir através da decisão judicial, não há caso jugado, sob pena de a questão da preterição da audiência prévia e da violação do princípio da igualdade jamais ser apreciada e decidida, impedindo o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela Recorrente, o que relegou para ação autónoma - vide os artigos 133º e 134º da petição.

Pelo que, não se corrobora o entendimento da sentença, qual seja o de que a “concreta pretensão que a autora pretende garantir através da decisão judicial a emitir nos presentes autos é que lhe seja reconhecido que a mesma poderia iniciar a atividade do centro de inspeções em causa e que se lhe mantenha a validade da autorização para o exercício da atividade de inspeção de veículos desde 01/08/1994”.

O pedido de revogação apresentado pela Recorrente assenta ou tem por base o conhecimento superveniente da ocorrência de um tratamento desigual em relação à pretensão da Recorrente, ou seja, a Recorrente, no início de 2007, teve conhecimento que o Autor do despacho de 28.01.1995, propôs, posteriormente, ao então Secretário de Estado da Administração Interna, a aprovação do início da atividade e concomitantemente a abertura de outros centros de inspeção que, à data da entrada em vigor do DL 190/94, de 18 de julho, não reuniam os requisitos necessários à sua aprovação e de lhes ter sido autorizado o funcionamento - vide artigos 82º a 84º da P.I., o que constitui, conforme transcrição feita no facto provado em 20 uma ilegalidade por violação do referido princípio constitucional -princípio da igualdade.

E, sobre esta questão (violação do princípio da igualdade), a Recorrente entende que a deliberação impugnada não está suficientemente fundamentada, tecendo abundantes alegações sobre tal temática na petição inicial - vide artigos 22º a 30º, 98º e 99º, 104º, 105º e 106º, 124º,125º, 126º, 127º, 128º a 131º.

O Tribunal a quo considerou que a questão da violação do princípio da igualdade já teria sido apreciada e decidida no processo nº 2032/08.1BEPRT.

Sucede, tal como consta da transcrição feita no ponto 18 do probatório, que no processo nº 2032/08.1BEPRT, foi verificada a exceção de caso julgado apenas em relação a parte dos fundamentos, constando expressamente da sentença o seguinte:
Restam, apenas os fundamentos invocados em 69º a 74º da p.i., que se concretizam na circunstância de a Entidade Demandada ter autorizado, em momento posterior à prolação do despacho impugnado, outros Centros de Inspecção que se encontravam em situação similar à da A., a iniciar a sua actividade; o que, no entender da A., configuraria uma violação do conteúdo essencial do direito fundamental à igualdade, e dos princípios gerais por que se deve reger toda a actividade administrativa (arts. 3º, 5º, 6º e 6º-A do C.P.A., e art.º 266º, n.º 2 da C.R.P.). Relativamente a estes fundamentos - e tendo presente a tese de que a causa de pedir, pelo menos no domínio do anterior contencioso administrativo, corresponde a cada um dos vícios invocados que assim, e por si só, configuram, cada um deles, uma causa de pedir autónoma (…) - não se verifica verdadeira identidade quanto à causa de pedir. Nesta medida, relativamente ao concreto fundamento em apreço, fica por preencher integralmente o requisito da identidade das causas de pedir, de que depende a procedência da excepção de caso julgado. (sublinhado nosso).

No processo nº 2032/08.1BEPRT foi anulado o despacho de 23.05.2008, por verificação dos vícios de forma: omissão do dever de pronúncia e falta de fundamentação - facto provado em 19.

A omissão de pronúncia respeita exatamente ao pedido de revogação formulado em 03.05.2007, em que a Recorrente invoca o tratamento desigual em relação a outros centros de inspeções.

Ora, tendo sido a Entidade Demandada condenada na prática de novo acto sem os indicados vícios, significa que estava obrigada a apreciar e a conhecer da questão do tratamento desigual.

Como bem argumenta a Recorrente, não faria qualquer sentido anular o despacho anterior com o fundamento na omissão de pronúncia sobre a questão do tratamento desigual e, posteriormente, aquando da impugnação do ato proferido no lugar daquele, considerar que tal questão já foi apreciada e decidida, pelo que, há uma contradição insanável que afasta, desde logo, a verificação da exceção de caso julgado em relação à violação do princípio da igualdade.

E inexiste também caso julgado em relação ao objeto e aos pedidos.

Tal como consta da sentença recorrida, a exceção do caso julgado tem como pressuposto a existência de uma repetição da causa, quanto às partes, pedido e causa de pedir.

As ações em comparação são o recurso nº 40921 do STA (Acórdão de 30.09.1998) e o processo nº 2032/08.1BEPRT que correu termos pelo TAF de Braga.

Conforme o que se deixou dito, quanto a cada um dos vícios invocados, não há caso julgado, bem como não há se considerarmos a pretensão concreta da Recorrente.

Além disso, falta a identidade de causa de pedir.

É que no recurso do STA (recº nº 40921) foi impugnado o despacho do Diretor Geral de Viação de 28.01.1995 de “concordo” aposto sob a informação nº 67 DSVCRDV de 26.01 que propôs o indeferimento do pedido de início de atividade (vide factos provados em 6 e 7) e no processo 2032/08.1BEPRT foi impugnada a deliberação de 23.05.2008.

No processo nº 2032/08.1BEPRT foram formulados os seguintes pedidos:
“a) A declaração da nulidade e/ou inexistência do acto administrativo produzido, em 23.05.08, pelo Conselho Directivo do IMTT, IP, por violação do disposto na alínea b) do nº 2, do artº. 133º do C.P.A.; ou, caso assim se não entenda b) A anulação daquele mesmo acto administrativo, por vício de violação de lei, designadamente nos artºs. 9º., alínea c), do 66º, nº.1, do 68º, 107º, 123º, 124º e 125º do C.P.A. e ainda o nº.3 do artº. 268º da C.R.P.; c) A declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo proferido em 28.01.95, pelo Sr. Director-geral de Viação, por o mesmo ofender gravemente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da Igualdade e da Justiça e os princípios gerais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade e da boa fé, consagrados nos artºs. 13º e nº2, do 266º da C.R.P. e nos 3º, 5º, 6º e 6º A do C.P.A., violando assim o disposto na alínea d) do nº.2, do artº. 133º do C.P.A., e ainda por ser humanamente impossível em doze dias seguidos construir instalações para o exercício da actividade de inspecções periódicas, quando o prazo estabelecido com a Administração era de 6 a 8 meses, o que viola o disposto no nº. 1, do artº. 133º do C.P.A. d) A condenação do R., através dos órgãos competentes, na aprovação para início de actividade do centro de inspecções da A., sito em (...), a praticar em trinta dias – ou no prazo porventura considerado mais adequado - e no mesmo prazo manter a validade da autorização para o exercício da actividade de inspecção de veículos concedida pelo Despacho SEAI nº. 106, de 01.08.1994, publicado na IIª Série do “DR” nº.196, de 25.08.94. e) A fixação de sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento do dever de praticar os actos referidos na alínea anterior.

Comparando com o recurso do STA, apenas poderia, em tese, haver alguma identidade em relação ao pedido formulado na alínea c).

Contudo, em sede de despacho saneador, em relação ao pedido subsidiário formulado na alínea c), (A declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo proferido em 28.01.95, pelo Senhor Diretor-geral de Viação) o TAF de Braga, no processo nº 2032/08.1BEPRT, pronunciou-se sobre a exceção de caso julgado e julgou-a formada no recurso do STA relativamente a parte dos fundamentos que servem de base a este pedido - vide facto 18.

De sublinhar ainda que a exceção de caso julgado apenas ocorre em relação a parte dos fundamentos, constando expressamente da sentença o seguinte (vide transcrição):
Restam, apenas os fundamentos invocados em 69º a 74º da p.i., que se concretizam na circunstância de a Entidade Demandada ter autorizado, em momento posterior à prolação do despacho impugnado, outros Centros de Inspecção que se encontravam em situação similar à da A., a iniciar a sua actividade; o que, no entender da A., configuraria uma violação do conteúdo essencial do direito fundamental à igualdade, e dos princípios gerais por que se deve reger toda a actividade administrativa (arts. 3º, 5º, 6º e 6º-A do C.P.A., e art.º 266º, n.º 2 da C.R.P.). Relativamente a estes fundamentos - e tendo presente a tese de que a causa de pedir, pelo menos no domínio do anterior contencioso administrativo, corresponde a cada um dos vícios invocados que assim, e por si só, configuram, cada um deles, uma causa de pedir autónoma (…) - não se verifica verdadeira identidade quanto à causa de pedir. Nesta medida, relativamente ao concreto fundamento em apreço, fica por preencher integralmente o requisito da identidade das causas de pedir, de que depende a procedência da excepção de caso julgado.
Assim sendo, mesmo em relação ao pedido formulado na al. c), com o fundamento na violação do princípio da igualdade, não se verificou a existência de caso julgado, dado que tal questão não foi apreciada e decidida no âmbito do recurso no STA.
Em relação aos presentes autos também não existe identidade de objetos, pois que o acto impugnado é outro e nem há identidade de pedidos e muito menos de causa de pedir, conforme o acima consignado.

Os pedidos formulados nos presentes autos são:

a) – A nulidade e/ou inexistência do acto administrativo produzido, em 28-11-2013, pelo Conselho Directivo do IMT, IP, por violação do disposto na alínea d), do nº. 2, do art.º. 133º do C.P.A.; ou, caso não seja esse o Douto Entendimento b) A anulação daquele mesmo acto administrativo, por vício de violação de lei, designadamente o disposto nos artºs. 3.º, 5.º, 6.º, 6.º-A, 9.º, 100.º, 107.º, 124, n.º 1, a) e c) e 125.º do CPA, 1.º, 2.º, 13.º, 266.º e 268.º da CRP; c) A nulidade e/ou inexistência do acto administrativo proferido em 28.01.95, pelo Sr. Director-Geral de Viação, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº. 2, do artº. 133º do C.P.A., por o mesmo ofender gravemente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da Igualdade, da Justiça e da Boa Fé e os princípios gerais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade e da boa fé consagrados nos artºs. 13º e nº 2, do 266º e 268.º da C.R.P. e nos 3º, 5º, 6º e 6º A do C.P.A.; d) A condenação do R., através dos órgãos competentes, na aprovação para início de actividade do centro de inspecções da A., sito em (...), a praticar em trinta dias – ou no prazo porventura considerado mais adequado - e no mesmo prazo manter a validade da autorização para o exercício da actividade de inspecção de veículos concedida pelo Despacho SEAI nº. 106, de 01.08.1994, publicado na IIª. Série do “DR” nº. 196, de 25.08.94. e) A fixação de sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento do dever de praticar os actos referidos na alínea anterior, tendo em conta os antecedentes do R. ao não cumprir voluntariamente as obrigações que lhe são impostas.

Apenas, em tese, poderia haver identidade em relação ao pedido formulado na al. c) A nulidade e/ou inexistência do acto administrativo proferido em 28.01.95, pelo Sr. Director-Geral de Viação, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº. 2, do artº. 133º do C.P.A., por o mesmo ofender gravemente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da Igualdade, da Justiça e da Boa Fé e os princípios gerais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade e da boa fé consagrados nos artºs. 13º e nº 2, do 266º e 268.º da C.R.P. e nos 3º, 5º, 6º e 6º A do C.P.A.
Tal como também observado pela Recorrente, no recurso do STA a violação do princípio da igualdade não foi apreciada e, no processo nº 2032/08.1BEPRT, por falta de elementos sobre tal questão, o Tribunal a quo considerou-se impedido de conhecer o pedido de condenação à prática do ato devido.

Em suma:
-O caso julgado (e a litispendência) têm por base um mesmo fenómeno: “a repetição de uma causa”. No entanto, apenas há lugar a litispendência quando a causa se repete estando a anterior ainda em curso; já existirá caso julgado se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, como no caso em análise;

-A questão de saber quando é que se repete uma causa, para efeitos de verificação das exceções de litispendência e caso julgado, encontra resposta no artigo 581º/1 do CPC, nos termos do qual se estabelece que a causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto: aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir;
-Esta excepção visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (Acórdão do TRG de 17/12/2015, proferido no proc. 7469/12.1TBBRG-J.G1);
-O artº 581º do CPC define cada um dos requisitos do caso julgado da seguinte forma:
“1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico;

-Quanto à identidade de sujeitos, remete a lei para a qualidade jurídica das partes. Tem entendido a jurisprudência que “as partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial” (Acórdão do TRC de 12/06/2012, proc. 765/11.4TBCTB.C1), não sendo exigível uma correspondência física dos sujeitos nas duas ações e sendo indiferente a posição que os sujeitos assumam em ambos os processos;

-Apetrechados com a definição inserta no artigo 581º/3 do CPC, importa indagar se há identidade do pedido. A lei diz ocorrer identidade de pedido quando nas duas causas se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Tal significa que identidade do pedido não quer dizer pedido igual, mas sim que a identidade se concretiza no alcance do mesmo efeito jurídico, o qual se traduz pela identidade de providência jurisdicional solicitada pelo autor (Acórdão deste TCAN de 15/01/2015, proc. 01291/14.5BEPRT);

-A identidade de pedidos impede tanto que um mesmo autor venha em nova ação renovar um pedido já efetuado em ação anterior, como que a parte venha em acção posterior procurar obter um efeito incompatível com esse pedido efetuado em ação anterior;

-Conforme se sentenciou no Acórdão do TRG de 22/05/2014, proferido no proc. 98/08.3TBCBT-C.G1 “Fala-se do efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida”.

-Como ensina Manuel de Andrade, “se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu”, cobrindo, assim, o caso julgado, “o deduzido e o dedutível”;

-Se os efeitos do caso julgado se encontram expressamente vertidos na lei - absolvição do réu da instância - o mesmo não se poderá dizer acerca da autoridade do caso julgado, mercê da sua origem doutrinária e jurisprudencial;

-O Supremo Tribunal de Justiça tem extraído da autoridade do caso julgado fundamento para a absolvição da instância - vide o Acórdão proferido em 10/10/2012, no âmbito do proc. 1999/11;

-In casu, pese embora a identidade das partes: - a Autora é a mesma e a Entidade Demandada (quer na presente acção quer naquela que correu termos sob o n° 2032/08) é tida, para estes efeitos, como a mesma, tendo presente que o IMTT, IP, sucedeu à antiga DGV, por força do disposto no art°16° do DL 147/2007, de 27 de abril, no que concerne às atribuições em matéria de condutores e de veículos -, certo é que nem os pedidos nem as causas de pedir são iguais, não se verificando, por isso, a excepção de caso julgado.

Procedem, assim, as conclusões da peça processual da Apelante.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso
, revoga-se o aresto e determina-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo a fim de seguir a demais tramitação processual, caso a tal nada mais obste.
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Custas pelo Réu/Recorrido.
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Notifique e DN.
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Porto, 05/02/2021


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas