Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02154/17.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/19/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL;
ACIDENTE DE VIAÇÃO;
ATRAVESSAMENTO DE ANIMAL;
Sumário:I- A Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, veio definir direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares.

II- A imposição de assegurar as condições de segurança em lanço rodoviário concessionado integra uma obrigação reforçada de meios.

III- Só o “caso de força maior devidamente verificado” exonera a concessionária da sua obrigação de garantir a circulação nas autoestradas em condições de segurança, pelo que, para afastar a presunção de culpa estabelecida no mencionado art. 12º, nº. 1, al. c) da Lei nº 24/2007, terá a concessionária de provar a ocorrência de um acontecimento concreto que integre o conceito de força maior, ou seja, de um “acontecimento imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária”.

IV- Não conseguindo a R. a forma como o dito canídeo entrou na autoestrada, por forma a imputar a sua proveniência a terceiros ou a caracterizá-lo como um eventual caso fortuito, e que não podia ter adotado conduta diferente daquela que adotou, isto é, não logrando a R. provar factualidade de onde se possa concluir que cumpriu as exigências de diligência na sinalização e remoção dos obstáculos existentes na via e, por conseguinte, não foi ilidida a presunção de incumprimento que sobre si impendia relativamente ao aludido dever de vigilância, não tendo resultado provados factos suficientes que permitam concluir que a mesma atuou com a diligência que lhe era exigida.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

* *
I – RELATÓRIO
1. [SCom01...], S.A., melhor identificada nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA nos quais é Autor «AA», vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, em 05.12.2022, julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou “(…) a Ré [SCom01...], SA e a Interveniente, [SCom02...], Limited Sucursal em Portugal na proporção da responsabilidade decorrente do contrato de seguro, no pagamento ao Autor da quantia de € 4.808,04 (quatro mil oitocentos e oito euros e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. (…)”.
2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…)
I. A decisão sobre a matéria de facto fica claramente aquém, quer do ponto até onde deveria ter ido, quer da prova que os autos revelam, particularmente quanto aos factos provados n°s. 15, 16 e 18, cujas respostas pecam por nitidamente escassas (ou, pelo menos, por muito insuficientemente “explicadas”), mas também porque incorreu em clara omissão de pronúncia no que se refere pelo menos à matéria de facto constante designadamente dos itens 21° e 22° da contestação da R./recorrente;
II. Além disso, e nessa mesma linha, a R./recorrente discorda da circunstância de ter sido dado como não provado o ponto 1 dos factos não provados (e, de resto, o único que se entendeu merecer aquela resposta negativa); 
III. Com efeito, desde logo quanto a este último, e contrariando até de certo modo o que se diz na fundamentação a esse respeito, resulta indiscutível do depoimento de «BB» que aquela matéria de facto, oportunamente alegada na peça processual da R., que aquela factualidade deve ser expurgada do “local” onde se encontra e fazer a “viagem” para o “local” diametralmente oposto (factos provados), posto que não resta a mínima dúvida daquele depoimento que a vedação foi inspecionada logo depois do sinistro dos autos e, mais que isso, que estava se apresentava em boas condições de segurança e conservação, tal como alegado pela R.;
IV. Por isso, sugere-se que a redação daquela matéria de facto, a inscrever, como dito, e em face da prova inequivocamente lograda, no rol dos factos provados passe a ser a seguinte:
- provado que “À data do acidente, e numa extensão de 1 Km em cada um dos sentidos de trânsito, as vedações da auto-estrada, no local do sinistro, encontravam-se em bom estado de segurança e conservação.”;
V. Depois, tendo por base este depoimento citado e parcialmente transcrito, mas também aqueloutro de «CC» (que vai, do mesmo modo, parcialmente transcrito nestas linhas), conclui-se muito facilmente que o ponto 18 dos factos provados peca por nítido defeito e não retrata na sua integralidade o labor probatório que, a tal propósito, a R./recorrente logrou fazer/conseguir, motivo pelo qual se sugere que a respectiva seja alterada para a seguinte:
- provado que “As vedações mencionadas no ponto antecedente, bem como aquelas de toda a auto-estrada A..., são vistoriadas anualmente, de acordo com o previsto no plano de controlo de qualidade.”;
VI. Do mesmo modo, tendo por base aquele depoimento de «CC», mas igualmente a prova “legal” (cfr. p. ex. a alínea f) do n° 4 da Base LV do DL n° 248- A/99, de 06.07, na redação aplicável do DL n° 109/2015, de 18.06 que, curiosamente, a sentença nem sequer a tal alude), é evidente que o ponto 15 dos factos provados merece nitidamente ter a seguinte redação:
- provado que “A Ré [SCom01...] efetua patrulhamentos na via concessionada referida no ponto 1 (A...), organizados em três turnos diários, utilizando, para o efeito, viaturas próprias que circulam em ambos os sentidos, tudo de acordo com o manual de operação e manutenção previsto no diploma legal que rege a concessão e aprovado pelo concedente.”;
VII. Acresce que o ponto 16 dos factos provados não foi corretamente decidido (peca mais uma vez por escasso) pela sentença do tribunal a quo, pelo que, de harmonia com o também parcialmente transcrito depoimento de «DD», o mencionado item da matéria de facto deve ter a seguinte redação:
- provado que “O último patrulhamento antes do sinistro dos autos, naquela via, faixa de rodagem e sentido de trânsito, teve início às 15h15m e passou no local do sinistro cerca das 15h28m, não tendo então sido detetado nenhum animal naquele local.”;
VIII. Por outro lado, e a não ser que se pense que isso não assume qualquer interesse, nomeadamente pela circunstância de se entender (muito erradamente, no entanto, adianta-se desde já) que a responsabilidade aqui em avaliação (da concessionária) é objetiva, sem culpa, pura e simplesmente não é possível perceber p. ex. que ilações podem ser tiradas dos “singelos” (sobretudo com a redação que a sentença escolheu) factos provados n°s. 15 e 16 dos factos provados se nem sequer se tem, por assim dizer, um “termo de comparação” uma unidade de medida” que permita avaliar, no caso concreto, se o “desempenho” da concessionária R. foi ou não o adequado (o legalmente adequado, acrescente-se);
IX. Ora, mais uma vez de harmonia com o depoimento de «CC» e bem assim do doc. n° ... junto com a contestação (mas também com o apoio incontornável da citada Base LV, n° 4, alínea f) do diploma legal relevante), concluiu-se muito facilmente que o tribunal a quo devia ter “olhado” para a prova produzida (e antes, evidentemente, para a alegação da R.) quanto aos artigos 21° e 22° da contestação nos seguintes termos:
- provado que “A R. obrigou-se a efetuar patrulhamentos no mesmo local com o intervalo máximo de quatro horas.”.
Segue-se que
X. A conclusão que se pode tirar da fundamentação da sentença do T. A. F. de Braga é que, sem que se perceba porquê, a R./recorrente, para além de ter sido ignorada a legislação especial que manifestamente se aplica in casu e se aplica, quer nas relações com o concedente, quer nas relações com terceiros, como o A., foi condenada com base em duas ideias principais (ainda que não expressamente assumidas, diga-se assim), ou seja, numa ideia de ubiquidade a que supostamente esta R. estaria “obrigada” e também numa lógica (ideia) de responsabilidade objetiva que sobre si alegadamente impenderia;
XI. Com efeito, a sentença “preferiu” apoiar-se p. ex. no disposto no artigo 493° n° 1 do Cód. Civil, normativo esse que, nas (ainda hoje) certeiras palavras de Carneiro da Frada (loc. e ob. citadas) tem claramente o seu terreno de eleição e de aplicação quando se trata de danos causados pela própria coisa, “pelo específico perigo da própria coisa” (leia-se: a auto-estrada propriamente dita) e não já quando “(...) o evento danoso se tenha dado “com” a coisa, “na” coisa ou com “ocasião” da coisa.”;
XII. No entanto, nenhuma dessas ideias/afirmações/fundamentos tem consagração legal, sendo que também não se conhece (e também não se vê como podia ser isso possível) qualquer “histórico” jurisprudencial que defenda, “preto no branco”, que as concessionárias devem ser omnipresentes, por um lado, e que a sua responsabilidade é objetiva, por outro;
XIII. E pior ainda, salvo, evidentemente, o devido respeito, é a circunstância de se persistir de forma completamente infundada numa linha que se pode resumir, em traços gerais, na ideia errada (legalmente insustentável) de que alegadamente a R. teria de provar que não teve culpa no sinistro (e nas suas várias “variantes” mais ou menos imaginativas, como p. ex. aquela de ter de provar por onde ingressou o animal na via).
Posto isto,
XIV. A sentença não valorizou devidamente (e como se impunha) a matéria de facto e particularmente aquela que a R., ora recorrente, logrou provar, ou seja, os pontos 15, 16, 17 e 18, bem como aqueles factos que, de acordo com a primeira parte deste recurso, devem constar do acervo a considerar na decisão, decisão essa que - insiste-se - devia ter sido norteada designadamente pelo disposto na Base LXXIII do diploma legal relevante, mas também na Base LVIII - A, ambas mostrando à saciedade qual é afinal o “conteúdo”, definição e limites das “famosas” obrigações de segurança (previstas, como inegável conceito indeterminado, no artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho) que à R. cumpria observar e demonstrar/provar na situação sub judice concreta, tanto perante o concedente, como sobretudo perante o A. (terceiro); 
XV. Ora, muito diversamente do concluído na sentença (“verificou-se a omissão de deveres de cuidado e vigilância”, devendo ainda ser notado, não sem curiosidade, que toda a jurisprudência citada na sentença em suposto apoio da decisão nesta parte diga respeito a situações de facto/sinistros ocorridos em data anterior ao início de vigência, no ano de 2015, da actual redação do DL n° 248-A/99, de 06.07, e particularmente daquelas duas Bases LXXIII e LVIII - A citadas e transcritas no corpo das alegações), não sobra a mínima dúvida que a R./recorrente cumpriu de forma clara e inequívoca no caso concreto (e disso fez incontornável prova) com as obrigações de segurança a seu cargo;
XVI. Com efeito, e salvo o respeito devido, em vez de o fazer optou por “embarcar” numa linha de argumentação “redonda” e inconsistente, argumentação essa não concreta, não concretizável e sobretudo irrazoável que, além do mais, não tem o mínimo apoio legal, mormente na legislação especial relevante (insiste-se: do Decreto- Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, na redação em vigor à data do sinistro);
XVII. De forma que não é certamente ao “sabor das conveniências argumentativas” ou da ideia (do “achismo”) que se possa ter sobre o que será eventualmente correto e/ou justo que nos temos de movimentar em matéria de fundamentação de direito, mas é antes atendo-nos ao direito (positivo) e legislação especial à qual não se pode deixar de atender (e com primazia/prevalência, de resto), o que manifestamente não aconteceu com esta sentença;
XVIII. Curiosamente, a “evolução” que tem vindo a registar aquele diploma legal, em especial, e para o que aqui interessa, aquelas Bases LXXIII e LVIII - A (redação do DL n° 109/2015, de 18 de junho) que preveem claramente uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu n° 2, mostra-nos até que p. ex. a periodicidade dos patrulhamentos passou a obedecer a critérios “mais largos” ou “menos apertados” (uma periodicidade de 4 em 4 horas em vez de 3 em 3 horas e sem obrigatoriedade de patrulhamento durante o turno nocturno entre as 23 h e as 7 h), sem que se tenha deixado cair (leia-se: retirado do texto legal) o advérbio de modo - permanentemente (cfr. Base XLIV) - de que frequentemente se lança mão como argumento;
XIX. Ora, considerando que se trata de avaliar, neste como em qualquer outro acidente ocorrido numa auto-estrada concessionada, nomeadamente em que consistem (e qual será, por assim dizer, o respectivo conteúdo) as obrigações de segurança cuja demonstração de cumprimento lhe cabe, entende a R. que esta alteração às mencionadas Bases LXXIII e LVIII - A é também claramente interpretativa e deve ser vista como um importante - decisivo mesmo - contributo para uma avaliação/interpretação necessariamente mais correta e mais conforme à lei (mesmo em sinistro ocorridos antes de 18 de junho de 2015), o mesmo é dizer ao “preenchimento do conteúdo e dos limites” do que são as obrigações de segurança previstas no artigo 12° n° 1 da Lei n° 24/2007, de 18 de julho;
XX. Sucede, porém, que a sentença não o fez, “preferindo” um raciocínio e uma linha de argumentação/fundamentação que não tem o mínimo suporte legal e que não permite sequer (por nítida falta de informação/concretização) que se possa perceber em que circunstâncias concretas (e não, aqui sim, meramente “genéricas”) poderia a R. legitimamente (sim, porque é natural que tenha essa expectativa) aspirar a ser absolvida do pedido formulado.
Dito isto,
XXI. Sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a auto-estrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na auto¬estrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, na realidade (ainda que não o diga de forma expressa), considerou a sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais;
XXII. O artigo 12° n° 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação e à conformidade desta com as normas em vigor e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro nos moldes (leia-se: dentro do intervalo temporal que estava obrigar a respeitar antes da eclosão do sinistro) que lhe podiam ser exigíveis;
XXIII. Efetivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações ali instaladas eram aquelas que ali deviam estar, que são objecto de uma inspeção anual a que a R. estava/está obrigada perante o concedente e perante os utilizadores da autoestradas (o que aconteceu, aliás), ademais de se ter concluído (como “plus”, por assim dizer), no seguimento de um procedimento interno instituído pela R./concessionária, que as ditas vedações se encontravam intactas e sem ruturas nas imediações do local do acidente - e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./recorrente;
XXIV. A não ser assim - i. e., a situarmo-nos num plano em que acaba por se colocar (mesmo que de forma pouco ou nada esclarecida) a sentença em matéria de exigência probatória (p. ex. de ter de se provar por onde o animal entrou na AE ou então provar a acção de terceiro, cairíamos necessariamente - lá está outra vez - no âmbito da responsabilidade objetiva, na prova impossível (e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica) para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na lei citada;
XXV. É, por isso, visível que o raciocínio seguido pela sentença é, salvo o devido respeito, nitidamente especulativo, pois que, e como também diz - e bem - Carneiro da Frada (ob. e loc. cit.), “Longe demais parece ir a tese segundo a qual a presunção de culpa que o art. 493.° n.° 1 lança sobre o obrigado à vigilância da coisa apenas se logra afastar demonstrando positivamente um caso de força maior ou identificando historicamente a ocorrência da (concreta) causa — alheia à concessionária — que esteve na origem de um acidente danoso em auto-estrada. Semelhante tese absolutiza a presunção. Observe-se de passagem que o teor do art. 493.° n.° 1 é bem diferente, por exemplo, do art. 505.°, que, esse sim, apenas admite a exclusão da responsabilidade quando o acidente é imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de caso de força maior.”;
XXVI. Não obstante, ainda importa recordar que não é minimamente exato que a R. tivesse de demonstrar que o sinistro “(...) se teria verificado ainda que não houvesse culpa sua (...)” (e aqui se nota a diferença bem visível para o disposto e inaplicável in casu artigo 493°, n° 1 do Cód. Civil), que nem poderia/pode a sentença partir claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação?), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença de animais na via (como p. ex. mercê das suas “capacidades” e “características” - tais como saltar, trepar, voar, forçar, escavar, etc. - e independentemente, portanto, da vedação e do seu bom estado que a R. demonstrou), além de que convirá não esquecer que a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo) da sua missão de vigilância e patrulhamento;
XXVII. De modo que, e não podendo a recorrente (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico e totalmente indiscutível que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios. E não, portanto, obrigações de resultado, como acaba por concluir - sem o dizer da forma clara que se lhe imporia, no entanto - a sentença do T. A. F. de Braga (e isto sim, ou seja, a natureza das obrigações da concessionária, merecia uma outra análise bem mais ponderada por parte do tribunal, o que, como se vê, não sucedeu);
XXVIII. De resto, não sendo possível à recorrente evitar em absoluto que os animais ingressem na AE (cfr. outra vez Carneiro da Frada, “Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, setembro de 2005, pgs. 407 - 433, mas também do mesmo autor, agora com a colaboração de Diogo A. Costa Gonçalves, o mais recente “Diligência e prova de cumprimento das obrigações da concessionária em acidentes de viação ocorridos em autoestradas”, págs. 155 - 202, integrado na publicação do Instituto Jurídico da F. D. U. C. intitulada “Responsabilidade Civil. Cinquenta Anos em Portugal, Quinze Anos no Brasil”) e, face ao que ficou provado e também ao que decorre do diploma legal que versa sobre a sua concessão, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu de forma positiva, em concreto, com todas as suas obrigações, designadamente aquelas de segurança;
XXIX. Por outro lado, e ademais de se recordar que a verificação dos pressupostos/requisitos da responsabilidade extracontratual prevista na Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro é (obrigatória e inegavelmente) cumulativa e bem assim da constatação (legal também) que inexiste culpa da R. neste caso e muito menos que esta R. não tem de fazer prova que não teve culpa no acidente e também não tem de provar p. ex. por onde ou de que modo acedeu o animal à via (cfr., outra vez, Manuel A. Carneiro da Frada, ob. cit.), impõe-se a conclusão e a decisão de que falha inegavelmente neste caso também o requisito da ilicitude (dado que não se apurou - bem pelo contrário, aliás - nenhuma acção ou omissão da R. que tivesse violado “(...) disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares (...)” ou que tivesse infringido “(,..)regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado (...)”), razão pela qual falha inevitavelmente qualquer possibilidade de à R. poder ser assacada a responsabilidade pela eclosão do sinistro dos autos;
XXXI. Tudo visto, a sentença violou, salvo o devido respeito, artigo 12° n° 1 da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, mas igualmente o que se dispõe nas Bases LXXIII e LVIII - A do Decreto-Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, na redação aplicável, os artigos 483° e 487° n° 2 do C. C. e ainda os artigos 7°, 9° e 10° do RRCEEP (Decreto-Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro), razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra douta decisão que absolva a recorrente do pedido formulado pelo A.. (…)”.
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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido «AA» não contra-alegou.
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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não exerceu a competência prevista no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
8. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir consistem em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro[s] de julgamento (i) de facto e (ii) de direito, este último por violação do “(…) artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de julho, mas igualmente o que se dispõe nos nºs. 1 e 2 da Base LXXIII e na Base LVIII – A do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de julho, na redação do Decreto-Lei nº 109/2015, de 18 de julho e ainda os artigos 7º, 9º e 10º do RRCEEP (Decreto-Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro) e os artigos 483º e 487º nº 2 do C. C.
9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
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III.1 – DO[S] ERRO[S] DE JULGAMENTO DE FACTO
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10. A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pela Recorrente.
11. Vejamos.
12. A lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige, desde logo, o cumprimento do ónus processual preconizado no artigo 640º do CPC.
13. De facto, e no que concerne à sua legal admissibilidade, ressuma com evidência do preceituado no nº. 2 do artigo 640º do CPC que, “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
14. Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 04.12.2015, no processo nº. 418/12.6BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:”(…)
Como resulta do art.º 640, nºs. 1, b) e 2, a), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar (dá-se aqui uma “ênfase redundante” nas palavras de Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, 5º edição, pág. 167), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Tem por objectivo responsabilizar as partes (princípio da auto-responsabilidade das partes), vedando-lhes a impugnação a decisão da matéria de facto como uma mera manifestação de inconformismo infundado – cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, Almedina, p. 159 – bem como garantir, para além do contraditório, a cooperação processual entre as partes e o Tribunal.
Cfr. Ac. RL, de 26-03-2015, proc. nº 183/13.0TBPTS.L1-2 [destaque nosso]:
«(…) o art. 640.º do CPC fixa o ónus de alegação a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto.
Desse ónus, consta, designadamente, a especificação obrigatória dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640.º, n.º 1, do CPC).
O estabelecimento desse ónus de alegação destina-se, fundamentalmente, a proporcionar o efetivo contraditório da parte contrária e, por outro lado, a facilitar a compreensão e decisão da impugnação pela Relação, que pode modificar a decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC.
O incumprimento de tal ónus de alegação implica, sem mais, a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art. 640.º, n.º 1, do CPC).».
Conforme se sumaria no Ac. deste TCAN, de 22-05-2015, proc. nº 132/10.7BEPNF [destaque nosso]:
I) – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente: (i) sob pena de rejeição, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (ii) sob pena de imediata rejeição na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados.
De igual forma no Ac. deste TCAN, de 28-02-2014, proc. nº 00048/10.7BEBRG [destaque nosso]:
I. Resulta do art. 685.º-B do CPC que quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição do recurso, não só os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.
Igualmente no Ac. deste TCAN, de 22-10-2015, proc. nº 1369/04.3BEPRT, se lembra [destaque nosso]:
«Como já salientámos em casos idênticos (v. Acórdão do TCAN, de 22.05.2015, P. 1224/06.2BEPRT), as competências dos Tribunais Centrais Administrativos em sede de intervenção na decisão da matéria de facto encontram-se reguladas, por força da remissão do artigo 140.º do CPTA, nos artigos 640.º e 662.º do CPC/2013, que acolheram um regime que, de um lado, assume a alteração da matéria de facto como função normal da 2.ª instância e, do outro, não permite recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas admite a possibilidade de revisão de “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente” (v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 2014, 130). Neste contexto, recai sobre o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, por um lado, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, por outro, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos que entende que deviam ter sido dados como provados ou não provados, incluindo a indicação exata das passagens da gravação, no caso de depoimentos gravados (artigo 640.º do CPC) (…)”.
15. Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão deste T.C.A.N. de 17.01.2020 [processo n.º 141/09.9BEPNF], consultável em www.dgsi.pt:
“(…) Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 155 sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.
É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”(…)”.
16. Deste modo, à luz de tudo o quanto se vem de expender, haverá que se entender que a lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige que o Tribunal Superior seja confrontado com (i) os concretos pontos que, no entender do Recorrente, se mostram como incorretamente julgados; (i.1) a indicação do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida; (i.2) a definição da decisão que, no entender daquele, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e a (i.3) expressa de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
17. Cientes do que se vem de expor, importa agora analisar a situação sob apreciação aferindo do cumprimento do ónus processual supra sintetizados, e, mostrando-se necessário, do acerto da matéria de facto sob impugnação.
18. E, nesse domínio, dir-se-á que a Recorrente faz expressa referência aos pontos de facto que, no seu entender, se mostram como incorretamente julgados, motivando, na exigência de lei, tal entendimento, ou seja, com definição do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida, que define objetivamente, e com expressa de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
19. O que serve para concluir que a Recorrente cumpre adequadamente o ónus de impugnação preconizado no nº. 2 do artigo 640º do C.P.C, nada obstando, por isso, à reapreciação da matéria de facto impugnada no recurso quanto àqueles concretos factos e com base nos referidos elementos probatórios.
20. Importa, por isso, aferir do acerto [ou desacerto] da matéria de facto sob impugnação.
21. Do preceituado no nº.1 do artigo 662º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, ressuma com evidência que este Tribunal Superior deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa.
22. Na interpretação desta normação de lei ordinária, decidiu-se no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02.11.2017, o seguinte:
“(…) o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. (...)
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. (...).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância. Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.
Em suma, na reapreciação das provas em segunda instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em primeira instância, mas verificar se a convicção expressa no tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento (…)”.
23. Posição que se acolheu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 27.11.2020, tirado no processo nº. 01291/14.5BEAVR:
“(…) Nesse domínio, impõe-se precisar que da conjugação do regime jurídico previsto nos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC ex vi art. 1º do CPA, é pacífico o entendimento que perante o direito positivo processual vigente, sempre que esteja em causa a impugnação do julgamento da matéria de facto em relação a facticidade cuja prova ou não prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos ao princípio da livre apreciação, a 2.ª Instância tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados pelo apelante no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade, “devendo alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência” Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 273 e 274; Acs. STJ de 14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI..
No entanto, para que ao tribunal ad quem seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, nos termos do art. 662º, n.º 1 do CPC, não basta que a prova indicada pelo apelante, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal ad quem, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento de facto diverso, mas antes que o determine, isto é, que o “imponha”.
Essa exigência legal fixada pelo mencionado n.º 1 do art. 662º decorre da circunstância de se manterem em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
Deste modo, apesar de serem de rejeitar as teses que defendem que a modificação da decisão de matéria de facto apenas está reservada para os casos de “erro manifesto” e, bem assim aquelas que sustentam não ser permitido à 2.ª Instância contrariar o juízo formulado pela 1ª Instância relativamente a meios de prova que são objeto do princípio da livre apreciação da prova, importa ter presente que os princípios da livre apreciação da prova, da imediação, da oralidade e da concentração se mantêm vigorantes e que como decorrência dos mesmos e da consideração que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao juiz da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da sua convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final. Como tal, os poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Deriva do que se vem dizendo que após a 2.ª Instância ter feito esse seu julgamento autónomo em relação à matéria de facto impugnada pela apelante, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso”Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609 (…)”.
24. Reiterando esta linha jurisprudencial, tem-se, portanto, por assente que, perante a impugnação do tecido fáctico fixado em 1ª instância, impede sobre o Tribunal Superior a realização de um novo julgamento, encontrando-se a alteração da tecido fáctico fixado em 1ª instância apenas reservada para as situações em que a prova produzida imponha decisão diversa, o que não sucede quando o Tribunal ad quem, apreciada essa prova, propende antes para uma diferente convicção, contudo, não imposta pela prova produzida.
25. Realmente, inexistindo uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o Tribunal Superior terá que conceder na prevalência da decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
26. Cientes destes considerandos de enquadramento, importa, então, analisar a situação sob apreciação aferindo do acerto da matéria de facto sob impugnação.
27. Efetivamente, veio a Recorrente pugnar pela alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitiria que se desse como demonstrado o ponto nº.1 dos factos não provados, importando por isso proceder à alteração do probatório coligido nos autos por forma a que seja aditado o seguinte facto:
- “À data do acidente, e numa extensão de 1 Km em cada um dos sentidos de trânsito, as vedações da auto-estrada, no local do sinistro, encontravam-se em bom estado de segurança e conservação.”
28. De igual modo, e pelas mesmas razões, veio a Recorrente pugnar pela alteração da redação dos factos provados sob os nº.s 15, 16 e 18 para a seguinte redação:
- “A R. obrigou-se a efetuar patrulhamentos no mesmo local com o intervalo máximo de quatro horas”
- “O último patrulhamento antes do sinistro dos autos, naquela via, faixa de rodagem e sentido de trânsito, teve início às 15h15m e passou no local do sinistro cerca das 15h28m, não tendo então sido detetado nenhum animal naquele local.”
- “As vedações mencionadas no ponto antecedente, bem como aquelas de toda a auto-estrada A..., são vistoriadas anualmente, de acordo com o previsto no plano de controlo de qualidade.”
29. Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, são os factos ora pretendidos aditar ou alterar inócuos e insuficientes para - de per se, conjugados um com o outro, ou conjuntamente com os demais provados - alteraram a decisão da causa.
30. Com efeito, tal materialidade, ainda que aditada e alterada nos termos propostos pela Recorrente, seria inócua para alterar a decisão de mérito proferida, que repousa, fundamentalmente, no circunstancialismo emergente de não se mostrar elidida a presunção de culpa de incumprimento das obrigações de segurança que impedia sobre esta relativamente a acidente de viação decorrente de atravessamento de canídeo ocorrido no dia 22.01.2017, na A....
31. Efetivamente, nada ali nos permite concluir no sentido da elisão da referida presunção de culpa, ou seja, o sentido (i) do apuramento da responsabilidade exclusiva ou concorrencial da condutora na verificação do acidente; (ii) da determinação das circunstâncias que determinaram a presença do animal na via, nomeadamente a sua proveniência, por forma a imputar a sua proveniência a terceiros ou a caracterizá-lo como um caso fortuito; e, bem assim, do (iii) real cumprimento da obrigação por parte da Ré do dever de assegurar das condições de circulação em segurança, que, no caso particular de atravessamento de canídeos, - como veremos mais pormenorizadamente de seguida -, não se basta com a aquisição processual da eventual (iii.1) realização por parte da Ré de patrulhamento da via de circulação com cadência regular e/ou da (iii.2) verificação do estado de conservação das vedações.
32. E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação da Recorrente com recurso ao aditamento do quadro fáctico pretendido reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa.
33. Nestes termos, e com os fundamentos acima expendidos, improcedem o invocados erros de julgamento de facto.
*
34. Ponderado o acabado de julgar e o que demais se mostra fixado na decisão judicial recorrida temos, então, como assente o seguinte quadro factual: “(…)
1. A Ré [SCom01...], no âmbito da sua atividade, celebrou com o Estado Português um contrato de concessão, no âmbito do qual ficou responsável pela concessão da Autoestrada n.° ... (A...). (Facto não controvertido)
2. No dia 22.01.2017, pelas 18.45horas, o veículo automóvel, de marca BMW, e matrícula ....GSS, conduzido por «EE» seguia pela A..., no sentido ..., na faixa de rodagem à direita.
[(Cfr. doc. n.° ..., junto com a petição inicial (PI), e depoimento das testemunhas «EE» e «FF»]
3. O Autor, «AA», é proprietário do veículo identificado no ponto anterior.
(Cfr. doc. n.° ..., junto com a PI, e depoimento das testemunhas «EE» e «FF»).
4. O veículo de matrícula ....GSS seguia nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidos no ponto 2, quando, ao km 68,400, da A..., embateu num canídeo, que estava na faixa de rodagem onde circulava o ....GSS.
(Cfr. doc. n.° ..., junto com a PI e depoimento das testemunhas «EE» e «GG»)
5. Ao km 68,400 - local do embate -, a A... apresenta-se com um traçado em curva suave com inclinação descendente.
(Cfr. doc. n.° ..., junto PI)
6. A condutora do ....GSS, ao aperceber-se da presença e trajetória do animal, que estava acompanhado por outros dois canídeos, tentou evitar o embate, desviando o veículo.
(Cfr. depoimento das testemunhas «EE» e «FF»)
7. Na sequência do embate descrito no ponto 4, a condutora do ....GSS parou o veículo, na berma da A..., metros à frente do local do embate, onde imobilizou a viatura.
(Cfr. depoimento das testemunhas «EE» e «FF»)
8. A Guarda Nacional Republicana foi chamada ao local.
(Cfr. depoimento da testemunha «EE»).
9. Compareceu no local do sinistro, mencionado no Ponto 4, o guarda «HH», da Guarda Nacional Republicana, a exercer funções no Posto de Trânsito de ..., que elaborou a respetiva participação de acidente de viação, do qual se transcreve no que à “Descrição do Acidente” respeita, o seguinte:
“Declarações escritas da condutora interveniente no acidente de viação: “Circulava na A... no sentido de marcha ... para ... na via da direita, ao chegar sensivelmente ao km 68,400, atravessa na faixa de rodagem um animal de raça canina (cão) com origem no separador central em direção à berma, não consegui evitar a colisão/atropelamento. Do acidente resultaram danos materiais no meu veículo”.
(Cfr. doc. nº. ..., junto com a PI, e depoimento da testemunha «HH»).
10. O guarda «HH» informou a Ré do sinistro.
(Cfr. depoimento da testemunha «DD»).
11. O funcionário da Ré, «II», deslocou-se ao local do sinistro. (Cfr. depoimento das testemunhas «DD» e «II»).
12. Em consequência do embate, o veículo de matrícula ....GSS sofreu estragos na parte frontal. (Cfr. doc. n.° ..., ..., ... e ..., juntos com a PI, e depoimento das testemunhas «EE» e «FF»).
13. Os estragos mencionados no ponto anterior foram reparados na oficina «JJ», de «KK», tendo o Autor suportado o pagamento da reparação na quantia de 2.358,04 € (dois mil trezentos e cinquenta euros e quatro cêntimos) .
(Cfr. doc. n.° ... e ..., juntos com a PI).
14. O veículo ficou imobilizado por setenta dias para reparação, ficando o Autor, neste período, impedido de circular com o mesmo nas suas deslocações diárias.
(Cfr. doc. n.° ..., junto com a PI, e depoimento das testemunhas «EE» e «FF»).
15. A Ré [SCom01...] efetua patrulhamentos na via concessionada referida no ponto 1 (A...), organizados em três turnos diários, utilizando, para o efeito, viaturas próprias que circulam em ambos os sentidos. (Cfr. depoimento da testemunha «CC»);
16. O último patrulhamento, naquela via e faixa de rodagem, antes da verificação do sinistro teve início às 15.15 horas.
(Cfr. depoimento da testemunha «DD»).
17. A autoestrada A... encontra-se vedada de acordo com o modelo aprovado pelo concedente.
(Cfr. depoimento da testemunha «CC»).
18. As vedações mencionadas no ponto antecedente são vistoriadas anualmente.
(Cfr. depoimento da testemunha «CC» e «BB»).
19. À data do acidente, a Ré tinha a sua responsabilidade civil decorrente de sinistro desta natureza, transferida, através de um contrato de seguro do ramo de responsabilidade civil, para a “[SCom02...], Limited Sucursal em Portugal”.
(Cfr. doc. ... junto com a contestação).
20. O contrato de seguro mencionado no ponto anterior, previa uma franquia por sinistro em danos materiais de 10% do valor do sinistro, com mínimo de € 3.000,00 (três mil euros) e com máximo de 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
(Cfr. doc. ... junto com a contestação).
*
III.2- DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
35. O Autor intentou a presente ação contra a Ré, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser esta condenada no pagamento da quantia de € 5.858,04€, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento.
36. Fundamentou a sua pretensão, brevitatis causae, no direito de indemnização emergente do acidente de viação ocorrido com o automóvel com a matrícula ....GSS pela Autoestrada A..., no sentido .../..., no dia 22.01.2017, cuja ocorrência imputa à Ré por violação das obrigações de manutenção, conservação e fiscalização da via.
37. O T.A.F. de Braga como sabemos, julgou esta ação parcialmente procedente, tendo condenado “(…) a Ré [SCom01...], SA e a Interveniente, [SCom02...], Limited Sucursal em Portugal na proporção da responsabilidade decorrente do contrato de seguro, no pagamento ao Autor da quantia de € 4.808,04 (quatro mil oitocentos e oito euros e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. (…)”.
38. Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na fundamentação de direito da sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que, no mais essencial, o juízo de procedência parcial da pretensão deduzida junto do T.A.F. de Braga escorou-se no entendimento de que, estando em causa um acidente de viação decorrente de atravessamento de canídeo na A..., e verificando-se a omissão de deveres de cuidado e vigilância do troço da autoestrada concessionada à Ré, recaía sobre a Ré a presunção de culpa por incumprimento desse deveres de cuidado e vigilância.
39. Estribou-se ainda na convicção que a Ré não logrou elidir tal presunção, por considerar que a factualidade apurada nos autos não se tem bastante idónea para o afastamento da culpa que impedia sobre si, impondo-se, por isso, a sua condenação a indemnizar os danos efetivamente apurados nos autos.
40. A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, pugnado pela sua revogação.
41. O objeto do presente recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
42. Nas conclusões XIV) a XXXI), a Recorrente defende que a sentença recorrida não valorizou devidamente a matéria de facto dos pontos 15 a 18 dos factos provados, e considera que essa decisão devia antes ter sido norteada designadamente pelo disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de julho, na redação em vigor à data do sinistro, que prevê uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu nº 2, ou seja, se a concessionária mostrar que cumpriu o contrato de concessão, bem como o disposto no plano de controlo de qualidade e no manual de operação de manutenção, o que claramente sucedeu no caso em análise.
43. Mais sustenta que o artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de julho, faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a Recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que satisfez o ónus que lhe competia, i.e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação e à conformidade desta com as normas em vigor e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro nos moldes que lhe podiam ser exigíveis
44. Defenda ainda que, a não ser assim e a ter-se de provar que por onde o animal entrou na AE ou então provar a ação de terceiro, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objetiva, na prova impossível [e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica] para a concessionária que não vê onde esteja prevista, nomeadamente na Lei nº 24/2007.
45. Derradeiramente, sustenta que, não sendo possível à Recorrente evitar em absoluto que o animal ingresse na AE e, face ao que ficou provado e também ao que decorre do diploma legal que versa sobre a sua concessão, nada mais lhe deve ser exigível em termos de conduta e de prova, impondo-se a sua absolvição.
46. Vejamos, sublinhando, desde já, que, à data do acidente em causa nos autos [22.01.2017], vigorava já o regime jurídico dos direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas e outros tipos de rodovias ali determinadas, aprovado pela Lei nº 24/2007, de 18 de julho [cf. respectivo art.º 14º].
47. Tal diploma, independentemente da existência de portagens e do pagamento de taxa pela utilização da autoestrada concessionada, e considerando também os itinerários principais e os itinerários complementares, estabeleceu as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis para os utentes, sem prejuízo de regimes mais favoráveis estabelecidos ou a estabelecer [respectivo art.º 1º].
48. Nos termos do art.º 12º da citada Lei nº 24/2007, “1- Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a: a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança. 3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
49. Desta previsão legal resulta que a concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais e líquidos na via, neste último caso quando não resultantes de condições climatéricas anormais, está onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar.
50. Esta presunção, porque presume o incumprimento de um certo dever, constitui, simultaneamente, uma presunção da ilicitude de certo facto e uma presunção de culpa, na medida em que revela a inobservância do especial dever de diligência que onera a concessionária [artigo 487º, nº 2, do Código Civil].
51. Volvendo ao caso recursivo em análise, cabe notar que se mostra provado, de entre outro tecido fáctico, que, no dia 22.01.202017, ocorreu um acidente de viação na A... decorrente do atravessamento de um canídeo em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula ....GSS.
52. Ora, é ponto assente [até porque as partes não discutem tal questão] que a manutenção e fiscalização da segurança rodoviária competem aos concessionários, nas vias concessionadas, o que serve para dizer que era sobre a Ré que impendia a obrigação de manutenção da via pública em condições de segurança de circulação.
53. Na verdade, enquanto concessionária, são impostas à Recorrente múltiplas obrigações no sentido de manter padrões de qualidade rodoviária elevados, bem como o dever de assegurar boas condições de segurança.
54. E se assim é, em face da factualidade apurada nos autos, resulta claro que o Réu incumpriu a sua função de regulação e controlo, incorrendo, por omissão, na prática de um ato ilícito por omissão, de modo que, verificado está o pressuposto relacionado com a ilicitude.
55. Esta ilicitude, porém, só é relevante se estiver associada a uma conduta censurável, isto é, estiver associada à culpa, o que significa que a violação das referidas normas, dos princípios gerais ou do dever geral de cuidado não é, por si só, suficiente para fazer nascer a obrigação de indemnizar já que esta só nascerá quando essa violação for culposa, isto é, quando decorrer de um comportamento que podia e devia ter sido evitado e que só não o foi por razões merecedoras de censura.
56. E isto porque “agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.” [A. Varela, “Das Obrigações em Geral, 3.ª ed., vol. I, pg. 571]
57. A qual “é apreciada nos termos do art.º 487.º do Código Civil” [art.º 4.º do DL 48.051], isto é, na falta de outro critério legal, “pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso.” [art.º 487.º/2 do CC].
58. Não se podendo, pois, falar de autonomização da ilicitude relativamente à culpa em sede de responsabilidade civil extracontratual, importa analisar se o comportamento da Ré infringiu as normas legais ou regulamentares e as regras de cuidado a que devia obediência e, ocorrendo essa infração, se ela se deveu a razões juridicamente reprováveis.
59. Examinado o probatório coligido, verifica-se que dimana claramente do mesmo, de entre outro tecido fáctico, que a condutora do veículo de matrícula ....GSS, quando circulava na autoestrada A..., foi surpreendida pelo aparecimento de um canídeo que surgiu na via de tráfego, tendo embatido no mesmo.
60. Dos factos considerados provados temos, pois, que, em substância, ocorreu a colisão do veículo automóvel visado nos autos contra um animal de médio porte que se atravessou na via onde circulava.
61. No quadro em apreço, é evidente que, no plano naturalístico, a causa direta do acidente descrito nos autos foi o aparecimento súbito, na faixa de rodagem, deste animal de médio porte.
62. Convém realçar que a Ré não conseguiu demonstrar que a culpa na verificação do acidente se tivesse ficado a dever ao comportamento da condutora do veículo automóvel sinistrado, não legitimando a matéria de facto dada como provada a referência a qualquer elemento nesse sentido.
63. Destarte, o acidente dos autos é de imputar unicamente à Ré [SCom01...] como autora exclusiva da contravenção causal do sinistro, permanecendo, por isso, intocável, a presunção de culpa da Ré estabelecida por força do estatuído no nº. 3 do art. 10º da Lei 67/2007.
64. Cumpre, todavia, apurar se terá a Ré logrado ilidir tal presunção de culpa.
65. Para o cabal esclarecimento desta matéria, cumpre convocar a normação vertida nas Bases XLIV e LVII, ambas do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de julho, na redação do Decreto-Lei nº 109/2015, de 18 de julho, do seguinte teor“(…)
Base XLIV
Manutenção das Autoestradas
1 - A Concessionária obriga-se a manter, durante a vigência do Contrato de Concessão, e a expensas suas, as Autoestradas e os demais bens que constituem o objeto da Concessão em funcionamento ininterrupto e permanente, em bom estado de conservação e em perfeitas condições de utilização e de segurança, realizando, oportunamente e de acordo com o disposto no Plano de Controlo de Qualidade e no Manual de Operação e Manutenção, as reparações, as renovações e as adaptações que para o efeito se tornem necessárias e que, nos termos do Contrato de Concessão, sejam da sua responsabilidade, e todos os trabalhos e alterações necessários para que os mesmos satisfaçam cabal e permanentemente os fins a que se destinam.

2 - A Concessionária é responsável pela manutenção, em perfeito estado de conservação e funcionamento, do equipamento de monitorização ambiental, dos dispositivos de conservação da Natureza e dos sistemas de proteção contra o ruído, de acordo com o estabelecido no Plano de Controlo de Qualidade e no Manual de Operação e Manutenção.

3 - Constitui ainda responsabilidade da Concessionária a manutenção e conservação do sistema de iluminação, de sinalização e de segurança nos troços das vias nacionais ou urbanas que contactam com os nós de ligação, até aos limites estabelecidos nos projetos aprovados pelo Concedente.

4 - A Concessionária deve respeitar os padrões de qualidade, designadamente para a regularidade e aderência do pavimento, conservação da sinalização e do equipamento de segurança e apoio aos utentes, fixados no Manual de Operação e Manutenção e no Plano de Controlo de Qualidade, não lhe podendo ser imputada qualquer responsabilidade pela não conformidade com os padrões de qualidade relacionados com os pavimentos que sejam comprovadamente afetados pela não realização de uma Grande Reparação de Pavimento cujos encargos sejam da responsabilidade do Concedente, nos termos da base XXXIII-A, sempre que, existindo a necessidade de proceder à mesma, tal não ocorra atempadamente por facto imputável ao Concedente.
(…)
Base LVIII
Assistência aos utentes
1 - A Concessionária é obrigada a assegurar a assistência aos utentes das Autoestradas, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção de acidentes, nos termos e condições previstos no Contrato de Concessão.
2 - A assistência a prestar aos utentes nos termos do número anterior consiste no auxílio sanitário e mecânico, devendo a Concessionária instalar para o efeito uma rede de telecomunicações ao longo de todo o traçado das Autoestradas, organizar um serviço destinado a chamar do exterior os meios de socorro sanitário em caso de acidente e promover a prestação de assistência mecânica, nos termos definidos no Plano de Controlo de Qualidade e no Manual de Operação e Manutenção.
3 - O serviço referido no número anterior funciona nos centros de assistência e manutenção que a Concessionária deve criar, e que compreendem também as instalações necessárias aos serviços de conservação, exploração e policiamento das Autoestradas.
4 - Pela prestação do serviço de assistência a Concessionária pode cobrar aos respetivos utentes taxas cujo montante deve constar do Manual de Operação e Manutenção (…)”.
66. Atenta a normação ora transcrita, importa destacar que as obrigações impostas à Ré pela normação supra transcrita não se referem a meras obrigações de meios, mas antes de uma obrigação reforçada de meios.
67. Em sustento da nossa posição, invoca-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de março de 2013, no processo 201/06.8TBFAL.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que refere que “(…) Sem embargo aquele dever de cuidado que incide sobre condutores de veículos, importa não olvidar também que à permissão genérica de, em tais rodovias, se poder conduzir, em regra, até à velocidade máxima de 120 km/h subjaz o cumprimento da obrigação de assegurar a manutenção das condições de segurança estruturais e operacionais que permitam a condução segura à velocidade consentida, integrando o sinalagma do pagamento de uma taxa de portagem. (…) São os concessionários que dispõem de maior facilidade de identificação dos perigos ou de apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devido a obstáculos existentes na via, tarefa que naturalmente é dificultada ou praticamente impossibilitada aos utentes e terceiros. (…)”.
68. Baseia-se assim o S.T.J. no nível de exigência no cumprimento das obrigações de segurança para apontar a existência de uma obrigação reforçada de meios, não considerando legítima a argumentação pela concessionária da impossibilidade de prever todos e quaisquer acidentes.
69. Deverá aqui operar uma avaliação razoável das circunstâncias concretas apuradas.
70. Procurando fixar o padrão de diligência exigível a uma concessionária pela especificidade das situações elencadas no nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, observaremos que o funcionamento da presunção aí estabelecida apenas é afastado nas circunstâncias especificadas nos n.º 2 e 3 do mesmo, ou seja, em “casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não sejam imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
71. Com o propósito de esclarecer o teor da expressão “caso de força maior” em matéria de acidentes de viação decorrentes do atravessamento de animais na faixa de rodagem, convoca-se para a questão decidenda o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.06.2004, tirado no processo nº. 04A1299: “(…)
O aparecimento de um cão de elevado porte na faixa de rodagem da autoestrada constitui reconhecido perigo para quem ali circula. Cabe à Brisa evitar essa (e outras) fonte de perigos, essa anormalidade. Não pode pôr-se a cargo do automobilista a prova da negligência da Brisa ou da origem do cão porque não foi a prestação dele que falhou nem ele tem a direção efetiva, o poder de facto sobre a autoestrada (como um todo, incluindo vedações, ramais de acesso e áreas de repouso e serviço.
Como acima ficou dito, só o «caso de força maior devidamente verificado» exonera o devedor (a concessionária) da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança e, na hipótese de inexecução, do dever de reparar os prejuízos causados.
Isto significa, no essencial, que «não será suficiente (ao devedor, a Brisa) mostrar que foi diligente ou que não foi negligente: terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que não lhe deixou realizar o cumprimento».
Essa prova só terá sido produzida quando se conhecer, em concreto, o modo de intromissão do animal. A causa ignorada não exonera o devedor, nem a genérica demonstração de ter agido diligentemente (…)”.
72. 77. Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no teor do aresto do S.T.J., de 09.09.2008, tirado no processo 08P1856, em que se afirma:“(…)
Para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, deveria, pois, a R. provar, em concreto, que o canídeo surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na autoestrada, negligente ou intencionalmente, por outrem.
Isto é, sempre que há um acidente devido a um cão (ou outro animal) que se introduziu numa autoestrada, presume-se o incumprimento da concessionária. Esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem (…)”.
73. Bem como o teor da jurisprudência firmada no Acórdão da Relação do Porto, 11.01.2011, proc. Nº 4196/08.5TBSTS.P1, em que se refere:“(…)
Em causa estão, (…), certas vias especiais, destinadas ao trânsito rápido, proporcionando a quem as utiliza uma expectativa de circulação em segurança a velocidades até 120 km/hora, sem que lhe seja exigível um estado de alerta permanente perante a possibilidade de repentino surgimento de obstáculos na via, provocando perigo de despiste, tais como animais a atravessá-la.
Quando, apesar da existência de vedações, um cão se introduz na autoestrada, existe, em princípio, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, ela se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas autoestradas.
E tal presunção de incumprimento subsistirá sempre que, como no caso vertente, seja ignorada a razão da introdução do animal na via. É manifesto que a entrada de um cão na autoestrada pode acontecer por qualquer meio, incluindo ser aí largado por um utente.
Mas, enquanto não for conhecida a efetiva razão do sucedido, é a favor do lesado/utente, e não da concessionária que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do art.º 12º da Lei n° 24/2007, conjugado com o n.º 1 do art.º 350.º do C.Civil”.
74. Posição que se acolheu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte de 17.04.2020, no Procº. n.º 01952/15.1BEPRT: “(…)
A presença de um qualquer animal, nomeadamente de um cão, numa autoestrada é sempre um fator de grande risco, já que aos veículos é permitido, em regra, atingir a velocidade de 120 Km/h, ainda que no local em questão o limite fosse de 100km/h, quando é certo que a Recorrente também não demonstrou que a autoestrada estava efetivamente vedada em condições de segurança, ou seja, que tivesse procedido à instalação de mecanismos que permitissem evitar situações como a dos autos.
Não sendo conhecida a efetiva razão determinante do inusitado atravessamento do animal na faixa de rodagem, é a favor do lesado, e não da concessionária, que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, conjugado com o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil (cfr. neste sentido o Acórdão do TRP, de 04.07.2013, P. 3238/11.1TBGMR.P1). (…)
Como se sumariou no Acórdão deste TCAN, de 03.05.2007, no Processo n.º 00814/04.2BEBRG, “(…) a ilisão de uma presunção "juris tantum" só é feita mediante a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova, pelo que o "non liquet" prejudica a pessoa/parte contra quem funciona a presunção.
Sobre o R. impende o ónus de provar a adoção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Para se ter como ilidida a presunção de culpa do R. não basta a simples prova, em abstrato, de que o mesmo desenvolve ou dispõe de funcionários ou dum corpo técnico que têm por função proceder à fiscalização e reparação das vias sob sua jurisdição, pois tem de ser demonstrado quais são as providências desencadeadas em relação à via pública em questão, a fim de que o Tribunal possa aferir se aquele «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma «adequada e contínua fiscalização».
Aliás, se dúvidas houvesse, já o Tribunal Constitucional se pronunciou relativamente à interpretação do artigo 12.º/1 da Lei n.º 24/2007, no sentido da sua não inconstitucionalidade, afirmando que “na aceção segundo a qual em caso de acidente rodoviário em autoestradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento” (Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 596/2009 e n.º 629/2009) (…)”.
75. Reiterando toda esta linha jurisprudencial, e cotejando o tecido fáctico coligido nos autos, entendemos ser forçosa a conclusão de que não foi ilidida a presunção de culpa que impendia sobre a Ré no que concerne à produção do sinistro dos autos.
76. Na verdade, não conseguiu a R. provar a forma como o dito canídeo entrou na autoestrada, por forma a imputar a sua proveniência a terceiros ou a caracterizá-lo como sendo ou resultante de um caso fortuito, e que não podia ter adotado conduta diferente daquela que adotou, isto é, não logrou a R. provar factualidade de onde se possa concluir que cumpriu as exigências de diligência na sinalização e remoção dos obstáculos existentes na via, e, por conseguinte, não foi ilidida a presunção de incumprimento que sobre si impendia relativamente ao aludido dever de vigilância, não tendo resultado provados factos suficientes que permitam concluir que a mesma atuou com a diligência que lhe era exigida.
77. Assim deriva, naturalmente, que se não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da decisão versada.
78. Concludentemente, improcedem todas as conclusões do recurso jurisdicional em análise, sendo de lhe negar provimento, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
79. Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 19 de maio de 2023,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia