Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00012/08.6BCPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:TCAN
Relator:Cristina Flora
Descritores:RENÚNCIA À ISENÇÃO DE IVA
LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA
Sumário:I. A possibilidade de renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias encontra-se consagrada no artigo 13.º, C, da Sexta Directiva (e actualmente no artigo 137.º da Directiva IVA), cabendo aos Estados-Membros a determinação e regulamentação das condições do exercício deste direito nas suas legislações internas;
II. O Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto (entretanto revogado pelo DL n.º 21/2007, de 29/1), regulava, à época, os condicionalismos e formalidades a observar pelos sujeitos passivos que pretendessem renunciar à isenção na locação de bens imóveis nos termos do art. 12.º, n.º 4 do CIVA;
III. Existe uma relação indissociável entre as condições previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do CIVA para a renúncia à isenção e o procedimento declarativo prévio, e a posterior emissão de certificado, previstos no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, pois apenas após a entrega da declaração é que a AT poderá verificar se estão preenchidos os pressupostos, e verificando-se, então, emitirá o certificado, dentro de um prazo máximo de 30 dias;
IV. A exigência de declaração prévia, junto da AT, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção é compatível com o direito da União, tal como já se pronunciou o TJ no Caso Kirchberg, C-269/03, de 9/09/2004, a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa;
V. O cumprimento das obrigações declarativas prescritas na lei para a renúncia à isenção é condição de eficácia do exercício da mesma, sendo que o certificado de renúncia à isenção é um acto constitutivo de direitos em matéria tributária;
VI. O n.º 4 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, aditado pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, teve em vista permitir a renúncia à isenção em contratos de locação ou transmissão de imóveis em que o mesmo imóvel tivesse sido alvo de locação isenta em anterior contrato, e não o incumprimento por parte dos sujeitos passivos das formalidades legais previstas no diploma para a renúncia a isenção;
VII. O disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA ao exigir expressamente que o certificado de renúncia seja exibido “aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão” pressupõe, necessariamente, que o contrato seja celebrado em data posterior ou contemporânea à do certificado, pois só assim, este poderá ser exibido no momento da sua celebração;
VIII. Segundo jurisprudência reiterada do TJ, o exercício do direito a dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devido (Caso SC Fatorie SRL, C-424/12, de 06/02/2014, Caso Genius, C-342/87, de 13/12/1989, e Caso Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, de 19/09/2000).
IX. O IVA pode ser exigido ao emitente da factura que o mencione indevidamente (artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIVA);
X. A exigência do IVA indevidamente mencionado é sempre legítima, uma vez que este imposto é receita do Estado, não podendo, em quaisquer circunstâncias, ser objecto de apropriação por parte do emitente do documento, mesmo no caso de liquidação indevida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Banco..., S.A.
Recorrido 1:secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Decisão:Julgada a ação improcedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

BANCO ..., S.A., Sociedade Aberta, contribuinte n.º 5…, com demais sinais nos autos, na qualidade de sucessora universal dos direitos e obrigações de B... Leasing, SA, vem ao abrigo dos artigos 46.º e ss do CPTA intentar ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL do acto praticado pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de indeferimento do Recurso Hierárquico da decisão n.º 104038, processos R160 2000052 e R160 2001069 da Direcção de Serviço de IVA, no âmbito da qual foram indeferidas as pretensões da Requerente em proceder à regularização de IVA ao abrigo do n.º 7 do artigo 71.º do Código do IVA ou, subsidiariamente, em proceder à regularização das deduções proporcionais ao período em que se considerava ter operado a renúncia à isenção, relativo aos períodos dos anos de 1998 a 2000.

A A. alega, em síntese, enquanto causa de pedir, a ilegalidade dos actos impugnados, com os seguintes fundamentos:
_ Assiste-lhe o direito à dedução integral do IVA incorrido no contrato de locação;
_ A título subsidiário, tem direito à regularização do IVA no período em que a isenção foi aplicável;
_ A título subsidiário, tem direito ao reembolso do IVA entregue ao Estado.

Finaliza formulando os seguintes pedidos: “deverá a presente acção ser dada como procedente, por provada, e em consequência ser anulada a decisão de deferimento parcial dos requerimentos que foram objecto da decisão por parte da Entidade Requerida no âmbito do recurso Hierárquico interposto contra a parte que não mereceu acolhimento pelos serviços da Administração Tributária, nos seguintes termos:

(a) Regularizar, a favor da Requerente, o valor da totalidade do IVA incorrido relacionado com os contratos de locação financeira imobiliária, relativamente aos quais o certificado de renúncia à isenção foi obtido em data posterior aos referidos contratos, devidamente identificados no presente documento, que ascende a € 600.756,97;
(b) Subsidiariamente, para o caso de o pedido formulado em (a) não ser acolhido, condenar a Entidade Requerida a autorizar a regularização, a favor da Requerente, da proporção do IVA a deduzir correspondente ao número de anos em que os imóveis objecto de locação estiveram afectos a uma actividade tributada, ou seja, após a obtenção do certificado de renúncia à isenção até perfazer o período de 4 anos previsto no artigo 91º do Código do IVA, no total de € 292.853,60;

Subsidiariamente, para o caso de serem dados como improcedentes os pedidos formulados em (a) e (b) supra ou, ainda, no caso de ser atendido o pedido formulado em (b), requer-se a Vossa Excelências se dignem condenar a Entidade Requerida a ordenar o reembolso do IVA indevidamente entregue pela Requerente nos períodos em que os contratos de locação foram considerados isentos, pelo montante global de € 583.894,77, acrescido de juros indemnizatórios calculados desde a propositura da presente acção, à taxa máxima legal, como previsto no artigo 43º da Lei Geral Tributária, até efectivo e integral pagamento”
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O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou contestação de fls. 112 e ss, onde alega em síntese:

_ Por excepção: o presente processo é o meio inadequado, porquanto havendo liquidações adicionais de imposto que foram oportunamente paga e constituindo as mesmas o acto tributário de liquidação a que se refere a alínea d) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, a A. deveria ter lançado mão dos meios procedimentais e contenciosos que a lei lhe faculta para o efeito, ou seja, a reclamação graciosa ou a respectiva impugnação judicial.
_ Por impugnação, invoca que a A. teria de possuir e exibir o certificado de renúncia aquando da celebração dos referidos contratos de locação, não o tendo feito, as operações em causa estavam isentas de IVA, nos termos do n.º 30 do artigo 9.º do CIVA, pelo que não lhe conferiam direito à dedução nos termos do artigo 20.º do Código do IVA (CIVA).

Finaliza peticionando a improcedência da acção, absolvendo-se o R. do pedido, e juntou o processo administrativo.
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A fls. 127 e ss a A. apresentou resposta às excepções, no sentido da sua não verificação. Finaliza peticionando a improcedência das excepções.
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Foi proferido despacho saneador, a fls. 285 dos autos, nos termos do art. 87.º, do CPTA, que julgou improcedentes as excepções suscitadas pela R. na contestação.
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A A. apresentou alegações de fls. 294 e ss., e a R. não apresentou alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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_ A questão a apreciar e decidir consiste em saber se a A. tem, ou não, direito à dedução integral do IVA incorrido no contrato de locação;
_ A título subsidiário, cumpre aferir se a A. se tem direito à regularização do IVA no período em que a isenção foi aplicável, e ainda, se tem direito ao reembolso do IVA entregue ao Estado.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

Dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) No âmbito de uma acção de inspecção para efeitos de controlo de pedidos de reembolsos de IVA, a Administração Tributária detectou que a A. não apresentou certificados de renúncia à isenção de IVA relativamente a alguns contratos de locação financeira imobiliária que tinha celebrado com os seus clientes, e relativamente aos quais vinha liquidando IVA nas rendas e deduzindo IVA, tendo sido emitidas as respectivas liquidações adicionais, relativas a vários períodos de 1998 a 2000 (cfr. documento de fls. 31 e ss dos autos).

B) Na sequência da acção de inspecção mencionada na alínea anterior foram emitidas as respectivas liquidações adicionais relativas a vários períodos de 1998 a 2000 (cfr. documento de fls. 31 e ss dos autos).

C) Em 13/09/2002 a A. requereu ao Director-Geral dos Impostos, ao abrigo do disposto no artigo 71.º, número 7 do CIVA, autorização para regularização a seu favor do IVA suportado com fundamento na obtenção posterior dos seguintes certificados de renúncia à isenção que estavam em falta, relativos aos seguintes contratos de locação (cfr. documento de fls. 35 dos autos, e documentos de fls. 31 e 32 dos autos e fls. 148 e ss dos autos (cfr. documentos de fls. 148 e ss dos autos):

N.º do Contrato

500 283
501881
502070
501854
501540
501360
501441
501481
501377
501495
501792
502106
501796
502138
501922
502137
500410
600115
20000046
20000066
20000086
20000190
20000045
20000197
20000261
20000705
Data Do Contrato/Alteração

2000.07.27
2000.03.15
1999.09.30
1999.04.30
1998.07.15
1998.02.18
1998.04.08
1998.05.21
1998.02.26
1998.12.22
1999.03.02
1999.10.29
1999.03.02
1999.11.26
1999.06.24
1999.11.26
2001.10.26
2001.04.03
2000.02.08
2000.02.16
2000.02.10
2000.04.27
2000.02.10
2000.05.04
2000.05.19
2000.07.25
Data Emissão do Certificado

2002.02.21
2001.05.14
2001.05.15
2001.09.19
1999.11.25
1999.11.25
1999.11.25
1999.11.09
1999.11.09
2000.10.10
2002.01.07
2001.05.15
2001.12.18
2001.04.11
2001.12.18
2001.04.16
2001.05.11
2001.03.29
2001.04.16
2002.01.16
2000.07.07
2000.05.30
2001.05.03
2000.05.15
2001.10.31
2001.04.16

D) O requerimento referido na alínea anterior, com base na informação 1018 de 10/01/2005 foi deferido relativamente aos contratos números 500410 (Abril e Julho de 2000) e 600115 (Abril e Maio de 2000), e indeferido relativamente aos contratos números 500283, 501881, 502070, 501854, 501540, 501360, 501441, 501481, 501377, 501495, 501792, 502106 501796, 502138, 501922, 502137, 20000046, 20000066, 20000086, 20000190, 20000045, 20000197, 20000261 e 20000705, com o fundamento, em síntese, de que os certificados de renúncia deveriam ter sido emitidos antes da celebração dos contratos de locação, pelo que os requisitos do n.º 6 do artigo 12.º não foram cumpridos (cfr. documento de fls. 30 e ss dos autos).

E) Em 16 de Novembro de 2005 a A. apresentou Recurso Hierárquico, requerendo a anulação da decisão referida na alínea anterior e, ainda, subsidiariamente, a consideração do IVA suportado em proporção ao período em que o contrato de locação se considerava sujeito a IVA (cfr. documento de fls. 64 e ss dos autos).

F) O Recurso Hierárquico foi indeferido por Despacho n.º 584/2008/XVII do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, datado de 18 de Junho de 2008, com base nos fundamentos na informação n.º 1245 de 10/03/2008 e informação n.º 1413, de 09/05/2008, entendendo-se, em síntese, que o certificado de renúncia deveria ter ser emitido em data anterior à do respectivo contrato de locação, considerando o disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA, o preâmbulo do DL n.º 241/86, de 20 de Agosto, e o n.º 2 do art. 4.º deste último diploma (cfr. documentos de fls. 45 e ss dos autos).

G) O despacho mencionado na alínea anterior foi levado ao conhecimento da A., pelo Ofício n.º 069092 de 2 de Julho de 2008 (cfr. documento de fls. 45 e 56 dos autos).

H) A presente acção foi apresentada junto deste tribunal em 06/10/2008 (cfr. fls. 1 dos autos).

A convicção do tribunal no que diz respeito aos factos provados, baseou-se nos documentos junto aos autos e ao processo administrativo em apenso, mais concretamente conforme documentação indicada em cada uma das alíneas supra.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

2. Do Direito

I. Invoca a A., desde logo, que lhe assiste o direito à dedução integral do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) incorrido no contrato de locação, considerando que supriu a falta do certificado de renúncia à isenção.

Conforme resulta dos autos, a Administração Tributária (AT), na sequência de uma acção de inspecção para efeitos de controlo de pedidos de reembolso detectaram, relativamente a alguns contratos de locação financeira imobiliária, que a A. não dispunha de certificado de renúncia à isenção de IVA. Neste contexto, procederam às respectivas liquidações adicionais, que, saliente-se, desde já, não estão em causa nos presentes autos.

Posteriormente, a A. obteve junto da AT, os certificados de renúncia à isenção (referente a vários períodos dos anos de 1998 a 2000), previstos no n.º 2 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, e que não dispunha à data da acção de inspecção. Após, por requerimento dirigido ao Director-Geral dos Impostos, e com fundamento no art. 71.º, n.º 7 do Código do IVA (CIVA), requereu a autorização para deduzir o IVA que havia sido liquidado adicionalmente naquela acção de inspecção, por entender que, tendo suprido a falta dos certificados poderia, então, deduzir o IVA suportado.

Sucede que aquele requerimento lhe foi apenas parcialmente deferido, e por conseguinte, interpôs recurso hierárquico daquela decisão, que veio a ser objecto de despacho de indeferimento proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 18/06/2008.

As razões do indeferimento, residiram, em súmula, no entendimento de que o certificado de renúncia deveria ter ser emitido em data anterior à do respectivo contrato de locação, face ao disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA, ao preâmbulo do DL n.º 241/86, de 20 de Agosto e ao disposto no n.º 2 do art. 4.º deste último diploma.

A A., discorda deste entendimento, no essencial, porque no momento em que solicitou ao Director-Geral dos Impostos a regularização do IVA dos diversos períodos de 1998 a 2000 ao seu favor, já tinha suprido a falta da emissão dos certificados de renúncia de isenção, sendo certo que os contratos de locação financeira referiam expressamente que era vontade das partes sujeitar os mesmos a IVA, pelo que não seria necessário a rectificação dos contratos, e deste modo, poderia deduzir o IVA suportado naquele período, e que foi objecto de liquidação adicional.

Já a R. contesta dizendo que a A. teria de possuir e exibir o certificado de renúncia aquando da celebração dos referidos contratos de locação, não o tendo feito, as operações em causa estavam isentas de IVA, nos termos do n.º 30 do artigo 9.º do CIVA, pelo que não lhe conferiam direito à dedução nos termos do artigo 20.º do CIVA.

Apreciando.

O IVA assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O IVA funciona, pois, pelo método indirecto subtractivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.

Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro), “[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.” .

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade.

O sistema comum do IVA tem por objectivo garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (cfr. Caso Rompelman, proc. 268/83, de 14/02/1985, Caso Klub, C-153/11, de 22/03/2012).

O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objectivos o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (36.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no art. 21.º do CIVA, e como requisitos subjectivos, exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.

No caso dos autos, está em causa a actividade de locação de bens imóveis.

Nos termos do disposto no artigo 9.º, número 30, do Código do IVA (CIVA), a locação de bens imóveis é uma operação isenta de imposto.

Esta isenção reveste natureza incompleta, ou seja não confere o direito à dedução do IVA suportado sobre os inputs necessários à realização dessas operações, ao contrário das isenções completas.

Com efeito, em sede de IVA, atendendo à possibilidade do exercício do direito de dedução, há que distinguir as isenções completas, totais, plenas ou que conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado, das isenções incompletas, simples, parciais, ou que não conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado. Todas as isenções do art. 9.º do CIVA são deste último tipo. (cfr. Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º I, Almedina, 2005, pág. 118 segs).

Deste modo, a isenção prevista para a locação de bens imóveis no artigo 9.º, número 30, do CIVA, não possibilita a dedução do imposto suportado, implicando que o locador não possa deduzir o IVA suportado para a realização das suas operações de locação de imóveis.

O que significa que a isenção da tributação em IVA nem sempre é vantajosa, pelo contrário, pode ser penalizadora, pois cria o denominado imposto “oculto” (IVA não deduzido) que penaliza dos sujeitos passivos.

Para obviar às penalizações que distorcem a funcionalidade do imposto, o legislador consagrou, em determinadas circunstâncias, e de forma excepcional, o direito à renúncia à isenção, de modo a que o sujeito passivo possa liquidar e deduzir o IVA suportado nas operações, de acordo com o regime-regra.

A possibilidade de renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias encontra-se consagrada no artigo 13.º, C, da Sexta Directiva (e actualmente no artigo 137.º da Directiva IVA), cabendo aos Estados-Membros a determinação e regulamentação das condições do exercício deste direito nas suas legislações internas.

Trata-se de uma faculdade que o legislador da União concedeu aos Estados-Membros em derrogação à regra geral prevista no artigo 13.º, B, alínea b), da Sexta Directiva, segundo a qual as operações de locação estão isentas de IVA (Caso Waldbur, C-246/04, de 12/01/2006).

Como o Tribunal de Justiça (TJ) já decidiu, aquela faculdade pode ser concedida pelos Estado-Membros quer em todos os casos, quer dentro de certos limites, quer ainda segundo determinadas modalidades (Caso Becker, proc. 8/81, 19/01/1982), ou seja, podem restringir o âmbito do direito de opção ou até mesmo suprimi-lo (Casos Gemeente Leusden e Holin Groep, Processos C-487/01 e C-7/02, de 20/04/2004).

O que significa que, desde que respeitados os princípios gerais do sistema do IVA previsto na Sexta Directiva, e actualmente na Directiva IVA, os Estados-Membros dispõem de uma larga margem de liberdade na conformação do regime jurídico da renúncia à isenção.

A renúncia à isenção em sede de IVA, no direito interno português, vem prevista, em termos genéricos, no art. 12.º do CIVA, sendo que os condicionalismos e formalidades a observar pelos sujeitos passivos, no caso da opção prevista no n.º 4 a 7 (locação e transmissão de bens imóveis ou parte autónomas destes) foram reguladas inicialmente no Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, que vigorava à data dos factos, e que foi revogado pelo DL n.º 21/2007, de 29/1, que incorpora as alterações promovidas ao abrigo da Directiva n.º 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de Julho.

Conforme esclarece Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, p. 87, “[e]m algumas situações excepcionais previstas no art. 12.º, concede-se a possibilidade de renúncia à isenção, passando o sujeito passivo a aplicar o IVA nos termos normais às suas operações e, consequentemente, a poder deduzir o imposto suportado para a respectiva realização”.

Como já referimos, regime jurídico da renúncia à isenção, ao restaurar o direito à dedução (nos casos previstos na lei), possibilita ao sujeito passivo evitar os efeitos penalizadores do regime das isenções incompletas, como são as constantes do art. 9.º do CIVA.

Com efeito, a necessidade de obstar às vicissitudes da isenção em sede de IVA na locação e transmissão de bens imóveis, através do regime jurídico da renúncia à isenção, encontram-se patente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto onde se pode ler que “[a]s isenções estabelecidas nos n.ºs 30 e 31 do artigo 9.º do Código do IVA para a locação e transmissão de bens imóveis não constituem uma solução satisfatória em termos de desagravamento fiscal deste tipo de bens, nem da própria neutralidade do imposto. Os efeitos cumulativos originados pela isenção simples aplicável à locação e à transmissão de imóveis ou partes autónomas, utilizados total ou parcialmente em actividades tributadas, podem ser eliminados através de renúncia à isenção, prevista nos n.os 4 a 6 do artigo 12.º do Código do IVA.”.

Deste modo, o Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, diploma aplicável à época, regulava os condicionalismos e formalidades a observar pelos sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção na locação de bens imóveis prevista no art. 12.º, n.º 4 do CIVA.

Um desses formalismos encontrava-se previsto no artigo 1.º, n.º 1 daquele diploma, e consistia na apresentação de um pedido de renúncia através de um modelo aprovado, com base no qual, cabia à Repartição de Finanças (actualmente, Serviços de Finanças), nos termos do n.º 2, verificar se estavam preenchidos os pressupostos para que o sujeito passivo pudesse optar pela renuncia à isenção, e só então, emitir o certificado a que se refere o n.º 6 do art. 12.º do CIVA.

Com efeito, dispunha o artigo 1.º, n.º 1 – “[o]s sujeitos passivos que, nos termos dos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, pretendam renunciar às isenções referidas nos n.ºs 30 e 31 do artigo 9.º do mesmo Código deverão entregar, em triplicado, na repartição de finanças competente, uma declaração conforme modelo aprovado.”, sendo que o n.º 2 dispunha que “[s]empre que se encontrem preenchidos os pressupostos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 12.º do Código do IVA, a repartição de finanças emitirá o certificado a que se refere o n.º 6 do mesmo artigo no prazo máximo de 30 dias a contar da data de entrega da declaração mencionada no número anterior.”.

Ora, existe uma relação indissociável entre as condições previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do CIVA para a renúncia à isenção e o procedimento declarativo prévio, e a posterior emissão de certificado previstos no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, pois apenas após a entrega da declaração é que a AT poderá verificar se estão preenchidos os pressupostos e verificando-se, então, emitirá o certificado, dentro de um prazo máximo de 30 dias.

A exigência de declaração prévia, junto da AT, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção é compatível com o direito da União, tal como já se pronunciou o TJ no Caso Kirchberg (C-269/03, de 9/09/2004) a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa.

Escreveu-se naquele acórdão que “[v]erifica-se assim que tal procedimento de aprovação não se destina a lesar o direito à dedução, mas permite, pelo contrário, que este direito seja plenamente exercido, desde que se respeitem certas exigências, designadamente, a apresentação de uma declaração de opção e a obtenção da aprovação dentro de determinados prazos.
29. O facto de o procedimento de aprovação não ser retroactivo não o torna desproporcionado. Pelo contrário, tal procedimento pode considerar-se útil a fim de incitar os locadores a apresentar antecipadamente a sua declaração de opção. Com efeito, não se pode excluir que um procedimento de aprovação com carácter retroactivo seja susceptível de produzir efeito inverso, conduzindo os locadores a apresentar tardiamente a sua declaração de opção e que seja, consequentemente, menos apto a assegurar a aplicação correcta do exercício do direito de opção e a alcançar o objectivo de segurança jurídica referido no n.° 25 do presente acórdão.”.

Ou seja, não viola o direito da União, o estabelecimento de condições formais para o exercício da renúncia à isenção nas operações de locação imobiliária, onde se inclui a exigência de apresentação prévia de uma declaração modelo com base na qual serão analisados os pressupostos legais pela AT, e posteriormente, emitido um certificado.

Assim sendo, também não viola o direito à dedução, nem o princípio da neutralidade, a não autorização pela AT, da dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, quando o este não obteve, previamente, o certificado conforme prevê o disposto no n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto.

Estamos perante uma condição formal da renúncia à isenção, sem a qual, aquela não poderá operar, e por conseguinte, o sujeito passivo fica sujeito ao regime-regra de isenção para a locação imobiliária, previsto nos números 30 do artigo 9.º do CIVA, pelo que, ao contrário do que entende a A., é irrelevante que nos contratos de locação imobiliária o locador e o locatário tenham acordado em sujeitar os valores constantes dos mesmos a IVA, pois, tal possibilidade não está ao dispor das partes, depende de um procedimento próprio, prescrito na lei.

A propósito do certificado de isenção emitido ao abrigo do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, embora em situação diversa da ora em causa nos presentes autos, escreveu-se no acórdão do TCAN de 31/07/2008, processo 00052/02, que “[q]uanto a este “certificado”, importa ter presente que a respectiva emissão pertence à administração tributária/AT, ocorrendo em função e por efeito da comprovação dos pressupostos, fixados, expressamente, na lei, para o exercício da renúncia às isenções dos n.ºs 30 e 31 do art. 9.º - cfr. art. 12.º n.º 6 CIVA; ou seja, a emissão e detenção deste documento constitui elemento decisivo, conformador, comprovativo e temporizador da renúncia em apreço, no sentido de que só com a respectiva emissão e a partir da data em que esta ocorre a pessoa singular ou colectiva, renunciante a anterior isenção de que beneficiava, está em condições de operar, nas transacções antes isentas de IVA, a coberto do regime de tributação normal deste tributo”.

Também na doutrina impera o entendimento de que o cumprimento das obrigações declarativas prescritas na lei para a renúncia à isenção é condição de eficácia do exercício da mesma, pois “para aplicação da isenção a Administração Fiscal necessita, naturalmente, de comprovar a existência dos pressupostos de aplicação de natureza subjectiva, como, por exemplo, o regime fiscal a que se encontra sujeito o locatário.”. (cfr. Clotilde Celorico Palma, Vicissitudes da renúncia à isenção das operações imobiliárias em imposto sobre o valor acrescentado, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Novembro de 2009, 2.ª secção, Processo 0486/09, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 3, n.º 1, 2010, p. 369).

Concordando com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Novembro de 2009, 2.ª secção, Processo 0486/09, que pese embora não verse sobre a questão dos autos, é importante quanto a posição jurídica que sanciona. Sublinha Clotilde Celorico Palma que “o certificado de renúncia à isenção é um acto constitutivo de direitos em matéria tributária”.

In casu, não tendo sido cumprido previamente o formalismo legal previsto na lei para a renúncia à isenção, ou seja, não tendo sido emitido, antes do facto gerador do imposto, o certificado a que se refere no n.º 2 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto (cfr. datas dos certificados constantes da matéria dada como provada, alínea C.), que tem natureza constitutiva, então, à data a que se reporta o facto gerador do imposto em causa nos autos (períodos compreendidos entre 1998 a 2000), a A. encontrava-se abrangida pelo regime-regra de isenção de IVA, previsto no art. 9.º, n.º 30 do CIVA, que não confere o exercício do direito à dedução do IVA suportado, e nessa medida, o acto impugnado não merece censura.

Face ao exposto, improcede a pretensão da A. quanto a este fundamento.

II. A título subsidiário, invoca ainda a A. que tem direito à regularização do IVA a seu favor, na proporção do período em que a locação passou a estar sujeita a IVA, com fundamento no disposto no artigo 4.º, números 4 a 6 do Decreto-lei n.º 241/86, de 20 de Agosto.

Dispõe o art.º 4.º, n.º 1 e 2 daquele diploma da seguinte forma:
“Art. 4.º - 1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, os sujeitos passivos que renunciarem à isenção nos termos do artigo 1.º terão direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações relativas a cada imóvel ou parte autónoma, segundo as regras definidas nos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA. 2 - Não será, todavia, permitido aos sujeitos passivos efectivar a dedução relativa a cada imóvel ou parte autónoma no imposto apurado em outros imóveis ou partes autónomas ou quaisquer outras operações, nem solicitar o respectivo reembolso nos termos dos n.os 5 e 6 do artigo 22.º do Código do IVA, antes da celebração da escritura de transmissão ou do contrato de locação dos imóveis.”

Pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, foi aditado o n.º 4 que dispõe do seguinte modo: [q]uando a renúncia à isenção tiver sido precedida de uma locação isenta, o direito à dedução do imposto suportado é limitado na proporção do número de anos em que o imóvel estiver afecto a uma actividade ou sector tributado.”

Este último preceito legal, veio permitir a renúncia à isenção em contratos de locação ou transmissão de imóveis ainda que em anterior contrato, o mesmo imóvel, tivesse sido alvo de locação isenta, sendo este o fundamento da A. para invocar o direito à regularização do IVA a seu favor, na proporção do período em que a locação passou a estar sujeita a IVA.

Mas sem razão.

Desde logo, aquele n.º 4 foi aditado tendo em vista permitir a renúncia à isenção em contratos de locação ou transmissão de imóveis em que o mesmo imóvel, tivesse sido alvo de locação isenta no anterior contrato, este é o sentido a dar à hipótese legal “[q]uando a renúncia à isenção tiver sido precedida de uma locação isenta”.

Como é evidente, esta alteração legislativa não teve por objectivo suprir o incumprimento por parte dos sujeitos passivos das formalidades legais previstas no diploma para a renúncia a isenção e permitir alterações de enquadramento em sede de IVA na vigência do mesmo contrato, mas tão-somente, abranger outras situações, anteriormente não contempladas na previsão legal, como os casos de contratos de locação sucessivos, pelo que o caso dos autos, não se enquadra na previsão legal.

Por outro lado, também o disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA obsta à satisfação da pretensão da A. Com efeito, este normativo exigia expressamente que o certificado de renúncia fosse “exibido aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão”.

Ou seja, tal como supra referido, existe uma relação indissociável entre as condições previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do CIVA para a renúncia à isenção e o procedimento declarativo prévio e posterior emissão de certificado previstos no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto.

Assim sendo, torna-se necessário que o certificado de renúncia à isenção fosse exibido aquando da celebração do contrato de locação imobiliária, o que pressupõe que o contrato seja celebrado em data contemporânea ou posterior à do certificado.

Nesse mesmo sentido vai o preâmbulo do Decreto-lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, no qual se pode ler que “[n]as normas especiais a que deve obedecer o exercício do direito à dedução nestes casos assume ainda relevância o seu reporte para a data da escritura ou do contrato de locação (…)”.

A exigência formal tem razão de ser, pois, a renúncia à isenção relativa a esses contratos pressupõe a existência prévia do certificado que permite à AT comprovar os pressupostos previstos na lei, para o exercício da renúncia, tal como supra exposto.

Trata-se de uma formalidade, que deve ser cumprida, e não é desproporcional, tal como já referimos, a exigência dessa declaração prévia, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção é compatível com o direito da União (Caso Kirchberg, C-269/03, de 9/09/2004).

O disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA ao exigir expressamente que o certificado de renúncia seja exibido “aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão” pressupõe, necessariamente, que o contrato seja celebrado em data posterior ou contemporânea à do certificado, pois só assim, este poderá ser exibido no momento da sua celebração.

In casu, considerando que os contratos têm data anterior à dos certificados (aqueles constituem objecto da presente acção, pois, a AT aceitou o direito à dedução relativamente aos contratos com data posterior aos certificados) a A. não tem direito à regularização do IVA a seu favor, na proporção do período em que a locação passou a estar sujeita a IVA, com fundamento no disposto no artigo 4.º, números 4 a 6 do Decreto-lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, por não estarem cumpridas as formalidades prescritas na lei, designadamente, não foi exibido o certificado de renúncia à isenção na data da celebração do contrato de locação imobiliária.

Por conseguinte, a A. não tem direito à regularização prevista naquele diploma, e por conseguinte, fica prejudicado o conhecimento da questão colocada de saber se a forma do cálculo da proporção da regularizar, viola ou não a Sexta Directiva.

Face ao exposto, improcede a pretensão da A., também quanto a este fundamento.

III. A título subsidiário, invoca ainda a A. que tem direito ao reembolso do IVA entregue ao Estado.

Segundo jurisprudência reiterada do TJ, o exercício do direito a dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devidos (cfr. Caso SC Fatorie SRL, C-424/12, de 06/02/2014, Caso Genius, C-342/87, de 13/12/1989, e Caso Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, de 19/09/2000).

Assim, in casu, uma vez que os pressupostos da renúncia à isenção não se verificavam, os contratos de locação em causa estavam isentos de IVA, pelo que, tendo sido liquidado imposto, este não era devido. Não obstante, e de acordo com a jurisprudência supra citada, a A. não pode invocar o direito a dedução desse IVA.

Por outro lado, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIVA, o imposto também pode ser exigido ao emitente da factura que ali o mencione indevidamente. Com efeito, dispõe este preceito legal que são sujeitos passivos do imposto, “as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA”.

Deste modo, a menção de IVA em tais documentos, mesmo que não devesse constar, por não ser devida liquidação de IVA nessa operação, origina obrigação de imposto (cfr. nesse sentido, Ac. do STA de 26/09/2012, proc. n.º 0555/12).

Nas palavras de XAVIER DE BASTO cada factura com menção de imposto, constitui “um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso, (...) a simples menção do IVA em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um “devedor de imposto”. Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados” (cfr. Xavier de Basto, A Harmonização Fiscal na CEE, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 362, p. 44. ).

Como refere Nuno Sá Gomes “se o IVA foi creditado e pago ao emitente da factura falsa, ainda que relativo a operação inexistente, o imposto deve ser exigido ao emitente, que não o entregou mas o recebeu efectivamente” e “o utilizador da factura falsa que pagou IVA ao emitente respectivo, não tem direito a deduzi-lo, nos termos do n.º 3 do art. 19.º do CIVA” (Nuno Sá Gomes, CTF n.° 377, pág. 7 a 22).

“Nem tal ofende o princípio da legalidade e da capacidade contributiva, ao contrário do que pretende a recorrente. É preciso ver que se trata de facturas falsas, seja, do propósito de arrecadar ilegalmente IVA através do respectivo reembolso.
Não se vê como, em tal circunstancialismo, se possam trazer à colação princípios como os aludidos que justamente contrabalançam aqueles que cumprem as suas obrigações fiscais mas não podem referir-se a situações fraudulentas que a lei, pelo contrário, tem de acautelar.” (cfr. Ac. do STA de 24/04/2002).


Por último, refira-se ainda que, mesmo que não haja posterior dedução de imposto, a exigência do IVA indevidamente mencionado é sempre legítima, uma vez que este imposto é receita do Estado, não podendo, em quaisquer circunstâncias, ser objecto de apropriação por parte do emitente do documento, mesmo no caso de liquidação indevida.

Face ao exposto, também quanto a este fundamento, improcede a pretensão da A.,

Em síntese, improcedem, in totum, os fundamentos invocados pela A. na presente acção.

3. Sumário do acórdão

I. A possibilidade de renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias encontra-se consagrada no artigo 13.º, C, da Sexta Directiva (e actualmente no artigo 137.º da Directiva IVA), cabendo aos Estados-Membros a determinação e regulamentação das condições do exercício deste direito nas suas legislações internas;
II. O Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto (entretanto revogado pelo DL n.º 21/2007, de 29/1), regulava, à época, os condicionalismos e formalidades a observar pelos sujeitos passivos que pretendessem renunciar à isenção na locação de bens imóveis nos termos do art. 12.º, n.º 4 do CIVA;
III. Existe uma relação indissociável entre as condições previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do CIVA para a renúncia à isenção e o procedimento declarativo prévio, e a posterior emissão de certificado, previstos no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, pois apenas após a entrega da declaração é que a AT poderá verificar se estão preenchidos os pressupostos, e verificando-se, então, emitirá o certificado, dentro de um prazo máximo de 30 dias;
IV. A exigência de declaração prévia, junto da AT, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção é compatível com o direito da União, tal como já se pronunciou o TJ no Caso Kirchberg, C-269/03, de 9/09/2004, a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa;
V. O cumprimento das obrigações declarativas prescritas na lei para a renúncia à isenção é condição de eficácia do exercício da mesma, sendo que o certificado de renúncia à isenção é um acto constitutivo de direitos em matéria tributária;
VI. O n.º 4 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, aditado pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, teve em vista permitir a renúncia à isenção em contratos de locação ou transmissão de imóveis em que o mesmo imóvel tivesse sido alvo de locação isenta em anterior contrato, e não o incumprimento por parte dos sujeitos passivos das formalidades legais previstas no diploma para a renúncia a isenção;
VII. O disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA ao exigir expressamente que o certificado de renúncia seja exibido “aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão” pressupõe, necessariamente, que o contrato seja celebrado em data posterior ou contemporânea à do certificado, pois só assim, este poderá ser exibido no momento da sua celebração;
VIII. Segundo jurisprudência reiterada do TJ, o exercício do direito a dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devido (Caso SC Fatorie SRL, C-424/12, de 06/02/2014, Caso Genius, C-342/87, de 13/12/1989, e Caso Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, de 19/09/2000).
IX. O IVA pode ser exigido ao emitente da factura que o mencione indevidamente (artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIVA);
X. A exigência do IVA indevidamente mencionado é sempre legítima, uma vez que este imposto é receita do Estado, não podendo, em quaisquer circunstâncias, ser objecto de apropriação por parte do emitente do documento, mesmo no caso de liquidação indevida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar a presente acção administrativa especial IMPROCEDENTE, e por conseguinte, em absolver a R. dos pedidos.

****
Custas pela A., nos termos da tabela I-A (art. 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, e art. 6.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais).
Valor do Processo: 600.756,97€ (art. 306.º do CPC).
D.n.
Porto, 30 de Outubro de 2014.
Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos