Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02518/10.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:OPOSIÇÃO
CONVOLAÇÃO
INTEMPESTIVIDADE
DÉFICIT INSTRUTÓRIO
Sumário:1. O termo do prazo do pagamento voluntário das prestações tributárias só releva para se ajuizar da tempestividade da impugnação judicial se a liquidação tiver sido validamente notificada ao contribuinte;
2. Não sendo o contribuinte validamente notificado, o prazo de impugnação judicial deixa de se contar da data limite de pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data em que ocorre aquela condição de eficácia (válida notificação);
3. É o que resulta das disposições combinadas dos artigos 36.º, n.º1 do CPPT e 102.º, n.º1 alínea a), do mesmo Código.
4. Assim, padece de deficit instrutório a sentença que, em apreciação dos requisitos da convolação de uma p.i. de oposição para impugnação judicial, dá por não verificado o requisito da tempestividade unicamente com base na data indicada na certidão de dívida como a do “termo de pagamento voluntário”, prescindindo dos elementos relativos à notificação da liquidação exequenda.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:I...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE
1 – RELATÓRIO
I..., recorre da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a excepção do erro na forma do processo, considerou prejudicada a convolação por falta do requisito da tempestividade aferido à forma de processo adequada e absolveu a Fazenda Pública da instância.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A Recorrida não apresentou contra-alegações.
Em 28/03/2014, já depois da apresentação do recurso, foi junto aos autos o ofício que constitui fls.327, assinado pelo Sr. Chefe de Finanças Adjunto, cujo teor se transcreve, por extracto: «No âmbito do processo de oposição supra referenciado, em que é oponente I...…, comunico a V. Ex.ª que o PEF n.º1902200701080660, foi pago pelo oponente, nos termos do Decreto-Lei n.º151-A/2013, de 31 de Outubro, em 19.12.2013, extinguindo-se o processo executivo em 22.12.2013, conforme cópias da tramitação e do despacho que se juntam».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal teve vista do processo e emitiu mui douto parecer no sentido de que com a extinção da execução extinguiram-se também os processos dela dependentes, designadamente a presente oposição e, nesse pressuposto entendimento, se deverá declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e a impossibilidade de conhecimento do recurso por impossibilidade/ inutilidade.

Foram ouvidas as partes. Apenas o Recorrente se pronunciou, sustentando, em suma, a sua discordância com o entendimento perfilhado no douto parecer do Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto porquanto, como diz, “…uma vez que nestes autos, nomeadamente no presente recurso, se discute, além do mais, se deveria ou não ser convolado o processo em impugnação, ou, pelo menos, aferida tal possibilidade – como é entendimento do Recorrente - , a extinção da execução não tem, nem pode ter, quaisquer consequências para os autos, mais não seja porque, o que se discute é a convolação em processo de impugnação que, por isso, em nada depende do processo de execução”.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO
Delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente, o objecto do recurso consiste em indagar: (i) se ocorre motivo de impossibilidade/ inutilidade superveniente da lide por virtude da extinção da execução fiscal; (ii) se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao não admitir, por extemporaneidade, a convolação da petição de oposição em impugnação judicial.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1.ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos:

A. A presente oposição deu entrada no serviço de finanças de Vila do Conde em 22/06/2010 – cf. fls.5 dos autos;
B. O pagamento voluntário da liquidação aqui em causa terminou em 07/11/2007 – cf. fls.64 dos autos.

Ao abrigo do art.º712.º, do CPC, alteram-se ambos os pontos do probatório, que passam a ter a seguinte redacção:

A. A petição de oposição deu entrada no serviço de finanças de Vila do Conde em 22/06/2010, serviço para onde foi remetida, via fax, em 21/06/2010 – cf. fls.5 e 309 dos autos;
B. Conforme certidão de dívida que serve de base à execução, dela consta “PAGAMENTO VOLUNTÁRIO ATÉ 2007-11-07” - cf. fls.64 dos autos;
C. A dívida objecto da oposição teve origem em procedimento inspectivo de que resultou alteração dos rendimentos líquidos declarados em sede de IRS (informação executiva a fls.45 dos autos).

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Antes de mais, importa conhecer da questão da impossibilidade superveniente da lide suscitada pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer a fls.331, o que sustenta por virtude da extinção, por pagamento, do processo principal de execução, de que a oposição depende.

Contra este modo de ver se insurge o Recorrente, no entendimento de que, em causa está e unicamente sindicar o julgamento da 1ª instância quanto à verificação dos requisitos de que depende a convolação da oposição para processo de impugnação judicial.

Como é sabido, a inutilidade e a impossibilidade supervenientes da lide estão previstas como causas de extinção da instância no art.º287.º, alínea e), do CPC vigente à data de interposição do recurso, que logra aplicação subsidiária no processo judicial tributário, ex vi da alínea e) do art.º2.º do CPPT.

«A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio» (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, anotação 3. ao art. 287.º, pág. 512).

Salvo o devido respeito, não vemos como considerar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, no presente caso.

Na verdade, tendo a sentença concluído (bem ou mal, não interessa agora) pela existência de erro na forma do processo em vista dos fundamentos invocados na petição inicial e, nesse pressuposto entendimento, passado à apreciação dos requisitos da convolação para processo de impugnação judicial, que entendeu a forma adequada para discutir as questões colocadas na petição inicial, a asserção (quanto à impossibilidade), só estaria correcta se aferida à impugnação judicial, que é a forma de processo através da qual prosseguirão os autos, se feita a convolação.

Tal seria o caso se, por hipótese, por via do informado pagamento da dívida “…nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º151-A/2013, de 31 de Outubro…”, o oponente se visse ex lege impossibilitado de discutir a legalidade da liquidação de que emerge a dívida, que é, no fundo, o caminho que lhe abrirá se operada a convolação, deixando de interessar a ponderação sobre a utilidade ou possibilidade de discussão dos fundamentos de oposição em vista da extinção do processo principal (de execução).
Julga-se, em vista do expendido, improcedente a questão suscitada no douto parecer e passa-se ao conhecimento do mérito do recurso.
A sentença recorrida, depois de julgar procedente a excepção do erro na forma do processo e não verificado o requisito da tempestividade aferida à forma de processo adequada para tutela da pretensão deduzida, absolveu a Fazenda Pública da instância.

Para assim decidir, ponderou-se relevantemente o que se transcreve:

«DA POSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO
Nos termos do art. 199° do CPC, as consequências resultantes do erro na forma de processo poderão divergir, consoante se possam ou não aproveitar os actos já praticados, tendo em vista as garantias do réu: se da errada forma processual resultar diminuição das garantias do réu, deverão anular-se todos os actos posteriores; caso contrário, anular-se-ão apenas os que não possam ser aproveitados, praticando-se os necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida na lei.
No caso em apreço, não se vislumbra tal diminuição de garantias.
Vejamos agora a questão da tempestividade de deduzir impugnação judicial.
É que, na hipótese de se ordenar o prosseguimento dos autos como processo de impugnação judicial, impor-se-ia desde logo verificar se a impugnação judicial é tempestiva.
Da análise dos autos resultam, provados os seguintes factos:
A). A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Vila do Conde em 22/06/2010, cf. fls. 5 dos autos.
B). O pagamento voluntário da liquidação aqui em causa terminou em 07/11/2007, cf. fls, 64 dos autos.
O prazo para deduzir impugnação judicial termina 90 dias, após o termo do prazo para o pagamento voluntário da prestação tributária notificada ao contribuinte — art.102° a) do C.P.P.T.
Assim, tendo a presente petição dado entrada em 22/06/2007, pode desde logo concluir-se que esta foi intentada fora do decurso do prazo para deduzir impugnação judicial, pelo que terá de se considerar como intempestiva.
Resta concluir que, no caso em apreço, ocorre o obstáculo da extemporaneidade».

Como se vê, a Mma. juíz “a quo” fez uma leitura muito própria do prazo de caducidade do direito de impugnação, tendo aferido tal prazo unicamente com base no termo do pagamento voluntário da liquidação indicado na certidão de dívida que serve de base à execução (até 07/11/2007).

Com efeito, decorre do disposto no n.º1 do art.º102.º, do CPPT, que “a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) (…)”.
Por outro lado, nos termos do n.º1 do art.º36.º do CPPT, “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
Da interpretação conjugada daqueles dois preceitos, resulta que o “termo do prazo de pagamento voluntário das prestações tributárias” só releva para efeitos de se ajuizar da tempestividade da impugnação se a liquidação tiver sido válida e legalmente notificada ao contribuinte; não sendo o contribuinte validamente notificado, o prazo de impugnação judicial deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data em que ocorre a condição de eficácia do acto.
E era isso que importava esclarecer e apurar nos autos, antes de decidida a convolação, o que a decisão recorrida não fez, tendo incorrido em erro de julgamento.
Não se conhece em substituição porquanto a matéria factual que integra os autos não permite formular um juízo seguro e prudente sobre a questão da caducidade do direito de impugnação, nomeadamente dele não constarem os instrumentos de prova relativos ao acto de notificação da liquidação exequenda ao oponente/ Recorrente.

5 - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à primeira instância, para instrução complementar e prolação de nova decisão.
Sem custas, uma vez que o recurso foi provido e a Fazenda Pública não contra-alegou.
Porto, 30 de Abril de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro