Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00724/13.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC, MÉTODOS INDIRECTOS;
DEVER INQUISITÓRIO DA AT;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO FINAL DO PROCEDIMENTO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL;
Sumário:
I – Decorre da conjugação dos nºs 1 e 2 alª a) artigo 75º da LGT que, provados, pela AT, factos geradores de indícios fundados de que quaisquer declarações, elementos da contabilidade ou escrita não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real, cessa a presunção da veracidade desses declarações, contabilidade e escrita, pelo que, à luz do nº 1 do artigo 74º da LGT, passa a ser do contribuinte a prova dessa veracidade, ao menos no concernente aos elemento cuja veracidade for desconsiderada pela AT.

II - Assim, bastava à AT, in casu, obter fundados indícios de as facturas não corresponderem a operações reais, pelo que de modo algum a ilegalidade da desconsideração das facturas pode advir de não ter sido provada, tout court, a simulação.

III - Por outro lado, dada aquela conjugação legal entre regras sobre o ónus da prova, o dever inquisitório da AT (artigo 6º do RPIT e 58º da LGT) não tinha já como objecto o facto da simulação do negócio objecto das facturas, mas sim aqueles outros factos dos quais emergisse a existência – ou a inexistência – de fundados indícios dessa simulação.

IV - A decisão do procedimento de revisão em que se baseiam, em um último termo, as liquidações impugnadas, padece de falta de fundamentação por violação do nº 7 do artigo 92º da LGT, porque nem directamente nem por remissão enuncia as razões por que discordou do perito independente, pelo que também as mesmas liquidações são anuláveis por padecerem desse vício.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I
Relatório

[SCom01...], LDA., NIF ..., com sede no Lugar ..., ..., interpôs o presente recurso de apelação, inconformada que ficou com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 31/01/2022, que julgou improcedente a impugnação das liquidações de IRC e juros compensatórios nºs ...43, ...85, ...61, ...60 relativas aos exercícios de 2008 e 2009, no valor total de 145 294,38 €.

Termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«III‐ CONCLUSÕES:
A) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º 724/13.2BEBRG, U.O. 2, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente o pedido formulado pela Alegante que aí pugnava pela anulação dos actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, referente aos períodos de tributação de 2002 e 2003 no montante global de € 145.294,38.
B) De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a improcedência da impugnação encontra-se ancorada na circunstância de a Impugnante não ter logrado provar: (i) da credibilidade da contabilidade da impugnante; (ii) na circunstância de a Recorrente não ter logrado provar que as facturas nºs 1 e 2, de 30/10/2009 e 30/12/2009, respectivamente, para si emitidas pela sociedade [SCom02...]– UNIPESSOAL, LDA relativas à elaboração de um projecto de restruturação das suas instalações industriais, titulam operações reais, ou seja, foram efectuadas correcções por métodos directos, e ainda, (iii) a factualidade apurada em sede do mesmo procedimento inspectivo à Recorrente, nos termos da qual foram realizadas correcções por métodos indirectos à base tributável de Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC).
D) Na perspectiva da Recorrente, a decisão a quo incorre em erro de julgamento, por incorrecta apreciação e valoração da prova produzida, com a consequente errada aplicação do direito.
E) Como se demonstrará, uma correcta ponderação da factualidade vertida e provada nos Autos evidencia uma conclusão distinta daquela a que chegou o Tribunal a quo.
F) Está ainda em causa o facto de o Tribunal a quo ter dado como provado essencialmente todo os factos constantes no RIT reproduzida a documentação constante dos anexos do processo administrativo apenso aos Autos.
G) Não podendo também a Recorrente deixar de demonstrar que não se pode conformar com o facto de o Tribunal a quo ter dado como não provada a matéria elencada na Sentença que ora se recorre.
H) O princípio da “livre apreciação da prova” não permite a mera arbitrariedade. Funda-se em factores variados, como sejam: a lógica, a experiência, a contradição, a imprecisão, a indefinição, a independência, a razão de ciência, cujos significados nos dispensamos de explanar, face à evidência que dos vocábulos transparece.
I) Como se demonstrará, o Tribunal a quo ao deixar-se conduzir pela teia ardilosamente urdida pela inspecção tributária, entrou em contradição, dando como assente matéria para a qual não foi produzida qualquer prova em sede de inspecção ou de Audiência Contraditória.
J) As conclusões extraídas do exame e leitura do RIT não são confirmadas por qualquer outro elemento de prova e a forma como o relatório de conclusões de acção inspectiva se encontra redigido e elaborado não permite que dele se retire com a segurança necessária as conclusões retiradas pela AT relativamente aos períodos de tributação em apreço.
K) Após análise e ponderação da prova testemunhal e documental (cfr. registos das gravações áudio em uso no Tribunal Administrativo e Fiscal do Penafiel) dúvidas não subsistem de que não é possível concluir que o sujeito passivo omitiu proveitos de vendas à contabilidade, requerendo-se a reapreciação da prova gravada e da prova documental (art. 640º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPC ex vi art. 2º, al. e) do CPPT - cfr. Acta: Os depoimentos encontram-se gravados em formato Digital).
L) Em resultado da análise da prova documental e testemunhal não poderá deixar de considerar como provado que o sujeito passivo elidiu todos os indícios que apontavam no sentido da alegada omissão de vendas/proveitos.
ILEGALIDADE DO RECURSO À AVALIAÇÃO POR MÉTODOS INDIRECTOS
M) Após análise e ponderação da prova documental e testemunhal (conforme registos das gravações áudio em uso no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga) dúvidas não subsistem de que sobre estas operações foi produzida prova, não tendo a mesma sido apreciada e valorada pelo Tribunal a quo, requerendo-se a reapreciação da prova gravada e da prova documental (artigo 515º, do CPC ex vi art. 2º, al. e) do CPPT).
N) Não sendo possível concluir que a Recorrente deduziu indevidamente o IVA (SIC) constante da facturação titular dessas prestações de serviços, por terem na sua génese operações simuladas.
O) Em resultado da factualidade emergente dos Autos e da análise da prova documental e testemunhal não poderá deixar de considerar como provado que a Recorrente elidiu todos os indícios que apontavam no sentido da simulação das operações subjacentes às facturas para si emitidas pelo fornecedor [SCom02...]– Unipessoal, Lda.
P) Como se demonstrou todas operações são material, financeira e contabilisticamente verdadeiras, uma vez que as facturas acolhidas pela Recorrente na sua contabilidade e que sustentam a dedução do IVA, correspondem a efectivas aquisições de prestação de serviços.
Q) A não concretização imediata do projecto de reestruturação da unidade fabril ficou a dever-se às dificuldades financeiras da Recorrente, que vinha acumulando prejuízos desde 2004 e entrou em processo de insolvência com plano de recuperação.
R) Sendo inaplicável o conceito de relações especiais entre a Recorrente e o fornecedor de serviços, não tendo a AT apontado qualquer elemento diferenciador nas operações entre os mesmos, nos termos do artigo 63º do CIRC.
S) A AT não invoca nem demonstra que não foram pagos os serviços prestados, mas tão somente que os pagamentos em numerário (através do Caixa) dificultam o controlo e destino dos fluxos financeiros envolvidos.
T) A Recorrente não é responsável por eventuais irregularidades declarativas dos seus fornecedores, não tendo a AT evidenciado, no âmbito dos seus poderes de inquisitório, quaisquer diligências junto do arquitecto sobre a efectiva elaboração do projecto.

ILEGALIDADE DO RECURSO À AVALIAÇÃO POR MÉTODOS INDIRECTOS
U) A AT não estava legitimada a recorrer à avaliação indirecta da matéria tributável sujeita a IVA nos períodos de tributação de 2008 e 2009, porquanto inexistem anomalias que afectem o volume de negócios declarado pela Recorrente nesses anos.
V) No mesmo sentido se pronunciou o Perito do Contribuinte, no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável determinada por métodos indirectos, considerando no seu laudo que a AT não apresenta factos concretos que justifiquem o recurso à avaliação indirecta, nem comprova que a contabilidade da Recorrente não regista a globalidade das operações que conduzem à determinação do resultado tributável.
W) Entendimento que é corroborado pelo Perito Independente no mesmo procedimento de revisão, que após análise de todo o processo emitiu parecer no sentido de que a IT, não terá desenvolvido o acto inspectivo e realizado procedimentos de validação das suas próprias presunções com a profundidade e extensão requerida.
X) No que respeita à conta “Caixa” não pode colher o argumento da AT da realização dos pagamentos das retribuições mensais dos trabalhadores em numerário, porquanto dificuldades económicas e financeiras levaram a Recorrente à apresentação à insolvência com plano de recuperação, conduzindo a que o recurso financeiro disponível fosse o dinheiro em caixa.
Y) Para este efeito, normalmente, no final de cada mês era emitido um cheque da conta particular do sócio AA para reforço do caixa social destinado ao pagamento das remunerações dos trabalhadores e de outras despesas de carácter fixo, sendo assim, os valores globais dos levantamentos necessariamente superiores ao valor total dos recebimentos mensais das remunerações dos trabalhadores.
Z) Não pode ser estabelecida uma correlação directa e exclusiva entre os movimentos na conta Caixa da recorrente e as contas bancárias tituladas pelo sócio AA no Banco 1... e Banco 2..., na medida em que fruto da situação de insolvência, associado à impossibilidade de acesso ao crédito bancário, corporizando uma cenário de graves dificuldades, a Recorrente teve que se socorrer de expedientes legais com vista à realização dos meios monetários indispensáveis para fazer face às necessidades mais prementes e urgentes de tesouraria.
AA) Obrigando a Recorrente a recorrer a fornecedores, clientes e outras entidades, com subsequente endosso das letras aos mesmos, tendo todos os valores monetários resultantes dessas operações cambiárias sido relevados na contabilidade através dos registos na conta Caixa.
BB) A maioria dos movimentos de entrada na conta da Banco 3... – PARTICULAR, N.º ...00, titulada por BB e AA, reflecte entradas oriundas da conta da Banco 3... denominada Massa Insolvente [SCom01...], Lda, devido ao facto de o Administrador da Insolvência, por motivos de saúde, encontrar-se muitas vezes ausente, tendo sido esta a forma encontrada para minimizar o impacto dessas ausências na laboração e gestão da Recorrente.
CC)A diferença de saldos entre a conta no Banco 1... nº .........................0.8, titulada pelo sócio AA e a conta da contabilidade 26.89 Outros Credores e Devedores Diversos, deve-se ao facto de nem todos os movimentos financeiros registados naquela conta terem a sua origem nas operações entabuladas pela Recorrente, podendo os inputs ter uma de três origens, a saber: (i) a actividade da empresa, (ii) a vida pessoal do sócio, e ainda (iii) os empréstimos conseguidos junto de particulares para alavancar a actividade da empresa.
DD) A emissão de cheques e transferências bancárias respeitantes à conta Banco 3... n.º ...30 de Depósitos à Ordem, titulada pela Massa Insolvente, que não se encontram reflectidas na contabilidade da Recorrente, mas na conta de depósitos à ordem titulada pelos sócios BB e AA, ficou apenas a dever-se ao facto de a movimentação da conta necessitar sempre da intervenção do Administrador de Insolvência, que raramente comparecia na empresa, como referido.
EE) Tendo sido decidido que sempre que o Administrador de Insolvência comparecia na empresa, era emitido um cheque de valor aproximado do saldo disponível desta conta, que por razões de segurança não convindo que o dinheiro, posteriormente levantado ao balcão, fosse guardado no cofre da empresa, era depositado na conta particular dos sócios AA e BB, sendo encaminhado para o caixa social à medida das necessidades de tesouraria da Recorrente.
FF) No que tange às operações monetárias e cambiárias entabuladas com a empresa [SCom03...], a AT faz afirmações sem quantificar os montantes envolvidos e bem assim, os fundamentos de tais valores, insistindo que tais quantias, deveriam ter sido depositadas em contas bancárias da Recorrente, não obstante ainda no decurso do procedimento inspectivo lhe terem sido transmitidas (sem reservas) as razões que inviabilizavam a realização desses mesmos depósitos, confirmadas em Audiência Contraditória.
GG) Não correspondem a vendas omissas à tributação as entradas na conta bancária do Banco 1... (conta pessoal do sócio AA) sem o respectivo registo contabilístico, porquanto os inputs omissos nos reconhecimentos contabilísticos da sociedade Recorrente coincidem com o valor dos outputs que a mesma contabilidade não reconhece, tendo-se clarificado a origem dos mesmos (a vida pessoal do sócio, e ainda os empréstimos conseguidos junto de particulares para alavancar a actividade da empresa).
HH) Os pagamentos efectuados pelo cliente [SCom04...] de valores superiores aos constantes das respectivas facturas de venda, não correspondem a vendas omissas, mas à realização de empréstimos que este cliente, no decurso dos anos de 2008 e 2009, logrou efectuar a título particular ao sócio AA.
II) A apresentação de prejuízos sucessivos não decorre de omissão de volume de negócios aos registos contabilísticos e declarativos, mas a uma degradação económica-financeira da situação societária, que se arrastava desde 2004 e despoletou a apresentação da Recorrente à insolvência em Abril de 2008.
CORRECÇÃO VALORES CORRIGIDOS
JJ) A Recorrente cumpriu com o ónus da prova que sobre si impende, demonstrando o excesso de quantificação da matéria tributável determinada por avaliação indirecta, por força do erro na aplicação pela AT do rácio de rentabilidade de pessoal R18, pela sua inadequação às concretas condições de laboração da Recorrente nos períodos de tributação de 2008 e 2009.
KK) A inexistência de folhas de obra, sendo estas elementos extra-contabilisticos, não estão sujeitas aos prazos de manutenção e conservação dos documentos obrigados a registo contabilístico e fiscal, revelando-se ser esta uma falsa questão a justificar, na quantificação levada a efeito pela AT, a utilização de um rácio de rentabilidade de pessoal e não a utilização de outros vectores, tais como, entre outros mais apropriados, o consumo de matérias-primas e materiais versus quantidade de pares de calçado vendido.
LL) A inércia da AT não efectuando testes de validação da produção realizada e respectiva venda, que conduziriam à veracidade do volume de negócios registado e declarado pela Recorrente, constitui violação do dever de descoberta da verdade material.
MM) A AT não indicou de «forma clara, precisa e suficiente» por que é que adoptou o critério do rácio de rentabilidade fiscal R18, no valor de 4,92 para o ano de 2008 e no valor de 4,54 para o ano de 2009, e não qualquer outro.
NN) O PERITO DO CONTRIBUINTE no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, demonstrou, juntando prova documental, ser excessivo o valor do rácio de
rentabilidade do pessoal aplicado pela AT, pois que «no contexto da realidade concreta do contribuinte», o rácio efectivo variou em 2008 entre o mínimo de 1,56 e o máximo de 3,23 e, em 2009, entre o mínimo de 1,64 e o máximo de 3,15, conduzindo tendencialmente a um valor médio para este rácio equivalente aos valores da mediana de 2,27 (em 2008) e 2,20 (em 2009) constantes da base de dados da AT.
OO) Face à prova produzida, no mínimo, existe fundada dúvida quanto à quantificação levada a efeito pela AT.
PP) De acordo com o preceituado no artigo 100º do CPPT, a fundada dúvida sobre o excesso de quantificação reverte contra a AT, devendo esta abster-se da liquidação de imposto.
VICIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
QQ) O recurso a métodos indirectos para determinar a matéria tributável está rodeado de algumas cautelas que visam assegurar que aquele constitui uma última ratio nas relações do contribuinte com a AT.
RR) E entre essas cautelas avultam a fundamentação especial que deve acompanhar o exercício do poder de recurso aos métodos indirectos, nomeadamente, quanto ao critério utilizado pela AT para a determinação da quantificação da matéria tributável.
SS) Assim, aos deveres gerais de fundamentação dos actos tributários (ilustrados nos 268º, n.º 3 da CRP, artigo 77º, n.º 1 da LGT e artigo 125º do CPA) acresce, no caso de tributação por métodos indirectos, a indicação dos motivos por que a contabilidade do contribuinte não merece credibilidade, por que não é possível a quantificação directa e exacta da matéria tributável e também a indicação do critério utilizado para a quantificação da matéria tributável (cfr. artigo 77.º, n.º 4, da LGT).
TT) O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma última ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
UU) No caso sub judice a AT procedeu à fixação do imposto em falta, em virtude de ter considerado que existiam registos na contabilidade que não coincidiam com os registos nas empresas adquirentes das viaturas usadas o que suscitava duvidas sobre a credibilidade da contabilidade da Impugnante – curiosamente a AT em momento algum indicou que a falta de credibilidade da contabilidade poderia estar nessas outras empresas.
VV) Tendo em conta somente tais factos, não procurando obter outros como era sua obrigação, a AT promoveu a fixação do imposto a pagar pela sociedade contribuinte, quando é certo que, a mera suspeição não tem qualquer relevância fiscal, cabendo à AT, demonstrar factos que concretamente legitimam o recurso à avaliação indirecta.
XX) bem como o princípio da investigação, por via do qual, está AT constituída no poder dever de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições dos sujeitos passivos visados, o facto submetido a inspecção, criando ela mesma as bases necessárias à sua decisão.
YY) No caso sub judice, e em face da retórica argumentativa antecedente, está-se perante um vício de fundamentação, susceptível de à luz da alínea c) do artigo 99º do CPPT afectar a validade intrínseca do acto tributário stricto sensu, em que se traduz a liquidação adicional, que conduzirá à anulação do acto por vício de forma.
FACE AO EXPOSTO
ZZ)Relativamente às correcções meramente aritméticas a AT não cuidou em analisar a realidade das operações subjacentes tanto assim é que não fez quaisquer diligencias junto a terceiros (facto dado como provado).
AAA) Resulta claro e evidente que os factos que serviram de base à liquidação, não foram submetidos a escrutínio rigoroso de demonstrabilidade.
BBB) Por se tratarem (SIC) de indícios, o Tribunal a quo estava investido no poder-dever de também ele proceder à validação dos índicos carreados pela AT que sustentaram a alegada impossibilidade de quantificação da matéria colectável de correcções meramente aritméticas.
CCC) Pois em rigor, do reexame dos fundamentos que estruturam o RIT, não é possível concluir pela verificação dos pressupostos que legitimam o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável,
DDD) bem como do erro nos critérios dos cálculos dos valores corrigidos.
EEE) A sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, violando o disposto no artigo 99º do CPPT e nos artigos 58º, 77º e 78º da LGT.
FFF) Razão pela qual e ao abrigo do disposto no artigo 637º, n.º 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT se requer reapreciação da prova documental junta com a PI de Impugnação Judicial, bem como da prova testemunhal gravada, produzida em sede de Audiência Contraditória, consignada em acta e, relativamente aos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, e cujos depoimentos constam de registo áudio em uso no Tribunal Administrativo e Fiscal do Penafiel.
GGG) Por tudo quanto foi dito, em face da prova testemunhal produzida, pelo conhecimento de ciência demonstrado por cada uma delas relativamente ao factos in casu não podemos deixar de discordar dos factos dados como não provado B) a V).
HHH) Nesta medida os factos dado como não provados deverão ser dado como provado.
III) Assim, tendo-se evidenciado o erro na aplicação do direito aos factos conclusivos e anteriormente referenciados que integram os pontos H) da matéria dada como provada e o facto dado como não provado, deverá o Tribunal ad quem revogar a decisão em recurso.
JJJ) A sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, violando o disposto nos artigos 45º, nº 1 do CPPT e 88.º da LGT; artigo 99º do CPPT, artigos 60º e 74º da LGT, n.º 1 do artigo 266º da CRP e artigo 55º e 58.º da LGT artigo 17.º e 23.º do CIRC e artigo 6.º do RCPITA.

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o
mui douto suprimento de V. Exa., deverá ser revogada a
sentença a quo, com o que se fará a Sã e Habitual
JUSTIÇA

*
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
*
Neste Tribunal, o Digno Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível, no que toca ao que efectivamente foi objecto de recurso, aos seguintes excertos:
«(… )
Consigna-se que na 1ª instância, a sociedade ora recorrente veio impugnar as liquidações adicionais de IRC, de 2008 e 2009, e juros compensatórios, no valor global de 145.294,38 €, peticionado a sua anulação.
Alegou, para tanto, em síntese, o seguinte:
i) erro no método de quantificação da matéria colectável;
ii) ilegalidade das correcções por recurso à avaliação directa;
iii) ilegalidade das correcções por recurso à avaliação indirecta;
iv) violação do princípio da verdade material; e
v) vício da fundamentação.
Conforme se referiu acima, na sentença recorrida a sua pretensão veio a ser totalmente indeferida, absolvendo a AT do pedido formulado.
(…)
II - Do Recurso
a) - Do mérito do recurso
A impugnante/recorrente não concordou com o teor da sentença proferida na 1a instância e para esse efeito apresentou recurso, formulando para tanto 62 (sessenta e duas) conclusões. que brevitatis causa se dão por integralmente reproduzidas.
Refira-se que nos termos dos artigos 608.° n.° 2, 635.° n.° 4 e 5 e 639.° n.° 1 e 2 do CPC aplicável ex vi artigo 281° do CPPT, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões (cf. artigo 282°, n.° 2 do CPPT), não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as que sejam de conhecimento oficioso.
Assim e com interesse para o recurso em causa, o Meritíssimo Juiz de Direito a considerou factos provados e não provados, respectivamente, a matéria de facto vertida a fls. 3 a 23 da sentença a quo ora posta em crise, que brevitatis causa se dão igualmente por integralmente reproduzidas.
E analisado o requerimento recursivo, o objecto do mesmo. em suma, cinge-se às questões acima enunciadas, isto é, a sentença recorrida proferida pelo tribunal a quo padece de erro sobre a matéria de facto provada e não provada, bem como aplicou erroneamente o direito à matéria de facto, pelo que incorreu em erro de julgamento, por incorrecta apreciação e valoração da prova produzida, com a consequente errada aplicação do direito.
Vejamos.
“Segundo a impugnante/recorrente, no RIT, a AT limita a sua actividade de controlo das declarações apresentadas pelo sujeito passivo extrapolando e conduzindo as conclusões para uma impossibilidade de quantificação directa da matéria colectável.
É precisamente aqui - ao aderir acriticamente ao teor do RIT - que reside o logro da sentença a quo.
Em rigor, o aproveitamento da factualidade recolhida no âmbito da inspecção tributária, não exime o Tribunal de recolher prova adicional para validar ou invalidar os indícios recolhidos.
No caso dos Autos, os factos que serviram de base à liquidação não foram submetidos a escrutínio rigoroso de demonstrabilidade.
Por se tratarem (SIC) de indícios, o Tribunal a quo estava investido no poder-dever de também ele proceder à validação dos índicos carreados pela AT que sustentaram a alegada impossibilidade de quantificação da matéria colectável de correcções meramente aritméticas.  
Pois em rigor, do reexame dos fundamentos que estruturam o RIT, não é possível concluir pela verificação dos pressupostos que legitimam o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável, bem como do erro nos critérios dos cálculos dos valores corrigidos.
Assim, e segundo os doutos ensinamentos do Professor Diogo Leite Campos, a ausência das diligências necessárias que a AT deveria ter levado a efeito, gera uma ilegalidade de decisão.
Não tendo sido este o itinerário de inspecção seguido pela IT, tal como expressamente decorre do RIT e da sentença a quo, forçoso se torna concluir que a actuação da administração tributária na sua acção de controlo ao sujeito passivo, se encontra eivada de ilegalidade, na medida em que não escalpelizou e validou os indícios da alegada omissão de imposto.
Assim, em face de quanto vem de se alinhar, deverá reconhecer-se que a sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada.
Incorrendo em erro de julgamento, impõe-se a sua revogação por via da procedência do presente recurso.
Relembra-se que todo o percurso da decisão a quo radicou em indícios recolhidos pela AT, indícios que não são factos demonstrados, mas apenas uma mera probabilidade, pelo que não cumprem o apertado espartilho do dever de prova previsto no artigo 74° da LGT.
Razão pela qual e ao abrigo do disposto no artigo 637°, n.° 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT se requer reapreciação da prova documental junta com a PI de Impugnação Judicial, bem como da prova testemunhal gravada, produzida em sede de Audiência Contraditória, consignada em acta e, relativamente aos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, e cujos depoimentos constam de registo áudio em uso no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (cf. Acta: os depoimentos encontram-se gravados em formato Digital).
De notar que em Acórdão de Fixação de Jurisprudência, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 08/03/2012, no âmbito do processo n.° 147/06.0GASJP.P1-A.S1, é entendimento unânime que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412°, n.° 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.
Mais salientando que “actas de audiência de discussão e julgamento, a indicação de que as declarações e depoimentos prestados foram “gravados através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal’’, sem qualquer outra indicação”.
Cfr:http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c0ba14b9e45666d0 802579e40032f3 67?OpenDocument
Motivo pelo qual a Alegante, seguindo a acta, se escusa de identificar os minutos concretos em que cada testemunha prestou o seu depoimento.
Assim, tendo-se evidenciado o erro na aplicação do direito aos factos conclusivos e anteriormente referenciados que integram os pontos 11), 12) e 13) da matéria dada como provada e os factos dados como não provados referidos pelas alíneas B) a V), deverá o Tribunal ad quem revogar a decisão em recurso.”
Estes, em resumo, são os argumentos usados pela impugnante/recorrente para abalar a douta sentença recorrida.
Porém, sem razão.
Vejamos.
Do computo dos autos deles resulta que a impugnante/recorrente é uma sociedade comercial com sede social no concelho ... e que tem como objecto social, a fabricação de componentes para calçado que comercializa no mercado interno e externo, encontrando-se enquadrada para efeitos de IRC, no regime geral de tributação, o que a obriga a possuir contabilidade organizada.
O capital social da impugnante/recorrente é composto por duas quotas detidas por AA e BB, no valor nominal de 124.699,48 € cada uma. (cf. certidão permanente junta aos autos com a contestação e página 5 do RIT inserto no PA).
A impugnante/recorrente está enquadrada, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal com periodicidade mensal desde 08.08.1982, pelo exercício da actividade de “fabricação de calçado - CAE 15201”, e está enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação desde 01.01.2001. (cf. página 6 do RIT inserto no PA).
A impugnante/recorrente foi declarada insolvente por sentença de 08.04.2008, transitada em julgado, no dia 20.05.2008. (cf. certidão permanente junta aos autos com a contestação).
A sentença de declaração de insolvência referida na alínea anterior foi levada a registo com a especial menção de “impossibilidade de cumprimento das suas obrigações”, (cf. certidão permanente junta aos autos com a contestação).
No âmbito do processo de insolvência da impugnante foi nomeado o administrador de insolvência, o Dr. António Francisco Cocco Seixas Soares (cf. certidão permanente junta aos autos com a contestação).
O processo de insolvência da impugnante/recorrente foi encerrado por decisão judicial proferida em 11.03.2011. (cf. certidão permanente junta aos autos com a contestação).
No período compreendido entre 13.01.2009 e 11.03.2011, a impugnante/recorrente exerceu a sua actividade com base no plano de recuperação homologado por decisão judicial proferida em 13.01.2009. (cf. certidão permanente junta aos autos com a contestação).
Na sequencia da Ordem de Serviço n° ...22, de 16/01/20127, foi a impugnante/recorrente submetida a uma acção de fiscalização externa de âmbito geral que perdurou de 19.01.2012 a 12.07.2012.
Na sequência da realização do procedimento inspectivo referido anteriormente foi elaborado, com data de 08.08.2012, o respectivo RIT, tendo os SIT proposto que no âmbito do IRC fossem realizadas simultaneamente correcções meramente aritméticas e correcções com recurso a métodos indirectos, (cf. RIT inserto no PA).
No que concerne às correcções técnicas operadas pela IT (e igualmente sufragado pela sentença recorrida) reportou-se a mesma à desconsideração do montante de total 45.000,00 € contabilizado nas facturas de 30 de Outubro e 30 de Dezembro de 2009, da sociedade [SCom02...]-Unipessoal, Lda., que no descritivo das referidas facturas referia que diziam respeito a “elaboração de um projecto industrial (restruturação) das v/instalações”.
Considerou o Meritíssimo Juiz de Direito a nosso ver bem - desconsiderar os custos titulados nas referidas facturas, porquanto existia uma relação especial entre as duas empresas, não havendo evidencias concretas da realização do serviço nelas titulado, nem do efectivo pagamento.
Com efeito no que à desconsideração das duas facturas emitidas pela [SCom02...]- Unipessoal, Lda., a IT apurou (e foi considerado assente na sentença recorrida) a seguinte factualidade:
1. O sócio único da [SCom02...]-Unipessoal, Lda. é também sócio da impugnante, com uma quota de 50%, tendo ambas as sociedades o mesmo técnico oficial de contas,
2. Não obstante o elevado valor das facturas (22.750,00 € cada uma acrescida de IVA) o seu pagamento foi efectuado do “Caixa” impossibilitando a identificação do destinatário e em violação do disposto do art. 63°-C da LGT.
3. Na declaração fiscal da [SCom02...]-Unipessoal, Lda. não são evidenciados custos associados ao referido projecto alegadamente elaborado por “CC —Arquitecto”
4. Aquando da inspecção (2012) o referido projecto industrial de reestruturação das instalações não tinha tido qualquer desenvolvimento ou concretização.
5. Estando a impugnante em situação de reestruturação económica, tinha sido declarada insolvente a 20 de Maio de 2008, não logrou demonstrar a indispensabilidade do referido projecto.
Assim, atenta a factualidade que sucintamente acabamos de referir afigura-se-nos que efectivamente as duas sociedade se encontravam numa situação de relação especial tal como é previsto no n° 4, al b) do artigo 63°, do CIRC encontrando-se devidamente fundamentada a desconsideração como custos do exercício de 2009 do montante titulado nas referidas facturas por não ter sido devidamente comprovado a sua indispensabilidade para a realização de proveitos, como se resto a não concretização do projecto veio demonstrar.
No que concerne às correcções à matéria tributável com recurso a métodos indirectos defende a impugnante/recorrente, admitindo insuficiências na sua contabilidade, que não se verificam os pressupostos para tributação por métodos indirectos, que a AT através dos documentos contabilísticos disponíveis estava em condições de apurar o rendimento efectivo.
Da leitura do relatório de IT máxime do item IV resultam factos demonstrativos não só que a escrita da impugnante/recorrente não é credível, o que o próprio aceita, mas também que não permite a determinação da matéria tributável com recurso a correcções técnicas.
Entre esses factos podem destacar-se os seguintes:
- há registo de proveito em conta bancária (Banco 1...) que não estão reflectidas na contabilidade, o que reflecte omissão de proveito;
- movimentos de saídas bancarias sem reflexo na contabilidade;
- saldos de movimentos de caixa desajustados da realidade da empresa;
- movimentos financeiros entre empresas relacionadas não reflectidos na contabilidade;
- impossibilidade de controlo da produção por não apresentação dos mapas/folhas de obra evidenciados da produção diária;
- excesso de capacidade produtiva em relação à facturação declarada, designadamente no que tange à rentabilidade dos trabalhadores afectos à impugnante/recorrente;
-os indicadores disponíveis na base de dados da AT relativos ao sector de actividade da impugnante são contrários à apresentação sucessivas de prejuízos fiscais de “cash-flow” negativos.
- pagamentos do cliente “[SCom04...]” superiores aos valores facturados pela impugnante/recorrente.
Ou seja, os factos sucintamente enunciados e que se encontram mais detalhadamente descritos no RIT (e na sentença recorrida) demonstram, inequivocamente, que a escrita da impugnante/recorrente não evidenciava a sua verdadeira actividade. Perante tais anomalias e incorrecções, a IT concluiu, e bem, que a escrita da impugnante/recorrente não reflectia a realidade dos seus negócios, nem o resultado efectivamente obtido, tomando-se impossível quantificar e comprovar de modo directo e exacto a matéria tributável para efeitos de IRC, razão pela qual foi a mesma calculada com recurso a métodos indirectos.
E, não se diga, como pretende a impugnante/recorrente que a carece de fundamentação a decisão de recurso a métodos indirectos.
Com efeito, nos termos do artigo 77. ° da LGT, a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributaria.
A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Ora, a impugnante/recorrente foi notificada do projecto de RIT para exercer, querendo, o direito de audição e foi também notificada do relatório final de inspecção do qual constam as irregularidades detectadas na contabilidade da impugnante/recorrente que motivaram as correcções da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, bem como as normas legais que justificaram essas correcções - (cf. processo apenso).
Contrariamente ao que defende a impugnante/recorrente, os factos descritos no RIT revelam que se encontram preenchidos os pressupostos de facto e de direito para fixar a matéria tributável relativa aos exercícios de 2008 e 2009, com recurso a métodos indirectos, nos termos conjugados dos artigos 74. °, n.° 3, 87.°, n° 1, al. b) e 18. ° do CIRC.
Assim, atento os factos descritos no RIT, e que, sucintamente supra referimos, dúvidas não subsistem de que se encontra demonstrado, contrariamente ao alegado pela impugnante/recorrente, que a sua contabilidade não estava organizada de modo a permitir a comprovação e quantificação exacta da sua matéria colectável.
Em suma, a IT cumpriu, como era seu ónus, a comprovação que os elementos constantes da contabilidade da impugnante/recorrente não reflectiam a sua verdadeira actividade, sendo por isso impossível determinar de forma exacta e directa a matéria colectável.
Finalmente, quanto a quantificação da matéria tributável, a impugnante/recorrente embora admita que a sua escrita enferma de irregularidades defende que as correcções poderiam ter sido efectuadas por métodos directos, com base nos elementos fornecidos pela impugnante/recorrente.
Mais refere a impugnante que não se encontra devidamente fundamentado, por o de rentabilidade do pessoal (R18-RPessoal) e o rácio de margem bruta não são estatisticamente incoerentes, o que se encontra devidamente rebatido na decisão do procedimento de revisão que aqui se dá por reproduzida.
Não se verifica, deste modo excesso de quantificação da matéria tributável, já que os valores encontrados, correspondendo à mediania, do sector de actividade para a qual se colectou o sujeito passivo, ora impugnante/recorrente.
Atendendo a que, foi aplicado um indicador médio, julgamos não caber aqui muita contestação o quanto ao excesso da matéria tributável
A AT adoptou deste modo um critério objectivo de acordo com as regras estabelecidas no artigo 90.° da LGT, verificando-se que tal critério foi favorável à impugnante, conforme se demonstra no item V do relatório de inspecção.
Por outro lado, a impugnante/recorrente não produziu prova suficiente para demonstrar que tenha existido qualquer erro ou excesso de quantificação da matéria tributável.
Assim, e tendo em conta todos os elementos de prova juntos aos autos, parece-nos que as liquidações impugnadas e ora postas em crise neste recurso se mostram devidamente fundamentadas e legalmente justificadas.
Ademais e no tocante às questões de facto e jurídicas suscitadas nas conclusões das alegações da impugnante/recorrente, já discorreu o Meritíssimo Juiz de Direito a na douta sentença recorrida, com proficiência, fazendo uma exegese rigorosa dos preceitos legais, norteada pela mais avalizada jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
Na verdade, o Meritíssimo Juiz de Direito a quo inventariou e analisou as disposições que convocou para a solução do caso vertente, fazendo-o com cristalina clareza, acerto e proficiência, razão pela qual merece a nossa total adesão.
Acresce que, as considerações interpretativas sobre a matéria de facto aí vertidas são quanto a nós, inteiramente válidas, pertinentes e resultam da mais sã e fidedigna hermenêutica jurídica, sendo, ademais, as que decorrem dos ensinamentos dos mais insignes autores. 6
6. A prova testemunhal, ela própria, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos, como ensinava o Professor Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2a edição, p. 614). Acrescentando que «se a vida moderna, por uma questão de segurança, tende a documentar um número cada vez maior de actos jurídicos, continua a ser enorme o contingente dos factos imprevistos e dos próprios factos previsíveis, com relevância para o julgamento dos litígios, em que o único meio de prova utilizável é o recurso ao depoimento das pessoas (terceiros) que tiveram acidentalmente percepção desses factos ou de ocorrências a ele ligados por qualquer nexo de instrumentalidade» (ibidem). O citado Professor rematava apelando ao particular cuidado - «o prudente senso crítico» - que o Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «rtestium fides diligenter examinanda» (Ac. STJ, de 17.11.20111: Proc. 2190/07.2TBFAT.G1 .S1 .dgsi.Net). O que - tal como expresso -, não deixou de ser observado, com adequação e no seu enquadramento e análise no conjunto das demais provas, de cariz manifestamente holístico, produzida. Servindo tal apreciação para significar - e para que dúvidas não restem -, inexistir qualquer indevida apreciação de depoimentos, mesmo indirectos, ou erro na apreciação da prova testemunhal (ou outra) produzida. Assim, pois todas as testemunhas foram ouvidas em 1a Instância, o que permitiu aquilatar do sentido do seu depoimento, alcance intrínseco e razão sustentada de ciência, ao contrário do que afirmou a impugnante/recorrente.
A razão por que o tribunal recorrido atribuiu eventualmente maior, ou menor, crédito a uma dada testemunha, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerada como permitindo a inferência específica expressa, tanto mais que, quanto ao "sentido do depoimento", aí devem funcionar - como se fizeram funcionar -, as regras gerais das declarações (arts. 236.° e ss., do Cód. Civil), devidamente adaptadas, por não se tratar de declarações negociais, mas de declarações de ciência (cf. ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 225 e s.); J. P. REMÉDIO MARQUES, Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, em CDP, n.° especial 01/Dez. de 2010, p. 80 a 90), razões determinantes de os factos identificados, acima descritos, permanecerem na redacção que em decisório lhes foi atribuída, com inteira sustentação na prova produzida e destacada, em função do que os autos revelam, (v.g.: a testemunha, António Francisco Cocco Seixas Soares, administrador judicial nomeado no âmbito do processo de insolvência da impugnante/recorrente, de modo que o tribunal a quo valorou e considerou o seu depoimento credível na parte em que incidiu sobre factos de que a testemunha tinha conhecimento directo, dado que o depoimento não apresentou, nessa parte, contradições, e foi consentâneo com as regras da experiência comum, tendo por isso contribuído para a formação da convicção do Tribunal quanto aos factos provados 23) a 27).).
Uma vez que as questões suscitadas no presente recurso se encontram analisadas nesta sentença do tribunal a quo, a cuja fundamentação integralmente aderimos por não vislumbrarmos razão válida para dela divergir, temos de concluir, como ali, que as liquidações em crise estão conformes à lei tal como foi apontado na douta sentença recorrida, devendo estas últimas serem mantidas na Ordem Jurídica, isto é, a liquidação n° ...43 e ...61, respectivamente no valor de 85.490,14 €, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e a liquidação n° ...48 e ...58 concernentes aos juros compensatórios, respectivamente, no valor de 59.804,24 €, referentes aos períodos de tributação de 2008 e 2009, no valor global de 145.294,38 € (cf. fls. 499 e ss. do SITAF).
III - Conclusões
Em conclusão, pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos e de acordo com a lei, somos da opinião, que se deve considerar:
1º - O recurso interposto pela impugnante/recorrente totalmente improcedente, pois que a sentença a quo está conforme à lei e ao direito devendo manter-se na Ordem Jurídica; e
2º - Com custas processuais a cargo da impugnante/recorrente, (cf. artigo 527°, n° 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 281°, do CPPT, e artigos 6o, n° 2 e 7o, n° 2, do Regulamento de Custas Processuais e Tabela I - B anexa).»
*
Dispensados os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II
Questões a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos tribunais superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Assim, ante as conclusões enunciadas pela recorrente, julgamos que, por ordem lógica, as questões que a mesma pretende ver apreciadas por este Tribunal de apelação são as seguintes.

1ª Questão
O Tribunal recorrido errou no julgamento de facto ao dar como provados os factos constantes do Relatório da Inspecção e ao dar como não provada a matéria de facto contida nas alíneas B) a V) da discriminação dos factos não provados?

2ª Questão
O Tribunal a quo, ao julgar fundados os indícios obtidos pela AT de que as operações facturadas pela [SCom02...]– Unipessoal, mediante as facturas nºs 1 e 2, de 30/10/2009 e 30/12/2009, respectivamente, para si emitidas pela sociedade [SCom02...]– UNIPESSOAL, LDA, nos montantes de € 22.750,00 cada uma, mais IVA à taxa normal em vigor, no montante de €4.550,00, relativas à elaboração de um projecto de restruturação das suas instalações industriais, não titulavam operações reais, pois os pagamentos em numerário não implicam necessariamente tal e a AT não levou a termo os dever inquisitório de apurar, junto do arquitecto, se o projecto tinha efectivamente sido feito e entregue, com o que procedeu ilegalmente – e o tribunal a quo sancionou-o – a uma correcção técnica à matéria dos custos de 2009?

3ª Questão
O tribunal recorrido também incorreu em erro de direito por não ter julgado que as liquidações impugnadas padecem do vício de insuficiência de fundamentação quanto aos pressupostos do recurso a métodos indirectos (cfr. artigo 77º da LGT) susceptível de à luz da alínea c) do artigo 99º do CPPT afectar a sua validade o que conduzirá à anulação das mesmas?

4ª Questão
O Tribunal errou no julgamento de direito ao julgar reunidos – pois não o estavam – os pressupostos do recurso aos métodos indirectos para a determinação da matéria tributável?

5ª Questão
O Tribunal a quo errou ao menos ao julgar não cumprido pela impugnante o ónus de provar o excesso na quantificação da matéria tributável por métodos indirectos, em suma porque, no mínimo, face à prova produzida, existe fundada dúvida quanto à quantificação levada a efeito pela AT, com o que violou o artigo 100º do CPPT, do qual decorre que a fundada dúvida sobre o excesso de quantificação reverte contra a AT, devendo esta abster-se da liquidação de imposto?



III
Apreciação do Recurso
Fundamentação
Para a discussão destas questões releva, antes de mais, a decisão tomada na instância recorrida em matéria de facto, cujo teor é o seguinte:
«3. FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1) A impugnante é uma sociedade comercial com sede social no concelho ... e que tem como objecto social a fabricação de componentes para calçado (cfr. certidão permanente junta aos autos com a contestação);
2) O capital social da impugnante é composto por duas quotas detidas por AA e BB, no valor nominal de 124.699,48 € cada uma (cfr. certidão permanente junta aos autos com a contestação e página 5 do RIT inserto no PA);
3) A impugnante está enquadrada, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal com periodicidade mensal desde 08-08-1982, pelo exercício da actividade de “fabricação de calçado – CAE 15201”, e está enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação desde 01- 01-2001 (cfr. página 6 do RIT inserto no PA);
4) A impugnante foi declarada insolvente por sentença de 08-04-2008, transitada em julgado no dia 20-05-2008 (cfr. certidão permanente junta aos autos com a contestação);
5) A sentença de declaração de insolvência referida na alínea anterior foi levada a registo com a especial menção de “impossibilidade de cumprimento das suas obrigações” (cfr. certidão permanente junta aos autos com a contestação);
6) No âmbito do processo de insolvência da impugnante foi nomeado o administrador de insolvência António Francisco Cocco Seixas Soares (cfr. certidão permanente junta aos autos com a contestação);
7) O processo de insolvência da impugnante foi encerrado por decisão judicial proferida em 11- 03-2011 (cfr. certidão permanente junta aos autos com a contestação);
8) No período compreendido entre 13-01-2009 e 11-03-2011, a impugnante exerceu a sua actividade com base no plano de recuperação homologado por decisão judicial proferida em 13-01-2009 (cfr. certidão permanente junta aos autos com a contestação);
9) A impugnante foi submetida, ao abrigo da ordem de serviço nº ...22 de 16-01- 2012, a um procedimento inspectivo externo de âmbito geral relativo aos exercícios de 2008 e 2009 (cfr. páginas 4-5 do RIT inserto no PA);
10) Na sequência da realização do procedimento inspectivo referido na alínea anterior foi elaborado, com data de 08-08-2012, o respectivo RIT, tendo os SIT proposto que no âmbito do IRC fossem realizadas simultaneamente correcções meramente aritméticas e correcções com recurso a métodos indirectos (cfr. RIT inserto no PA);
11) As correcções meramente aritméticas referidas na alínea 10) foram propostas, no que para agora releva, com base nos factos e fundamentos constantes do capítulo III.1 do RIT, de cujo teor se destaca o seguinte:
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1 – Negócio simulado - Projecto Industrial (reestruturação) das instalações
Na análise aos elementos contabilísticos, do exercício de 2009, constatou-se a contabilização das facturas nº 1 e nº 2, de 2009/10/30 e 2009/12/30 da sociedade [SCom02...]– Unipessoal, Lda, NIPC: ..., no montante de €22.750,00 cada uma, mais IVA à taxa normal em vigor, no montante de €4.550,00, na rubrica contabilística “432 – Imobilizações Incorpóreas”, que, de acordo com o descritivo das referidas facturas, se referente a “elaboração de um projecto industrial (restruturação) das v/instalações”. (…). Consta nas facturas que os serviços prestados foram efectuados nas datas da sua emissão. Os meios financeiros envolvidos nesta operação, no valor global de €54.600,00, foram “pagos” através do Caixa, verificando-se, a inobservância da disposição legal do artº 63-C, da Lei Geral Tributária (LGT), nomeadamente o nº 3 (…)
III. 1.1 – Caracterização da sociedade [SCom02...]– Unipessoal, Lda
Trata-se de uma sociedade unipessoal por quotas, tendo por objecto social: Indústria de construção civil, compra e venda de imóveis e actividades de promoção imobiliárias. Em termos fiscais está registada com a actividade principal inserida no CAE: 041100 – Promoção Imobiliária (Desenvolvimento Projectos Edifícios), tendo declarado o início a actividade em 2006/07/20, constando também, como actividades secundárias, a Compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100) e o Arrendamento de bens imobiliários (CAE 68200). O sujeito passivo está enquadrado em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no regime normal com periodicidade trimestral, desde 2009/01/01 e mensal entre 2006/07/20 e 2008/12/31. É sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), tributado pelo regime geral de tributação desde o início de actividade. A sociedade (…) tem o capital social de €5.000,00, integralmente realizado, pelo sócio único BB. Da análise efectuada aos elementos e esclarecimentos fornecidos, e dos dados do sistema informático da Autoridade Tributária, foi constatado e seguinte;
a) No exercício de 2007, em sedes de IVA e IRC, a sociedade não apresenta qualquer venda ou prestação de serviços. Figura no Balanço deste exercício o registo de existências na importância de €231.178,12 (prédio rústico);
b) No exercício de 2008, não aparece em sede de IVA qualquer valor ou importância declarada como base tributável e em sede de IRC, na rubrica de proveitos e ganhos extraordinários figura a importância de €768.821,88, relativo à venda do prédio rústico acima referenciado;
c) No exercício de 2009, em sede de IVA, na declaração periódica de 09/03T, figura no campo 09 a importância de €95.000,00, relativo à venda de bens imobiliários (fracções autónomas de um prédio urbano). Este valor é a única verba declarada na base tributável de 09/03T e na DP 09/06T não figura qualquer registo.
d) Em termos de IVA, tem vindo a apresentar sucessivamente excesso a reportar, de período para período, pelo que no período em que as facturas foram emitidas – 09/12T, o sujeito passivo não apurou IVA a pagar e apenas “utilizou” o reporte de IVA do período transacto, no valor de €13.512,68, mantendo-se ainda em crédito o valor de €4.412,68 (€13.512,68-€9.100,00).
e) Da análise ao Modelo 10/Anexo J da IES, do exercício de 2009, observa-se a inexistência de trabalhadores assalariados, apenas foram pagos rendimentos da categoria B do IRS, no montante total de €603,26, a DD, NIF: ... (€255,66) e EE, NIF: ... (€347,60), ambas a exercerem a actividade de Notariado.
III.1.2 – Relações entre a “[SCom01...], Lda” e a “[SCom02...]– Unipessoal, Lda”
Por consulta ao Sistema do Cadastro, o sócio único da [SCom02...], BB, é igualmente sócio, com uma quota de 50% do capital social, da [SCom01...]. Desde o início de actividade, consta como técnico oficial de contas (TOC), da [SCom02...], FF, sendo igualmente o TOC da [SCom01...]. Assim: A sociedade [SCom02...], tem nos seus corpos sociais um dos sócios da sociedade [SCom01...] e o técnico oficial de contas é comum a ambas as sociedades;
III.1.3 – Da existência de relações especiais
(…) as sociedades “[SCom01...]” e “[SCom02...]”, encontram-se, nos anos inspeccionados, numa situação de relação especial uma vez que os titulares do capital das 2 sociedades têm o poder de exercer, de forma directa, uma influência significativa nas decisões de gestão das 2 sociedades, tal como estipulado na alínea b) n.º 4 do art. 63° do CIRC.
III.1.4 – Esclarecimentos
Face à análise efectuada, com base em notificação datada de 3 de Fevereiro de 2012, foi pedido ao sócio gerente AA, que apresentasse: “Evidências, que justifiquem os custos e a dedução do IVA, no ano de 2009, associadas à contabilização das facturas nº ... e ..., de 2009/10/30 e 2009/12/30, respectivamente, do s.p. [SCom02...]– Unipessoal, Lda, cujo descritivo relata “Elaboração de um projecto Industrial (reestruturação) das v/instalações”, designadamente:
• Apresentação do referido projecto de investimento;
• Técnicos responsáveis pela elaboração do referido projecto;
• Apresentação dos comprovativos do(s) apagamento(s) das facturas.
Na resposta à notificação, o sócio gerente esclareceu o seguinte: “As evidências que justificam o custo associado às facturas da “[SCom02...]” (…) prende-se com a necessidade premente e evidente de já se ter de reestruturar e reorganizar as instalações fabris há muito tempo, que apresentam sinais de degradação e necessitam de adaptações de raiz em todas as áreas. (…) Por isso, solicitou esse projecto, que infelizmente devido aos seus valores envolvidos com as obras ainda não foi executado, estando a empresa neste momento a pensar iniciar a execução do mesmo com a aquisição de um terreno vizinho. Apresentamos o referido projecto devidamente assinado pelo Técnico responsável. As facturas foram pagas em dinheiro.”
III.1.5 – Conclusão
Em face de tudo quanto foi apurado relativamente a esta operação, nomeadamente:
a) O elevado valor da operação, para o projecto em causa e a sua não concretização, tendo em conta que, a sociedade passava por graves dificuldades financeiras associadas ao Processo de Recuperação em que a empresa se encontra;
b) As relações especiais mantidas entre as firmas intervenientes “[SCom01...]” e “[SCom02...]”
c) Os meios financeiros envolvidos na operação, alegadamente pagos através do Caixa, dificultando o “rasto” dos valores envolvidos e impossibilitando a identificação do respectivo destinatário;
d) A análise às declarações fiscais da [SCom02...] (Anexo A da IES e declarações periódicas de IVA de 2009), evidencia a inexistência de custos associados ao referido projecto de investimento, supostamente executado por “CC – Arquitecto”;
e) Não foi justificado, o facto, de se mostrar imprescindível a necessidade de recorrer à sociedade [SCom02...] para a execução do alegado “projecto de investimento” e não ter sido a sociedade a solicitá-lo directamente, aos responsáveis pela elaboração do dito projecto;
Afigura-se-nos estarmos em presença de emissão de facturas de favor com vista à obtenção de vantagens fiscais, nomeadamente em termos de IVA, porquanto a operação subjacente apresenta fortes indícios de consubstanciar uma operação fictícia, uma vez que não há evidências concretas da efectiva realização dos serviços nelas referenciados nem do efectivo pagamento. Por outro lado, a relação especial verificada entre as empresas e a respectiva situação em sede de IVA (uma com pedido de reembolsos e a outra em crédito de imposto), propicia este tipo de operações que implicam uma concertação/conclui Querer-se-ia dizer “conluio” (nota do relator). entre os intervenientes. Assim a desconsideração das referidas facturas, implica:
a) Uma correcção ao nível da matéria tributável de IRC do ano de 2009, no montante de €45.500,00, porquanto, nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC, não se considera o custo como comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos; (…) (cfr. capítulo III.1 do RIT inserto no PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12) As correcções com recurso a métodos indirectos referidas na alínea 10) foram propostas, no que para agora releva, com base nos factos e fundamentos constantes dos capítulos II – 2, II.3.4, II.3.6, II.3.8, III.2 e IV do RIT, de cujo teor se destaca o seguinte:
II – 2. Motivo, âmbito e incidência temporal
(…) - A sociedade tem vindo a registar volumes de negócios desde 1999 que variam no intervalo de €1.647.801,26 (1999) e €2.138.158 (2007), apresentando sucessivos prejuízos fiscais, sendo que o resultado positivo declarado, no exercício de 2006, foi inteiramente absorvido pelos prejuízos anteriores;
- Em 2008 a conta corrente “2551 - Empréstimos de sócios” apresenta a crédito, o valor de €319.483,35, sendo que os sócios declaram rendimentos reduzidos (sócio: AA –NIF: ... - Rendimento Colectável de 2006 a 2008 na ordem dos €17.000,00 e o sócio BB – NIF: ... - Rendimento Colectável de cerca de €10.000,00 entre 2006 e 2007, apresentando €33.000,00 em 2008). - A análise dos rácios evidencia rentabilidade fiscal baixa e mesmo negativa a partir de 2003 até 2007, o que contraria a tendência das empresas do sector (CAE 15201: Fabricação de calçado); (…)
II.3.4 – Actividade
(…) As vendas, por mercados/clientes, distribuíram-se da seguinte forma:
(vide imagem no original)
(…) II.3.6 - Análise Preliminar Da análise ao Anexo A da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (DAICF), entregue para efeitos de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), para os anos de 2008 e 2009, observamos que, em termos de valores, foi declarado o seguinte:
(Vide imagem no original)
Verifica-se então que, entre os anos de 2008/2009:
a) Não obstante o acréscimo no volume de negócios (V.N.), no montante de €76.791,75, representando um acréscimo de 4,51%, o total dos proveitos da sociedade decresceu €62.242,42, representando um decréscimo de 3,43%, decorrente da variação de produção negativa no ano de 2009;
b) Ao nível dos custos, a sua diminuição, acompanha a redução dos proveitos da sociedade nestes exercícios económicos, excepto no que respeita aos Fornecimentos e Serviços Externos e Custos com o Pessoal, que tiveram aumentos de 14,65% e de 1,08% respectivamente;
c) O aumento verificado na rubrica de Fornecimentos e Serviços Externos, tendo passado de €328.489,54, no ano de 2008 para €376.621,27 em 2009, está estritamente relacionado com o aumento da rubrica de Trabalhos Especializados, no montante de €45.000,00;
d) A margem de comercialização MBI (quadro 5) apresenta uma evolução favorável de 43,29% em 2008, para 49,75% em 2009. e) O resultado líquido do exercício, de 2008 para 2009, diminuiu €6.168,14, representando um decréscimo de 6,94%, tendo atingido em 2009, um valor negativo de €95.022,02,
f) Em relação ao resultado tributável, constata-se que, desde 2004, o s.p. tem vindo a declarar Matéria Colectável nula, conforme quadro que a seguir se apresenta:
(vide imagem no original)
Em conclusão, o sujeito passivo tem vindo a declarar resultados tributáveis negativos, desde o ano de 2004, cujo saldo em 2009 já atinge 33% do Volume de Negócios de 2009, contrariando deste modo o objectivo das unidades económicas privadas que é a obtenção do lucro, através da prática habitual e profissional da actividade, pelo que, a persistência dos resultados negativos faz questionar a verdade declarativa expressa nas várias declarações entregues para efeitos tributários.
II.3.8 - Análise dos Rácios de Actividade
Da análise dos rácios, conforme apresentado no quadro abaixo, verifica-se que:
a) As margens de comercialização (MBI e MBII), evidenciadas pela empresa, melhoraram de 2008 para 2009, registando nesse ano valores coerentes com os da média do sector (CAE 15201 - Fabricação de calçado), para a Unidade Orgânica do Porto;
b) No que respeita ao rácio da rentabilidade do pessoal (RP) e ao rácio da rentabilidade fiscal (RFV), os valores apresentados pelo s.p., apresentam desvios significativos relativamente à média do sector (CAE 15201 - Fabricação de calçado), para a Unidade Orgânica do Porto;
c) Comparando os valores dos rácios do pessoal da sociedade e os rácios médios do pessoal da Unidade Orgânica do Porto, constata-se que o pessoal ao serviço da empresa apresenta baixos níveis de produtividade, com reflexos no baixo nível de Volume de Negócios (V.N.) declarado pela sociedade, e na rentabilidade fiscal negativa apresentada pelo s.p., contrariamente à tendência das empresas do sector onde se insere “Fabricação de Calçado”.
(vide imagem no original)
(…)
III.2 – Adiantamento por conta de Lucros
Nos registos contabilísticos foram detectadas as seguintes contas bancárias:
1–Conta particular titulada pelo sócio AA – Banco 1... nº .............................0.8, cujos movimentos bancários estão reflectidos na contabilidade nas contas “26.8.3.001 -AA” (de Janeiro a Março de 2008) e “26.8.9 - Outros Dev. e Credores – Diversos” (de Abril a Dezembro de 2008);
2-Conta particular titulada pelo sócio AA – Banco 2... nº .....................00, cujos movimentos constam da rubrica contabilística “2683004 – AA (Banco 2...)”;
3 - Conta da sociedade – Banco 2... nº ...01, rubrica contabilística 123;
4 - Conta da sociedade - Banco 3... Massa Insolvente nº ...30, rubrica contabilística 124;
5 - Conta da sociedade no Banco 1... nº ...11, rubrica contabilística 125;
(…) foi solicitado ao s.p., as conciliações bancárias das contas constantes na contabilidade, trabalho que deveria ser executado pelo Técnico Oficial de Contas, como forma de validar a própria contabilidade da sociedade, mas as mesmas não foram entregues porque não tinham sido efectuadas. Na tentativa de proceder à conciliação contabilística da conta bancária particular do sócio do Banco 1... nº .............................0.8, constatou-se que foram emitidos cheques, nos exercícios de 2008 e 2009, que não se encontram reflectidos na contabilidade da sociedade. Assim, foi solicitado ao s.p., na pessoa do sócio gerente AA, a identificação comprovada através de documentos válidos, do destino individual de cada fluxo financeiro, constante no quadro do ponto 1 da notificação. Na resposta à notificação, o sócio gerente esclareceu o seguinte: “O extracto bancário referido da Conta Banco 1... nº .............................0.8, corresponde a uma conta bancária particular do sócio gerente AA (…) foi utilizada a partir de 2008, em virtude da empresa ter entrado em processo de insolvência e as contas bancárias que normalmente utilizava terem ficado bloqueadas, pelo que a empresa ficou impossibilitada de movimentar os valores financeiros necessários para o seu dia-a-dia (emissão de cheques e transferências). (…) foi a única solução possível encontrada para a empresa não parar, aliás, foi com o consentimento e autorização do Administrador de Insolvência. (…) nem todos os cheques emitidos teriam que estar reflectidos na contabilidade porque esta conta também tem movimentos apenas do foro particular do sócio gerente”. Dos cheques emitidos e constantes no referido quadro, o s.p. não justificou qual o destino dado aos montantes do quadro seguinte:
(Vide Imagem no original)
(…) IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
IV.1 – Vendas Omissas
IV.1.1 – Entradas/transferências bancárias não contabilizadas - Conta do Banco 1...
Conforme foi explanado anteriormente, face às dificuldades do controlo financeiro, foi solicitado à sociedade a identificação de todas as “entradas” na conta bancária do Banco 1... .............................0.8, com vista a validar o volume de negócios do s.p. e os seus registos contabilísticos, visto que, nesta conta é movimentada a grande maioria dos movimentos financeiros associados à actividade da empresa. De acordo com o ficheiro em “excell” – “Banco 1... 2008-2009”, enviado por correio electrónico pelo s.p. e cujas impressões se juntam como anexo 1, vem validar a falta de organização da contabilidade do s.p. e confirmar que nem todos os movimentos financeiros se encontram reflectidos na sua contabilidade. De facto, o referido ficheiro vem informar que:
- Relativamente às entradas na conta bancária do Banco 1..., referenciadas por “Ordens Recebidas”, sem o respectivo registo contabilístico e cujo ordenante é desconhecido, o s.p. esclareceu que se tratavam de (SIC) “empréstimos particulares”. Contudo, não juntou prova documental nem identificou o emitente das respectivas transferências bancárias, sendo que, estas entradas que se encontram discriminadas no quadro seguinte, correspondem a transferências bancárias recebidas do exterior (i.e. “OPR115180 Ord.Recebidas”).
(vide imagem no original)
A título exemplificativo e para demonstrar que estas entradas na conta bancária do Banco 1..., respeitam a transferências bancárias recebidas do exterior, no dia 15/04/2008 constam duas transferências com o mesmo tipo de identificação, uma de €24.984,40 (OPR092166 Ord. Recebidas) e outra de €40.428,77 (OPR092167 Ord. Recebidas), sendo que, o s.p. identificou a 1ª transferência como um empréstimo particular e a 2ª transferência como recebimento das facturas EM.....4+...7+...8 do cliente [SCom04...]. Assim, de acordo com o referido anteriormente, estas operações de entradas na conta bancária do Banco 1..., traduzem omissão de registos contabilísticos com fortes indícios de respeitarem a omissão de proveitos/vendas relativas a 2008 e 2009.
IV.1.2 – Pagamentos do Cliente [SCom04...] superiores aos valores facturados pelo s.p.
Foram também identificadas entradas na mesma conta bancária do Banco 1... nº .............................0.8, relativas a transferências bancárias recebidas do exterior, do cliente inglês [SCom04...], cujo movimento contabilístico na conta corrente - 21.1.2.714 - [SCom04...] LTD, difere das entradas financeiras na referida conta bancária. Em termos contabilísticos a conta corrente do cliente evidencia saldos pouco significativos e que não traduzem o excesso dos pagamentos face à facturação. Assim, em 31 de Dezembro de 2008, o cliente [SCom04...], apresenta um saldo credor de €1.060,40 e em 31 de Dezembro de 2009, apresenta um saldo devedor de €2.852,74. Através da informação constante no já referido ficheiro em “excell” – “Banco 1... 2008-2009”, enviado por correio electrónico pelo s.p. – anexo 1, relativamente à movimentação financeira vs contabilística, do maior cliente do s.p. ([SCom04...]), apuramos diferenças, entre as entradas na conta bancária do s.p. e identificadas como pagamento de facturas e o valor creditado na respectiva conta corrente de cliente. De facto, constatamos que os “recebimentos” financeiros deste cliente (coluna Valor) supera os montantes facturados (coluna cta Cliente 211), nos montantes que se apuram na coluna (Diferença) conforme a seguir se apresenta:
(vide imagem no original)
Conforme foi referido anteriormente, decorrente da análise aos movimentos contabilísticos, da conta corrente do cliente [SCom04...], constata-se que os registos contabilísticos não reflectem os movimentos financeiros na conta bancária com origem naquele cliente, pelo que, podemos assim afirmar, que estamos perante irregularidades contabilísticas e financeiras, que nos levam a concluir que a contabilidade não reflecte a realidade económica da firma, por via da omissão de proveitos. Assim, constatamos que os “recebimentos” financeiros deste cliente (coluna Valor) supera os montantes facturados (coluna cta Cliente 211), comprovando a omissão de rendimentos na contabilidade do s.p., visto que, nenhum cliente iria pagar a mais do que o facturado pelo s.p., o que se traduz em indícios bastantes de que o sujeito passivo terá omitido vendas de calçado ao longo dos anos de 2008 e 2009.
IV.2 – Movimentos Financeiros
IV.2.1 – Conta Caixa Analisada a escrituração do sujeito passivo, verifica-se que a conta 11-Caixa, é frequentemente movimentada para pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade do s.p.. Nos dois exercícios em análise, detectou-se que os vencimentos mensais dos trabalhadores foram integralmente pagos em numerário via conta caixa, resultante do levantamento de cheque(s), ao balcão da instituição de crédito, no final de cada mês, verificando-se que todos esses levantamentos são de valor superior ao total dos recibos de remunerações dos trabalhadores. De acordo com o art. 63º-C da LGT: (…)
Ora, conforme se referiu, verifica-se a inobservância desta disposição legal, ao nível dos pagamentos de ordenados (a 2ª rubrica com maior peso nos custos operacionais do s.p., depois das matérias primas). Este procedimento, não permite identificar o respectivo destinatário, nem validar o valor pago, questionando-se se os custos com o pessoal declarados pelo s.p. reflectem os verdadeiros e efectivos custos suportados, uma vez que o s.p. deveria utilizar, outra forma de pagamento (transferência bancária, cheque nominativo ou débito directo), de forma a possibilitar o controlo e validação dos custos com o pessoal e os movimentos e saldos da conta Caixa.
Detectou-se também a “entrada”/“reforço de caixa”, nos montantes totais de €163.000,00 e €175.842,61, nos exercícios de 2008 e 2009, respectivamente, cujos registos contabilísticos não reflectem um verdadeiro movimento financeiro, visto que, após a análise às contas bancárias, não se encontram reflectidas as saídas (levantamento de numerário ou levantamentos de cheques ao balcão) com destino ao reforço do caixa, conforme se apresenta:
(vide imagem no original)
A gestão de tesouraria constitui um privilegiado meio de monitorização da actividade desenvolvida por cada empresa, sendo que, a conta 11-Caixa, conforme as notas explicativas do Plano Oficial de Contas (POC), inclui os meios de pagamento, tais como notas de banco e moedas metálicas de curso legal, cheques e vales postais, nacionais ou estrangeiros. Durante os anos de 2008 e 2009, esta conta apresentou sempre elevado número de movimentos para as necessidades e dimensão do s.p., o que evidencia uma falta de rigor, coerência e de credibilidade dos movimentos efectuados no Caixa, a que acresce a inexistência de folhas de caixa que deveriam ser elaboradas diária/mensalmente com o produto das quantias entradas e saídas da sociedade.
Assim, não restam dúvidas sobre a falta de credibilidade dos movimentos evidenciados na conta Caixa da sociedade, alguns dos quais resultam da falta de movimentação das contas bancárias, com o objectivo de apresentar um saldo de Caixa devedor e não credor (negativo) e outros visam evitar que estes lançamentos contabilísticos se encontrem reflectidos numa conta de suprimentos (empréstimos de sócios), face aos elevados valores e à insuficiente capacidade financeira dos sócios, tendo em conta os parcos rendimentos por eles evidenciados nas suas declarações de rendimento.
De salientar a falta de cumprimento dos requisitos emanados no artº 63-C da Lei Geral Tributária, nomeadamente, o levantamento de elevadas quantias para o caixa ao longo dos 2 anos objecto de análise (i.e: 2009/09/03 - €42.600,00 ou 2009/09/25 - €50.000,00) e juntamente com a falta de elaboração das folhas de caixa, acarreta problemas de controlo financeiro.
IV.2.2 – Contas de Depósitos à Ordem
Existindo para o s.p. a obrigatoriedade de declarar a totalidade dos rendimentos, a verificação da(s) conta(s) bancária(s) serve apenas para comprovar a veracidade do declarado, ou seja, o controlo das contas bancárias surge como forma de validação do princípio da tributação segundo a declaração do contribuinte. I
V.2.2.1- Conta na Banco 3..., com o nº ...00
Da análise aos registos contabilístico da sociedade, nomeadamente os associados a contas bancárias particulares do sócio gerente AA e após a quebra voluntária do sigilo bancário, autorizado pelo sócio titular, detectou-se a existência de uma conta na Banco 3..., com o nº ...00, cujos titulares são os dois sócios BB e GG. Decorrente da análise aos extractos bancários dessa conta, apurou-se que no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2009, deram entrada nesta conta, através de depósitos de cheques, de numerário e transferências bancárias, os montantes de €151.665,11 em 2008 e €215.010,00 em 2009, os quais não se coadunam com os rendimentos declarados pelos sócios titulares nos anos em causa, pelo que estes movimentos financeiros supostamente estarão relacionados com o exercício da actividade do s.p..
(Vide imagem no original)
IV.2.2.2 – Conta particular titulada pelo sócio AA - Banco 1... nº .............................0.8,
A contabilidade apresentava em 31/12/2008, um saldo devedor de €110.021,52 na conta “2689- Outros Credores e Devedores-Diversos” a qual acolhe a movimentação da conta particular titulada pelo sócio AA no Banco 1... com o nº .............................0.8, a qual, no seu extracto bancário, apresentava na mesma data um saldo de €307,23.
Esta divergência de saldos, aliada à ausência da conciliação bancária, evidencia uma falta de credibilidade dos elementos de escrita relativamente à movimentação desta conta bancária ao serviço da sociedade e é demonstrativa de factos concretamente identificados e indiciadores da falta de veracidade das operações contabilizadas.
IV.2.2.3 – Conta Depósitos à Ordem Banco 3... – Massa Insolvente
Da conciliação contabilística da conta bancária com o extracto bancário da Conta Banco 3... - Massa Insolvente nº ...30, constatou-se que foram emitidos cheques e transferências bancárias, no exercício de 2008, que não se encontram reflectidos na contabilidade da sociedade, representando uma saída financeira da empresa, cujo destino é desconhecido, pelo que, o s.p. foi notificado para fazer prova, através de documentos válidos, do destino dos fluxos financeiros, discriminados no quadro seguinte:
(vide imagem no original)
Na resposta à notificação o s.p. refere que “os movimentos referidos, cheques e transferências bancárias emitidas (…) estão reflectidos na contabilidade da sociedade na conta 111”. Ou seja, não obstante os descritivos dos movimentos financeiros aludirem a TRF (transferência bancária), o s.p. refere que este movimento contabilístico traduziu num “reforço de caixa”. De facto, após a análise à explicação dada pelo s.p., foi solicitada nova explicação verbal, tendo-se detectado que estes movimentos financeiros se encontram reflectidos na conta de depósitos à ordem titulada pelos sócios BB e AA, conta na Banco 3... nº ...00, a que já fizemos referência, validando assim a conclusão reiterada de que aquela conta conjunta dos sócios acolhe movimentos da esfera da empresa.
IV.2.3 – Outras Movimentações Financeiras
Tendo-se detectado movimentações financeiras entre o s.p. e as sociedades “[SCom03...], Lda”, “[SCom05...], Lda” e “[SCom06...], Lda”, nas quais os sócios da [SCom01...], detêm participações de capital ou direitos de votos e por conseguinte, têm o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão das sociedades envolvidas, o s.p. foi notificado para explicar as operações comerciais e/ou financeiras entre as sociedades. Na resposta à notificação, o s.p. explanou o seguinte: “[SCom03...], Lda, é cliente e fornecedor e como o financiamento via sócio gerente não era de montantes suficientes para manter a actividade normal da empresa, aquela, ajudou a nossa empresa a financiar-se. Como a [SCom03...], tinha linhas de crédito na banca, a nossa empresa endossava-lhe remessas e saques que a [SCom03...] fazia o favor de descontar e devolvia esses valores deduzidos dos encargos financeiros associados a esses financiamentos. [SCom05...], Ida”, exerce funções de senhorio do armazém em Guimarães. E também em algumas alturas de dificuldades financeiras graves limitou-se a emprestar alguns valores à empresa.” [SCom06...] SA – não tem qualquer relação comercial, em algumas alturas de dificuldades financeiras graves limitou-se a emprestar alguns valores à empresa”.
Depreende-se portanto a movimentação financeira entre estas empresas, sem que as mesmas se encontrem reflectidas nas contas respectivas contas 25 –Accionista (Sócios) - 252 - Empresas Interligadas, impossibilitando assim o seu controlo financeiro.
Assim, não obstante o s.p. possuir contas bancárias, próprias ou tituladas pelos sócios ao serviço da empresa, constatou-se, nos exercícios de 2008 e 2009, os seguintes movimentos financeiros:
- Endosso de cheques de clientes (que deveriam ser depositados nas contas bancárias do s.p.) para a sociedade [SCom03...], Lda, NIF: ..., que tem nos seus corpos sociais, os sócios BB e AA
– Endossos de Cheques dos clientes [SCom07...], [SCom08...], [SCom09...], que constam nos documentos de trabalho;
- Transferências da conta Massa Insolvente [SCom01...], Lda para a conta bancária da Banco 3..., titulada por AA e BB, sendo que o respectivo movimento contabilístico, traduz uma “entrada/reforço de Caixa”, ou seja, movimento a débito da conta 11 - Caixa;
- Endosso de letras de clientes (p.e. [SCom09...], Lda), para pagamento de facturas de fornecedores (p.e. [SCom10...]), sem que o fluxo financeiro passe por uma conta bancária titulada pelo s.p.;
- Emissão de cheques bancários por parte da sociedade [SCom03...], de valores elevados, levantados ao balcão, para reforço de Caixa, desconhecendo a razão de não terem sido depositados em contas bancárias do s.p..
IV.3 – Folhas de Obra
Com o intuito de obter a produção anual de calçado e de comprovar as existências finais de produto acabado e de produto em vias de fabrico, foi o s.p. notificado em 3 de Fevereiro de 2012, para apresentar as fichas de produção/custeio, da fabricação do calçado durante os períodos de 2008 e 2009. Na resposta à notificação o s.p. refere que “Quanto à apresentação das fichas de produção/custeio, da fabricação de calçado para os anos de 2008 e 2009, (…) que estas fichas existem, e não é feito qualquer arquivo e no final de cada ano são reutilizadas e recicladas essas folhas na página livre. (…) No entanto continuamos a fazer um esforço adicional no sentido de tentar obter uma dessas fichas desses anos.” Assim, face à explicação do s.p. para à ausência das fichas de produção/custeio, não é possível validar a produção anual e respectivo volume de negócios, tal como, os valores e quantidades dos Inventários de Produtos Acabados e de Produtos em Vias de Fabrico.
IV.4 Rácios de Actividade
Conforme análise de rácios exposta no ponto II.3.8, no que respeita ao rácio da rentabilidade do pessoal (RP) e ao rácio da rentabilidade fiscal (RFV), estes apresentam valores significativamente dispares dos valores evidenciados pela média do sector de actividade onde o sujeito passivo se insere, conforme se reitera no quadro seguinte.
(Vide imagem no original)
Da análise comparativa do rácio do rendimento do pessoal da sociedade com a média do mesmo rácio relativo ao sector e respeitante à Unidade Orgânica do Porto, constata-se que o pessoal ao serviço da empresa apresenta baixos níveis de produtividade, com reflexos no baixo nível de Volume de Negócios (V.N.) declarado pela sociedade, o que contraria a tendência das empresas do sector de Fabricação de Calçado.
De salientar que nos anos de 2008 e 2009, o sujeito passivo manteve a sua unidade fabril inalterada, não tendo procedido à venda e/ou abate de qualquer equipamento afecto à produção e que os custos com o pessoal até sofreram um aumento de 1%, pelo que, depreende-se que o s.p. manteve os recursos existentes e a sua capacidade produtiva é equivalente nos dois exercícios em análise. Conclui-se então, que não obstante a manutenção dos recursos existentes na sociedade, os proveitos registados continuam a ser insuficientes para cobrir os custos directamente relacionados com a actividade exercida.
IV.5 Resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais
Conforme já referido no ponto II.3.7, e evidenciado no quadro 4 aí inserto, o sujeito passivo tem vindo a declarar resultados tributáveis negativos ou nulos, desde o ano de 2004, cujo saldo em 2009 já atinge 33% do Volume de Negócios de 2009, contrariando deste modo o objectivo das unidades económicas privadas que é a obtenção do lucro, através da prática habitual e profissional da actividade, pelo que, a persistência dos resultados negativos faz questionar a verdade declarativa expressa nas várias declarações entregues para efeitos tributários. De acordo com a alínea e) do nº1 do artº 87º da Lei Geral Tributária (LGT), a avaliação indirecta pode efectuar-se em caso de: (…) pelo que é facultada à Administração Fiscal, actual Autoridade Tributaria o recurso à avaliação indirecta. (…) A aplicação deste método de avaliação apenas pode ocorrer, a partir do quarto ano do exercício de actividade. Ultrapassada esta condicionante, relevam os resultados tributáveis nulos ou negativos obtidos durante três anos consecutivos, ou durante três anos num período de cinco. Questionada sobre o motivo do apuramento reiterado de resultados negativos, a Administração da sociedade remete para os problemas económicos que conduziram ao processo de insolvência. De salientar ainda que a sociedade apura também “cash-flow” negativos. Assim, sendo os fluxos financeiros gerados pela actividade da sociedade negativos, só a falta de rigor na aplicação das normas contabilísticas, dispensa o recurso a suprimentos dos sócios para fazer face às responsabilidades financeiras da firma. Por outro lado, os rendimentos declarados pelos sócios, não evidenciam capacidade financeira susceptível de justificar a eventual contabilização de suprimentos.

IV.6 Resumo dos pressupostos para aplicação Métodos Indirectos
Ao longo dos diversos pontos do Capitulo IV procedemos à referenciação de análises e constatações que, a nosso ver, implicam a aplicação de métodos indirectos. De facto a organização contabilística da sociedade não se apresenta clara e precisa, falta essa que se manifesta de forma mais evidente nos registos relativos às contas “Caixa”, “Depósitos à Ordem” e “Vendas”. Os pontos fracos identificados resumem-se em:
1. Indícios de omissão de registo de proveitos face aos movimentos financeiros de entrada em contas bancárias não registados na contabilidade;
2. Movimentos de saída de contas bancárias associadas à empresa não reflectidas na contabilidade, o que é indício de eventual omissão de custos;
3. Saldos e movimentos de caixa desajustados da realidade económica da empresa e entradas não justificadas face ao descritivo dos movimentos associados, evitando a relevação contabilística de suprimentos ou empréstimos de sócios;
4. Movimentos financeiros entre empresas relacionadas não reflectidos na contabilidade;
5. Impossibilidade de controlo da produção face à não apresentação dos mapas/folhas de obra relativas à produção/trabalhadores/dia:
6. Excesso de capacidade produtiva, em relação à facturação declarada, que se apura face ao indicador respeitante à rentabilidade do pessoal afecto à empresa.
7. Os indicadores disponíveis nas bases de dados da AT relativas a este sector de actividade não apontam para um negócio ruinoso, bem antes pelo contrário, o que contraria a apresentação sucessiva de prejuízos fiscais e de “cash-flow” negativos.
Assim, não podem restar dúvidas que a determinação dos resultados não poderá assentar na expressão declarativa dos exercícios de 2008 e 2009, pelo que as respectivas matérias tributárias, quer para efeitos de IRC, quer para efeitos de IVA, vão ser determinados com o recurso à aplicação de métodos indirectos, de acordo com o disposto no artigo 57º do Código de IRC (renumerado por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei no 159/2009) (…) e alíneas b) (…) e e) (…), ambas do artigo 87º, alínea a) do artigo 88º e artigo 90º, todos da Lei Geral Tributária, devido aos indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
(cfr. capítulos II – 2, II.3.4, II.3.6, II.3.8, III.2 e IV do RIT inserto no PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13) As correcções com recurso a métodos indirectos referidas na alínea 10) foram quantificadas com base nos factos e fundamentos constantes do capítulo V do RIT, de cujo teor se destaca o seguinte:
V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
V.1. Critérios
De acordo com o definido no artigo 90º da LGT, em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta, nomeadamente, as margens médias de lucro, as taxas médias de rentabilidade, o coeficiente de consumos ou utilização dos custos directos e a dimensão da actividade. Ora os elementos elencados, traduzem-se nos designados “rácios de actividade” que resultam do tratamento informático dos valores declarados pelo universo dos sujeitos passivos enquadrados no mesmo sector de actividade e na mesma unidade orgânica, e são indicadores daquilo que tendencialmente deverá traduzir o desempenho de qualquer empresa enquadrada no mesmo ramo de actividade. Assim, de toda a análise efectuada, entendemos que o rácio que melhor permite a comparação do desempenho da empresa, quer relativamente aos dois anos em análise, quer face ao sector onde se insere, é o rácio da rentabilidade do pessoal, porquanto:
constata-se que o pessoal ao serviço da empresa apresenta baixos níveis de produtividade, com reflexos no baixo nível de Volume de Negócios (V.N.) declarado pela sociedade, o que contraria a tendência das empresas do sector de Fabricação de Calçado;
nos anos de 2008 e 2009, o sujeito passivo manteve a sua unidade fabril inalterada, não tendo procedido à venda e/ou abate de qualquer equipamento afecto à produção, sendo que os custos com o pessoal até sofreram um aumento de 1%, pelo que, depreende-se que o s.p. manteve os recursos existentes e a sua capacidade produtiva é equivalente entre os dois exercícios em análise;
Conclui-se então, que não obstante a manutenção dos recursos existentes na sociedade, os Proveitos registados continuam a ser insuficientes para cobrir os custos directamente relacionados com a actividade exercida.
Assim, com base na média evidenciada pelo sector, relativamente ao rácio relativo à rentabilidade do pessoal, vamos determinar o volume de negócios ajustado aos custos com o pessoal contabilizados. De seguida, utilizaremos o rácio relativo ao consumo de matérias primas, designado por Margem Bruta I, para ajustar o custo das matérias primas consumidas, face às vendas calculadas.
V.2- Cálculos
V.2.1 – Apuramento do Volume de Negócios corrigido
O cálculo do volume de negócios, resultará então do produto dos custos anuais referentes aos funcionários da firma, pelo rácio R18 - Rendimento Pessoal, sendo que:
RPESSOAL = (Total das Vendas + Prestações de serviço) / (Valor dos custos com o pessoal)
Os valores médios, do rácio supramencionado, para o CAE 15201 e para a unidade orgânica do Porto e que constam na base de dados da AT, para os anos de 2008 e 2009, são discriminados no quadro seguinte:
(vide imagem no original)
Assim, apura-se o valor presumido do Volume de Negócios, por ano, que consta no quadro seguinte:
(vide imagem no original)
Considerando os valores de proveitos relevados na escrituração do sujeito passivo, relativos aos exercícios de 2008 e 2009, determinamos o Volume de Negócios Corrigido, conforme quadro seguinte:
(vide imagem no original)
V.2.2 – Apuramento do Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas Corrigido
Face ao Volume de Negócios Corrigido e na sequência do referido no capítulo IV, em que se apuram indícios de omissão de custos associados à actividade, seleccionou-se o indicador associado ao factor de produção relativo a Matérias Primas (MBI) para calcular o valor das matérias-primas estimadas, face ao novo volume de negócios. Considerando que o rácio MBI = (VN – CMVMC)/( VN)*100, resulta o seguinte: R16 - Margem Bruta I – MBI [(A104 - A113) / (A104)] x 100
(Vide imagem no original)
V.2.3- Lucro Tributável de IRC
Assim, tendo presente a estrutura de custos e proveitos relevados na escrituração do sujeito passivo, relativo aos exercícios de 2008 e 2009, bem como as correcções propostas de acordo com os critérios e valores apurados anteriormente e ainda a correcção evidenciada no capítulo III, determinamos o Resultado Tributável Corrigido, conforme quadro seguinte:
(Vide imagem no original)
Tendo por base os elementos retirados da contabilidade da empresa, bem como os entretanto corrigidos, será considerado oficiosamente e com recurso a métodos indirectos, um resultado tributável para o exercício de 2008, no valor de €388.905,32 e para o exercício de 2009, no valor de €226.175,90.
(cfr. capítulo V do RIT inserto no PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14) Por requerimento dirigido ao Director de Finanças ..., apresentado no Serviço de Finanças ... 1 no dia 02-10-2012, a impugnante requereu, ao abrigo do disposto no art.º 91º da LGT, a revisão da matéria tributável fixada por recurso a métodos indirectos no âmbito do procedimento inspectivo referido na alínea 9), tendo requerido a nomeação de perito independente e indicado como seu perito o economista e revisor oficial de contas HH (acordo);
15) A perita da AT, o perito independente e o perito da impugnante reuniram no dia 08-11-2012, não tendo chegado a acordo quanto à fixação da matéria tributável (cfr. fls. 256, frente e verso, do PA e doc. 2 junto aos autos com a p.i.);

16) A perita da AT disponibilizou ao perito independente e ao perito da impugnante os rácios de IRC dos exercícios de 2008 e de 2009, sendo que o rácio R18-Rpessoal apresentava os seguintes valores:
(Vide imagem no original)
(cfr. fls. 261v. do PA e doc. 2 junto aos autos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17) O perito indicado pela impugnante elaborou, com data de 15-11-2012, o seu parecer no qual considerou, em síntese, que a AT não invocou factos concretos que justificassem o recurso à avaliação indirecta e que o rácio R18-Rpessoal era estatisticamente incoerente (cfr. fls. 257-264 do PA e doc. 2 junto aos autos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

18) O perito independente elaborou, com data de 15-11-2012, o seu parecer no qual considerou, em síntese, que as razões invocadas pela AT para fundamentar o recurso à aplicação de métodos indirectos eram insuficientes e que os critérios de quantificação adoptados apresentavam uma relação de probabilidade baixa entre elementos conhecidos e o rendimento a determinar (cfr. fls. 264v.-267v. do PA e doc. 2 junto aos autos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

19) A perita da AT elaborou o seu parecer no qual considerou, em síntese, que as correcções propostas no RIT deveriam ser mantidas (cfr. fls. 268-271 do PA e doc. 2 junto aos autos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

20) O procedimento de revisão da matéria tributável foi decidido por despacho de 30-11-2012, proferido por II no uso de competências delegadas pelo Director de Finanças ..., de cujo teor se destaca o seguinte:
DECISÃO
Face aos pareceres dos Senhores Peritos, cumpre decidir. Perante os factos evidenciados no relatório de inspecção tributária, afigura-se-nos estarem reunidos os pressupostos que permitem o recurso à tributação por métodos de avaliação indirecta, nos termos dos art.ºs 87 e 88 da Lei Geral Tributária. Concordo com a quantificação da matéria tributável de IRC (…) proposta pelo perito da Administração Tributária pelas razões constantes no seu parecer, que acompanho e aqui dou por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Assim sendo rejeito totalmente o parecer do perito independente nomeado a solicitação do contribuinte pelas razões constantes no parecer do perito da Administração Tributária, às quais adiro e aqui dou por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, CONCLUINDO nos termos e para os efeitos do nº 6 do artº 92º da Lei Geral Tributária com o meu acordo ao parecer do perito da Administração Tributária pelas razões nele constantes, que acompanho e aqui dou por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais e, face ao exposto, indefiro o pedido de revisão apresentado, mantendo os valores propostos no relatório da Inspecção Tributária no que concerne ao IRC (…) e aos exercícios de 2008 e 2009.
(cfr. fls. 272-274 do PA e doc. 2 junto aos autos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

21) O Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças ... remeteu ao mandatário da impugnante, através de carta registada com aviso de recepção, o qual foi assinado no dia 19-12-2012, o ofício nº ...08 de 30-11-2012, o qual ia acompanhado da acta nº ...46 relativa à reunião mencionada na alínea 15), dos pareceres mencionados nas alíneas 17), 18) e 19) e do despacho referido na alínea 20) (cfr. fls. 275-276 do PA e os docs. 2 e 3 juntos aos autos com a p.i.);

22) Em 30-11-2012 foram emitidas, com fundamento no despacho referido na alínea 20), as seguintes liquidações de IRC e juros compensatórios:
PeríodoNaturezaNº da liquidaçãoValor a pagar
2008IRC...4385 490,14 €
Juros compensatórios....48
2009IRC...61
Juros compensatórios....5859 804,24 €

(cfr. fls. 89-96 do PA);
Mais se provou o seguinte:
23) Na sequência da declaração de insolvência as contas bancárias movimentadas pela impugnante foram bloqueadas;
24) A banca e demais instituições de crédito vedaram à impugnante a possibilidade de recurso a financiamento bancário;
25) O administrador de insolvência, por motivos de saúde, ficava ausente da empresa;
26) A impugnante acordou com o administrador de insolvência que as quantias disponíveis na conta da massa insolvente seriam transferidas para a conta bancária sediada na Banco 3... com o nº ...00;
27) A impugnante assumiu o dever de manter os postos de trabalho;
28) Os SIT não procederam, no decurso do procedimento inspectivo referido na alínea 9), à tomada de declarações junto de terceiros (facto não controvertido).
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Consideram-se não provados os seguintes factos:
A) O Subdirector-Geral dos Impostos proferiu um despacho em 26-01-1998, no âmbito do processo nº ...6/96, no qual consignou que “o lucro apurado com recurso a métodos indirectos deve der apurado como um todo, não sendo legalmente possível distinguir-se o que corresponde a correcções técnicas ou presunções”;
B) Os serviços referidos nas facturas nºs 1/2 e 2/2, emitidas pela sociedade “[SCom02...]” em 30-10-2009 e em 30-12-2009, respectivamente, correspondem a um projecto de arquitectura efectivamente encomendado à “[SCom02...]” e por esta executado;
C) Todos os movimentos existentes na conta bancária do Banco 1... nº .............................0.8 que não se encontram reflectidos na contabilidade da impugnante dizem respeito à vida privada do sócio AA ou a empréstimos conseguidos junto de particulares, nomeadamente pessoas amigas e clientes, para alavancar a actividade da impugnante;
D) Os empréstimos referidos na alínea anterior foram pagos através da conta pessoal do sócio AA;
E) Os empréstimos obtidos pelo sócio foram sendo afectos à aquisição de matérias-primas;
F) As quantias identificadas nos quadros 6, 8 e 9 do RIT não foram registadas na contabilidade da impugnante por se tratarem (SIC) de movimentos do foro pessoal do sócio AA;
G) Os fornecedores da impugnante e outros credores exigiam pagamentos em dinheiro;
H) Todas as quantias identificadas na coluna “diferença” do quadro 9 do RIT, no valor total de 89.654,18 € no ano de 2008 e de 91.455,82 € no ano de 2009, correspondem a empréstimos concedidos pelo cliente “[SCom04...] Ltd.” a AA;
I) Os empréstimos do cliente “[SCom04...]” a AA foram concretizados através de transferências bancárias com as mais diversas origens, nomeadamente, transferências de clientes de [SCom04...] com sede na Rússia, Holanda e Suécia, que por indicação de [SCom04...] pagavam o preço dos bens que adquiriam por transferência bancária para a conta do Banco 1... de AA;
J) Durante o ano de 2008, AA restituiu a [SCom04...], pessoalmente e em numerário, aquando das suas diversas estadias em Portugal, a quantia de 89.654,19 €, com prestações médias de 7.471,17 €;
K) Durante o ano de 2009, AA restituiu a [SCom04...], pessoalmente e em numerário, aquando das suas diversas estadias em Portugal, a quantia de 91.455,82 €, com prestações médias de 7.621,31 €;
L) No decurso da acção inspectiva a impugnante forneceu à AT um conjunto de fichas de custeio da produção;
M) Nos anos de 2008 e 2009 a impugnante começou a trabalhar “a feitio”, o que originou níveis de facturação bastante inferiores porque os materiais incorporados eram fornecidos pelo próprio cliente;
N) Durante os anos de 2008 e 2009 os funcionários da impugnante por diversas vezes não foram trabalhar por falta de trabalho;
O) A impugnante iniciou a produção de sapatos de dança de salão em 2008;
P) A produção de sapatos de dança de salão incorpora matérias-primas delicadas (cetim e verniz) que exigem um manuseamento cauteloso, o que acarreta tempos acrescidos de produção relativamente a outros produtos tradicionais;
Q) O trabalho “a feitio” e a produção de sapatos de dança de salão representaram 40,24% em 2008 e 28,10% em 2009, das vendas totais;
R) A degradação económico-financeira da impugnante ficou a dever-se à recessão da indústria do calçado, à incobrabilidade dos créditos de alguns clientes, à redução das margens de lucro e ao acréscimo dos custos de produção, o qual não foi possível repercutir nos preços finais, em face da recessão no sector;
S) Sempre que o administrador de insolvência comparecia nas instalações da impugnante, era emitido um cheque de valor aproximado do saldo disponível da conta Banco 3... nº ...30 que de seguida era levantado ao balcão e depositado na conta particular dos sócios AA e BB sob a descrição “TRF”;
T) Foi acordado entre a impugnante e o administrador de insolvência que a impugnante passaria a utilizar, como forma de forma ultrapassar o bloqueio das suas contas bancárias, a conta bancária nº .............................0.8 sedeada no Banco 1..., cujo titular era o seu sócio AA;
U) No final de cada mês era emitido um cheque da conta particular do sócio AA para reforço do caixa social destinado ao pagamento das remunerações dos trabalhadores e de outras despesas de carácter fixo;
V) O cheque nº ...03,, no valor de 12.050,00 €, com data de movimento de 08-01- 2009, mencionado no quadro evidenciado a pág. 24 do RIT, não foi depositado na conta Banco 3... nº ...00 porque se destinava a suprir necessidades imediatas de tesouraria da impugnante.
MOTIVAÇÃO
(…)»

Voltemos ao objecto do recurso:

1ª Questão
O Tribunal recorrido errou no julgamento de facto ao dar acriticamente como provados os facos constantes do RIT e ao dar como não provada a matéria de facto discriminada nas alíneas B) a V) da discriminação dos factos não provados?

Como é sobejamente sabido e tem sido reiteradamente advertido por este tribunal de recurso, o artigo 640º nºs 1 e 2 alª a) e b) do CPC faz impender sobre o recorrente em matéria de facto o ónus de delimitar positivamente o que entende serem os factos indevidamente não dados como provados ou não provados, a decisão que devia ter sido tomada quanto a cada um deles e os meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a)”, tudo sob pena de sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte.
Deve ser rejeitado, na parte correspondente, o recurso em que não se consegue, sequer, identificar positivamente os factos que, no entender do recorrente, deveriam figurar como provados e não figuram.
Das conclusões das alegações da Recorrente, acima transcritas, não consta qualquer referência especificada a factos indevidamente dados como provados - desde logo o RIT contém imensa matéria de facto. Por seu lado, o elenco dos factos ditos indevidamente julgados não provados é tão vasto, deixando de fora apenas um facto, que acaba por não ser realmente objecto de uma especificação.
Tão pouco é enunciada a decisão em matéria de facto que quanto a cada um dos factos não provados deveria ter sido tomada. Não se diga que essa decisão era, tacitamente, a de que ficaram provados, pois essa não é a única alternativa à decisão da sua não prova. Com efeito entre o tudo ou nada da prova ou não prova pode haver artigos parcialmente provados ou provados quo modo.
Não tem, por outro lado, sentido alegar a obrigatoriedade de qualquer jurisprudência em matéria de processo penal, desde logo porque o objecto de direito dessa jurisprudência e desta decisão - as normas interpretadas - é absolutamente diverso.
Enfim, nas conclusões do recurso, que, como vimos, delimitam o seu objecto, a impugnação da decisão recorrida em matéria de facto não cumpre minimamente com o sobredito ónus, pelo que, nos termos das sobreditas normas do CPC, aplicáveis ex vi artigo 281º do CPC, o recurso é, nesta parte, rejeitado.


2ª Questão
O Tribunal a quo, ao julgar fundados os indícios obtidos pela AT de que as operações facturadas pela [SCom02...]– Unipessoal, mediante as facturas nºs 1 e 2, de 30/10/2009 e 30/12/2009, respectivamente, para si emitidas pela sociedade [SCom02...]– UNIPESSOAL, LDA, nos montantes de €22.750,00 cada uma, mais IVA à taxa normal em vigor, no montante de €4.550,00, relativas à elaboração de um projecto de restruturação das suas instalações industriais, não titulavam operações reais, pois os pagamentos em numerário não implicam necessariamente tal e a AT não levou a termo os dever inquisitório de apurar, junto do arquitecto, se o projecto tinha efectivamente sido feito e entregue, com o que procedeu ilegalmente – e o tribunal a quo sancionou-o – a uma correcção técnica à matéria dos custos de 2009?

Como tem sido uniformemente julgado por este tribunal, não é ónus da AT provar a simulação, quer absoluta quer relativa, do negócio subjacente à factura desconsiderada, por supostamente falsa, na determinação da matéria tributável.
Com efeito, decorre da conjugação dos nºs 1 e 2 alª a) artigo 75º da LGT que, provados, pela AT, factos geradores de indícios fundados de que quaisquer declarações, elementos da contabilidade ou registos não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real, cessa a presunção da veracidade desses declarações, contabilidade e escrita, pelo que, à luz do nº 1 do artigo 74º da LGT, passa a ser do contribuinte a prova dessa veracidade, ao menos no concernente aos elemento cuja veracidade for desconsiderada pela AT.
Assim, bastava à AT, in casu, obter fundados indícios de as facturas não corresponderem a operações reais, pelo que de modo algum a ilegalidade da desconsideração das facturas pode advir de não ter sido provada, tout court, a simulação.
Por outro lado, dada aquela conjugação legal entre regras sobre o ónus da prova, o dever inquisitório da AT (artigo 6º do RPIT e 58º da LGT) não tinha já como objecto o facto da simulação do negócio objecto das facturas, mas sim aqueles outros factos dos quais emergisse a existência – ou a inexistência – de fundados indícios dessa simulação, de acordo com referido artigo 75º nº 2 alª a) da LGT. Assim sendo, o dever da AT de investigar a verdade material deveria ir até onde deixasse de ser possível provar, quer factos geradores de mais fortes indícios da simulação, quer factos indiciadores de realidade das operações.
A recorrente entende que a AT não esgotou o percurso investigatório que tal dever lhe impunha, porque não foi confirmar, junto do arquitecto alegadamente autor do projecto de remodelação das instalações, a prestação do suposto serviço.
Sucede, porém, que a Inspecção havia feito prova de factos tais que, em nosso juízo, nem a apresentação do projecto nem a confirmação da sua elaboração e entrega e mesmo do pagamento (em dinheiro) pelo suposto autor tinham a virtualidade de enfraquecer os indícios obtidos da não ocorrência da operação onerosa objecto das facturas:
Recordemos o RIT, na parte em que são resumidos os factos apurados no sentido dos fundados indícios da simulação:
“III.1.5 – Conclusão
Em face de tudo quanto foi apurado relativamente a esta operação, nomeadamente:
a) O elevado valor da operação, para o projecto em causa e a sua não concretização, tendo em conta que, a sociedade passava por graves dificuldades financeiras associadas ao Processo de Recuperação em que a empresa se encontra;
b) As relações especiais mantidas entre as firmas intervenientes “[SCom01...]” e “[SCom02...]”
c) Os meios financeiros envolvidos na operação, alegadamente pagos através do Caixa, dificultando o “rasto” dos valores envolvidos e impossibilitando a identificação do respectivo destinatário;
d) A análise às declarações fiscais da [SCom02...] (Anexo A da IES e declarações periódicas de IVA de 2009), evidencia a inexistência de custos associados ao referido projecto de investimento, supostamente executado por “CC – Arquitecto”;
e) Não foi justificado, o facto, de se mostrar imprescindível a necessidade de recorrer à sociedade [SCom02...] para a execução do alegado “projecto de investimento” e não ter sido a sociedade a solicitá-lo directamente, aos responsáveis pela elaboração do dito projecto;
Afigura-se-nos estarmos em presença de emissão de facturas de favor com vista à obtenção de vantagens fiscais, nomeadamente em termos de IVA, porquanto a operação subjacente apresenta fortes indícios de consubstanciar uma operação fictícia, uma vez que não há evidências concretas da efectiva realização dos serviços nelas referenciados nem do efectivo pagamento. Por outro lado, a relação especial verificada entre as empresas e a respectiva situação em sede de IVA (uma com pedido de reembolsos e a outra em crédito de imposto), propicia este tipo de operações que implicam uma concertação/conluio entre os intervenientes.
Julga, este Tribunal, que tais factos – recorde-se que a relação especial entre as empresas decorria de um sócio gerente da impugnante deter 50% do capital da outra – são bem suficientes para haver objectiva suspeita, enfim, fundados indícios, de que a operação onerosa facturada nunca ocorreu, e isto mesmo que tenha sido gizado e arquivado um projecto, pois, atenta a insolvência, sempre estaria destinado a não ser pago e muito menos executado.
Atento tudo exposto, temos de concluir que não só não ficou por realizar qualquer diligência de prova pela Inspecção, pelo que não foi violado o dever inquisitório da AT, como a correcção técnica dos custos incorridos em 2009, em que assentam, em parte, as liquidações impugnadas, não padeceu de qualquer ilegalidade.
É, portanto, negativa a resposta à questão ora sub judices.

3ª Questão
O Tribunal recorrido também incorreu em erro de direito por não ter julgado que as liquidações impugnadas padecem do vício de insuficiência de fundamentação quanto aos pressupostos do recurso a métodos indirectos (cfr. artigo 77º da LGT), susceptível de à luz da alínea c) do artigo 99º do CPPT afectar a sua validade, o que conduzirá à anulação das mesmas?

A julgar pelas conclusões, se bem entendemos, a recorrente encontra este vício mediante a alegação de que a AT procedeu à fixação do imposto em falta “em virtude de ter considerado que existiam registos na contabilidade que não coincidiam com os registos nas empresas adquirentes das viaturas usadas o que suscitava duvidas sobre a credibilidade da contabilidade da Impugnante – curiosamente a AT em momento algum indicou que a falta de credibilidade da contabilidade poderia estar nessas outras empresas”, tudo isto “tendo em conta somente os factos que invocou, não procurando obter outros como era sua obrigação (…), quando é certo que, a mera suspeição não tem qualquer relevância fiscal, cabendo à AT, demonstrar factos que concretamente legitimam o recurso à avaliação indirecta”.
Esta alegação mostra-se, no segmento inicial, absurda, devendo dever-se a lapso de atenção relativamente ao objecto da lide ou a erro no processamento de texto, pois refere-se a ingressos com vendas das viaturas usadas e seus registos dispares nas empresas adquirentes, por um lado, e na Impugnante, por outro, pois em matéria de facto nada se apurou, quanto à Impugnante, que tivesse a ver com a actividade económica de venda de viaturas usadas e tal diversidade de registos.
Já a parte em que se diz que a AT decidiu “tendo em conta somente os factos que invocou, não procurando obter outros como era sua obrigação”, essa, é inteligível.
Trata-se de uma alegação que, com o devido respeito, releva de alguma confusão jurídica entre o dever inquisitório (artigo 58º da LGT) e o dever de fundamentar o acto tributário (artigo 77º da LGT). Contudo também releva nos termos em que foi feita, isto é, como alegação de insuficiência de fundamentação, quer em face do disposto no citado e invocado artigo 77º do mesmo diploma, que, quanto à decisão de recorrer aos métodos indirectos, contem uma norma especial, constituída pelos nºs 4 e 5, segundo qual: “4 - A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável;” e “5 - Em caso de aplicação de métodos indirectos por afastamento dos indicadores objectivos de actividade de base científica a fundamentação deverá também incluir as razões da não aceitação das justificações apresentadas pelo contribuinte nos termos da presente lei;” quer em face do disposto no artigo 92º nº 7 da mesma LGT, segundo o qual, se no procedimento de revisão da matéria tributável aí previsto tiver intervindo perito independente “a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer”.
O Tribunal não está sujeito às conceptualizações de direito feitas pelas partes sobre os factos provados (artigo 5º nº 3 do CPC), sem prejuízo de dever ater-se às questões suscitadas peãs partes e ou de conhecimento oficioso.
Entende, este Tribunal, que a alegação de falta de fundamentação das liquidações, na medida assente em correcções efectuadas com recuso a métodos indirectos, procede, se bem que por motivação jurídica diversa da alegada.
Vejamos:
No presente caso, as liquidações relevam de uma fixação da matéria tributável em que se recorreu a métodos indirectos, se bem que com uso, numa parte, de regras da avaliação directa – como sucedeu quanto às facturas desconsideradas por fictícias – fixação que se tornou definitiva ao cabo do procedimento de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91º e gizado no artigo 92º da LGT, mediante a decisão do Director de Finanças, a que alude o nº 6 deste último artigo.
Sendo assim, como é decorrência logica do legalmente disposto e tem vindo a ser uniformemente julgado por este Tribunal, é naquele acto final que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária para a correcção efectuada e para as consequentes liquidações. Nada obsta a que os requisitos da fundamentação, no que respeita à decisão final do procedimento de revisão, sejam encontrados mediatamente no RIT e ou em pareceres pregressos. Aliás, isso é expressamente salvaguardado no artigo 77º nº 1 da LGT, cuja aplicação em caso de fixação da matéria tributável por métodos indirectos os nºs 4 e 5 do mesmo artigo, por compatíveis, não prejudicam. Porém, uma fundamentação suficiente não pode deixar de satisfazer o fim de toda e qualquer fundamentação de acto administrativo, que é esse de a mesma permitir ao destinatário reconstituir mentalmente o iter intelectivo de facto e de valor subjacente à decisão.
Para cumprir tal desígnio do legislador, qualquer fundamentação do acto tributário tem não só de enunciar como, sobretudo, de apreciar as razões invocadas por partes ou outros legítimos intervenientes no procedimento, num sentido oposto ou diverso do decidido.
Tanto bastaria para se entender que a decisão final do procedimento tem de motivar o não seguimento ou a improcedência da argumentação quer do perito do contribuinte, quer do perito independente. Com efeito, sem se saber os motivos por que o autor do acto não concordou com a argumentação de tais intervenientes, não se pode, em rigor, reconstituir, sem solução de continuidade, o raciocínio e o juízo de valor que resultaram na decisão final do procedimento de revisão: sempre quedarão sem resposta as questões suscitadas por essa argumentação.
Sem embago, e para precaver concepções menos exigentes por parte da AT, o já citado nº 7 do artigo 92º da LGT dispõe que “Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer”.
Ora, revisto todo o teor da decisão parcialmente transcrita – mas também dada como integralmente reproduzida – no artigo 20º da matéria de facto provada (cf. doc. 2 da PI), verificamos que nada vem explicitado no sentido das razões por que se não concordou com o parecer do perito independente.
Apenas se descreve grosso modo a argumentação e se adere sem mais ao parecer do perito da administração tributaria.
Ainda que se quisesse aproveitar o teor do parecer do perito da AT na parte em que rebatesse a argumentação do independente – o que careceria de algum estudo, pois não equivale directamente ao exigido no texto legal – nem assim se lograria “salvar” a decisão do procedimento, pois, conforme se pode ver no documento nº 2 da PI, dado por reproduzido no mesmo artigo 20º, tal parecer apenas enuncia e versa sobre os argumentos do perito do contribuinte.
Como assim, é forçoso concluir que a decisão do procedimento de revisão em que se baseiam, em um último termo, as liquidações impugnadas, padece de falta de fundamentação por violação do nº 7 do artigo 92º da LGT, pelo que também as mesmas liquidações são anuláveis por padecerem desse vício.

Conclusão
Do exposto quanto à segunda questão resulta ficarem prejudicada as demais questões e dever ser concedido provimento ao recurso.

Decisão
Termos em que acordam, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Norte, em conceder provimento ao recurso e julgar procedente a impugnação.
Custas pela Recorrida (artigo 527º do CPC).
Porto, 12 de Outubro de 2023


Tiago Afonso Lopes de Miranda
Carlos Castro Fernandes
Cristina Travassos Bento