Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00520/15.2BEBRG-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:ILEGITIMIDADE ATIVA POPULAR; ASSOCIAÇÃO; ELEITO LOCAL.
Sumário:1-São titulares do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses relativos à saúde pública, ao ambiente, à qualidade de vida, à proteção do consumo de bens e serviços, ao património e ao domínio público, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda (artigos 1 e 2.º da Lei n.º 83/95, de 31.08 e 52.º da CRP);

2- Não detém legitimidade ativa popular para impugnar as deliberações proferidas pela Câmara Municipal e pela Assembleia Municipal, em matéria de urbanismo, de orçamento municipal e de contratação pública, a associação cujos estatutos não tenham como fim a defesa dos bens objeto das deliberações impugnadas.

3- O membro de uma Assembleia Municipal, enquanto eleito local, carece de legitimidade ativa popular para impugnar deliberações tomadas pelos órgãos municipais que não contendam com a sua esfera jurídica ou com o seu estatuto de eleito local.

4- Existe um princípio regra da proibição da auto- impugnação para se evitar que posições divergentes dos eleitos locais, embora saudáveis ao exercício democrático da atividade dos órgãos executivos ou deliberativos de que façam parte, se transformem em litígios jurídicos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:

I. RELATÓRIO

1.1.M., Associação cívica de direito privado sem fins lucrativos, e A., Eleito Local na Assembleia Municipal de (...), moveram ação administrativa contra o MUNICÍPIO DE (...), pedindo a declaração de nulidade ou a anulação:
i) da deliberação da Câmara Municipal de (...) de 10.11.2014 de propor e submeter à Assembleia Municipal o reconhecimento do interesse público do novo edifício dos Paços do Concelho;
ii) da deliberação da Assembleia Municipal de (...) de 13.12.2014 que reconheceu como sendo de interesse público o novo edifício dos Paços do Concelho;
iii) da deliberação da mesma Assembleia Municipal que aprovou o plano de atividades e orçamento de 2015 incluindo a construção do edifício dos Paços do Concelho e, bem assim,
iv) das deliberações de 2.2.2015 da Câmara Municipal de (...) de abertura dos procedimentos de ajuste direto para as prestações de serviços relativos à construção dos novos Paços do Concelho.

Alegam, para o efeito, em síntese, que o Réu é proprietário de um prédio rústico sito na Freguesia de (...), do Concelho de (...), que se situa em zona de reserva agrícola nacional, com cursos de água e fonte de água, em zona próxima das margens do Rio (...).
Sobre esse prédio o Réu pretende edificar o Edifício dos Paços do concelho, tendo a Câmara Municipal deliberado propor e submeter à apreciação da Assembleia Municipal, o reconhecimento do Interesse Público Municipal do novo Edifício dos Paços do Concelho, o que foi aprovado.
O referido prédio rústico, não urbanizável, situado fora de zona de construção permitida pela Lei, ou seja, em zona de reserva agrícola nacional, com cursos de água e fonte de água, será assim afeto a zona de construção, invocando-se para o efeito o interesse público ao abrigo do artigo 12º do Plano de Urbanização.
Mais alega que a Câmara Municipal já deliberou a abertura de procedimento por ajuste direto e aprovou o caderno de encargos e convite para a construção do referido edifício, que constituirá um edificado em grande escala para o prédio rústico em causa, não tendo qualquer enquadramento no local em questão, ainda mais sendo um local de reserva agrícola nacional.
As referidas deliberações são ilegais devendo ser declaradas nulas ou anuladas.
*
1.2.O Réu contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Em sede de defesa por exceção invocou a ilegitimidade ativa dos autores e a inimpugnabilidade das deliberações questionadas.
Defendeu-se ainda por impugnação, alegando não assistir qualquer razão aos AA., tratando-se de trazer para a barra dos tribunais uma questão que é de índole politica, pugnado pela improcedência da ação.
*
1.3. Os AA. replicaram, pugnando pela improcedência das exceções invocadas pelo Réu e requereram o chamamento à lide da CCDR-N – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte a título de intervenção principal provocada ou como contrainteressada.
*
1.4. Em 07 de junho de 2016 o TAF de Braga julgou improcedente o pedido de intervenção principal provocada da CCRD-N e proferiu saneador-sentença no qual se lê o seguinte:
«Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo verificada a exceção de ilegitimidade ativa dos AA. e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada da instância.
Custas a cargo dos AA., não se aplicando a isenção prevista no artigo 4.º do RCP, já que nenhum dos sujeitos ativos tinha legitimidade para intentar ação popular, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC – cf. artigo 527.º do CPC.
Registe e notifique.
Elaborado e revisto usando meios informáticos (art.º 131.º, n.º 5 do CPC ex vi art . 1.º do CPTA).»
*
1.5. Os Autores não se conformam com o saneador-sentença dele tendo interposto o presente recurso jurisdicional, no qual formulam as seguintes conclusões:
«DO ERRO DE JULGAMENTO – QUANTO À LEGITIMIDADE DA RECORRENTE ASSOCIAÇÃO POR UM LADO,
I.
Na petição inicial dos presentes autos a 1ª Autora apresentou-se como uma associação denominada por M., tendo identificado os seus estatutos.
II.
Se por um lado o 2º Autor é um membro eleito local do órgão deliberativo do Réu desde as eleições autarquias de 2013, a 1ª Autora é uma associação privada sem fins lucrativos com objeto social político e respetivo cae 94920, tendo sido constituída em 14-04-2014, por escritura pública e trinta outorgantes, naturais, recenseados e residentes no Concelho de (...),
III.
Na resposta, a Ré veio invocar nos itens iniciais a ilegitimidade dos Autores, porém, ambos os Autores têm legitimidade processual nestes autos de processo principal porque tinham para a ação popular também instaurada, ao abrigo do direito de ação popular, considerando e além disso a escritura pública e o respetivo cae 94920,
IV.
… enquanto o 2º Autor, A., é eleito local e membro da Assembleia Municipal do Réu, desde as eleições autárquicas de 2013.
V.
Ora, para serem partes legítimas é preciso antes de mais que tenham tido o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo, sendo que o pressuposto de legitimidade é que a posição das partes e a relação com a pretensão em juízo.
VI.
Nos termos do art.º 9.º, n.º 2, do CPTA independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.
VII.
Sendo que os presentes autos, bem como os autos de processo de ação principal foram instaurados nos termos dos art.ºs 51.º e 52.º da Constituição da República Portuguesa,
VIII.
Pois claro, dispõe o art. º 52.º, n.º 3, da CRP que:
É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a)Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.
IX.
E que, ainda, dispõe o artigo 12º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto que: A ação popular administrativa compreende a ação para defesa dos interesses referidos no artigo 1.º e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer atos administrativos lesivos dos mesmos interesses.
X.
Todas estas normas foram expressamente violadas pela douta sentença.
XI.
Na verdade, salvo o devido respeito, errou a douta sentença na abordagem concreta da questão, pois, sublinha-se que a enumeração dos interesses difusos protegidos por lei (art.º 1.º, n.º 2, da LAP) é meramente exemplificativa e não taxativa.
XII.
E, além disso, é bom de ver que nos seus estatutos a ora Recorrente associação prevê nas al. f), g) e h) do n.º 1 como objetivos: exercer toda a sua atividade “do povo, pelo povo e para o povo", defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e seus atos e competências;
XIII.
Pelo que dos estatutos da Recorrente associação não se pode encontrar qualquer controvérsia quanto à aplicação devida da al. b) do art.º 3.º da LAP que refere que constituem requisitos de legitimidade ativa da associações e fundações o incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate.
XIV.
Decorre da Lei que a defesa dos interesses em causa deve estar expressamente contida nas atribuições ou nos estatutos, porém, não decorre da norma legal que essa definição tem de ser minuciosa ao ponto de identificar os interesses difusos em pormenor.
XV.
Tal interpretação retiraria, de resto, a substância do direito previsto no art.º 2.º da LAP, vedando às diversas associações a defesa dos interesses difusos pertencentes ao círculo normal da sua ação estatutária.
XVI.
Pelo que, analisados os estatutos da associação recorrente e o objeto dos presentes autos, é bom de ver que tem interesse direto em demandar.
XVII.
É aqui mais uma vez pertinente acrescentar que, apesar de se tratar de uma formulação genérica, a redação dos estatutos da Recorrente não é uma vaga referência aos princípios da legalidade e do Estado de Direito, que poderiam esvaziar de sentido concreto as exigências do art.º 3.º, al. a), da LAP.
XVIII.
Pelo que deverá ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue improcedente a exceção de ilegitimidade ativa da Recorrente associação, prosseguindo os autos os demais trâmites até final.
POR OUTRO LADO,
XIX.
Deveria em qualquer caso ser reconhecido, ad minus, o interesse indireto da Recorrente na demanda, conforme o art.º 2.º, n.º 1, da LAP, que não obriga que a lesão seja direta.
XX.
Pois sempre seriam titulares do direito de ação quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda.
XXI.
Nesse sentido os estatutos da recorrente associação previram nos seus objetivos estatutários a defesa dos direitos dos cidadãos eleitores face aos partidos políticos:
a) ser uma associação cívica, independente, de serviço imparcial e permanente; b) contribuir para a participação cívica e abertura à sociedade civil, no âmbito local, distrital, regional e nacional; c) promover a cidadania, a liberdade, a democracia; d) apoiar e defender a família; e) desenvolver e concorrer, com legitimidade ativa e passiva, com candidaturas aos órgãos eleitorais, de âmbito local, distrital, regional e nacional; f) exercer toda a sua atividade “do povo, pelo povo e para o povo"; g) defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; h) promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e seus atos e competências; i) cooperar com entidades públicas e privadas, podendo criar protocolos com entidades terceiras, em tudo o que se torne necessário para prosseguir os seus objetivos de serviço de todos os cidadãos.
XXII.
Assim deveria decidir-se cumprida a exigência legal quanto ao requisite de “no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa” – cfr. Art.º 2.º, n.º 1, da LAP.
XXIII.
O valor prosseguido na presente ação enquadra-se na noção de interesse difuso.
XXIV.
Pelo que deverá ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue improcedente a exceção de ilegitimidade ativa da Recorrente associação, prosseguindo os autos os demais trâmites até final.
POR ÚLTIMO,
XXV.
O Recorrido terá cometido uma patente ofensa aos referidos princípios com um anúncio da prática duma ilegalidade e com este meio tenciona-se evitar a prática dessa ilegalidade, que é certa se não for travada e causará objetivos danos aos referidos princípios difusos e á sociedade democrática em que vivemos, pois não é estéril anunciar-se a prática duma ilegalidade, praticar-se a ilegalidade e achar-se que nada deve acontecer e que se tem esse direito.
XXVI.
Ou seja, também é um direito soberano, basilar, último que o cidadão tem o direito constitucional de usar todos os meios legais para a defesa do direito universal da Primazia da Lei e do Princípio da Legalidade Democrática.
XXVII.
Aqui trata-se da salvaguarda de direitos universais, princípios difusos intocáveis e basilares: o direito universal da Primazia da Lei e o Princípio da Legalidade Democrática, o que vai muito para além do que uma mera questão de legitimidade.
XXVIII.
Não se afigura, outrossim, legítimo que uma autarquia local, a Recorrida, tenha invocado a exceção de ilegitimidade, quando deveria respeitar o direito de ação da associação e dos cidadãos de Ponte de Lima, conforme documentos juntos aos autos,
XXIX.
É certo que não tem consagração expressa e minuciosa, porém, pode-se perfeitamente inserir no quadro do direito de participação cívica dos cidadãos, direito de natureza coletiva, cuja relevância é inquestionável nos termos do art.º 51.º da CRP.
XXX.
Devem, pois, ressaltar, entre outras normas do art.º 9.º, al. c), da CRP (tarefas fundamentais do Estado: “defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais (…)”, pois que o art.º 52.º, nº 3 da CRP no seu texto e espirito é meramente exemplificativo nos princípios em causa e nas áreas dos mesmos.
DA LEGITIMIDADE DO AUTOR ELEITO LOCAL
XXXI.
Temos, ainda, que não assiste qualquer razão, salvo o devido respeito, à procedência da exceção de ilegitimidade do 2º Autor por este ser eleito local da assembleia municipal do Réu, por causa da alegada regra da proibição de auto-impugnação, conforme os art.º s 9.º, 55.º, ambos do CPTA.
XXXII.
Pois são conferidas aos eleitos locais garantias administrativas para tutela daquele seu direito e que se traduzem na possibilidade de apresentarem queixa ou denúncia da situação junto dos organismos competentes, nos art.ºs 44.º a 62.º e art.º s 24.º a 26.º, todos da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.
XXXIII.
Para além disso e em caso de afetação ou limitação do direito dos eleitos locais ao acesso e exercício das funções e que lhes foi negada assiste-lhes ainda, em nosso entendimento, a garantia contenciosa efetivável junto dos tribunais administrativos nos termos dos arts. 112.º e seguintes do CPTA, Lei da Ação Popular e art.ºs 52.º, 65.º, 66.º, 84.º, 106.º, e 235.º a 241.º, todos da CRP.
XXXIV.
Por último, no mesmo sentido, não esqueçamos que à assembleia municipal órgão, ao qual o 2º Autor eleito local pertence conforme prova nos presentes autos, compete “(…) acompanhar e fiscalizar a atividade da câmara municipal (…)” e bem assim, “(…) acompanhar, com base em informação útil da câmara, (…), a atividade desta e os respetivos resultados, nas associações e federações de municípios, empresas, cooperativas, fundações ou outras entidades em que o município detenha alguma participação no respetivo capital social ou equiparado (…)”.
XXXV.
E decorre do art. 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais (cfr. Lei n.º 29/87, de 30/06, sucessivamente alterada) que: “No exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento dos seguintes princípios: 1) Em matéria de legalidade e direitos dos cidadãos: a) Observar escrupulosamente as normas legais e regulamentos aplicáveis aos atos por si praticados ou pelos órgãos a que pertencem; b) Cumprir e fazer cumprir as normas constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos no âmbito das suas competências; c) (…). 2) Em matéria de prossecução do interesse público: a) Salvaguardar e defender os interesses públicos do Estado e da respetiva autarquia; b) Respeitar o fim público dos poderes em que se encontram investidos; (…).”
XXXVI.
Assim, este direito, que é do órgão (Assembleia Municipal), é também um direito de cada um dos membros que o compõem, devendo, também, improceder a exceção de ilegitimidade quanto ao 2º Autor.
XXXVII.
Pelo que deverá ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue improcedente a exceção de ilegitimidade ativa do Recorrente eleito local, prosseguindo os autos os demais trâmites até final.
DAS NULIDADES PROCESSUAIS
POR UM LADO,
XXXVIII.
Dentro do prazo de 10 dias os Recorrentes suscitaram a presente nulidade, porém, não obtiveram qualquer despacho.
XXXIX.
Na realidade, ambos os Autores, pessoa singular e pessoa coletiva, foram julgados partes ilegítimas, mas o objeto dos presentes não era e nem será ilegítimo, pois, independentemente da assertividade da decisão, certo é que os presentes autos foram instaurados … não estando os Autores em causa própria mas sim na defesa da proteção e interesse da população, do território, do ambiente, do urbanismo e das contas públicas.
XL.
Em prejuízo do exposto, quanto a condenação em custas a douta sentença refere:
“Custas a cargo dos AA., não se aplicando a isenção prevista no artigo 4.º do RCP, já que nenhum dos sujeitos ativos tinha legitimidade para intentar ação popular, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC – cf. artigo 527.º do CPC.
XLI.
Acontece que os Autores estariam sempre isentos de custas, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al. b), do Regulamento de Custas Processuais, em conjugação com o art.º 189.º do CPTA:
Qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de acção popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou
regulamente o exercício da acção popular;
XLII.
Sem prejuízo, no caso de fixação de custas, o que os Autores nem concebem, uma vez que não se estão a representar a si próprios, mas outrossim, interesses difusos da comunidade que estão inseridos,
XLIII.
Dispõe o art.º 20.º, n.º 2 e n.º 3 da Lei de ação popular que:
2 - O autor fica isento do pagamento de custas em caso de procedência parcial do pedido.
3 - Em caso de decaimento total, o autor interveniente será condenado em montante a fixar pelo julgador entre um décimo e metade das custas que normalmente seriam devidas, tendo em conta a sua situação económica e a razão formal ou substantiva da improcedência.
XLIV.
O que deve ser relevado sob pena de nulidade que desde já e à cautela se suscita para os devidos efeitos de correção da fixação de custas que terá, salvo o devido respeito, ocorrido por lapso – cfr. art.º 195.º em conjugação com os art.ºs 617.º e ss., todos do CPC e os art.ºs 1.º, 31.º, n.º 3, 94.º e 189.º, todos do CPTA, bem como o art.º 20.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto.
POR OUTRO LADO,
XLV.
Em virtude da aplicação das regras especiais supra referidas não será aplicável a regra geral prevista no art.º 527.º do CPC, quanto a custas.
XLVI.
Pois nem sequer ficou demonstrado o disposto no art.º 4.º, n.º 5, do RCP quanto à improcedência do pedido, outrossim ocorreu a procedência de uma exceção, sem discussão do mérito dos autos:
5 - Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.
XLVII.
Pois a douta sentença apenas referiu que: “já que nenhum dos sujeitos ativos tinha legitimidade para intentar ação popular – cr. Artigo 527.º do CPC”., o que não equivale a “manifesta improcedência do pedido” conforme o art.º 4.º, n.º 5, do RCP.
XLVIII.
… Era exigível, pois, uma situação de improcedência “agravada”, mercê de ser manifesta ou evidente a improcedência de facto e de direito da pretensão formulada, não se bastando, assim, com um juízo de mera improcedência da pretensão.
XLIX.
Pelo que, sempre sem prescindir, requerem a reforma quanto a custas, conforme o art.º 616.º do CPC e art.º s 1.º e 140.º do CPTA, sem prejuízo do presente recurso interposto.
DA INCONSTITUCIONALIDADE
L.
Como na jurisprudência “os interesses difusos correspondem a interesses juridicamente reconhecidos e tutelados, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo mas não são suscetíveis de apropriação individual por qualquer um desses membros – são simultaneamente interesses não públicos, não coletivos e não individuais”.
LI.
O entendimento preconizado na douta sentença é pois, sem sombra para dúvidas, o esvaziamento da própria essência do direito de ação popular conferido às associações, o que é inconstitucional a interpretação dada pela douta sentença aos art.ºs 2.º e 3.º da LAP, os art.ºs 9.º e 55.º, ambos do CPTA, conforme se suscita.
LII.
Aliás, interpretação contrária está ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, da tutela jurisdicional efetiva, do direito ao recurso, do princípio da igualdade de armas, do direito a um processo equitativo e do princípio pro actione, todos firmados nos artigos 9.º, 20.º e 51.º da CRP, quanto ao direito de associação.
TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªS.,
A) DEVE SER O PRESENTE RECURSO ADMITIDO E CONSIDERADOS TODOS OS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO SUPRA MENCIONADOS QUANTO À EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE JULGADA EM 1ª INSTÂNCIA;
B) DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROVADO E PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-SE POR NOVA DECISÃO QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO NORMAL DA PRESENTE AÇÃO POPULAR, POR NÃO SE VERIFICAR A ILEGITIMIDADE ATIVA DE AMBOS OS AUTORES;
C) OU, SUBSIDIARIAMENTE, AD MINUS, SEM PRESCINDIR, POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO, O QUE NEM CONCEBEM, SE VERIFICAR A LEGITIMIDADE ATIVA DA 1ª AUTORA ASSOCIAÇÃO, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS;
D) SEM PRESCINDIR, DESDE JÁ, DEVERÁ SER APRECIADA AS NULIDADES SUSCITADAS;
E) E SE DIGNE APRECIAR A INCONSTITUCIONALIDADE SUPRA REFERIDA;
F) SEM PRESCINDIR, IMPONDO-SE, NESSA MEDIDA, A REFORMA DO DECIDIDO QUANTO A CUSTAS.».
*
1.6. O Réu não contra-alegou.
*
1.7. Em 09.09.2016 o TAF de Braga proferiu despacho sobre as nulidades invocadas pelos autores nos pontos 45 e seguintes das conclusões de recurso, quanto à decisão de condenação em custas, no qual se pode ler o seguinte:
«Ora, como se conclui no saneador-sentença proferido, e que nos dispensamos de repetir, os AA. não litigam no exercício de ação popular, não são atores populares, e como tal não podem pretender beneficiar da isenção prevista no art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP, nem das regras de pagamento e responsabilidade fixadas no n.º 5 do mesmo dispositivo (e no n.º 3 do art. 20.º do LAP) que sempre dependeriam de litigarem no exercício de ação popular.
Impõe-se, então, manter a condenação em custas.
Face ao exposto, improcede o pedido de reforma da sentença quanto a custas.
Notifique.»
*
1.8. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu parecer, sustentando a improcedência do recurso e pugnando pela confirmação da sentença.
*
1.9. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*

II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2.Nos presentes autos as questões a decidir cifram-se em saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, por ter concluído pela (i) ilegitimidade ativa dos Autores, violando o disposto nos artigos 9.º do CPTA, 52.º, n.º3 da CRP e 12.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, por (ii) ter condenado os Autores em custas e (iii) por ao assim decidir ter violado os princípios constitucionais de acesso ao direito e aos tribunais, da tutela jurisdicional efetiva, do direito ao recurso, do princípio da igualdade de armas, do direito a um processo equitativo e do princípio pro actione, todos firmados nos artigos 9.º, 20.º e 51.º da CRP, quanto ao direito de associação.
**
III.FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
O TAF de Braga não procedeu à fixação dos factos assentes, sendo a factualidade a considerar, a que consta do relatório.
**
III.B. DE DIREITO
3.1. O TAF de Braga considerou os Autores partes ilegítimas com base na seguinte fundamentação:
«(…) A legitimidade é um pressuposto processual, ou seja, uma condição para obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada, permitindo aferir a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o julgador possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a ação procedente ou improcedente.
A ilegitimidade das partes constitui, nos termos dos art.ºs 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.º 2, 577.º, al. e), do C.P.C., exceção dilatória que determina a absolvição do Réu da instância.
No âmbito da lei processual administrativa, o artigo 9.º, nº1 do C.P.T.A. estabelece o princípio geral em matéria de legitimidade ativa, elegendo a titularidade da respetiva relação material controvertida como critério definidor desse pressuposto processual. Esta titularidade deverá ser aferida de acordo com a alegação feita pelo autor (cfr. artigo 9.º, n.º 1 do C.P.T.A. e artigo 26.º, nº3 do C.P.C.). Portanto, o que importa, para aferir da legitimidade como pressuposto processual, não é a relação material controvertida em si, mas a posição em que o autor se coloca perante esta, assim se dispensando a legitimidade substantiva.
Estipula o artigo 9.º do C.P.T.A. que “sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no artigo 40.º e no âmbito da acção administrativa especial se estabelece neste código, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida” [n.º 1], e acrescenta que “independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais ” [n.º 2].
O artigo 9.º, n.º 2 do C.P.T.A., em concretização do artigo 52.º, n.º 3 da C.R.P., prevê o exercício da ação popular destinada à defesa de interesses difusos como critério de legitimidade no âmbito do processo administrativo.
A este respeito referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª Edição revista, Almedina, 2010, págs. 77 e 78) que “a acção popular opera quando se verifiquem dois requisitos: um relativo à legitimidade activa – que, no nosso domínio, está definido na primeira parte deste artigo 9.º, que carece de ser integrado pelas disposições dos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 83/95 – e um relativo ao objecto – que se traduz no elenco de bens ou valores que podem ser tutelados através dessa forma de acção, exemplificativamente referenciados na segunda parte do mesmo n.º 2 do artigo 9. º”.
O direito de ação popular tem consagração constitucional no disposto no nº 3 do artº 52º, reconhecendo-se nesse preceito que “todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa” têm o direito de ação popular, para “promover a prevenção, cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural”, assim como para “assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais”.
Em sua concretização foi aprovada a Lei nº 83/95, de 31/08, que estabelece o direito de participação procedimental e de ação popular.
O nº 1 do artº 1º da Lei nº 83/95 prevê quanto ao seu respectivo âmbito, que “a presente lei define os casos e os termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no nº 3 do artigo 52º da Constituição”.
No nº 2 do art.º 1º da Lei nº 83/95, enumeram-se os interesses protegidos pela lei da ação popular, como sendo, designadamente, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público.
Para o efeito da titularidade do direito de ação popular, prescreve o artº 2º da citada Lei, que são titulares do direito de acção popular “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda”.
O artº 12º, nº 1, da Lei nº 83/95 dispõe que “a acção procedimental administrativa compreende a acção para defesa dos interesses referidos no artigo 1º e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos lesivos dos mesmos interesses”.
O objeto da ação popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos. Com efeito, em virtude do feixe de interesses que converge ou pode convergir sobre determinado bem, há que distinguir: (1) o interesse individual, isto é, o direito subjectivo ou interesse específico de um indivíduo; (2) o interesse público ou interesse geral, subjectivado como interesse próprio do Estado e dos demais entes territoriais, regionais e locais; (3) o interesse difuso, isto é a refracção em cada indivíduo de interesses unitários da comunidade, global e complexivamente considerada; (4) o interesse colectivo, isto é, interesse particular comum a certos grupos e categorias.
A ação popular tem, sobretudo, incidência na tutela de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses... […]. A alínea b do n° 3, acrescentado pela LC n° 1/97, veio alargar expressamente o direito de acção popular à defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais” [cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Anotada”, 4ª edição revista, 1º Volume, pág. 696/699].
Assim, pode dizer-se que a ação popular traduz-se num alargamento da legitimidade processual ativa dos cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa, constituindo o seu objeto, antes de mais, a defesa de interesses difusos.
Quanto ao A. A. escreveu-se no âmbito do processo n.º 580/15.6BEBRG, providencia cautelar apensa a estes autos que, com a qual concordamos integralmente, que “O artigo 55.º, n.º 2, do CPTA atribui legitimidade activa local para a tutela popular correctiva a qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, para impugnação de deliberações dos órgãos autárquicos na circunscrição em que se encontre recenseado.
Trata-se de uma legitimidade sustentada na qualidade de cidadão, permitindo-se que o autor popular local – eleitor - possa contribuir para a reposição da legalidade objectiva, através da destruição de actos/condutas ilegais (acção popular correctiva).
O interesse a proteger na acção principal reconduz-se, sem dúvida, à defesa da legalidade objectiva.
Os sujeitos activos pretendem destruir a deliberação, de 10/11/2014, da Câmara Municipal de (...), a deliberação, de 13/12/2014, da Assembleia Municipal de (...), a deliberação da Assembleia Municipal de (...) que aprovou o plano de actividades e orçamento de 2015, actos que visaram a construção do novo edifício dos Paços do Concelho, o mesmo se diga relativamente às deliberações, de 2/2/2015, da Câmara Municipal de (...) de abertura de procedimentos de ajuste directo para realização de trabalhos/prestação de serviços relacionados com a construção desse mesmo edifício.
Sucede, porém, que A. não alegou/provou que é eleitor, ou seja, que se encontra recenseado em Ponte de Lima, antes resulta dos autos que reside na Póvoa de
Varzim.
Mais, é membro eleito da Assembleia Municipal de (...) pelo M. – Grupo de Cidadãos Eleitores para o quadriénio 2013/2017.
Ora, existe um princípio-regra da proibição da auto-impugnação, exactamente para se evitar que posições divergentes e salutares na actividade dos órgãos, executivos ou deliberativos, se transformem em litígios judiciais.
A. pretende com a presente acção suspender deliberações quer do executivo camarário, quer da Assembleia Municipal, que não contendem com o seu estatuto de
membro eleito à Assembleia Municipal (direitos orgânicos ou estatutários), pelo que forçoso será concluir que A. não tem legitimidade activa em sede de tutela ou defesa da legalidade objectiva (acção pública), porquanto tal legitimidade encontra-se atribuída ao Ministério Público, à pessoa do presidente do órgão colegial ou de quem o substitua e, ainda, ao chamado “autor popular – os eleitores” - cf. artigos 9.º, n.º 1, 55.º, n.º s 1, als. a) e e), e 2 do CPTA e 14.º, n.º 4, do CPA (à data aplicável).
A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem reiteradamente afirmado que a “legitimidade activa para a acção pública constitui um poder-dever apenas ou unicamente conferido ao presidente de cada órgão colegial, tal como já decorria do art. 14.º, n.º 4 do CPA (…)”, tanto mais que: “seria desnecessária essa atribuição de legitimidade ao presidente se o mesmo, como membro do órgão, já dispusesse dessa faculdade, no que se traduzira numa clara redundância ou numa repetição sem nexo ou utilidade, interpretação essa que colidiria com as regras próprias da mesma e que se mostram fixadas no art. 09.º do C. Civil, mormente, no seu n.º 3. ”
[…]”
Resulta do exposto que o A., A., carece de legitimidade ativa para impugnar os atos em crise nos autos.
Quanto ao M. reproduz-se o que a respeito da sua legitimidade ativa se escreveu na decisão supra citada,
“Por sua vez, M. é uma associação privada sem fins lucrativos– cf. de fls. 297 e ss. dos autos.
A segunda parte do artigo 2.º da Lei n.º 83/95, de 31/08, admite que pessoas colectivas possam ter legitimidade, porém, no controlo da legitimidade, o Tribunal tem de verificar as atribuições e objectivos estatutários da organização demandante e conseguir concluir que essa pessoa colectiva segue interesses comum a certos grupos de pessoas com vista à prevenção ou cessação de infracções contra os bens que estatutariamente se propôs a proteger.
Resulta dos Estatutos do M., que esta Associação tem os seguintes objectivos:
“(…)
a). Ser uma associação cívica, independente, de serviço imparcial e permanente;
b). Contribuir para a participação cívica e abertura à sociedade civil, no âmbito local, distrital, regional e nacional;
c). Promover cidadania, a liberdade, a democracia;
d). Apoiar e defender a família;
e). Desenvolver e concorrerem com legitimidade activa e passiva, com candidaturas aos órgãos eleitorais, de âmbito local, distrital, regional e nacional;
f) Exercer toda a sua actividade “do povo, pelo povo e para o povo”;
g). Defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
h). Promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e os seus actos e competências;
i). Cooperar com entidades públicas e privadas podendo criar protocolos com entidades terceiras, em tudo o que se torne necessário para prosseguir os seus objectivos de serviço de todos os cidadãos.
(…)”.
No caso em apreço, a Associação M 51 apenas pode sustentar a sua legitimidade para intentar esta acção popular com a alusão estatutária, de acordo com a qual cabe-lhe “promover a legalidade das entidades públicas e os seus actos e competências”.
Porém, entende este Tribunal que é manifestamente insuficiente.
Diz-se que uma associação tem legitimidade para intentar uma acção popular quando tem como fim institucional a defesa dos valores em causa na acção principal […]
A previsão genérica e ampla no sentido de “Promover (…) a legalidade das entidades públicas e os seus actos e competências” não cria um dever de protecção de qualquer valor constitucionalmente protegido, nomeadamente, os relacionados com o ambiente e urbanismo.
Pois, se assim fosse, qualquer associação que fizesse alusão em termos estatutários a um dever de promoção da legalidade da actuação das entidades públicas teria legitimidade para intentar toda e qualquer acção popular.
Temos, porém, que as associações só têm legitimidade para intervir judicialmente, tanto em processos principais quanto em processos cautelares, quando esteja em causa a defesa de valores constitucionalmente protegidos e desde que tais valores se integrem expressamente nos interesses que lhes cumpre defender. Só se afigurarão legítimas as associações quando o fim institucional consista precisamente na defesa dos interesses que se discutem na acção.
Assim, o interesse da promoção da legalidade da actuação das entidades públicas – dito assim em termos gerais - não permite sustentar a alegada qualidade de Autora popular em defesa de valores do ambiente e do urbanismo. Salta à vista que a M. foi criada especialmente para fins eleitorais, ou seja, para “concorrer (…) com candidaturas aos órgãos eleitorais de âmbito local, distrital, regional e nacional”, tanto mais que A. é membro eleito da Assembleia Municipal de (...), pelo M. para o quadriénio 2013/2017 – cf. documento de fls. 360 e ss. dos autos.”
Verifica-se, pois, também a ilegitimidade ativa da A. M. que determina a absolvição da Entidade Demandada da instância.»
*
3.2. Do Erro de Julgamento Decorrente da Consideração dos Autores Como Partes Ilegítimas.
Os Recorrentes não se conformam com a sentença proferida pelo TAF de Braga, considerando, prima facie, que o tribunal errou ao julgar verificada a sua ilegitimidade ativa.
Vejamos.
Na ação que os Autores moveram contra o Réu vem pedida a declaração de nulidade ou anulação i) da deliberação da Câmara Municipal de (...) de 10.11.2014 de propor e submeter à Assembleia Municipal o reconhecimento do interesse público do novo edifício dos Paços do Concelho, ii) da deliberação da Assembleia Municipal de (...) de 13.12.2014 que reconheceu como sendo de interesse público o novo edifício dos Paços do Concelho, iii) da deliberação da mesma Assembleia Municipal que aprovou o plano de atividades e orçamento de 2015 incluindo a construção do edifício dos Paços do Concelho e, bem assim, das iv) deliberações de 22.2.2015 da Câmara Municipal de (...) de abertura dos procedimentos de ajuste direto para as prestações de serviços relativos à construção dos novos Paços do Concelho.

Conforme resulta dos pedidos que os autores formulam na ação, estão em causa deliberações emanadas por órgãos autárquicos do MUNICÍPIO DE (...).
Constitui pressuposto processual sem o qual ação não pode prosseguir, determinando a absolvição do réu da instância (cfr. artigo 89.º do CPTA), que os autores tenham legitimidade ativa para impugnarem judicialmente as referidas deliberações.
A legitimidade processual é, por conseguinte, o pressuposto adjetivo através do qual a lei seleciona os sujeitos de direito admitidos a intentar uma ação judicial.

Logo, a legitimidade ativa dos autores é condição necessária para que os mesmos possam obter do tribunal uma decisão sobre o mérito da pretensão formulada.
Dispõe o artigo 9.º do C.P.T.A. que:
«1- Sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no artigo 40.º e no âmbito da acção administrativa especial se estabelece neste código, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida;
2- Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais ».

No que concerne à legitimidade ativa, a que se reporta o n.º 1 do artigo 9.º do CPTA, o critério definidor desse pressuposto é a titularidade da respetiva relação material controvertida, a ser aferida de acordo com a alegação do autor (cfr. também artigo 26.º, nº3 do CPC.
Assim, a legitimidade tem de resultar da utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da ação possa advir para as partes, tendo em atenção a relação material controvertida tal como é delineada pelo A. na petição inicial.
Conforme se adverte no Acórdão deste Tribunal, proferido no Proc. n.º 01352/08.0BEVIS:
«I. A legitimidade processual é o pressuposto adjectivo através do qual a lei selecciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo levado a tribunal.
II. A titularidade e, consequentemente, a legitimidade deverá ser aferida pelas afirmações do A. na petição inicial, pelo modo como este unilateral e discricionariamente entende configurar o objecto do processo, sem que na determinação das partes legítimas se deva ter de aferir em função da efectiva titularidade da relação material controvertida existente.
III. A legitimidade constitui um pressuposto processual e não uma condição de procedência, pelo que os problemas que se suscitam em torno da existência da relação material controvertida prendem-se com o fundo da pretensão ou mérito da mesma e nada tem que ver com a definição da legitimidade processual dos sujeitos intervenientes num processo.»

Quanto à legitimidade popular, dispõe o n.º 3 do artigo 52º da Constituição que:
«É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.

Por sua vez, a Lei n.º 83/95, de 31.08, no seu artigo 1.º, n.º 1, veio definir “ os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de ação popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no n.º 3 do artigo 52.º da constituição”. E, no seu n.º2 veio fixar o âmbito dos interesses protegidos, reportando-os à saúde pública, ao ambiente, à qualidade de vida, à proteção do consumo de bens e serviços, ao património e ao domínio público.
Relativamente à titularidade do direito de ação popular (âmbito subjetivo) dispõe o artº 2º da citada Lei, que são titulares do direito de ação popular “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda”.
Este normativo veio consagrar a legitimidade popular, procedendo ao alargamento do conceito tradicional de legitimidade procedimental processual. Neste sentido, cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “ Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., pág. 281.


Já o n.º 2 do artigo do art.º 9.º do CPTA veio expressamente elencar as entidades com legitimidade popular.
A propósito desta norma, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha referem que “(…) a CRP configura a ação popular como uma forma de legitimidade processual ativa dos cidadãos, que poderá ser exercida perante qualquer tribunal- individualmente ou perante associações representativas- independentemente do interesse pessoal ou da existência de uma relação específica com os bens ou interesses difusos que estivessem em causa (…). O n.º 2 do artigo 9.º, em paralelo com a correspondente disposição do artigo 26.º -A do CPC, incorpora no regime processual administrativo a regra de legitimidade que se encontrava já prevista no n.º2 da Lei n.º 83/95; mas dá mais um passo: alarga o campo de incidência da ação popular, incluindo no elenco dos interesses difusos os valores ou bens relativos ao urbanismo e ao ordenamento do território, e confere uma genérica capacidade de iniciativa processual ao Ministério Público.
A receção desta peculiar forma de legitimidade na parte geral do Código torna claro que a ação popular administrativa se aplica a todas as espécies processuais que integram o contencioso administrativo e pode ser utilizada para a obtenção de qualquer das providências judiciárias legalmente admissíveis (…).
Acentuando esta perspetiva, parece claro que a ação popular se caracteriza, não como um meio judiciário específico, mas como uma forma de legitimidade para desencadear os diversos tipos de ações ou providências cautelares que se tornem necessárias à defesa dos interesses difusos.(…)». Cfr. “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Livraria Almedina, 3.ª ed. revista, 2010, pág. 72 e segts.

Quanto a esta questão da legitimidade ativa do autor popular também M. Teixeira de Sousa, In a «Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos no Direito Português», págs. 19 e 20, disponível online em htpp://www.judicium.it/archivio/teixeira01.html>. sublinha que: « A ação popular pode ser proposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como pelas associações e fundações defensoras dos interesses em causa ( art. 2.º, n.º1 da Lei n.º 83/95). Esta solução, baseada na representação de todos os interessados pelo autor popular, apresenta uma dupla vantagem:
- Antes de mais, ela permite evitar as inúmeras ações que poderiam ser propostas por cada um dos sujeitos afetados pela violação do interesse difuso, dado que a ação popular permite resolver um litigio que respeita a uma pluralidade de sujeitos,
-Além disso, a representação dos titulares do interesse difuso pelo autor popular permite minorar as dificuldades que são inerentes à mobilização de todos aqueles interessados, embora favoreça o free-riding, isto é, o aproveitamento por alguns desses interessados da iniciativa e do trabalho desenvolvido por outros.
Convém também salientar que uma solução como a ação popular prevista no art. 52.º, n.º3 da Constituição se traduz num reforço do papel dos tribunais na tutela desses interesses. Quando a função de assegurar a tutela jurisdicional desses interesses é atribuída a um órgão público (como, por exemplo, ao Ministério Público ou o Ombudsman do Consumidor), isso implica uma definição pelo poder legislativo das entidades legitimadas para o exercício dessa tutela e não concede ao tribunal da ação qualquer controlo sobre a legitimidade processual dessas entidades.
Pelo contrário, quando essa mesma legitimidade é atribuída a qualquer cidadão ou a organizações representativas, o tribunal tem de verificar a adequação da representação exercida pelo particular e a inclusão dos interesses em causa nas atribuições e objetivos estatutários da organização demandante”.
Por seu turno, Nuno Sérgio Marques Antunes defende que “ Em termos gerais, deve entender-se que, nos casos de ação popular, a legitimidade é conferida ao cidadão uti civis ( ou uti universis) e já não uti singuli, pois a sua atribuição opera-se então, a partir da integração dos sujeitos numa «categoria –universo», abstrata e objetivamente definida, não havendo lugar à indagação ou especificação do interesse desse sujeito em cada caso concreto” . Cfr. in «O Direito de Ação Popular no Contencioso Administrativo Português», Lex, Lisboa 1997, pág. 72.
**

B.2 Da Ilegitimidade Ativa da Associação“M.”.

Considerando os factos apurados e as normas legais que regulam a legitimidade (singular e popular), o enquadramento normativo efetuado pelo Tribunal a quo e que culminou na decisão de absolvição da instância do Réu com fundamento na ilegitimidade ativa dos autores para a presente ação, merece a nossa concordância.
Os argumentos invocados pelas Recorrentes a favor da legitimidade ativa da 1.ª A., quer os argumentos invocados a favor da legitimidade ativa do 2.º A., não são suscetíveis de abalar a decisão recorrida, cuja fundamentação assenta em sólidos e consistentes argumentos jurídicos.
Aliás, sobre esta problemática e no âmbito do Processo n.º 580/15.6BEBRG, a cuja fundamentação a sentença recorrida aderiu, já foi tirado por este TCAN o Acórdão de 20/05/2016.
E como bem nota o Ministério Público, pese embora os Recorrentes tenham dado entrada das alegações do presente recurso jurisdicional já depois da prolação do citado acórdão do TCAN, de que oportunamente foram notificados, os mesmos «nem sequer se detiveram a rebater a argumentação aí expendida, limitando-se a repisar que lhes assiste a legitimidade ativa para os termos da presente ação popular».
3.3. Quanto à ilegitimidade ativa da 1.ª Autora “M.”, as Recorrentes invocam que a mesma detém legitimidade ativa para os presentes autos por se tratar de uma associação privada sem fins lucrativos com objeto social político e respetivo cae 94920, tendo sido constituída em 14-04-2014, por escritura pública e trinta outorgantes, naturais, recenseados e residentes no Concelho de (...), e por os presentes autos terem sido instaurados nos termos do art.º 52.º, n.º3 da Constituição da República Portuguesa e artigo 12.º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto.
Dizem que a sentença errou na abordagem concreta da questão, uma vez que a enumeração dos interesses difusos protegidos por lei (art.º 1.º, n.º 2, da LAP) é meramente exemplificativa e não taxativa, para além de ser evidente nas alíneas f), g) e h) n.º 1 dos seus estatutos que tem entre os seus objetivos os de exercer toda a sua atividade “do povo, pelo povo e para o povo", defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e seus atos e competências;
A seu ver, nos estatutos da associação não se pode encontrar qualquer controvérsia quanto à aplicação devida da al. b) do art.º 3.º da LAP que refere que constituem requisitos de legitimidade ativa das associações e fundações o incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate.
Embora afirmem que a defesa dos interesses em causa deve estar expressamente contida nas atribuições ou nos estatutos, consideram não decorrer da norma legal que essa definição tem de ser minuciosa ao ponto de identificar os interesses difusos em pormenor. Tal interpretação retiraria, de resto, a substância do direito previsto no art.º 2.º da LAP, vedando às diversas associações a defesa dos interesses difusos pertencentes ao círculo normal da sua ação estatutária.
Concluem que analisados os estatutos da associação recorrente e o objeto dos presentes autos, é bom de ver que a Associação M-51 tem interesse direto em demandar.
Mais alegam que deveria ser reconhecido, ad minus, o interesse indireto da Recorrente na demanda, conforme o art.º 2.º, n.º 1, da LAP, que não obriga que a lesão seja direta, pois sempre seriam titulares do direito de ação quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda, sendo o valor prosseguido na presente ação enquadrável na noção de interesse difuso. E que sempre se trata de salvaguardar direitos universais, princípios difusos intocáveis e basilares: o direito universal da Primazia da Lei e o Princípio da Legalidade Democrática (art.º 9.º, 51.º e 52.º, n.º3 da CRP), o que vai muito para além de uma mera questão de legitimidade.
Ora, considerando as razões avançadas em prol da legitimidade ativa da 1.ª Autora, as mesmas não têm força jurídica para destruir a decisão recorrida que julgou a Associação M. como não tendo legitimidade ativa para a presente ação, tal como resulta bem evidenciado nos acórdãos prolatados por este TCAN que já foi chamado a pronunciar-se sobre esta questão em, pelo menos, dois acórdãos, o já citado acórdão do TCAN de 20.05.2016, proferido no processo n.º 580/15.6BEBRG e no Acórdão de 02.03.2018, proferido no processo n.º 00562/15.8BEBRG.

No Ac. do TCAN de 20.05.2016, proferido no processo n.º 580/15.6BEBRG (recurso relativo à providência cautelar que foi intentada como preliminar da presente ação principal), confirmou-se a decisão da 1.ª instância que julgou a Recorrente Associação M. como não detendo legitimidade ativa, aí se doutrinando: « (…)Com efeito, a ação popular serve para defender em juízo interesses difusos ou coletivos, referindo a lei que só têm legitimidade ativa as pessoas coletivas que, tendo personalidade jurídica, “incluírem nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate” – alíneas a) e b) do artigo 3º da Lei 83/95, de 31.08.
(…) Aqui chegados, e tal como decidido pela 1ª Instância, é manifesto que os objetivos prosseguidos pelo M... não se enquadram no pedido e causa de pedir, isto é no âmbito da defesa do urbanismo e ambiente, em linha, aliás, com o já decidido no acórdão deste TCAN nº 00125/13BEMDL, de 14-02-2014, em cujo sumário se refere que “A requerente não contando entre os fins e/ou interesses prosseguidos ou a defender quaisquer valores e bens constitucionalmente protegidos, mormente, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural, o domínio público [do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais], o ordenamento do território ou o urbanismo, não lhe assiste legitimidade processual ativa nos termos dos arts. 9.º n.º 2, 55.º, n.º 1, al. f) do CPTA, 1.º, 2.º e 3.º da Lei n.º 83/95.”Na al. f) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA confere-se legitimidade ativa para impugnação de ato administrativo às pessoas ou entidades referidas no n.º 2 do art. 9.º, preceito que dá cumprimento, em sede do contencioso administrativo, ao comando constitucional vertido no citado n.º 3 do art. 52.º da CRP.
A proteção dos interesses difusos estende-se, desta feita, a um universo de pessoas ou entidades, sem que estas careçam de demonstrar um interesse pessoal na instauração do processo judicial. Revertendo à situação objeto de apreciação, refira-se que não se mostra assim preenchida a previsão da al. f) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA. Com efeito, confessadamente, e de acordo com o Artº 4º da PI, tem o M. estatutariamente os seguintes objetivos: a) ser uma associação cívica, independente, de serviço imparcial e permanente; b) contribuir para a participação cívica e abertura à sociedade civil, no âmbito local, distrital, regional e nacional; c) promover a cidadania, a liberdade, a democracia; d) apoiar e defender a família; e) desenvolver e concorrer, com legitimidade ativa e passiva, com candidaturas aos órgãos eleitorais, de âmbito local, distrital, regional e nacional; f) exercer toda a sua atividade “do povo, pelo povo e para o povo"; g) defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; h) promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e seus atos e competências; i) cooperar com entidades públicas e privadas, podendo criar protocolos com entidades terceiras, em tudo o que se torne necessário para prosseguir os seus objetivos de serviço de todos os cidadãos.
Não se reconhece assim que a referida associação esteja investida nos termos legais dos poderes que lhe permitiriam estar legitimada para apresentar a presente Providência, não se enquadrando no pedido e causa de pedir, isto é no âmbito da defesa do urbanismo e ambiente, o que determinou a declarada falta de legitimidade da Associação.
Não tem a recorrente M. nos seus estatutos a defesa do urbanismo (…)
A ação popular serve para defender em juízo interesses difusos ou coletivos, referindo a lei que só têm legitimidade ativa as pessoas coletivas que, tendo personalidade jurídica, "incluírem nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate" — alíneas a) e b) do artigo 3° da Lei 83/95, de 31.08..»

Também neste último acórdão, o TCAN a respeito de um processo em que os ora Recorrentes e Recorrido eram partes, e onde igualmente estava em causa a sindicância jurisdicional da atividade desenvolvida por órgãos do Município no âmbito das respetivas atribuições autárquicas, desenvolveu, com relevo para o caso em juízo, a seguinte narrativa:
«(…) pode dizer-se que a ação popular traduz-se num alargamento da legitimidade processual ativa dos cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa, constituindo o seu objeto, antes de mais, a defesa de interesses difusos.
Independentemente de se poder concluir que no objetivo da presente ação poderão, ou não, estar em causa interesses difusos, mas sim coletivos, sempre será de concluir que o recorrente M. não tem legitimidade para a sua instauração.
Na verdade, para as associações e fundações poderem ser titulares do direito de ação popular têm de ter incluído expressamente nas suas atribuições ou estatutos a defesa dos interesses em causa na referida ação (artigo 3º da Lei de Ação Popular). O exercício do direito de ação popular por associações e fundações obedece a um princípio de especialidade, na medida em que se circunscreve à área de intervenção principal destas entidades. Se a defesa dos valores em causa não estiver expressamente consagrada nos estatutos da associação, esta não terá legitimidade para intentar ação em defesa desses interesses. Como vemos dos estatutos da recorrente estes não têm como objetivo a defesa das questões referentes à juventude, verificando-se mesmo que esta foi criada predominantemente para fins eleitorais, de onde decorreu, aliás, a eleição do aqui co-autor para a Assembleia Municipal, em representação da referida associação.».

Como acabamos de verificar, a questão da ilegitimidade ativa da Recorrente Associação M., já foi objeto de decisão por este TCAN em, pelo menos, dois acórdãos, sublinhando-se que no Acórdão de 20.05.2016 se tratou da aferir da (i)legitimidade popular da Recorrente Associação M. para apresentar a providência cautelar intentada como preliminar da presente ação.

Assim, perante o que se expôs e de acordo com as decisões unânimes deste TCAN sobre a questão, as quais subscrevemos dada a sua consistente fundamentação, é irrefutável a falta de legitimidade ativa da Recorrente.

Termos em que se impõe julgar improcedente o presente fundamento de recurso quanto à Recorrente “Associação M.” e confirmar a decisão recorrida na parte em que julgou aquela como carecendo de legitimidade ativa.
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B.3. Da Ilegitimidade Ativa do 2.º Autor, o Eleito Local.

3.3. Quanto à ilegitimidade ativa do 2.º Autor, o Eleito Local, também não vislumbramos razões para divergir da decisão proferida pela 1.ª instância.
Os Recorrentes não têm razão ao sustentarem que a decisão recorrida também errou quanto à procedência da exceção de ilegitimidade ativa por este ser eleito local da assembleia municipal do Réu, por força da alegada regra da proibição de auto-impugnação, conforme os art.º s 9.º e 55.º, ambos do CPTA.

A este respeito, os Recorrentes invocam que aos eleitos locais são conferidas garantias administrativas que se traduzem na possibilidade de apresentarem queixa ou denúncia de situações como as que são objeto da presente ação popular junto dos organismos competentes, em consonância com o disposto nos art.ºs 44.º a 62.º e art.º s 24.º a 26.º, todos da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. E que não faria sentido que os eleitos deixassem de poder exercer um direito atribuído a qualquer pessoa, assistindo-lhes a garantia contenciosa efetivável junto dos tribunais administrativos nos termos dos arts. 112.º e seguintes do CPTA, Lei da Ação Popular e art.ºs 52.º, 65.º, 66.º, 84.º, 106.º, e 235.º a 241.º, todos da CRP.
Ademais, invocam que o 2º Autor, enquanto membro da Assembleia Municipal, deve exercer competências de fiscalização da atividade da Câmara, o que pressupõe que cada um dos seus membros tem o direito (e o dever) de se munir dos elementos necessários para essa tarefa ou função de “acompanhamento e fiscalização”, solicitando, se for caso disso, à Câmara Municipal os documentos de que, para aqueles efeitos, careçam.
Mas sem razão.

Existe um princípio regra da proibição da auto- impugnação para se evitar que posições divergentes mas saudáveis ao exercício democrático da atividade dos órgãos executivos ou deliberativos se transformem em litígios jurídicos.

Sobre a questão da falta de legitimidade do eleito local, como é o caso do 2.º autor, para impugnar deliberações tomadas pelos órgãos municipais que não contendam com a sua esfera jurídica ou com o seu estatuto de eleito local, já se pronunciaram várias vezes os tribunais superiores desta jurisdição.

Assim, por exemplo, no acórdão deste TCAN de 09/02/2006, proferido no processo n.º 00228/04BEPNF, obtemperou-se que «(…) estando-se perante uma impugnação de deliberações tomadas em reunião do executivo camarário que não dizem, que não contendem e/ou que não incidiram diretamente com a esfera jurídica dos aqui recorrentes enquanto e na qualidade de vereadores, mormente, com o seu estatuto e direitos dele decorrentes, o regime contencioso atualmente vigente, tal como, aliás, o anterior, não lhes confere legitimidade ativa em sede de tutela ou defesa da legalidade objetiva (ação pública), pois, a mesma radica ou assiste unicamente ao MP, à pessoa do presidente do órgão colegial ou de quem o substitua e, ainda, ao chamado “autor popular” [cfr. arts. 09.º, n.º1, 55.º, n.ºs 1, als. a) e e) e 2 do CPTA e 14.º, n.º 4 do CPA].
Não estando em questão uma deliberação da Câmara Municipal que tenha por único objeto pronúncia ou omissão que alegadamente viole os chamados “direitos orgânicos ou estatutários” do vereador este não detém, enquanto membro do órgão colegial, legitimidade ativa para impugnar as deliberações do órgão de que faz parte em defesa ou prosseguindo um mero interesse de tutela da legalidade objetiva.
É que tratando-se de questão que já tinha sido objeto de discussão em sede do anterior regime de contencioso administrativo não pode deixar de ser sintomático o regime legal que veio a ser consagrado com a Reforma no art. 55.º, n.º 1, al. e) do CPTA, o qual não pode deixar, assim, de constituir um claro sinal no sentido de que a legitimidade ativa para a ação pública constitui um poder-dever apenas ou unicamente conferido ao presidente de cada órgão colegial, tal como já decorria do art. 14.º, n.º 4 do CPA, e que aquele poder não está disseminado pelos demais membros do órgão.
Será, pois, de repudiar a interpretação propugnada pelos aqui recorrentes no sentido de que idênticos poderes de controlo da legalidade objetiva estão conferidos por lei aos demais vereadores da edilidade, tanto, para mais, que seria desnecessária essa atribuição de legitimidade ao presidente se o mesmo, como membro do órgão, já dispusesse dessa faculdade, no que se traduzira numa clara redundância ou numa repetição sem nexo ou utilidade, interpretação essa que colidiria com as regras próprias da mesma e que se mostram fixadas no art. 9.º do C. Civil, mormente, no seu n.º 3.
(…) Importa ter presente que o regime decorrente do art. 14.º, n.º 4 do CPA, ora processualmente adotado no art. 55.º, n.º 1, al. e) do CPTA, constitui já uma exceção ao princípio-regra da proibição da auto impugnação, o que inviabiliza interpretação ou entendimento do qual resulte a consagração de outra exceção ao referido princípio. Aliás, atente-se na argumentação expendida a este propósito no acórdão do STA de 28/03/2001 (Proc. n.º 46890 “(…) O n.º 4 constitui, (…), uma aplicação particular do dever, atribuído ao presidente no n.º 2 do mesmo artigo, de assegurar o cumprimento das leis e a regularidade das deliberações; e não pode duvidar-se que o mencionado n.º 4, ao acolher um desvio ao princípio da proibição da auto impugnação, só faz sentido enquanto limita esse mesmo desvio à conduta possível do presidente do órgão(…)”. Cfr. Acordão do TCAN, de 29/11/2007, proferido no processo n.º 00842/05BEBRG;


Sobre a ilegitimidade do 2.º autor como eleito local, para impugnar deliberações dos órgãos autárquicos de Ponte de Lima, este TCAN pronunciou-se nos Acórdão supracitados, de 20.05.2016- processo n.º 580/15.6BEBRG- e de 02.03.2018 - processo n.º 00562/15.8BEBRG.

No primeiro destes acórdãos, sobre a ilegitimidade ativa do 2.º Autor, pode ler-se o seguinte:
«(…)O referido pressupõe, como no caso em análise, que não estejam em causa decisões e/ou deliberações que incidam sobre matérias relativas ao estatuto dos eleitos locais, pois que, sem prejuízo do exercício da ação pública movida pelo MP, neste caso sempre se mostraria admissível a impugnação judicial daqueles atos, enquanto “atos destacáveis” do procedimento administrativo.
E suposto que o eleito local, divergindo de uma deliberação submetida a votação, ou no órgão em que tem assento, ou naquele que institucionalmente superintende, vote contra a mesma ou suscite a sua alteração por via dos canais disponíveis por via administrativa, ficando, aliás, se for caso disso, isento de responsabilidade que eventualmente decorra do deliberado (cfr. arts. 28.º, n.º 2 do CPA e 93.º, n.º 3 da Lei Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos órgãos dos Municípios e das Freguesias - Lei n.º 169/99, de 18/09, alterada pela Lei n.º 5-A/02, de 11/01).
Pretendendo o Autor AAAB, enquanto membro da Assembleia Municipal de (...), a qual tem poderes de fiscalização sobre a respetiva Câmara Municipal, impugnar por via judicial deliberações aprovadas pelos órgãos municipais, sem mais, tal subverteria toda a democraticidade e autonomia do poder local.
Mal seria que o membro de um órgão eleito pudesse ignorar esta sua qualidade, assumindo-se como mero eleitor, de modo a que, enquanto tal, intentasse uma ação de impugnação ou de suspensão de ato proferido pelo órgão de que é membro, o que constituiria uma esquizofrenia do sistema.
Neste mesmo sentido havia já apontado o referenciado acórdão deste TCAN, nº 00228/04.4BEPNF, de 09-02-2006,(…)
(…)
Alude-se ainda ao entendimento explanado por Mário Esteves de Oliveira e outros [Código de Procedimento Administrativo, 2ª edição, atualizada, revista e aumentada, páginas 148 e 149] em anotação ao artigo 14º do CPA, segundo o qual, e no que aqui releva “[…] São direitos, poderes e deveres comuns a todos os membros dos órgãos colegiais – o seu estatuto – os seguintes:
a) O direito de investidura […]; b) O direito de requerer a inclusão de assuntos na ordem do dia das reuniões; c) O direito [e dever] de assistir às reuniões e para elas ser convocado; d) O direito de apresentar propostas; e) O direito de discussão; f) O direito [e o dever] de voto; g) O direito de requerer a recontagem dos votos; h) O direito de declaração de voto de vencido; i) O dever de se abster de participar e qualquer forma [propondo-a, discutindo-a ou votando-a] na deliberação em que tenha interesse; j) O direito de acesso a todos os registos e atas do órgão, para se informar; l) O direito de reclamar e de recorrer para o próprio órgão [se o mesmo as puder rever] das decisões do presidente que considere inconvenientes ou ilegais – mas não o direito de recorrer externamente delas, salvo no caso da alínea seguinte; m) O direito de recorrer ou impugnar as decisões do Presidente ou do próprio órgão, que afetem qualquer um dos direitos referidos nas alíneas anteriores. […]”
b) Mais adiante [in ob. cit. páginas 151 e 152] reportando-se aos poderes do presidente em matéria de direção ou condução dos trabalhos referem: “[…] No plano prático, […], parece que deveria admitir-se o recurso das decisões do presidente, junto do próprio órgão colegial, no que respeita à sua competência nestas matérias.
No plano jurídico, não é assim, como resulta precisamente do facto de a lei ter sido clara ao confiar ao presidente, nunca ao órgão colegial, os interesses públicos de ‘dirigir os trabalhos’ e de ‘assegurar o cumprimento das leis e a regularidade das deliberações’, bem como o poder de ‘suspender e encerrar ou antecipar as reuniões’.
[…] E, sendo assim, ou existem disposições não revogadas a consagrar especificamente a possibilidade de sobreposição da vontade do órgão colegial à do seu presidente, no exercício das competências aqui configuradas, ou, pelo Código, tal possibilidade não existe.
É claro que o membro ou membros do órgão colegial que se sintam lesados, nos seus direitos ‘orgânicos’ ou ‘estatutários’, pelas decisões tomadas pelo presidente no exercício destas suas competências, podem recorrer de tais decisões junto dos tribunais, como se se tratasse de atos destacáveis do procedimento: não podem é pretender que seja o órgão colegial a sancionar essa lesão, pois faltam-lhe as atribuições e competências para tanto, a não ser naturalmente quando a lei o previr e pela forma nela estabelecida (…).” Também António Cândido Oliveira [in CJA, nº 25, 2001, páginas 29 e seguintes] referiu que: “[…] O membro da assembleia municipal que deu origem ao presente recurso considerou ter sido atingido no seu direito de ser convocado em devido prazo e poderemos imaginar muitas outras situações em que os direitos dos membros dos órgãos colegiais de contribuir para a formação da vontade do órgão a que pertencem podem ser afetados de modo ilegal [não concessão da palavra, tendo direito a ela; impedimento de votar, com pretenso fundamento no artigo 44º do CPA; ter sido considerado ausente quando porventura esteve presente no momento da votação, etc.]. Ora, em todos estes casos, parece-nos que o membro do órgão tem o direito de impugnar as decisões ou deliberações em causa, porque são afetados direitos que a lei confere, e mau seria que o ordenamento jurídico depois de lhe dar direitos não lhes desse proteção adequada. […].”Reportadamente ao regime contencioso administrativo, Pedro Gonçalves [“A justiciabilidade dos litígios entre órgãos da mesma pessoa coletiva pública”, CJA, nº35, 2002, páginas 9 e seguintes, em especial, páginas 18 a 20] refere que “[…] entende-se aqui que a deliberação do órgão que provoca uma lesão dos direitos que integram o estatuto dos seus membros pode ser impugnada por estes nos termos gerais da “ação particular”: em ação proposta contra a pessoa coletiva [artigo 10º n° 2], os autores terão de alegar a titularidade de um interesse direto e pessoal [invocando a lesão dos direitos que integram o seu estatuto de membros do órgão], no caso de pretenderem impugnar uma deliberação do órgão ou uma decisão do presidente [artigo 55° n° 1 alínea a)], ou, ainda invocando os seus direitos decorrentes da posição de membros do órgão, terão de alegar a titularidade de um direito à emissão de um ato, no caso de pretenderem obter a condenação do órgão ou do presidente à prática de um ato devido [artigo 68° n° 1 alínea a)]. O reconhecimento da legitimidade ativa dos membros dos órgãos para impugnarem deliberações que os afetem é, do nosso ponto de vista, corolário natural do carácter jurídico das relações entre o órgão e os seus membros, representando em muitos casos o único meio de se obter a proteção de direitos conferidos pela lei. É, por isso, de repudiar a doutrina segundo a qual os membros dos órgãos não têm legitimidade para impugnar deliberações que lesem aqueles direitos, com o fundamento de que se trata de “direitos orgânicos ou estatutários”, que não lhes são conferidos na qualidade de cidadãos, mas sim na de membros de órgãos. Apesar de os direitos dos membros dos órgãos não lhes serem conferidos na “qualidade de cidadãos”, nem por isso pode desconhecer-se que se trata de direitos subjetivos que lhes são conferidos; além disso, na “ação particular”, a legitimidade processual ativa não está [nem no CPTA, nem na lei processual vigente] limitada aos cidadãos, mas sim a todos os que sejam titulares de um interesse direto e pessoal [e legítimo, na lei atual].
O que falta aos membros dos órgãos colegiais — com a exceção do respetivo presidente: artigo 55° n° 1 alínea e) do CPTA, e artigo14° n° 4, do CPA — é, isso sim, a legitimidade para a propositura de ações em defesa da legalidade administrativa: quanto a este aspeto, tem razão o Supremo Tribunal Administrativo ao decidir que “não se reconhece aos membros dos órgãos colegiais [que não o presidente ou quem as suas vezes fizer], nessa qualidade e independentemente de interesse pessoal, legitimidade para impugnar as deliberações que considerem ilegais.” […].”

A decisão recorrida acolheu a jurisprudência deste TCAN sobre a questão da ilegitimidade do 2.º autor, reproduzindo a argumentação aduzida no âmbito da fundamentação jurídica avançada no Processo n.º 580/15.6BEBRG.
Porque nos revemos na citada jurisprudência, impõe-se julgar improcedente os fundamentos de recurso aduzidos pelas Recorrentes, confirmando-se a decisão recorrida na parte em que julgou o 2.º autor como parte ilegítima.
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B.4.Do Erro de Julgamento Decorrente da Violação de Princípios Constitucionais do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efetiva, da igualdade de armas e do pro actione.
4.1. Os Recorrentes sustentam que o entendimento preconizado na sentença quanto aos pressupostos da legitimidade popular, é o esvaziamento da própria essência do direito de ação popular conferido às associações, pelo que é inconstitucional a interpretação dada pela douta sentença aos art.ºs 2.º e 3.º da LAP, os art.ºs 9.º e 55.º, ambos do CPTA.
Assim, defendem que a interpretação efetuada pela sentença está ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, da tutela jurisdicional efetiva, do direito ao recurso, do princípio da igualdade de armas, do direito a um processo equitativo e do princípio pro actione, todos firmados nos artigos 9.º, 20.º e 51.º da CRP, quanto ao direito de associação.
Mas sem razão.
Como vimos, o exercício do direito de ação popular por associações e fundações obedece a um princípio de especialidade. Logo, se a defesa dos valores objeto dos pedidos deduzidos na ação popular não estiverem expressamente abrangidos por nenhuma disposição dos estatutos da associação, então a mesma carece de legitimidade ativa para intentar ação popular em defesa de tais interesses.
No caso, dos estatutos da 1ª Autora não se logrou descortinar nenhuma disposição que habilitasse a referida associação a intervir em matérias de urbanismo e ambiente sobre que versam as deliberações que se pretendia impugnar.
Aliás, o que se verifica é que a 2.ª Autora foi criada para prosseguir fins de natureza predominantemente eleitoral, de onde decorreu, aliás, a eleição do 2.º Autor para a Assembleia Municipal, em representação da referida associação.
É incontroverso que o mecanismo processual em que se traduz a ação popular serve para defender em juízo interesses difusos ou coletivos. E a lei estabelece que só possuem legitimidade ativa as pessoas coletivas que, tendo personalidade jurídica, «incluírem nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate» — alíneas a) e b) do artigo 3° da Lei 83/95, de 31.08.
Este entendimento não atropela os direitos constitucionalmente reconhecidos dos Recorrentes de acesso ao direito e aos tribunais, ao invés do que sustentam.
O direito de acesso aos tribunais consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP tem de ser balizado pelas limitações decorrentes da Constituição e da lei ordinária, designadamente pelos entraves colocados às partes pelos pressupostos processuais contemplados nas leis adjetivas.
Isso sem prejuízo da prevalência da substância sobre a forma. Aliás, no processo civil português vigora um princípio oriundo já dos tempos da Roma antiga, enunciado como “favorabilia amplianda, odiosa restringenda” brocardo que se encontra consubstanciado no princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais das partes. De acordo com o mesmo, é acertado sustentar que os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus atos sejam sempre interpretados no sentido do alargamento desses direitos e nunca da sua restrição.
Conforme se refere no Ac. do TRL de 17.11.2009, proferido no processo 3417/08.9TVLSB.L1-1) «É também isso que se estipula no n.º 4 do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa; o acesso dos cidadãos e demais entidades que interagem no comércio jurídico ao Direito deve ser facilitado e não dificultado.»
Na situação vertente, sem prejuízo do recurso a uma interpretação que privilegie a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas, em detrimento das decisões formais, o julgador não poderá deixar de efetuar uma exegese rigorosa e de aplicar, quer a lei substantiva quer a processual, de harmonia com o que ressuma dos próprios textos legais.
Quanto ao princípio da tutela jurisdicional efetiva dispõe o artigo 2.º, n.º1 do CPTA que o mesmo «compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão».
Acresce que o princípio da tutela jurisdicional efetiva postula a adoção de uma «compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direito fundamentais e organização e processo de proteção e garantia». Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da Republica Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed. revista, 2007, pág. 416).
Ademais como bem sublinhou o STA «No âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalista, “pro actione” e “ in dúbio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva». Cfr. Ac. do STA de 30.04.2008, no rec. N.º 0850/07;
E, por paradigmática, veja-se ainda a jurisprudência firmada no Ac. do STA, de 09.05.02, processo n.º 0701/02, nos termos do qual :« I - O princípio da plenitude da garantia jurisdicional para tutela das posições subjectivas dos particulares não implica que, em todas as situações, o Tribunal tenha de proferir decisão quanto ao mérito da causa, não se apresentando, por isso, tal princípio, como óbice à existência de pressupostos processuais, desde que estes se não traduzam, na prática na denegação da justiça, mediante a criação de obstáculos de tal monta que se reconduzam na supressão, ou restrição do direito de acesso à via judiciária.
II - Os princípios antiformalista e pro actione postulam que, ao nível dos pressupostos processuais se deva privilegiar uma interpretação que se apresente como mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.»
Na situação vertente, a ilegitimidade das Recorrentes constitui um pressuposto processual que, não sendo suprível, determina a absolvição do Réu da instância, nada mais se impondo ao Tribunal providenciar em nome do princípio do pro actione, no sentido ordenador que decorre desse princípio de dar-se prevalência ás decisões de mérito sobre as decisões de forma.
Termos em que improcedem os apontados fundamentos de recurso.
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5. Do Erro de Julgamento Decorrente da Condenação em Custas dos Autores.
5.1. Os Recorrentes imputam erro de julgamento à decisão recorrida por os ter condenado em custas.
Sustentam que estariam sempre isentos de custas, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al. b), do Regulamento de Custas Processuais, em conjugação com o art.º 189.º do CPTA, uma vez que não se estão a representar a si próprios mas outrossim interesses difusos da comunidade em que estão inseridos, razão pela qual, nos termos do art.º 20.º, n.º 2 e n.º 3 da Lei de Ação Popular sempre estariam isentos do pagamento de custas, o que deve ser deve ser relevado sob pena de nulidade.
Frisam que não obstante terem sido julgados partes ilegítimas, o objeto dos presentes não era e nem será ilegítimo, pois, independentemente da assertividade da decisão, “certo é que os presentes autos foram instaurados … não estando os Autores em causa própria mas sim na defesa da proteção e interesse da população, do território, do ambiente, do urbanismo e das contas públicas”.
Pelo que, sem prescindir, requerem a reforma quanto a custas, conforme o art.º 616.º do CPC e art.º s 1.º e 140.º do CPTA, sem prejuízo do presente recurso interposto.

Os autores entendem que por litigarem no exercício do direito de ação popular estão isentos de custas.
Mas sem razão.
O artigo 616.º do CPC prescreve que “A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.” (n.º 1) e “Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação”.
Em relação à reforma quanto a custas, escrevia o Prof. José Alberto dos Reis, em anotação ao artigo 670.º do CPC anterior, cuja alínea b) previa igual reforma quanto a custas e multa, que “se a decisão proferida pelo juiz quanto a custas e multa, ou só quanto a custas ou quanto a multa, foi ilegal, isto é, se a parte condenada entender que essa decisão interpretou mal ou aplicou erradamente a lei, pode ela pedir que seja reformada. Neste caso é óbvio que o meio facultado pelo art.º 670.º exerce função semelhante, à que normalmente exercem os recursos: visa impugnar a decisão proferida, por erro de julgamento, e a conseguir que seja substituída por outra conforme à lei”.

Esta questão, foi, aliás, objeto de despacho proferido pela Meritíssima Juiz a quo, em termos que merecem a nossa adesão.
Foi o seguinte o despacho proferido pelo do Tribunal a quo:
«Em sede de alegações, e reiterando anterior requerimento analisado supra, os AA. suscitaram a “nulidade” quanto à condenação em custas em sede de saneador-sentença por entenderem estar isentos de custas nos termos dos arts. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP ex vi art. 189.º do CPTA e 20.º, n.º 2 e 3 da Lei de Ação Popular.
Contudo, como se viu, os AA. confundem nulidades da sentença, nulidades processuais e o erro de julgamento quanto à condenação em custas.
Interpretando devidamente o alegado nos pontos 45 e ss., e considerando que a alegação dos AA. não consubstancia qualquer nulidade da sentença elencada no art. 615.º, n.º 1 do CPC, nem tão pouco perante qualquer nulidade processual, nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC, do que se trata é de um pedido de reforma da sentença quanto a custas e que cabe, ora, ao abrigo do art. 617.º, n.º 1 do CPC decidir.
Entendem os AA. beneficiar da isenção de custas a que se reporta o arts. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP por litigarem nos autos, não em causa própria, mas sim na defesa da proteção e interesse da população, do território, do ambiente, do urbanismo e das contas públicas.
Não lhes assiste, porém, razão. Escreveu-se na decisão que, “Custas a cargo dos AA., não se aplicando a isenção prevista no artigo 4.º do RCP, já que nenhum dos sujeitos ativos tinha legitimidade para intentar ação popular, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC – cf. artigo 527.º do CPC”.
Dispõe o art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP que é isenta de custas, “Qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de ação popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou regulamente o exercício da acção popular” e no n.º 5 do mesmo normativo que “Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.”
E o art.º 20.º, n.º 2 e n.º 3 da Lei de ação popular que:
2 - O autor fica isento do pagamento de custas em caso de procedência parcial do pedido.
3 - Em caso de decaimento total, o autor interveniente será condenado em montante a fixar pelo julgador entre um décimo e metade das custas que normalmente seriam devidas, tendo em conta a sua situação económica e a razão formal ou substantiva da improcedência.
Em primeiro lugar, refira-se que a isenção prevista no art. 20.º, n.º 2 e 3 da Lei 83/95, foi revogada pelo disposto no art. 25.º do Decreto-Lei n.º 34/2008.
Em segundo lugar, a isenção prevista no art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP e, consequentemente, a aplicabilidade das regras quanto à responsabilidade e montante do pagamento fixadas no n.º 5 do mesmo dispositivo (e no n.º 3 do art. 20.º do LAP, caso se entenda que a mesma, por não fixar uma isenção de custas, não foi revogada) depende de o autor litigar no exercício de ação popular.
Ora, como se conclui no saneador-sentença proferido, e que nos dispensamos de repetir, os AA. não litigam no exercício de ação popular, não são atores populares, e como tal não podem pretender beneficiar da isenção prevista no art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP, nem das regras de pagamento e responsabilidade fixadas no n.º 5 do mesmo dispositivo (e no n.º 3 do art. 20.º do LAP) que sempre dependeriam de litigarem no exercício de ação popular.
Impõe-se, então, manter a condenação em custas.
Face ao exposto, improcede o pedido de reforma da sentença quanto a custas.
Notifique.»

Ademais, tal questão também já foi objeto de decisão expressa por parte deste TCAN nos ditos acórdãos de 20.05.2016- processo n.º 580/15.6BEBRG- e de 02.03.2018 - processo n.º 00562/15.8BEBRG.
Assim, no acórdão deste TCAN de 20.05.2016 prolatou-se, em relação à condenação em custas dos autores de ação popular, o seguinte:
«(…) Decorre do art. 4.º do RCP que “estão isentos de custas:

b) Qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de ação popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou regulamente o exercício da ação popular”, prevendo-se no n.º 5 do mesmo preceito que “nos casos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido”

Analisados os termos da sentença recorrida, e tal como defendido pelo Ministério Público, verifica-se que a pretensão cautelar deduzida foi-o ao abrigo do direito de ação popular ao que acresce a circunstância de na decisão proferida o Réu ter sido absolvido da instância por ilegitimidade ativa dos Requerentes cautelares.
Se é certo estarmos perante uma ação deduzida ao abrigo do direito de ação popular, na qual os seus autores beneficiariam potencialmente do regime de isenção de custas nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP, o que é facto é que tal isenção deixará de ter razão de ser, perante a decisão proferida a final.
Assim, no caso vertente, perante a absolvição da entidade demandada por ilegitimidade ativa dos requerentes cautelares, concluiu-se assim pela manifesta improcedência do pedido, pelo que não poderão beneficiar de isenção de custas face ao que decorre da aplicação conjugada dos arts.4.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP…»

Também no Ac. do STA de 09/10/2014, processo n.º
0926/14 sumariou-se a seguinte jurisprudência:
« I - O demandante em processo judicial deduzido ao abrigo do direito de ação popular beneficia de regime de isenção de custas nos termos do art. 04.º, n.º 1, al. b) do RCP, isenção essa que deixa de ter lugar se o pedido vier a ser julgado como manifestamente improcedente (n.º 5 do referido preceito), juízo que apenas terá lugar a final e que exige uma situação de improcedência “agravada”, mercê de ser manifesta ou evidente a improcedência de facto e de direito da pretensão formulada, não se bastando com um juízo de mera improcedência da pretensão.
II - Perante juízo de manifesta improcedência de pretensão cautelar deduzida ao abrigo de direito de ação popular firmado através de decisão de rejeição liminar daquela pretensão o requerente não beneficia de isenção de custas face ao que decorre da aplicação conjugada dos arts. 04.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP, e 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA.» Cfr. ainda Ac. STA de 09/10/2014, recurso n.º 0953/14.»
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Em conformidade com a citada jurisprudência impõe-se julgar improcedente o invocado erro de julgamento e confirmar a decisão recorrida quanto à condenação em custas dos autores.
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IV- DECISÃO

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a decisão proferida em 1ª instância.
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Custas pelos Recorrentes – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do RCP.
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Registe e notifique.
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Porto, 15 de maio de 2020.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro