Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00332/17.9BECBR |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 03/22/2018 |
Tribunal: | TAF de Coimbra |
Relator: | Ana Patrocínio |
Descritores: | INDEFERIMENTO LIMINAR PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO |
Sumário: | I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. II - Não pode ser liminarmente rejeitada a petição inicial de oposição, com dispensa de contraditório prévio, a não ser com fundamentos evidentes, indiscutíveis e incontroversos. III - Não sendo esse o caso, impõe-se ordenar a remessa dos autos à 1.ª instância para ouvir o oponente previamente à decisão de rejeição liminar, com prolação de nova decisão liminar em função do resultado do contraditório assegurado.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | P... |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Decisão: | Concedido provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório P..., com domicílio na Rua…, Alvares, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 05/07/2017, que indeferiu liminarmente a oposição à execução fiscal n.º 0752201301000179, instaurada pelo Serviço de Finanças de Góis, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA, referente ao período de 2012/09T, por caducidade do direito de deduzir oposição.
**** Não foram apresentadas contra-alegações.**** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.**** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.**** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIARCumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade processual, decorrente da violação do princípio do contraditório, por ter concluído pela caducidade do direito de deduzir oposição sem ter dado oportunidade ao sujeito processual de ilidir a presunção constante do artigo 230.º, n.º 1 do CPC. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com interesse para a decisão da presente questão, dão-se como provados os seguintes factos: A – O SEF de Finanças de Góis moveu contra a ora Oponente o PEF n.º 07522013000179 (cf. a certidão do PEF’s junta aos autos e que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzida). B – A Oponente foi citada para a presente execução fiscal por carta registada expedida com aviso de receção e recebida a 24.03.2017, estando aquele assinado por pessoa distinta da Oponente (cf. docs. a fls. 12 a 13 da certidão do PEF junto aos autos e que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). C – Em 27.03.2017 foi expedido ofício do SF de Góis dirigido à Oponente, datado de 27.03.2017, acompanhado de cópias do ofício de citação e do registo referidos na alínea anterior (cf. doc. a fls. 14 da certidão do PEF junta aos autos e que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). D – A Advogada da Oponente remeteu a presente oposição para o SF de Góis expedindo-a por ofício registado remetido a 14.05.2017 (cf. fls. 1 a 13 dos autos). * A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos aos autos, assim como naqueles que constam do respetivo PEF (processo executivo). Não ficaram por demonstrar, com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados.” 2. O Direito O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que indeferiu liminarmente a oposição à execução fiscal supra identificada com fundamento na sua extemporaneidade. Para assim decidir, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi aduzida a seguinte fundamentação: «(…) Nos presentes autos, cabe aferir, antes de mais, se é de receber a presente oposição. Com efeito, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 203.º do CPPT, a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 (trinta) dias, neste caso contados a partir da data de citação. (…) Na presente situação, a Oponente foi citada por carta registada com aviso de receção, sendo que, contudo, este foi assinado por terceira pessoa. No entanto, foi expedido ofício dando nota da realização da citação em terceiro. Deste modo, por força da regra contida no n.º 1 do art.º 230.º do atual CPC presume-se que a citação ocorreu aquando do recebimento da mesma pelo aludido terceiro, ou seja, que esta se deu em 24.03.2017 (saliente-se, desde já, que nenhum facto foi aqui deduzido pela Oponente e que permitisse afastar a presunção aqui referida o que, a verificar-se, teria que ser invocado no respetivo articulado). Assim, a Oponente veio a deduzir a presente oposição apenas em 14.05.2017, ou seja já para além do prazo de 30 (trinta) dias previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 203.º do CPPT (ainda que se computando o período de férias judiciais da Páscoa – de 09.04.2017 a 17.04.2017 - e a possibilidade de prática do ato nos três dias úteis seguintes prevista no n.º 5 do art.º 139.º do CPC, desde que se verificando as demais condicionantes nesta norma previstas). Por isso, encontrando-se fora de prazo a apresentação da presente oposição, terá a mesma que ser liminarmente indeferida, constituindo esta circunstância causa de indeferimento liminar nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 209.º do CPPT. (…)» O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) - entendido na sua dimensão positiva de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo - e inútil qualquer instrução e discussão posterior. Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado – cfr., por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2011, proferido no âmbito do processo n.º 765/10. Vejamos, agora, se no presente caso estão verificados os requisitos para o indeferimento liminar da petição inicial, ou seja, se o seguimento do processo não tem razão alguma de ser e seja desperdício manifesto de actividade judicial - cfr. ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373. Ao nível do processo tributário, e também por respeito ao princípio do contraditório, o artigo 115.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) impõe a notificação das informações oficiais ao impugnante logo que juntas. Tal norma é igualmente aplicável ao processo de oposição, pois, embora se insira na secção V do Capítulo II que regula o processo de impugnação e, mais especificamente, a instrução do processo, o mesmo é aplicável ao processo de oposição por força do disposto no artigo 211.º do CPPT. Ora, nos termos do disposto no artigo 208.º, n.º 1, do CPPT, autuada a petição, o órgão da execução fiscal remeterá, no prazo de 20 dias, o processo ao tribunal de 1.ª instância competente com as informações que reputar convenientes. Tais informações, à semelhança das referidas no artigo 115.º, nºs 2 e 3, do CPPT (e cujo regime lhes deve ser aplicado, por analogia) deverão ser notificadas ao oponente pelo tribunal, de modo a que este se possa pronunciar sobre elas, em obediência aos princípios do contraditório e da igualdade de meios processuais (cf. artigo 3.º, n.º 3, do CPC e 98.º da LGT) - assim, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, Volume III, 6ª edição, 2011, p. 552. No entanto, como sublinha este autor, se for caso de rejeição liminar, nos termos do artigo 209.º do CPPT, e a decisão não se basear no conteúdo dessas informações, não será necessária prévia audição do oponente, uma vez que estas decisões apenas devem ser proferidas em casos em que seja evidente a razão da rejeição, e nelas o contraditório é dispensado por ser manifestamente desnecessário (cf. artigo 3.º, n.º 3, do CPC, onde se refere “salvo caso de manifesta desnecessidade”). Mas, no caso em apreço, a decisão recorrida indeferiu liminarmente a oposição, por extemporaneidade da petição, com base precisamente no conteúdo dessa informação e nos documentos constantes do PEF apenso (remetido com a informação) e cuja factualidade daí decorrente ficou vertida no probatório supra reproduzido. Na verdade, da decisão de indeferimento liminar resulta que o tribunal a quo deu como provado, com base no conteúdo nos documentos remetidos com a informação prestada pelo órgão da execução fiscal (artigo 209.º, n.º 1, do CPPT), a matéria que consta dos pontos B), C) e D) do probatório e, nesse pressuposto, concluiu pela extemporaneidade da petição de oposição. Não restam, pois, dúvidas que o conteúdo da informação prestada pelo órgão da execução fiscal e os documentos anexos à mesma estiveram na base da decisão recorrida; e é precisamente a factualidade referida nessa informação quanto à data da citação que é questionada pela Recorrente e, por isso, controvertida nos autos. Ora, em face do teor do recurso, tudo indica que o presente indeferimento liminar terá sido precipitadamente decretado. Assim sendo, em observância do princípio do contraditório e de forma a evitar decisões surpresas, impunha-se que o tribunal a quo, previamente à rejeição da oposição, tivesse assegurado à oponente a oportunidade de se pronunciar sobre o teor da informação oficial e dos documentos juntos com a mesma – cfr. Acórdãos deste TCAN, de 11/01/2018, proferidos no âmbito dos processos n.º 331/17.0BECBR e 329/17.9BECBR. Como se escreveu no parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81 (Pareceres da Comissão Constitucional, 17.º vol., p. 14 e ss., o conteúdo essencial do princípio do contraditório “está, de uma forma mais geral, em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra a qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”. Deste modo, ao omitir essa notificação, susceptível de influir no exame e decisão da causa, incorreu em nulidade processual (artigo 195.º, n.º 1 e 3.º, n.º 3 do CPC), a qual tem como consequência a anulação dos termos subsequentes que dele (acto omitido) dependam absolutamente (artigo 195.º, n.º 2 do CPC), incluindo, in casu, a anulação da decisão recorrida – cfr., neste sentido, o Acórdão deste TCAN, de 08/02/2018, proferido no âmbito do processo n.º 337/17.7BECBR. Em suma, pelos motivos que vimos de referir, não pode manter-se a decisão recorrida que indeferiu liminarmente a petição inicial com fundamento na sua extemporaneidade, sendo, assim, de conceder provimento ao presente recurso. Conclusões/Sumário I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. II - Não pode ser liminarmente rejeitada a petição inicial de oposição, com dispensa de contraditório prévio, a não ser com fundamentos evidentes, indiscutíveis e incontroversos. III - Não sendo esse o caso, impõe-se ordenar a remessa dos autos à 1.ª instância para ouvir o oponente previamente à decisão de rejeição liminar, com prolação de nova decisão liminar em função do resultado do contraditório assegurado. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, julgando verificada a nulidade processual decorrente da falta de notificação à Recorrente do teor da informação oficial prestada nos autos e dos documentos que a acompanharam, anular a decisão recorrida, com a consequente remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a fim de se proceder a tal notificação, seguindo-se os ulteriores termos. Sem custas. D.N. Porto, 22 de Março de 2018 Ass. Ana Patrocínio Ass. Ana Paula Santos Ass. Pedro Vergueiro |