Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01265/17.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Tiago Miranda
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO, SANÇÃO DE ADMOESTAÇÃO.
Sumário:I –A figura doutrinal da “infracção persistente ou sucessiva”, por isso mesmo que remete para a unidade, e não para a pluralidade de infracções, que exclui, não pode fundamentar a oportunidade da aplicação da sanção alternativa de admoestação por em infracção anterior e semelhante, do mesmo arguido, recentemente julgada, já se ter aplicado uma coima julgada justa.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:O., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o presente recurso ordinário relativamente à sentença da Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, julgando precedente o recuso de contra-ordenação, apresentado por O. Lda, NIF (…), com sede no Parque Empresarial (…), determinou a substituição, pela sansão de admoestação, da coima de 2 485,94 € aplicada na decisão administrativa, pela prática de uma contra-ordenação de não entrega de prestação tributária prevista e punível pelos artigos 114º nº 2 e 5 alª a) e 26º nº 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) com referência aos artigos 27º nº 1 e 41º nº 1, alª a) do Código do IVA.

Remata a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 02/12/2019, que decidiu, em substituição da coima aplicada no montante de € 2.485,94, aplicar à arguida a sanção de admoestação.
2. Contudo, ressalvado o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, pelas razões que de imediato se passam a expor:
3. De acordo com o disposto no artigo 51. °, n.º 1 do RGCO são requisitos cumulativos para a aplicação de uma admoestação: a reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e a reduzida culpa do agente.
4. A admoestação é uma medida alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito contra-ordenacional e da culpa do agente, isto é para as contra-ordenações leves ou simples. Por isso, quer a gravidade do ilícito quer o grau de culpa devem ser reduzidos.
5. A gravidade da infracção a considerar para efeitos de indagar da possibilidade de aplicar a sanção admonitória deve ser aferida pela conjugação de todas as circunstâncias concretas do comportamento ilícito.
6. Para esse efeito deverá ser feito um juízo, casuisticamente, de acordo com as circunstâncias concretas do comportamento ilícito. O modo como ocorreram os factos e as circunstâncias que determinaram e que antecederam a prática da infracção, as suas consequências nos termos em que resultaram provados e a natureza jurídica dos deveres legais violados.
7. No caso concreto, os factos provados e os factos não provados na douta sentença, não sustentam um juízo de reduzida gravidade da contra-ordenação, nem de diminuição da culpa, fundamentadores da medida de admoestação.
8. Está em causa o não pagamento do imposto do IVA referente ao terceiro trimestre de 2014, cuja prestação em falta é de € 8.286,47 [ponto 9 dos factos provados], valor apurado através de métodos indirectos, após procedimento de revisão [pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos provados].
9. Cabe ao sujeito passivo a liquidação e cobrança do imposto e, posteriormente, a sua entrega nos cofres do Estado, sendo que o incumprimento de tais deveres revela um comportamento censurável.
10. O montante do IVA em falta apenas foi pago em sede de processo de execução fiscal, cerca de 5 anos após o prazo legal [pontos 13 e 14 dos factos provados].
11. Não estamos perante um atraso na entrega da prestação tributária pouco expressivo por um ou dois dias depois, mas de 5 anos [pontos 1 a 5 e 13 dos factos provados].
12. A falta oportuna da entrega do imposto ocasionou prejuízo na execução da despesa orçamentada por parte do Estado, não podendo este dispor pontualmente dos meios financeiros necessários à execução do seu orçamento desta forma podendo comprometer a respectiva execução das politicas definidas.
13. Então, atendendo à ilicitude em concreto dos factos que constituem a infracção: não entrega do IVA no montante de € 8.286,47 [ponto 9 dos factos provados], o período que decorreu entre o prazo de entrega do mesmo e a sua verificação cerca de 5 anos [pontos 1 a 5 e 13 dos factos provados] e o prejuízo efectivo para o erário público pela falta de entrega do imposto, não se pode considerar reduzida a ilicitude da conduta.
14. O mesmo sucedendo com a culpa do agente, pois, ainda que a conduta da arguida assuma a forma negligente, entendemos que a sua culpa não pode ser tida como reduzida, posto que, da matéria de facto dada como provada e não provada nos autos, não resulta que o IVA não entregue se deveu a um lapso contabilístico, conforme alegado pela arguida.
15. De facto, provou-se que duas empresas do mesmo grupo a que pertence a arguida celebraram uma compra e venda de 48.240 quilos do produto “FILME AUT 23 MY” [ponto 15 dos factos provados], mas não resultou provado que a falta de facturação de 29.000 quilos dessa mesma existência [o bem não facturado] se ficou a dever a um erro contabilístico, dado que, da análise à produção, a quantidade do bem em falta era de 79.000 quilos de filme e não de 50.000 quilos [ponto 4 dos factos provados e ponto A dos factos não provados].
16. Acresce que, não se trata de um comportamento acidental revelador de reduzida gravidade da culpa, pois a prática da infracção foi considerada frequente na decisão de fixação da coima datada de 28/09/2017 [ponto 9 dos factos provados].
17. Além disso, a sanção de admoestação tem de realizar as finalidades de prevenção geral e especial negativas dos comportamentos.
18. A aplicação da coima tem um fim preventivo e desempenha uma função de prevenção geral negativa, ou seja, visa evitar que os demais agentes tomem o comportamento infractor como modelo de conduta [dissuasão geral], e de prevenção especial negativa, isto é, visa evitar que o agente repita a conduta infractora [dissuasão do infractor].
19. Ressalvado o devido respeito, a aplicação da sanção de admoestação no caso vertente não cumpre as referidas as finalidades, por um lado, afigura-se-nos que a ideia que passa para a comunidade é a de os contribuintes poderão não efectuar o pagamento do IVA que não serão adequadamente sancionados, e por outro lado, não se afigura que impeça a arguida de cometer novos incumprimentos do dever de entregar a prestação tributária que for devida a titulo de imposto, tanto mais, como foi referido, a pratica deste tipo de infracção foi considerada frequente [ponto 9 dos factos provados].
20. No caso vertente, a sanção de admoestação não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição visada com a contra-ordenação relativa à falta de entrega da prestação tributária a que alude o artigo 114.°, n.° 2 e 5, alínea f) do RGIT, pois a contra-ordenação aí prevista tutela os interesses do credor tributário quanto ao recebimento do imposto, e particularmente, como referido supra as finalidades de prevenção geral e especial.
21. A natureza da contra-ordenação imputada confrontada com as finalidades de prevenção especial negativa e geral negativa reveladas na situação em análise não justifica que se faça uso da admoestação.
22. Se nestas circunstâncias é possível e adequado aplicar uma sanção de admoestação dificilmente alguém poderá ser condenado em coima diversa pelo mesmo ilícito, o que é manifestamente violador da intenção legislativa ao penalizar a conduta como o fez.
23. Por não se mostrarem preenchidos os pressupostos ínsitos no artigo 51. ° do RGCO, o douto Tribunal “a quo” não podia determinar que, em substituição da coima, aplicada no valor de € 2.485,94 pela prática da supramencionada infracção, fosse aplicada à arguida a admoestação preconizada na sentença sob recurso, tendo como fundamento a reduzida gravidade, quer no que respeita à infracção, quer no que tange à culpa da arguida.
24. Pelo que, entende a Fazenda Pública com a ressalva do devido respeito, que o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento que resulta da errónea interpretação e aplicação do disposto no n.° 1 do artigo 51º ° do RGCO, aplicável ex vi do artigo 3.°, alínea b) do RGIT.
25. Atento o exposto, deverá a douta sentença de que ora se recorre, ser revogada, e substituída por uma que julgue improcedente o recurso interposto da decisão de aplicação da coima, mantendo-se a coima aplicada, com as legais consequências.

A arguida e recorrida apresentou contra-alegações concluindo nos seguintes termos:
1.
A questão sub judice encontra-se clara, douta e proficientemente tratada na sentença recorrida, que fez exacta apreciação dos factos e aplicou criteriosamente o direito.
2.
O Tribunal de 1.ª Instância determinou a substituição da coima aplicada à Recorrida por uma sanção de admoestação, vindo a Representante da Fazenda Pública recorrer desta decisão, entendendo que o Tribunal a quo ao proceder àquela substituição incorreu em erro de julgamento no que toca à correcta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 51.° do RGCO.
3.
Porém, uma vez ponderado todo o circunstancialismo da infracção aqui em questão, por se tratar de um comportamento acidental, com expresso reconhecimento pela Recorrida da sua responsabilidade e imediata regularização da situação, não tendo aquela retirado qualquer benefício económico ou vantagem, em boa verdade, melhor julgamento não podia ter sido feito.
A aqui Recorrida apenas se apercebeu da omissão do pagamento do IVA referente ao terceiro trimestre de 2014 na sequência da inspecção tributária que decorreu entre 19.10.2016 e 17.02.2017.
5.
Não correspondendo à realidade quando a Recorrente diz que passaram cinco anos entre o prazo legal de cumprimento da obrigação e a sua satisfação por parte da Recorrida, uma vez que logo que teve conhecimento daquela omissão (em 2017) requereu o seu pagamento em prestações, realizando a última prestação a 27.10.2019.
6.
Conforme resulta da jurisprudência consolidada na matéria, estamos perante uma infracção de carácter continuado, devendo ser-lhe aplicado o mesmo regime que decorre do disposto do artigo 30.°, n.°2 do CPP, aplicável ao processo de contra-ordenação tributária ex vi do art. 3.°, al. b) do RGIT, conjugado com o art. 32.° do RGCO.
7.
Tratando-se a infracção tributária aqui em análise do mesmo tipo de ilícito já apreciado no âmbito do Processo n.° 1264/17.8TBEAVR, tal como o bem jurídico protegido - estamos perante o mesmo imposto e o mesmo montante, sendo as omissões de entrega do IVA temporalmente próximas - deve a infracção ser juridicamente considerada como uma só.
8.
Tendo já sido aplicada no âmbito daquele processo uma coima à Recorrida.
9.
Teve o Tribunal a quo em consideração, e bem, a realidade deste quadro factual, entendendo que não se deveria aqui aplicar novamente uma coima, uma vez que seria injusta e que revelar-se-ia apenas num aumento quantitativo da infracção.
10.
Ficando cumpridas todas as finalidades preventivas e punitivas exigidas com a aplicação de uma admoestação, que configura ainda uma sanção (e não dispensa dela).
Atento o exposto, salvo o devido respeito por melhor opinião, deverá manter-se o proferido na douta sentença, isto é, a substituição da coima aplicada pela sanção de admoestação.


Notificado, o Digno Magistrado do MP no Tribunal a quo não respondeu à alegação do Recorrente.

Nesta instância, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

II- Questão a apreciar

Há que apreciar se a escolha da pena de admoestação foi indevida, por não se acharem reunidos os pressupostos de que a mesma depende, nos temos do artigo 51º do RGCO ex vi artigo 3º alª b) do RGIT.

III - Apreciação do objecto do Recurso

A fundamentação da sentença recorrida é redutível aos trechos seguintes:

«FACTOS PROVADOS
Com relevo para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
1. Por ofício de 3 de Abril de 2017, referência 8302076, a Recorrida comunicou à Recorrente o relatório final de inspecção tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzido, relativo à liquidação adicional de IRC e IVA, com recurso a métodos indirectos, dos anos de 2014 e 2015, tendo sido apurado, em relação ao IVA, a liquidação adicional abaixo reproduzida (doc. 1 junto com o recurso e fls. 31 dos autos em suporte físico).
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

2. Em 3 de Maio de 2017, a Recorrida recebeu da Recorrente o pedido de revisão da fixação da matéria tributável através de métodos indirectos (doc. 3 junto com o recurso a fls. 53 dos autos em suporte físico);
3. Por acta de 14 de Junho de 2017, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Recorrente e a Recorrida chegaram a acordo quanto aos valores adicionais de IVA a liquidar por métodos indirectos, nos seguintes termos (doc. 2 a fls. 34 dos autos em suporte físico):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4. Na acta referida em 3, consta o excerto que abaixo se reproduz (fls. 37-38 dos autos em suporte físico):
Ora, o Perito da Autoridade Tributária referiu que os elementos apresentados não permitem comprovar, nem sequer indiciar, que estamos perante um mero erro na contabilizarão das existências, à data de 31-12-2013, de “filme extensível'' na O. que pertenceriam à O., nem tão pouco, que a fita adesiva aparentemente não facturada pela O. foi facturada por outra empresa do grupo.
A única coisa que se prova é que:
. no dia 23 12 2013 foram facturados 48.240 quilos de filme Aut23MY pela O. à O.;
. durante o ano de 2014 a O2A Soluções de Embalagens vendeu fita adesiva;
Ora, o Perito da Autoridade Tributária referiu que é impossível relacionar uma coisa com a outra, pois não há neste processo qualquer informação sobre a estrutura de compras e vendas das duas empresas em causa.
Frisou ainda, o Perito da Autoridade Tributária, que, mesmo admitindo do ponto de vista teórico a existência desse erro de 50.000 kgs, ainda assim, ficava desde logo demonstrada a efectiva venda sem factura de cerca de 29.000 kgs de filme, dado que resultou da análise à produção o apuramento da falta de venda e/ou inventariação e/ou integração na produção, de cerca de 79.000 kgs de filme.
Tendo em conta todos os fundamentos invocados pela IT no respectivo relatório, o invocado pelo SP no pedido de revisão e o invocado pelo Perito indicado pelo Contribuinte no debate contraditório, o Perito da Autoridade Tributária refere que na sua opinião fica clara e inequivocamente demonstrada a existência de fundamentos para o recurso à aplicação de métodos indirectos, em sede de IRC e IVA, para os anos de 2014 e 2015.
O Perito indicado pelo Contribuinte reconheceu a existência de anomalias que, de facto, podiam legitimar a aplicação de métodos indirectos. Contudo, referiu que conforme tentará demonstrar de seguida existe um claro excesso na quantificação de alguns itens.
Deste modo, ambos os Peritos acordaram em debater os critérios de quantificação dos valores corrigido com recurso a métodos indirectos.
5. Em 6 de Julho de 2017, a AT exarou o auto de notícia que abaixo se reproduz (fls. 7 dos autos em suporte físico):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. Em 20 de Julho de 2017, a Recorrente apresentou ao Chefe do Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha a sua defesa escrita, que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde reconheceu a sua responsabilidade pelo não pagamento do IVA, comprometeu-se “…a regularizar a situação tributária atá à decisão do processo de contra-ordenação fiscal” e requereu a substituição da coima por sanção de admoestação ou, não sendo possível, a atenuação especial da coima aplicada (fls. 8 a 12 dos autos em suporte físico).
7. Em 13 de Setembro de 2017, foi exarada informação pela Técnica da Administração Tributária, Celina Silva, com o conteúdo que abaixo se reproduz parcialmente (fls. 13 dos autos em suporte físico):
INFORMAÇÃO
Cumpre-me informar que foi instaurado o presente processo por falta de pagamento de IVA dc período de 2014/09T no valor de € 8.286,47.
A notificação nos termos do artigo 70° do RGIT foi efectuada em 01/08/2017. Em 20/07/2017 vem a arguida apresentar defesa alegando que na sequência da inspecção tributária credenciada pela 01201602447, foram efectuadas liquidações adicionais de IVA, que resultaram de um lapso contabilístico, que revela um diminuto grau de culpa, devendo ser aplicada à arguida uma sanção de admoestação, ou no caso de se entender ser de aplicar coima, esta deverá ser especialmente atenuada.
Nos termos do n° 2 do artigo 32° do RGIT, a coima pode ser especialmente atenuada no caso do infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.
O prazo para pagamento voluntário da já referida liquidação de IVA terminou 01/09/2017, não se encontrando paga, não podendo por essa razão, ser especialmente atenuada.
8. Por ofício de 13 de Setembro de 2019, a Recorrente foi notificada da informação referida em 7 (fls. 14 dos autos).
9. Em 28 de Setembro de 2017, foi exarado despacho da decisão de fixação de coima, o qual abaixo se reproduz (fls. 17 dos autos em suporte físico):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


10. Em 2 de Outubro de 2017, o despacho referido em 9 foi enviado à Recorrente por correio, sob o registo RF310036250PT (fls. 19 dos autos em suporte físico).
(…)
13. Em 31 de Outubro de 2019, o Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha exarou certidão com o conteúdo que abaixo se reproduz (fls. 92 dos autos em suporte físico):
CERTIDÃO
A., Técnico de Administração Tributária Adjunta Nível 2 da Autoridade Tributária em funções no Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha.
De acordo com o solicitado pelo Sujeito Passivo A., na qualidade de gerente de O., Ida, Nipc. (…), cumpre-me certificar que se encontra extinto por pagamento prestacional com data de 201910-29, o processo de execução fiscal 0027201701067184 e apensos, com origem na falta de pagamento de IVA dos períodos de 2014/03T, 2014/06T, 2014/09T e 2014/12T, e respectivas custas e Juros.
O processo de execução fiscal foi pago através do plano prestacional 0027.2017.133, com despacho de deferimento de 2017-10-27 e extinção por pagamento da última prestação em 2019-10-27. 1
Por ser verdade e para os devidos efeitos passei a presente certidão aos trinta e um dias do mês de Outubro do ano de dois mil e dezanove.
14. A Recorrente celebrou com a Recorrida um plano de pagamento em prestações da liquidação adicional de IVA em falta do segundo trimestre de 2014 (2014/9T).
15. A O. vendeu à O. 48 240 kgs de «Filme AUT 23 MY» (doc. 4 e 5 juntos com o recurso e fls. 61 e 62 dos autos em suporte físico).

FACTOS NÃO PROVADOS

A. A falta de facturação de 29 000kgs do produto «FILME AUT 23MY», deveu-se a um erro contabilístico.
(…)
O Direito
(…)
(i) Substituição da sanção da coima por sanção de admoestação
O artigo 51.º do RCGO é aplicável às contra-ordenações tributárias, por força do artigo 3.º, alínea b) do RGIT. Segundo aquele preceito:
Artigo 51º
Admoestação
1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra-ordenação.

Conforme decorre da leitura do enunciado normativo acima transcrito, a admoestação exige, cumulativamente, a reduzida relevância do ilícito e da culpa do agente. Para tanto, é necessário que se verifiquem indícios suficientes nesse sentido.
Com efeito, o infractor não tem um direito à admoestação, na medida em que esta sanção deve ser aplicada a partir de um juízo de oportunidade (…).
(…)
Ora, dos autos não se retira que a parte do montante em IVA não entregue se deveu a um erro contabilístico, conforme é referido na acta parcialmente transcrita no ponto 4 dos factos provados.
(...)
Dito isto, não se pode olvidar que no processo n.º 1264/17.8 TBEAVR, este Tribunal, e em particular a ora signatária, se pronunciou sobre um caso em tudo idêntico, decidindo pela manutenção da coima por não se verificarem os pressupostos da sanção de admoestação, nem os da atenuação especial da coima, para além da coima não se revelar desproporcional naquele caso concreto.
Retira-se destes autos que a infracção tributária em apreço respeita ao mesmo tipo de ilícito apreciado no processo n.º 1264/17.8 TBEAVR, tal como o bem jurídico protegido.
(…)
Segundo AUGUSTO SILVA DIAS, ob. cit. pp.150-151, “o recurso à figura dogmática da infracção persistente ou sucessiva, como modalidade de unidade jurídica de uma pluralidade de acções diversa da infracção continuada, não contende com nenhum princípio fundamental do Direito das Contra-ordenações, nomeadamente com o princípio da legalidade. Trata-se de uma construção jurisprudencial e doutrinal que pretende interpretar e aplicar correctamente a lei aos casos da vida. // (…) Desse modo, a sua utilização nada tem de criação legislativa, rectius, de invasão da área reservada ao poder legislativo. Tal como as posições de garante, os critérios de imputação objectiva, etc., a infracção persistente ou sucessiva é uma figura dogmática cuja validade decorre da sua aptidão para garantir uma punição justa de casos concretos. Mas o recurso à figura não colide com o princípio da legalidade também por uma outra razão: ela opera in bonam partem, na medida em que afasta a punição das regras do concurso efectivo. Por outras palavras, a infracção persistente ou sucessiva, por via do efeito agregador da diversidade que produz, retira a punição ao âmbito da pluralidade de infracções. O agente é punido por uma só infracção.”
Descendo aos autos, constata-se que a infracção de que resultou a coima em apreço é em tudo idêntica à infracção decidida no processo n.º 1264/17.8 TBEAVR, no qual o Tribunal decidiu pela manutenção da decisão condenatória.
Ora, tendo a Recorrente sido punida pela infracção cometida, revelar-se-ia materialmente injusto uma nova punição, em concurso real, cujo bem jurídico e a execução do ilícito são sistemicamente uniformes, estando em causa um aumento meramente quantitativo, e não qualitativo, da infracção: objectivamente, está em causa o mesmo imposto e o mesmo montante; a coima por omissão da entrega do IVA (terceiro trimestre de 2014) é temporalmente próxima à praticada no processo n.º 1264/17.8 TBEAVR (segundo trimestre de 2014); subjectivamente, a negligência (culpa) revela homogeneidade ou sintonia quanto ao tempo, modo, bem jurídico lesado e modus faciendi.
Deste modo, é possível qualificar a presente infracção como uma infracção persistente ou sucessiva, na medida em que a finalidade de prevenção geral positiva da coima se encontra devidamente acautelada com a coima julgada no processo n.º 1264/17.8 TBEAVR, qual seja a de restabelecer as expectativas normativas defraudadas com a violação do dever (cf. AUGUSTO SILVA DIAS, ob cit., p.164; ALEXANDRA VILELA, O Direito de Mera Ordenação Social, 2013, p. 363).
Neste conspecto, a sanção ora em apreço ostenta reduzida gravidade, quer no que respeita à infracção, quer no que tange à culpa da Recorrente.
Estão, assim, reunidos os pressupostos para a aplicação da sanção de admoestação (artigo 51.º do RGCO, ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT; cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12-07-2018, proc. 0497/18; STA, de 13-10-2010, proc. n.º 0670/10, disponíveis em www.dgsi.pt).
Fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das questões relativas à atenuação especial e à desproporcionalidade da sanção.
DECISÃO
Com os fundamentos acima mencionados, determino a substituição da coima aplicada pela Recorrida pela sanção de admoestação, nos seguintes termos: (…)».

Cumpre apreciar se a decisão recorrida respeitou os pressupostos da pena, alternativa, de admoestação, decorrentes do artigo 51º nº 1 do RGCO, aplicável ex vi artº 3º alª b) do RGIT.

A Mª Juiz recorrida começa bem quando diz que a admoestação não é um direito e não dispensa um juízo de adequação e oportunidade em concreto, enquanto alternativa à regra, que é a coima. Também enuncia correctamente os pressupostos legais do recurso à sanção de admoestação, a saber, a culpa diminuta e a reduzida gravidade objectivamente considerada, da infracção.

Contudo, ao abordar o caso concreto, não enceta um qualquer discurso sobre a concreta gravidade da culpa e da infracção. Aliás, dá a entender não ocorrerem esses requisitos, ao ponderar não se ter provado que a omissão da facturação que deu origem ao IVA em falta – determinado como recurso a métodos indirectos – se deveu a lapso; e ao recordar que em sentença recente, proferida no processo nº 1264/17.8TBEAVR, em caso em tudo subjectiva e objectivamente idêntico, apenas referido ao trimestre anterior, confirmou a aplicação de uma coima, por entender não se verificarem os prossupostos da admoestação.

Antes inicia uma douta exposição sobre a aplicabilidade da doutrina e do regime do crime continuado (artigo 30º do CP) ao ilícito de mera ordenação social, ou de uma outra modalidade de unidade de infracções, de criação doutrinal, a “infracção persistente”, que lhe parece mais adequada ao caso concreto da relação do objecto destes autos como daqueles outros, para concluir pela diminuta gravidade da presente infracção.

É evidente uma solução de continuidade lógica, mais, a contradição entre o discurso da unidade e infracções inerente à figura da infracção persistente e a conclusão pela diminuta gravidade da infracção objecto deste processo.

Como lucidamente diz o MP, a ser coerente com a teoria da infracção persistente, a Mª Juiz recorrida devia ter absolvido a Recorrente da instância, por estar a ser julgada e condenada pela mesma infracção por que o foi no processo 1264/17.8.

Entendida como uma autónoma infracção, a falta de pagamento de prestação tributária aqui em apreciação é tão ou tão pouco grave e subjaz-lhe tanta ou tão pouca culpa como a que subjazeu à não entrega de prestação tributária objecto do processo 1264/17.

Ora, vistos os factos provados, nada encontramos que possa ser objecto de um peculiar juízo de diminuta gravidade da infracção ou diminuta culpa do agente, designadamente, não se pode ter por assente que a omissão da autoliquidação do IVA em causa, com a necessidade da sua liquidação oficiosa, se tenham devido a mero lapso da arguida. E e o valor da facturação considerada omissa e do IVA entretanto liquidado e não entregue no prazo legal não é simplesmente diminuto.

Por sua vez, o pagamento da prestação tributária - aliás, em prestações, procedendo execução fiscal – é um facto posterior e exógeno à infracção, pelo que em si mesmo não releva para o grau de culpa do agente ou de gravidade do ilícito, apenas poderia relevar como atitude do infractor após a comissão da infracção, em ordem à medida da coima.

Assim sendo, cumpre revogar a decisão judicial recorrida, repristinando-se a decisão administrativa.


Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes que compõe este colectivo em julgar o Recurso procedente, revogando a decisão recorrida e mantendo na ordem jurídica a decisão administrativa de aplicação da coima.
*
Custas pela Recorrida.
*
Porto, 9/6/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento