Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02308/05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:DEVER DA BUSCA DA VERDADE MATERIAL NO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO;
INSUFICIÊNCIA DO DESPACHO DE ENCERRAMENTO DE INQUÉRITO PENAL;
Sumário:
I – O artigo 4º do RCPITA (actual 6º) impõem à AT carregar para o procedimento tributário e apreciar ela mesma as provas documentais necessárias ao apuramento dos factos nos quais a autoridade judiciária baseou a decisão de acusar, no processo penal, e a AT pretende basear a sua, de proceder a correcções na matéria tributável, não sendo bastantes as meras informações dadas a partir de um inquérito penal e as conclusões nele obtidas. Não tendo verificado, juntado ao procedimento e apreciado os documentos, suportes do concluído no relatório elaborado no inquérito penal, a AT violou o dever inquisitório decorrente da sobredita norma.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
AA, NIF ..., com domicílio profissional na Rua ..., NIF ..., interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do ... que julgou improcedente a sua impugnação judicial dos actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, infra discriminadas:
N.° liquidaçãoPeríodoValor
...97-IVA0I06T13.470,09 €
...99 -IVA0112T19.025,32 €
...98 - Juros compensatórios0106T2.421,66 €
...00 - Juros compensatórios0112T2.752,68 €
TOTAL 37.669,75 €

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:

III - CONCLUSÕES:
A) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.° 2308/05.0BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do ..., que julgou improcedente o pedido formulado pelo Sujeito passivo, que aí pugnava pela anulação dos actos de liquidação adicional de IVA relativos aos vários períodos de tributação de 2000 e 2001.
B) A convicção do julgador há-de formar-se por referência á prova dos serviços efectivamente prestados pelo suspeito passivo a partir dos quais se forma o facto tributário, e nunca por referencia á capacidade contributiva que um conjunto de indícios não certificados nem comprovados, podem (em abstracto) evidenciar.
C) O Tribunal a quo ao deixar-se conduzir pela teia urdida pela inspecção tributária (e esta por sua vez pelos Órgãos de Investigação Criminal), entrou em contradição, dando como assente matéria para a qual não foi produzida qualquer prova em sede de Audiência Contraditória.
D) O princípio da “livre apreciação da prova” não permite a mera arbitrariedade. Funda-se em factores variados, como sejam: a lógica, a experiência, a contradição, a imprecisão, a indefinição, a independência, a razão de ciência, cujos significados nos dispensamos de explanar, face à evidência que dos vocábulos transparece.
E) As conclusões extraídas do exame e leitura do RIT, não são confirmadas por qualquer outro elemento de prova e a forma como o relatório de conclusões de acção inspectiva se encontra redigido e elaborado não permite que dele se retire com a segurança necessária a convicção de que os valores depositados nas contas do sujeito passivo correspondem a comissões pela angariação de negócios entre leiloeiras e a massa insolvente na qual tinha intervenção como liquidatário judicial.
F) A origem dos fluxos monetários questionados pela IT por se materializarem em diversos actos de natureza financeira e monetária, apenas poderiam ser relatados por pessoas que tenham tido intervenção na gestão financeira e monetária dos fluxos das várias empresas da «Família X...».
0) In Casu, (e de resto consta do relatório complementar de perícia financeira - cfr- doc. n.° l) a gestão financeira era feita pelo filho do sujeito passivo impugnante {Dr.° BB), quer como sócio de algumas das empresas, quer como gestor de facto, acompanhado da intervenção da administradora financeira Dr.ª CC.
H) Se como o Tribunal a quo o afirmou, o seu depoimento demonstrou total coerência, dada a razão de ciência do conhecimento que ambas as testemunhas detinham sobre os factos, a lógica impõe que num contexto de ausência de contradições, de imprecisões e indefinições o depoimento das mesmas aponta no sentido da demonstrabilidade da origem dos fluxos depositados nas contas do sujeito passivo.
1) A livre apreciação da prova por parte do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade, está aniquilada, dado que a Audiência Contraditória foi realizada na presença da Meritíssima Juiz DD e a sentença foi proferida pela Juiz e Direito EE.
A convicção do Tribunal deve formar-se a partir da dialéctica que se cria entre os dados objectivos fornecidos pelos documentos e outros meios de prova com os depoimentos das testemunhas, em função da sua razão de ciência, da sua (im)parcialidade, das certezas e das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, da coerência de raciocínio, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que apenas transparecem na Audiência Contraditória.
K) O Meritíssimo Julgador a quo, não está em condições de livremente formar a sua decisão, por não ter assistindo à revelação dos depoimentos das testemunhas, não está em condições de com razoabilidade, com recurso á lógica e ás regras de experiencia controlar a formação da sua convicção sobre a ausência de prova da origem dos valores depositados nas contas bancárias pelo sujeito passivo.
L) Não tendo o Meritíssimo Juiz a quo indicado os concretos fundamentos que impediram a consideração da prova testemunhal (para além do grau de proximidade existente entre as testemunhas e o sujeito passivo impugnante), e em consequência a demonstrada origem dos valores depositados nas contas bancária do impugnante, a decisão encontra-se indevidamente fundamentada.
M) Não resulta, nem dos RIT, nem documentos juntos aos Autos, nem da prova testemunhal, que a origem dos valores depositados nas contas bancárias do sujeito passivo impugnante, se reportam às alegadas comissões (conforme estatuído na alínea b) da matéria assente).
N) A Perícia elaborada pela Policia Judiciária faz o confronto entre os valores que numa primeira fase foram classificados como verbas recebidas de modo ilícito/comissões, por intervenção na falência da [SCom01...], Lda., [SCom02...], S.A. e [SCom03...]; S.A. e os valores que o sujeito passivo diz corresponderem a depósitos de valores provenientes de reditos das sociedades em que «Família X...», participa no capital social, de onde resulta que (pg. 21) “Relativamente aos depósitos bancários justificados pelos Arguido com cheques sacados sobre contas bancárias tituladas por empresas das empresas das quais AA e/ou familiares são sócios, apurou-se o seguinte:
O valor global dos cheques sacados sobre as referidas contas bancárias ascendeu a 48.316.518$00, tendo 17.503.780$00 sido depositados directamente nas contas bancárias do arguido e 22.812.738$00 levantados e posteriormente depositados."
O) Da análise dos documentos de depósito nas contas visadas pelos OPC’S e subsequentemente pela IT para alicerçar as conclusões que omissão de rendimentos á tributação que: “No entanto, e apesar de relativamente aos depósitos efectuados em numerário colocar-se sempre a questão de se saber se o dinheiro levantado foi o dinheiro depositado, mesmo havendo coincidência de datas, podemos concluir que uma parte significativa dos depósitos como não relacionada com os pagamentos efectuados por FF e GG ao arguido AA mencionados no Relatório Intercalar IP
P) Após análise e ponderação da prova testemunhal, com o resultado da perícia (cfr. registos insertos nos minutos 0002 - 2097 das gravações áudio) dúvidas não subsistem de que não é possível concluir que foi o sujeito passivo recebeu comissões como pagamento de serviços prestados que não declarou, nem liquidou o respectivo IVA, requerendo-se a reapreciação da prova gravada (art. 685°-B CPC ex vi art. 2º, al. e) do CPPT).
Q) A A.F. não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto do contribuinte, conforme se refere, apenas baseando a sua fundamentação nos indícios recolhidos no âmbito do processo de inquérito.
R) A A.F. não fez uma única diligência, como lhe impunha o dever da descoberta da verdade material, no sentido de apurar (i) a fonte dos depósitos em numerário; (ii) a realização de serviços de angariação de negócios; (iii) a ligação entre o sujeito passivo e os putativos adquires dos serviços.
S) Limitou-se a importar da investigação criminal que o sujeito passivo no exercício das funções de liquidatários recebeu remunerações paralelas pela promoção de negócios com leiloeiras, das quais recebeu comissões.
T) Não tendo sido este o itinerário de inspecção seguido pela IT, tal como expressamente decorre do RIT e da sentença a quo, forçoso se torna concluir que a actuação da A.F. na sua acção de controlo das declarações de rendimentos do sujeito passivo, se encontra eivada de ilegalidade, na medida em que não escalpelizou e validou os indícios de omissão de imposto.
U) A sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito á factualidade apurada.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá ser revogada a sentença a quo, com o que se fará a Sã e Habitual
Justiça!

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

O Digníssimo Procurador-geral Adjunto neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, redutível à seguinte citação:
Refira-se desde já que, a nosso ver, não deverá admitir-se a junção (ou levar em consideração) o documento n° l, junto pelo recorrente com as suas alegações de recurso, por não se enquadrar na previsão dos arts. 524° e 693°B do C.P.C. aprovado pelo D.L.44129 de 28.12.1961, com correspondência nos arts. 425 e 651° do C.P.C. aprovado pela Lei 41/2013 de 26.06 e o recorrente não ter invocado e comprovado a impossibilidade da sua junção até ao termo do prazo do art. l20° do C.P.P.T.
É que o impugnante tinha o documento em questão na sua posse, pelo menos desde 12.10.2009 e não os juntou até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que alude o art.° 120° do C.P.P.T. - (v. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, IV volume, 6a edição, fols.342. e ainda, no sentido da impossibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso, o Ac. do S.T.J. de 07.05.1997, relatado por Fonseca Limão, proferido no Processo n°019019).
Parece-nos que a sentença recorrida fez correcta apreciação da prova documental existente, assim como devida apreciação crítica da prova produzida em julgamento, tendo em consideração a repartição do ónus da prova de ambas as partes (contribuinte e Fazenda Pública), assim como adequada aplicação do direito à matéria de facto provada, fundamentando correctamente quer a decisão em matéria de facto, quer em matéria de direito.
Com efeito, no que se refere à apreciação da prova documental e testemunhal, a sentença não merece reparos, tendo em conta a matéria de facto apurada pela inspecção tributária (que incidiu, além do mais, sobre a análise interna das declarações de IVA e IRS), não contrariada pelo contribuinte, em ordem a comprovar não terem resultados os depósitos bancários, em dinheiro, em conta sua, de comissões recebidas de leiloeiras ou de terceiros, como invoca.
É que, confirmado que está o depósito dessas quantias em conta do contribuinte - até pelas suas próprias testemunhas -, o contribuinte, quer na fase da audição prévia e até à fase das alegações, não juntou, como podia e devia, documentos de suporte, confirmativos de que tais depósitos resultavam da actividade comercial das suas empresas: certidões de registo comercial das sociedades comerciais da sua família; documentos contabilísticos e financeiros demonstrativos da retirada de rendimentos da sociedade por parte do filho do impugnante; cópias dos cheques através dos quais eram retirados rendimentos da sociedade e efectuados levantamentos das quantias em numerário, depositadas nas contas bancárias do impugnante; mapas diários/conta corrente, com menção aos movimentos de caixa e depósitos das sociedades comerciais da família do impugnante; declarações de rendimentos do impugnante donde se evidenciasse o recebimento das quantias depositadas e a que título.
Face à matéria apurada no inquérito criminal - existência de depósitos em numerário, tidas pela AT como comissões tributáveis em sede de IVA - o impugnante deveria ter junto, aquando da audição prévia ou com as alegações, documentos comprovativos da proveniência que invoca.
E se é certo que a Administração Tributária não se pronunciou sobre os argumentos invocados pelo impugnante, não o é menos que este não trouxe ao procedimento inspectivo, factos novos invalidantes do relatório de inspecção, nem juntou qualquer meio de prova documental, demonstrativo do que invoca, ou requereu, tão pouco, a produção de qualquer meio de prova com essa finalidade.
E não tendo o impugnante trazido factos novos, não competia à Administração Tributária realizar qualquer diligência probatória, para além da já existente, do conhecimento do impugnante.
No que se refere à pretensa violação do princípio da verdade material, a sentença recorrida pronunciou-se fundadamente pela sua inexistência, considerando legítima a não realização de diligências complementares de prova pela Administração Tributária, face à matéria apurada no processo criminal e à análise das declarações de IRS e IRC do contribuinte, já que, tais elementos são inquestionavelmente bastantes para abalar a presunção de veracidade das declarações de rendimentos apresentadas pelo contribuinte e, este, face á proposta de correcção da matéria colectável, em cumprimento do dever de colaboração na produção das provas (art.59° da LGT), poderia e deveria juntar os documentos comprovativos da proveniência das quantias depositadas nas suas contas bancárias, tanto mais que melhor que ninguém sabia da origem e finalidade de tais depósitos.
Porém, nada juntou ou requereu e mesmo na fase de audição prévia não indicou à Administração Tributária qualquer diligência a encetar, para cabal esclarecimento da sua verdadeira situação tributária, no período em questão.
Quanto à violação dos princípios de violação do princípio da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, também nos parece não assistir razão ao recorrente, posto que, no que se refere aos depoimentos do filho e da indicada administradora financeira daquele, o meritíssimo Juiz fundadamente justificou a menor valoração dos seus depoimentos, devido às relações familiares e profissionais com o contribuinte e à inexistência de imprescindíveis suportes documentais das suas afirmações.
E, se é certo que a Juiz que presidiu à audiência contraditória, em que foram prestados os depoimentos, não foi a mesma que elaborou a decisão em crise, em termos de oralidade e imediação a juiz da sentença está na mesma situação dos Srs. Juízes deste TCA, que julgarão a causa, em matéria de facto, com base nos mesmos registos da prova.
Também quanto ao suposto vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de facto, se acompanha o entendimento vertido na decisão recorrida: face à obtenção pela Administração Tributária de indicadores bastantes para afastar a presunção de veracidade das declarações de rendimentos, apresentadas pelo impugnante, passou a recair sobre este o ónus de demonstrar o desacerto da actuação da Administração - o que poderia e deveria ter feito no procedimento tributário e depois na impugnação judicial -, demonstração esta que manifestamente não fez.
Assim e em conclusão, somos de parecer que a decisão em crise, não se encontra ferida de qualquer dos vícios ou violação de disposições legais, apontados pela recorrente, pelo que, deve ser mantida na ordem jurídica.
No entanto Vªs Exas melhor decidirão como for de JUSTIÇA

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas, como é lógico, em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.
Confrontadas as alegações com as conclusões, verificamos ter de concluir que a recorrente deixou cair, nas conclusões, a alegação de nulidade da sentença por falta de fundamentação e a alegação de erro na apreciação das provas produzidas relativamente a concretos factos julgados assentes, que se abstém de especificar, para se centrar na alegação da violação, pelo acto impugnando e, subsequentemente, pela sentença recorrida, da norma jurídica que impõe à AT o dever de demandar a verdade material (artigo 6º do RCPIT).
Assim, entendemos que o recurso é redutível à única questão de saber se a sentença recorrida errou no julgamento de facto e direito, violando o artigo 6º do RCPIT, que impõe à AT, na inspecção tributária, a demanda da verdade material, por ter sancionado um acto final do procedimento inspectivo e umas liquidações em que toda a prova recolhida residia nas conclusões de um inquérito penal, sem fazer ela mesma uma avaliação das provas aí invocadas.
Mesmo que se pretenda considerar como parte do recurso a decisão em matéria de apreciação das provas, sempre o mesmo terá de ser rejeitado, por não cumprir minimamente com o ónus que o artigo 641º nº s 1 e 2 do CPC impõe ao recorrente em matéria de facto. Com efeito, não são, identificados, nas conclusões, os factos sobre que a decisão foi errada, nem a decisão que deveria ter sido tomada, nem, quer nas alegações quer nas conclusões, os meios de prova que impunham a decisão preconizada pelo recorrente.

III – Da junção de documentos.
Terá de ser apreciada, a título prévio, a admissibilidade da junção dos dois documento que acompanham os requerimento e alegações de recurso.
Trata-se do “relatório pericial complementar” mencionado nas alegações, e da acta da inquirição de testemunhas levada a cabo em 12/10/2009 no processo de Impugnação nº 885/05.4BEPRT, instaurado pelo aqui Recorrente.
Os termos do artigo 425º do CPC, ao admitirem a junção de documentos na fase de recurso, abrem uma excepção à necessidade lógico-jurídica de que o objecto da decisão em segunda instância é a decisão dada em 1ª instância, nos exactos pressupostos, digamos, instrutórios, em que foi emitida.
Como ali expressamente se dispõe, tal junção de documentos, em caso de recurso, a posteriori, relativamente ao julgamento em primeira instância, só pode ocorrer relativamente a documentos cuja junção não tenha sido possível até ao momento.
O Recorrente nada alegou neste sentido. Ora:
A acta de inquirição de testemunhas já existe desde 12/10/2009, bem antes da sentença recorrida ter sido emitida. Por sua vez, o “Relatório Pericial Complementar” é conhecido pelo ora recorrente desde, pelo menos, a data em que requereu a sua junção ao processo de impugnação nº 885/05.4BEPRT, ou seja, 12 de Outubro de 2009, muito antes, portanto, da emissão da sentença recorrida.
Assim, nem o Recorrente alega nem nada permite concluir, antes pelo contrário, que a junção deste documento só foi possível aquando da junção das alegações de recurso.
Pelo exposto, impõe-se a não admissão da junção dos sobreditos três documentos, pelo que não serão tidos em consideração.

IV - Apreciação do objecto do recurso
A fundamentação da sentença recorrida em matéria de facto é a seguinte:
IV. Fundamentação de facto
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos provaram-se os seguintes factos:
A) O impugnante foi objecto de uma acção de inspecção, com base na ordem de serviço n.° ...78/95, ...79/95, ...80/95, que decorreu entre 01/10/2004 e 12/10/2004, com incidência na análise interna das declarações de IRS e das declarações de IVA, relativas aos exercícios de 2000 e 2001. - Cfr fls 17 do processo administrativo apenso.
B) Na sequência da referida acção inspectiva, os Serviços de Inspecção Tributária elaboraram o relatório de inspecção, do qual consta, para além do mais, o seguinte:
(...) II- OBJECTIVO, ÂMBITO E EXTENSÃO DA CÇÃO INSPECTIVA
(...) B) - Motivo, âmbito e incidência temporal
A presente acção inspectiva efectuou-se no âmbito da verificação interna das obrigações fiscais de IRS e IVA dos exercícios de 2000 e 2001, de acordo com as indicações apontadas no processo de inquérito do DIAP.
“(...) III-DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇOES MERAMENTE ARITMÉTICASÀ MATÉRIA COLECTÁVEL
3.1. - IRS - Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
0 sujeito passivo encontra-se registado no cadastro da base de Dados do SI da administração fiscal, como “Contabilistas", Lista do IRS n.° 4013. Ficou igualmente provado no processo de inquérito que este exercia a actividade de liquidatário judicial em diversos Tribunais Judiciais da área do Distrito do ... e outros Distritos, estando, para esse efeito inscrito nas listas distritais de gestores e liquidatários judiciais.
No exercício dessas funções e no âmbito dos processos de falência em que era nomeado liquidatário judicial competia-lhe proceder à apreensão da massa falida e preparar o pagamento das dívidas dos falidos à custa do produto da alienação dos respectivos bens, contando com a cooperação e fiscalização das comissões de credores, nos termos da legislação em vigor.
Posteriormente, o liquidatário determinava a modalidade de venda do activo e em muitos casos escolhia para o coadjuvar na liquidação uma empresa cuja actividade consistia na venda de património em leilões ou na mediação imobiliária. Em contrapartida, dividia com os liquidatários parte das comissões obtidas, de forma a garantir a continuação das relações entre as partes.
(...)
3.2. - 1VA - IMPOSTO SOBRE 0 VALOR A CRESCENTADO
0 sujeito passivo encontra-se registado pelo exercício da actividade de “Contabilista” Lista de IRS nº 4013 no regime normal trimestral, com data de início de 01/08/1989.
No processo de inquérito ficou provado que o sujeito passivo recebeu comissões pela angariação de negócios nos exercícios de 2000 e 2001 no montante global de €. Estas comissões revestem a natureza de prestações de serviços, encontrando-se sujeitas a imposto nos termos do art.° 1° e seguintes do CIVA. Face ao exposto, como não efectuou a respectiva liquidação do imposto nem a entregou nos termos do disposto no art° 26.° do CIVA, para efeitos da respectiva liquidação vamos considerar os montantes por período de imposto abaixo indicados:
IVA EM FALTA
EXERCÍCIO DE 2000
EurosPeríodoTaxaImposto
47.929,9900121'17%8.148,10€
47.929,998.148,10
EXERCÍCIO DE 2001
EurosPeríodoTaxaImposto
62.627,44 €0106T17%10-648,36 €
16.598,40 €0106T17%2.821,73 €
111,913,67 €0112T17%19.025,32 €
191.149,5132.495,42
239.079,5040.643,52
VI - DIREITO DE A UDIÇÃO
(...)
No dia 22/10/2004, veio o sujeito passivo exercer o direito de audição previsto na referida legislação. De onde se retira o seguinte:
"O projecto de relatório elaborado pela Direcção de Finanças para contraditório dá conta da existência de rendimentos que qualifica de “Comissões", procedendo à imputação adicional de tais valores para efeitos de tributação em IRS e IVA..."
”... Projecto de relatório - parte de uma errada base de qualificação jurídica dos rendimentos, que de igual modo errado, pretende submeter a tributação .. ”
No tempo e local próprio do processo crime se demonstrará o contrário, pelo que em processo gracioso sofre naturalmente de uma grave falta de factos que possam sustentar a liquidação adicional, sendo manifestamente ilegal por deficiente fundamentação ...”
“...assim, é absolutamente falso que o signatário tenha recebido qualquer quantia seja das entidades leiloeiras seja de terceiros ”
Termos em que se requer a reformulação do projecto de relatório nos termos constantes do presente direito de audição.
Face ao exposto, devem efectuar-se as correcções técnicas de IVA e IRS do relativamente aos exercícios de 2000 e 2001 (...)
C) Do requerimento mediante o qual o ora impugnante exerceu o seu direito de audição no âmbito do procedimento inspectivo identificado na alínea A) consta, para além do mais, o seguinte:
“(...) 13 - Assim, é absolutamente falso que o signatário tenha recebido qualquer quantia seja das entidades leiloeiras seja de terceiros,
14 - não existindo nenhum documento de que resulte comprovadamente a percepção de quaisquer quantias pelo contribuinte.
15 - Como se disse a AF não desenvolveu qualquer actividade investigatória, tendo-se limitado a importar do processo crime os factos apurados em sede de investigação criminal,
16 - Em clara e manifesta violação do Princípio da Verdade Material.
17- O que aqui se consigna, constitui facto novo, devendo a AF obter documentos que comprove que efectivamente o signatário recebeu as quantias em causa.
18 - A vista do (que) aqui fica dito, deverão ser juntos aos autos de processo gracioso os documentos que comprovem o efectivo recebimento das quantias que determinam a intenção da AF tributar o contribuinte.
19 - De outro modo e dizendo-se apenas que o contribuinte recebeu em dinheiro, sem dizer o local, modo, quem pagou, em que condições o contribuinte não se pode defender. E note-se que a defesa deve ser realizada neste processo gracioso e não fora dele.
20 - Assim, deverá ser concretizada a afirmação de fls 3 do relatório segundo a qual " o sujeito passivo recebeu importâncias em numerário resultantes de comissões inerentes à actividade desenvolvida",
22 - De modo a poder permitir um cabal exercício do direito de audição,
23 - Pois como se disse, não consegue o signatário identificar quantias que não recebeu e bem assim o modo e tempo de recebimento que a AF imputa ao sujeito passivo (...) cfr. fls 80/83 do processo administrativo apenso.
D) Em 19/11/2004 foi remetido por carta registada com aviso de recepção, um ofício, dando conhecimento ao ora impugnante do teor do relatório de inspecção referido na alínea B) e das correcções técnicas à matéria tributável efectuadas em resultado da acção inspectiva. - Cf. fls 25/26 do processo administrativo apenso.
E) Na sequência das correcções técnicas efectuadas, a Administração Tributária emitiu as liquidações adicionais de IVA n.° ...97 e ...99 e de juros compensatórios n.°s ...98 e ...00, cujo montante global ascende a 37.669,75 €. - Cf. fls 27/32 do processo administrativo apenso.
F) Consta dos autos uma certidão extraída do processo de inquérito criminal que correu termos no DIAP do ... sob o n.° ...7/00.5 JAPRT F, remetida à Direcção Geral de Contribuições e Impostos, contendo cópia das conclusões do processo, cópias das páginas referentes ao sujeito passivo AA e mapa resumo dos movimentos financeiros relativos ao sujeito passivo - cf. fls 36/79 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
G) Em 05/10/2005 foi instaurado contra o ora impugnante o processo de execução fiscal n.° ...22, para cobrança coerciva das dívidas referentes às liquidações adicionais indicadas na alínea E) - cfr. processo executivo apenso.
H) Em 19/10/2005 o ora impugnante foi citado para o processo de execução fiscal identificado na alínea G). - Cfr. fls 8 do processo executivo apenso.
I) A presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 15/11/2005. - Cf. carimbo aposto a fls 2 dos presentes autos.
J) Em 22/11/2005 o ora impugnante apresentou no Serviço de Finanças ... - 6 um requerimento solicitando a fixação do valor da garantia a prestar no âmbito do processo de execução fiscal a que se alude na alínea G) - cf. fls 7 do processo executivo apenso.
K) Por despacho de 30/11/2005 exarado pelo Chefe do Serviço de Finanças ... - 6, foi fixado o valor da garantia a prestar no montante de 48.695,00 €. - Cf. fls 27 do processo executivo apenso.
L) Através do oficio n.° ...29, datado de 02/12/2005, o ora impugnante foi notificado para, no prazo de 15 dias, prestar a garantia referida na alínea K).
M) Em 28/12/2005, o ora impugnante apresentou no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea G) a garantia bancária n.° ...37, pelo valor de 48.695,00 € - cf. fls 29/30 do processo executivo apenso.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos, nomeadamente os alegados nos artigos 65.°, 66.°, 68.°, 69.°, 707, 71° e 727 da petição inicial.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e Informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados e dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo impugnante,
As testemunhas inquiridas, BB, filho do impugnante e CC, TOC, funcionária do impugnante desde 1991, exercendo ao tempo dos factos funções de administração financeira e de acompanhamento de empresas na área de auditoria, referiram que os depósitos efectuados em numerário nas contas bancárias tituladas pelo impugnante eram provenientes de rendimentos de diversas sociedades comerciais de que a «Família X...» era detentora.
Mais referiram que tais rendimentos eram retirados das referidas sociedades comerciais através de cheques, normalmente emitidos em nome de BB, os quais eram levantados no balcão do Banco 1... e, no mesmo momento, era depositado o correspondente valor em numerário na conta do impugnante, seu pai, AA.
Afirmaram ainda que a opção pelos depósitos em numerário reconduzia-se a uma questão de gestão financeira, uma vez que proporcionava a disponibilidade imediata do dinheiro, bem como a redução dos custos inerentes a operações financeiras, como as transferências bancárias.
Ora, não obstante a sua coerência, o Tribunal valorou os depoimentos testemunhais com reserva atendendo às declaradas relações familiares e profissionais existentes entre ambas as testemunhas e o impugnante.
Ademais, tais depoimentos, só por si, desacompanhados de qualquer suporte documental, revelam-se insuficientes para demonstrar que as quantias depositadas nas contas tituladas pelo impugnante eram efectivamente provenientes de rendimentos das sociedades comerciais detidas pela «Família X...».
Os depoimentos testemunhais corroboram o teor do relatório de inspecção tributária e da certidão extraída do processo de inquérito na parte concernente ao recebimento das quantias em numerário depositadas nas contas bancárias do impugnante, no entanto, não lograram convencer o Tribunal quanto à proveniência desses valores.
Na verdade, estando em causa a demonstração da proveniência das mencionadas quantias, tal prova teria de assentar primordialmente em elementos documentais, tais como: i) as certidões do registo comercial referentes às sociedades comerciais pertencentes à «Família X...» (de modo a comprovar quais eram essas sociedades e quem as detinha); ii) documentos contabilísticos e financeiros aptos a demonstrar a que título a testemunha BB retirava rendimentos das sociedades (distribuição de resultados? pagamento de créditos que o impugnante detinha sobre as sociedades? prestação de serviços?); iii) cópias dos cheques através dos quais eram retirados os rendimentos das sociedades e efectuados os levantamentos das quantias em numerário que eram depois depositados nas contas bancárias de que o impugnante era titular; iv) mapas diários/conta corrente, contendo os movimentos de “caixa” e “depósitos” das mencionadas sociedades comerciais; v) declarações de rendimentos do impugnante que evidenciassem o recebimento das quantias depositadas e a que título.
De facto, os depoimentos das testemunhas apenas poderiam desempenhar uma função complementar da prova documental que se mostrava, in casu, adequada ao cumprimento do ónus probatório que recaía sobre o impugnante de demonstrar que as quantias em numerário depositadas nas suas contas bancárias não correspondiam a comissões
Deste modo, não tendo sido junta aos autos qualquer prova documental, os depoimentos prestados não lograram criar no Tribunal a convicção da sua veracidade, o que veio a motivar o julgamento como não provados dos factos supra indicados.»

Nos termos do artigo 662º do CPC, este Tribunal adita aos factos provados os seguintes facto:
N) A instrução do procedimento inspectivo que resultou nas liquidações impugnadas consiste e esgota-se em cópias das páginas referentes ao sujeito passivo AA, mapa resumo de movimentos financeiros relativos ao mesmo coligidos no inquérito penal nº ...7/00.5 JAPRT F e extractos do despacho de encerramento do mesmo inquérito, proferido pelo MP - cf. fls 36/79 do PA.

Da fundamentação de direito da Sentença recorrida, importa reter os seguintes segmentos, que a encerram, no que à sobredita questão concerne:
«Da violação do princípio da verdade material
Invoca ainda o impugnante a violação do princípio da verdade material, argumentando que a Administração Tributária limitou-se a importar os factos constantes da acusação proferida no âmbito do processo criminal n.° ...7/00.5JART - FF, não tendo realizado qualquer diligência instrutória no sentido de apurar a validade e materialidade desses factos, alegando que nos termos do artigo 74.°, n.° 1 da LGT a prova dos factos positivos e geradores de imposto compete à Administração Tributária.
Acrescenta que, sendo a factualidade apurada no processo de inquérito criminal ainda controvertida e não definitiva, a Administração Tributária antecipou em sede de procedimento tributário o juízo de censura ilícito penal.
Por seu turno, a Fazenda Pública sustenta que os factos se encontram devidamente descritos, confirmados e quantificados pela verificação dos elementos e das respectivas contas bancárias do impugnante no âmbito do processo de inquérito criminal.
Acrescenta que, pese embora o resultado do processo criminal não constitua caso julgado em processo tributário, as provas aí produzidas podem e devem ser aproveitadas para fundamentação da posição da Administração.
Considerando os argumentos aduzidos pelas partes, importa, pois, aferir se ocorre violação do princípio da verdade material.
Reportando-se ao princípio do inquisitório, o artigo 58.° da LGT preceitua que "a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”
Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, "o princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da administração tributária (art. 266°, n. 1 da CRP, e 55° da LGT) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (art. 266°, n. 2, da CRP e 55°da LGT). No domínio procedimental, esta obrigação impõe que a administração tributária não aguarde pela iniciativa do interessado que formulou o pedido que deu origem ao procedimento, devendo ela própria tomar a iniciativa de realizar as diligências que se afigurem como relevantes para correcta averiguação da realidade factual em que deve assentar a sua decisão. Por outro lado, aquele dever de imparcialidade reclama que a administração tributária procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração.”
Prosseguem adiante:
Este dever imposto à administração tributária de averiguar a verdade material não dispensa os interessados particulares da obrigação de colaborarem na produção de provas, como se prevê no art. 59.° da L.G.T..
No entanto, a falta de realização pela administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados de elementos probatórios necessários à instrução do procedimento, constitui vício deste, susceptível de implicar a anulação da decisão nele tomada (...)”. (cfr. Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis Editores, págs. 268/269).
Por outro lado, importa sublinhar que é à Administração Tributária que incumbe provar a verificação dos pressupostos legais que a autorizam a proceder a correcções aritméticas à matéria tributável, demonstrando factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes.
É o que decorre do disposto no artigo 74°, n.° 1 da LGT, que, de acordo com a regra geral inscrita no artigo 342.° do C.C., determina que "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque” e do artigo 75.°, n.° 1 do mesmo diploma legal que estabelece que “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (...)".
Finalmente há que ter em conta que vigora no procedimento tributário o princípio da liberdade da prova.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 72° da LGT “o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito”. Em consonância, determina o artigo 50º do CPPT que “no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares”
Transpondo estes considerandos para o caso em apreço vejamos então se, em face dos elementos obtidos no âmbito do processo de inquérito criminal, a Administração Tributária estava obrigada a realizar diligências probatórias complementares.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se os elementos apurados em sede de processo de inquérito criminal, nos quais a Administração Tributária alicerçou as conclusões vertidas no relatório de inspecção, constituem indicadores suficientes para afastar a presunção de veracidade das declarações do contribuinte ou se antes se impunha a realização de diligências instrutórias complementares.
Vejamos, pois.
Apurou-se em sede de inquérito criminal que o impugnante no exercício das funções de liquidatário judicial e no âmbito dos processos de falência em que era nomeado liquidatário judicial recebeu importâncias em numerário, a título de comissões, importâncias essas que se encontravam depositadas em contas bancárias tituladas pelo impugnante.
As conclusões da acção inspectiva resultaram da análise interna das declarações de IRS e de IVA relativas aos exercícios de 2000 e 2001 e dos elementos obtidos no processo de inquérito criminal, nomeadamente a informação bancária referente ao impugnante.
Ora, nada impede a Administração Tributária de aproveitar as provas produzidas no âmbito do processo criminal que possam assumir relevância para efeitos fiscais, designadamente para determinar a matéria colectável para efeitos de tributação.
Na verdade, encontrando-se adstrita ao princípio da legalidade, a Administração Tributária tinha mesmo o dever de utilizar os elementos probatórios obtidos no processo de inquérito criminal.
Tais elementos constituem, a nosso ver, indicadores suficientes para abalar a presunção de veracidade das declarações apresentadas pelo contribuinte, uma vez que indiciam seriamente que o impugnante auferiu, a título de comissões, as quantias que lhe vêm imputadas pela Administração Tributária.
Assim, perante tais indícios não se vislumbra que outras diligências instrutórias deveria a Administração Tributária promover no sentido de apurar a verdadeira situação tributária do contribuinte.
Aliás, sem prejuízo do dever da Administração Tributária de averiguar a verdade material, promovendo todas as diligências instrutórias necessárias para o efeito, isso não desonera os contribuintes do dever de colaboração na produção de provas.
Deste modo, perante a proposta de correcções à matéria tributável, o impugnante bem podia, desde logo no procedimento tributário, demonstrar o desacerto da actuação da Administração Tributária, aproveitando o exercício do direito de audição prévia para juntar elementos de prova e requerer as diligências probatórias que considerasse necessárias.
O impugnante, melhor que ninguém, é conhecedor da proveniência das quantias depositadas nas suas contas bancárias e tem acesso aos respectivos documentos comprovativos.
Por outro lado, em momento algum do procedimento tributário, nomeadamente aquando do exercício do direito de audição prévia, o impugnante concretiza quais as diligências probatórias que deveriam ser realizadas pela Administração Tributária para o apuramento da sua situação tributária.
Concluindo, perante a existência de indícios consistentes e credíveis, obtidos no âmbito do processo de inquérito criminal, a Administração Tributária estava legitimada a proceder às correcções aritméticas da matéria tributável.
E não se diga que, por essa via, a Administração Tributária está a antecipar no âmbito do procedimento tributário o juízo de censura ilícito criminal.
Na verdade, estando apenas em causa, no âmbito do procedimento tributário, a averiguação de factos com relevância fiscal, a actuação da Administração Tributária não está dependente da qualificação do comportamento do impugnante como integrando um ilícito criminal.
Dito de outro modo, as correcções aritméticas à matéria colectável não estavam dependentes da formulação de um juízo sobre a ilicitude e a culpa do impugnante, mas apenas do apuramento de omissões ou inexactidões patenteadas nas declarações apresentadas pelo contribuinte.
Como tal, perante os indicadores de que dispunha, a Administração Tributária não estava impedida de proceder às correcções aritméticas, não obstante ainda se encontrar pendente processo penal, sem sentença transitada em julgado.
Tanto mais que, como se refere no acórdão do STA de 16/02/2005, proferido no processo n.° 08/05, "(…) apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infracção que é corolário do principio in dúbio pro reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial às decisões proferidas em processo criminal. (...)
Sendo assim, independentemente de o tribunal tributário poder e dever aproveitar as provas produzidas em processo criminal, não se pode justificar que se aguarde que nesse processo seja proferida decisão com trânsito em julgado (...)
Em face do que vem dito, temos, assim, de concluir que não existe qualquer violação do princípio do inquisitório, pelo que também aqui falecem as alegações do impugnante.»

Posto isto, enfrentemos a questão de direito supra enunciada.
Este Tribunal Central tem vindo a julgar uniformemente que viola o princípio da busca da verdade material, explicitado no artigo 6º do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento de inspecção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo DL nº 413/98 de 31 de Dezembro) o acto tributário lesivo baseado em procedimento de inspecção que apenas tenha sido instruído com o relatório de um órgão de policia criminal contido num inquérito penal e ou mesmo com a acusação penal respectiva, sem recolha de prova alguma dos factos aí dados como suficientemente indiciados, designadamente as provas documentais aí eventualmente recolhidas e a sua apreciação critica Como exemplos mais recentes indicam-se os acs. de 11/2/2021, no processo 604/05.5BEPRT e o ac. de 8/10/2020 no processo 512/19.2BEMBL, já acessíveis em www.dgsi.pt..
Na continuidade desse entendimento, que já tivemos oportunidade de relatar e subscrever anteriormente, vista a total ausência de actividade investigatória ou instrutória própria no procedimento inspectivo, por uma AT que se bastou com os juízos de valor conclusivos de despacho de encerramento de um inquérito penal, não tendo porfiado por qualquer prova do ali afirmado, e visto o teor da pronúncia prévia do Impugnante, designadamente na parte em que este nega o recebimento das alegadas comissões, e, sobretudo, naquela outra em que alega precisamente a inexistência de qualquer actividade de averiguação própria por parte da AT, não temos reserva alguma em concluir que assistia razão ao Impugnante quanto à alegação de omissão de investigação por parte da AT, pelo que esta não só poderia como deveria sobrestar na emissão do relatório final e proceder outrossim a uma verdadeira investigação, designadamente instruindo o procedimento com esses documentos em que o MP terá assente a sua decisão de encerrar o inquérito penal com acusação contra o aqui impugnante, fazendo ela mesma a apreciação de tais provas.

Assim sendo, impunha-se e impõe-se concluir que a AT, no procedimento de inspecção, preteriu o dever de busca da verdade material, consagrado no artigo 6º do RCPIT, pelo que as liquidações impugnadas eram anuláveis por via de tal vício; e a sentença recorrida, porque se funda no errado julgamento de que tal preterição não ocorreu, merece ser revogada.

Conclusão
Portanto, o recurso merece provimento.

Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e julgar procedente a Impugnação.
Custas pela Recorrente: artigo 527º do CPC.
Porto, 12/10/2023

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Travassos Bento
Carlos Castro Fernandes