Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00269/23.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PRESCRIÇÃO, CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL;
NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÇÃO PRÉVIA, CITAÇÃO, AVISO DE RECEPÇÃO;
IDENTIFICAÇÃO DE TERCEIRO, DÉFICE INSTRUTÓRIO;
Sumário:
I - O prazo de prescrição de dívidas por contribuições à segurança social interrompe-se “por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” - cfr. artigo 63.º, n.º 3 da Lei n.º 17/2000, de 08 de Agosto.

II - A presunção do artigo 39.º, n.º 1 do CPPT só funciona nas situações em que pelos documentos dos autos se possa concluir com um mínimo de certeza e segurança jurídica que a carta apresentada a registo foi colocada ao alcance do destinatário, dito de outro modo, fique afastado por via de tais elementos o risco de extravio da carta.

III – Constitui facto interruptivo do prazo de prescrição de dívidas por contribuições à segurança social a citação do executado para a execução fiscal, sendo que este facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327.º n.º 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.

IV – A nulidade da citação, por não terem sido observadas as formalidades legais, não obsta ao efeito interruptivo da citação, face ao disposto no artigo 323.º, n.º 3, do Código Civil.

V - De acordo com o disposto nos artigos 191.º, n.º 3 e 192.º, n.º 1 do CPPT, na efectivação da responsabilidade subsidiária a citação é pessoal, e efectuada nos termos do Código de Processo Civil.

VI - A citação considera-se efectuada no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cfr. artigo 238.º, n.º 1 do CPC, aplicável ao tempo, correspondente ao actual artigo 230.º), e só ocorre falta de citação se o destinatário alegar e demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação, por motivo que não lhe seja imputável, conforme resulta do artigo 190.º, n.º 6, do CPPT.

VII - A presunção legal, de que o reclamante teve conhecimento da citação, quando efectuada em pessoa diversa do citando, é uma presunção ilidível.

VIII - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ..., melhor identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 31/07/2023, que julgou improcedente a reclamação formulada contra o acto que indeferiu a prescrição das dívidas exequendas, praticado pela Senhora Coordenadora do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (IGFSS) – Secção do Processo Executivo de ... proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...00 e apensos, instaurados originariamente contra [SCom01...], Lda., para cobrança coerciva de dívidas de contribuições e cotizações à Segurança Social, respeitantes aos períodos de 07/2004 a 11/2005 e 03/2006, no valor total de € 566.441,11.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“I - Foi instaurado a 14 de fevereiro de 2008 processo de execução fiscal n.° ...00 contra a [SCom01...], Lda., NIPC ....
II - Após sucessivas tentativas de comunicação falhadas com a devedora originária, foi enviada ao Recorrente missiva para exercer o seu direito de audição prévia, informando-o que havia sido determinada a preparação do processo para efeitos de reversão da execução fiscal contra si (processo n.° ...00 e apensos).
III - Também sem sucesso.
IV - Foi repetida a notificação, desta vez com o despacho de citação, em 16 de setembro de 2009.
V - Essa notificação foi alegadamente entregue no dia 21 de setembro de 2009.
VI - Mas não ao recorrente, como facilmente se depreende pela análise da assinatura aposta no aviso de receção.
VII - Desconhecendo o Recorrente a quem pertence esta assinatura.
VIII - Não constando, ainda, do aviso de receção que esse mesmo aviso foi assinado por pessoa a quem foi entregue a carta (terceiro) e que se comprometeu a entregá-la prontamente ao seu destinatário.
IX - Tanto que o Recorrente nunca recebeu a mencionada carta, desconhecendo-se assim se a mesma foi entregue, onde, em que termos e a quem.
X - 12 anos depois, após consulta ao seu portal da Segurança Social, dos seus processos e das suas dívidas, o Recorrente apresentou requerimento junto da Secção de Processo Executivo ... II, relativo ao processo de execução ...00.
XI - Sendo esta a sua primeira intervenção no processo.
XII - Requerendo que fosse reconhecida a prescrição desta dívida tributária e, em consequência, extintos os respetivos processos de execução fiscal.
XIII - Tendo a Secção de Processo Executivo de ... surpreendentemente, considerado através de despacho datado de 12 de outubro de 2022, que a dívida não se encontrava prescrita, sendo antes devida.
XIV - Em virtude deste despacho, o Recorrente, inconformado, apresentou Reclamação, nos termos do artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, arguindo, em súmula, a nulidade da referida citação, a prescrição da dívida sub judice, a falta de alegação e prova do cumprimento dos pressupostos da reversão fiscal e, por último, a falta de fundamentação do ato de citação da reversão, assim como da notificação para exercício do direito de audição prévia.
XV - Peticionando, por fim, pela procedência da reclamação e, consequentemente, pela revogação do referido despacho e reconhecendo assim a prescrição das dívidas tributárias em questão.
XVI - Não obstante, foi agora proferida sentença, julgando o tribunal a quo improcedente a reclamação apresentada pelo Recorrente, com a qual este não se conforma.
XVII - Considerando o Recorrente que, no caso em concreto, o tribunal a quo, ao proferir esta sentença, não atendeu a vários factos que justificariam a procedência da reclamação.
XVIII - Desde logo, desconsiderou o vertido nos artigos 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.°, 12.°, 13.°, 14.°, 15.°, 16.° e 17.° da Reclamação.
XIX - Desconsiderando, portanto, que o aviso de receção junto aos autos foi assinado não pelo Recorrente, mas por pessoa cuja identidade o Recorrente desconhece, que deste aviso de receção nada consta relativamente a este ter sido entregue a pessoa que se comprometeu a entregar a respetiva missiva ao seu real destinatário e, ainda, que não é possível ao Recorrente aferir onde a mesma foi entregue, a quem e em que termos.
XX - No fundo, que o Recorrente não teve conhecimento do teor daquela missiva, ao contrário do que faz crer a Recorrida.
XXI - Nem sendo certo, tão-pouco, qual seria o conteúdo desta, uma vez que, como consta do processo de execução fiscal junto pela Recorrida, foi enviada notificação, através de carta registada, para o exercício de audição prévia (registo CTT RM ..........19PT), arguindo a Recorrida que a mesma não foi devolvida, mas não juntando aos autos documento comprovativo de que foi entregue.
XXII - Alegando apenas que não juntou este documento porque terá sido enviado através de registo simples, mas não fazendo prova do envio por tal via.
XXIII - Obstruindo o direito constitucionalmente protegido do Recorrente à audição prévia, o direito a defender-se, na medida em que embora não possa afirmar, de nenhuma forma, que a notificação de audição prévia foi devidamente entregue ao Recorrente, a Recorrida alegadamente enviou, em 16 de setembro de 2009, despacho a determinar a reversão fiscal contra o Recorrente pelas dívidas da devedora originária [SCom01...], Lda.
XXIV - Contudo, deste despacho não consta qualquer identificador de registo CTT que nos permita concluir que aquele corresponde ao aviso de receção que alegadamente teria sido entregue ao Recorrente
XXV - Além disso, como se deu como provado pelo Tribunal a quo, a carta - cujo teor desconhece - foi entregue a pessoa diferente do Recorrente (ponto A dos factos provados).
XXVI - Desconhecendo o Recorrente a quem pertence a esta assinatura, facilmente se conclui que o mesmo não se podia encontrar na residência do citando, muito menos que se encontrasse em condições de lhe entregar este aviso prontamente.
XXVII - Não existindo, indubitavelmente, a estreita proximidade entre este terceiro e o citando que permita aceitar como razoável que ele entregaria real e atempadamente a citação a este.
XXVIII - Ainda assim, a citação é nula quando não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei (artigo 191.°, n.° 1 do CPC).
XXIX - Contudo, o regime da nulidade da citação vai equiparar-se ao regime da falta de citação quando o réu não tem intervenção processual nos autos - como no caso concreto, em que o Recorrente apenas interveio no processo em 2021 - porque surge um dever de verificar se a citação cumpriu as formalidades legais e deverá mandar repetir o ato se tal não ocorrer. - cfr. Lebre de Freitas, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Vol. 1, p. 110.
XXX - Importa, ainda, atentar ao artigo 233.° do Código de Processo Civil que estabelece que sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.° 2 do artigo 228.° e na alínea b) do n.° 2 do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.° 4 do artigo anterior, é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe as informações previstas nesse artigo.
XXXI - O Recorrente apenas teve conhecimento da existência destas dívidas, em 2021, através da consulta das dívidas e processos, na página da Segurança Social Direta
XXXII - Tanto que apenas aí apresentou pedido de prescrição formal de dívida.
XXXIII - E apenas aquando da resposta da Segurança Social a este pedido ficou a saber das cartas enviadas, nomeadamente do envio do despacho de reversão, assinado por terceiro desconhecido.
XXXIV - Tanto que alegou logo aquando da reclamação que, por facto que não lhe é imputável, não teve conhecimento da carta de citação, por não lhe ter sido entregue pela pessoa que assinou o aviso de receção.
XXXV - Invocando desconhecer a assinatura, a quem pertence, sendo impossível encontrar-se naquele momento na sua residência.
XXXVI - Não tendo sido enviada qualquer advertência, nos termos do artigo 233.° do CPC.
XXXVII - O envio desta advertência, através de carta registada, constitui uma formalidade complementar que visa reforçar os mecanismos de conhecimento da pendência da ação (cfr. acórdão Tribunal da Relação do Porto, de 8 de novembro de 2004, proc. 0454469, Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de dezembro de 2010, processo n.° 5981/08.3YYLSB-A.L1-7, Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães, de 25 de janeiro de 2018, processo n.° 526/16.4T817A17-A.G1).
XXXVIII - A inobservância do envio desta advertência resultará, salvo o devido respeito por opinião diversa, a nulidade da citação.
XXXIX - Uma vez que, por motivo que não lhe é imputável, não teve acesso ao conteúdo desta carta, desconhecendo a existência do processo de execução fiscal até ao momento em que interveio pela primeira vez nele, em 2021, tendo sido assim prejudicado o seu direito de defesa, nomeadamente através da oposição à reversão fiscal.
XL - Não se podendo considerar, assim, regularmente citado o Recorrente da presente reversão fiscal.
XLI - Até porque, nos termos do artigo 228.° presume-se, salvo demonstração em contrário, que quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
XLII - Contudo, como se disse, o Recorrente não tem conhecimento da identidade do terceiro que assinou o aviso de receção, não sendo sequer percetível o seu nome em virtude de apenas este ter aposto uma rubrica.
XLIII - Assim sendo, salvo opinião em contrário, esta demonstração/prova requerida pelo Código de Processo Civil para afastar a presunção torna-se uma prova impossível.
XLIV - Estamos perante, dada a dureza e impossibilidade dessa prova, a chamada probatio diabólica.
XLV - Porque, afinal, como se demonstra que nunca se recebeu algo? Como se demonstra que nunca lhe foi entregue a carta recebida por aquele terceiro que desconhece e nem tão-pouco é identificado nos autos?
XLVI - Apenas se pode aferir e demonstrar este desconhecimento do processo de reversão fiscal pela completa inércia do Recorrente até 2021 quando, motu proprio, consultou na sua página do portal da segurança social e constatou a situação de incumprimento.
XLVII - Tendo, de imediato, procedido à apresentação de pedido formal de prescrição de dívidas.
XVIII - Além disso, a obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação devia ter sido cumprida.
XLIX - Interrompendo-se, contudo, esta prescrição mediante qualquer diligência administrativa, realizada com o conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.
L - O processo de execução fiscal em causa diz respeito a dívidas da devedora originária do período temporal julho 2004 e novembro de 2005, relativas ao pagamento de cotizações e contribuições.
LI - Pelo que há largos anos, ainda antes da primeira intervenção do Recorrente, já havia prescrito a dívida mais recente pelo que, logicamente, também prescreveram as anteriores a esta.
LII - O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto.
LIII - Sem prescindir, considerou o tribunal a quo que a análise concreta da reversão deve ser objeto de outra forma processual, a oposição.
LIV - Contudo, como vimos, não foi regularmente citado o Recorrente para se opor à reversão fiscal, não tendo tido oportunidade para se defender por esta via.
LV - Assim, vejamos: do despacho de reversão não constam elementos fulcrais para a defesa do Recorrente como, a título de exemplo, a identificação da devedora originária.
LVI - O Recorrente apenas teve conhecimento do que se tratavam estas dívidas por ter consultado, por iniciativa própria, o seu portal da segurança social.
LVII - Não constam da notificação para audição prévia, nem do despacho de reversão, indícios de que se encontrava à data preenchido o pressuposto da inexistência ou fundada insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária para pagamento da dívida exequenda e acrescidos, pressuposto essencial para se verificar a reversão fiscal.
LVIII - Além disso, o artigo 24.° da LGT prevê, no seu n.° 4, que na citação do responsável subsidiário para execução fiscal, deve constar, desde logo, os pressupostos e extensão da reversão, bem como a respetiva fundamentação.
LIX - O OEF deve indicar as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade e mencionar o preenchimento dos pressupostos da reversão.
LX - A falta de inclusão configura uma nulidade, nos termos do artigo 191.° do CPC, uma vez que no despacho de reversão apenas se adverte para a existência de um processo de execução fiscal e para o seu respetivo pagamento.
LXI - Faltando, ainda, elementos essenciais que coartam o direito de defesa do reclamante.
LXII - Por fim, de acordo com a alínea a) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, para se efetivar a responsabilidade subsidiária do revertido, tem de resultar provada a sua culpa na insuficiência do património da pessoa coletiva para a satisfação das dívidas tributárias, cabendo à Recorrida o ónus da prova.
LXIII - Assim sendo, “impõe-se que a AT alegue e demonstre, relativamente ao revertido, factos ilícitos e culposos que traduzam a violação de regras destinadas a proteger os credores da sociedade, sendo disso exemplo, a utilização de crédito contrária aos interesses da empresa, a disposição de bens da devedora originária em proveito próprio dos gerentes, a danificação/ocultação de património societário”. - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de abril de 2021proc. 349/14.5BESNT.
LXIV - O teor do despacho de reversão, como facilmente se percebe, não demonstra factos ilícitos e culposos, por parte do requerido, que lhe permita formar um juízo de culpa contra o aqui revertido.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.as Ex.as suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, ser revogada a sentença e, consequentemente, ser julgada procedente a reclamação apresentada pelo Recorrente, nos termos do artigo 276.° CPPT.”
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, quanto aos vícios próprios do acto reclamado, no concernente à apreciação da questão da prescrição, e relativamente aos vícios imputados ao despacho de reversão.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
II I Factos provados
Com relevância para o conhecimento da presente questão consideram-se como provados os seguintes factos:
A) No dia 21-09-2009 foi assinada e recebida por terceiro identificado por documento de identificação ali registado, carta registada com a/r remetida para a morada do Reclamante «AA», situada então na Av. ... SALA .... ..., no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...00 e apensos, respeitantes a dividas de contribuições e cotizações da SS dos períodos de 07/2004 até 11/2005 e 3/2006, titulando citação por reversão, cfr. págs. 19 e 20 do doc. 004904174, al d) do despacho reclamando constante de fls. 18 do já mencionado documento constantes do processo digital sendo destes os demais elementos infra referidos, e ainda o artigo 1º da petição inicial da Reclamação;
B) A carta referida em A) foi antecedida de duas notificações, em maio de 2009 expedidas por correio registado, respeitantes a audiência prévia de projetado revertido para os mesmos processos executivos, a primeira dirigida à morada sita em ..., ... e a 2ª para a mesma morada indica em A), vide 21 e 22 do doc. 004904174;
C) O Reclamante ao nível de domicílio fiscal apresentou desde janeiro de 2007 até à presente data cinco domicílios, cfr. o documentado no ofício da Entidade Exequente constante de págs. 253;
D) O Reclamante, no âmbito dos processos executivos referidos nas alíneas anteriores e outros solicitou que a Entidade Exequente analisasse a prescrição em tais processos o que a impetrada fez através do despacho proferido em 12-10-2022 e comunicado ao Exmo. Mandatário do Reclamante através de carta expedida na mesma data, vide págs. 129 a 134 e 143 a 150, do doc. 004904176;
E) Apreciação comunicada ao Reclamante no dia 26-10-2022 e, com ela não se conformando apresentou, em 07-11-2022, a petição da reclamação originadora dos presentes autos, cfr. asseverado na parte final da informação prestada pela Entidade Exequente, constante de págs. 7 do doc. 004904178 (págs. 192 e segs. do processo digital), e não questionado pelo Reclamante.
III II Factos não provados
Inexistem.
A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na posição das partes vertida nos articulados e no teor dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.”

2. O Direito

O Recorrente interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... que julgou improcedente a presente reclamação formulada contra o acto que indeferiu a prescrição das dívidas exequendas, praticado pela Senhora Coordenadora do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (IGFSS) – Secção do Processo Executivo de ... proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...00 e apensos, instaurados originariamente contra [SCom01...], Lda., para cobrança coerciva de dívidas de contribuições e cotizações à Segurança Social, respeitantes aos períodos de 07/2004 a 11/2005 e 03/2006.
O Recorrente alerta que o tribunal a quo, ao proferir esta sentença, não atendeu a vários factos que justificariam a procedência da reclamação, desconsiderando o vertido nos artigos 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.°, 12.°, 13.°, 14.°, 15.°, 16.° e 17.° da Reclamação.
Esta factualidade relaciona-se com os factos interruptivos da prescrição considerados na sentença recorrida e a que o acto reclamado já havia atendido: a diligência administrativa de notificação para audiência prévia à reversão e a citação para a reversão.
A decisão recorrida acentua a necessidade de segurança jurídica e de o órgão de execução fiscal se assegurar que a citação chegou ao conhecimento do executado, referindo que tal foi positivado no que respeita às dividas à Segurança Social, na medida em que se exige para a interrupção da prescrição que o acto “conducente à cobrança” seja do conhecimento do executado.
Neste pressuposto, a sentença recorrida julgou o seguinte:
“(…) O n.º 1 art.º 192.º do CPPT estabelece que “as citações pessoais são efetivadas nos termos do Código de Processo Civil, em tudo o que não for especialmente regulado no presente Código”.
Consequentemente, é aplicável o disposto no art.º 228.º do CPC que prevê que esta faça “por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando” que “pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando” [cfr. n. os 1 e 2 daquele preceito].
Assim, mesmo que entregue a pessoa diversa, “considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, ..., presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário” [n.º 1 do art.º 230.º do CPC].
Salienta-se, todavia, e de harmonia com o anteriormente exposto, que a mera expedição da carta não terá qualquer efeito interruptivo se não se encontrar demonstrada a sua entrega.
A citação verificada nos presentes autos foi dirigida para a morada do Reclamante, atente-se a morada indicada que confere com o domicílio fiscal a que se alude na terceira alínea dos factos provados. Dito de outra forma o Reclamante não cumpriu o ónus de prova quando a prova lhe cabia a si, nos termos definidos no nº 1 do artigo 230º do Código de Processo Civil.
Face a tudo quanto acima se expôs, tal não belisca o efeito interruptivo da citação efetuada, efeito interruptivo esse que é duradouro e apenas se extingue com a extinção da execução.
Não pode olvidar-se o efeito interruptivo instantâneo decorrente da notificação para audiência prévia, através de carta registada, remetida para o domicílio do Reclamante, em maio de 2009, o mesmo para onde foi remetida a citação através de A/R.
(…) Atento o vindo de referir, a notificação e citação ocorridas em maio e setembro de 2009 verificaram-se antes de se atingir o prazo de cinco anos para a dívida mais antiga, a respeitante a julho de 2004.
Em conclusão, a prescrição das dívidas exequendas não se verifica, nem se verificará enquanto penderem os processos executivos. (…)”
Portanto, o Recorrente não se conforma com esta sentença recorrida, na medida em que o tribunal recorrido não declarou a prescrição das dívidas exequendas.
Ora, desde logo, no ponto 10.º da petição de reclamação, o reclamante afirma não ter tido conhecimento da carta que visava a audição prévia, “uma vez que nunca a recebeu”.
Neste recurso, o Recorrente insurge-se especificamente contra o primeiro facto interruptivo identificado na sentença recorrida, dado que, embora conste do processo de execução fiscal que foi enviada notificação, através de carta registada, para o exercício de audição prévia (registo CTT RM ..........19PT), arguindo o Recorrido que a mesma não foi devolvida, a verdade é que não foi junto aos autos documento comprovativo de que foi entregue.
Acentua o Recorrente que o Recorrido alega, apenas, que não juntou este documento porque terá sido enviado através de registo simples, mas não fazendo prova do envio por tal via, não se podendo afirmar, de nenhuma forma, que a notificação de audição prévia foi devidamente entregue ao Recorrente.
Nos termos do artigo 63.º, n.º 3 da Lei n.º 17/2000, a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida.
Observamos, portanto, uma afirmação por parte do reclamante, ora Recorrente, no sentido de não ter tido esse conhecimento, porquanto nunca recebeu os invocados ofícios para exercício do direito de audição prévia, designadamente o alegadamente remetido em Maio de 2009 – cfr. ponto B) do probatório.
Evidenciando a importância do momento em que o responsável pelo pagamento teve conhecimento da dívida vide o Acórdão do STA, de 14/07/2010, proferido no âmbito do processo n.º 0550/10. Com efeito, a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, há que atender igualmente, para efeitos de interrupção do prazo de prescrição, à ocorrência de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (artigo 63.º n.º 3 da Lei n.º 17/2000).
Não obstante a notificação do projecto de reversão, tendo em vista auscultar o revertido acerca da eventual verificação dos pressupostos para reverter o processo de execução fiscal, constituir uma diligência administrativa tendente à cobrança da dívida, interrompendo, por isso, o curso da prescrição na data em que o Recorrente teve dela conhecimento, uma vez que afirma não ter tido conhecimento do teor de tal notificação, não será possível valorar tal diligência da forma como o Meritíssimo Juiz a quo o realizou.
Com efeito, resulta do processo de execução fiscal ínsito nos autos que as notificações em sede de audição prévia à reversão terão sido enviadas por carta registada, constando aposta nos ofícios uma vinheta com a identificação do número do registo nos CTT, Correios.
Ora, as notificações efectuadas por carta registada, conforme o n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
No caso dos autos, nem sequer constam do processo as guias de expedição de Registos dos CTT, mas unicamente a vinheta que, no limite, comprova a emissão das cartas contendo os actos a notificar e a sua apresentação a registo nos CTT, tendo como destinatário o Recorrente e como endereço, numa segunda carta não devolvida, a morada referida em A) do probatório - Av. ... SALA .... ..., mas não que as cartas tenham chegado ao seu efectivo conhecimento ou à sua esfera de cognoscibilidade.
Como se concluiu no Acórdão do TCA Sul, de 08/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 154/12.3BESNT, «as guias de expedição de registos juntas pela Fazenda Pública apenas comprovam a data do registo postal da expedição das cartas mas não demonstram, nem dão garantias mínimas e razoáveis de segurança e fiabilidade de que as notificações chegaram à esfera de cognoscibilidade do notificado.
E na falta dessa prova, não funciona a presunção do n.º1 do art.º39.º do CPPT, pois como referem a doutrina e jurisprudência (vd. cit. Ac. do STA, de 29/05/2013), tal criaria para o contribuinte o pesado ónus de prova de um facto negativo impossível de demonstrar: o de que não recebeu no seu receptáculo postal a carta com a notificação.
Ou seja, a presunção do n.º1 do art.º39.º do CPPT só funciona em situações de comprovado afastamento do risco do extravio das cartas.
E note-se que a prova do recebimento das cartas contendo as notificações não pode ser efectuada com recurso a documentos internos da Administração Tributária, nomeadamente os prints automáticos extraídos das suas bases de dados, pois consolidou-se jurisprudência, também neste TCA Sul (vd. Ac. de 10/13/2017, exarado no proc.º1245/09.3BEALM), no sentido de que os prints internos da AT não são aptos a fazer tal prova, mais se esclarecendo que aqueles só valem se estiverem em consonância com a informação constante do site dos CTT.
Resulta do exposto que o recibo de entrega da carta registada pelos serviços postais, previsto no n.º4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de Maio, é o documento idóneo para provar que a carta foi colocada ao alcance do destinatário, valendo o recibo da apresentação, previsto no n.º2 daquele art.º28.º, meramente como prova da sua expedição.
Ou seja, a posição sustentada pela Recorrente de que é suficiente exibir o recibo da apresentação em mão da carta expedida sob registo, pois, não tendo sido devolvida a carta, o n.º 1 do artigo 39.º do CPPT presume que a notificação se efectuou no 3.º dia posterior ao registo, não tem respaldo, mal se compatibilizando “com o princípio constitucional da tutela judicial efectiva, que pode ser irremediavelmente inutilizado, se as notificações não obedecerem a garantias adequadas a permitirem determinar com certeza e segurança o termo inicial do prazo de recurso à via judicial” (vd. cit. Ac. do STA, de 29/05/2013).».
Compulsando o processo de execução fiscal ínsito nos autos e acolhendo esta jurisprudência, verificamos não existir prova decisiva de que as cartas (contendo o projecto de reversão), que terão sido apresentadas a registo, foram colocadas ao alcance do destinatário, não podendo opor-se essas notificações, designadamente a não devolvida, ao reclamante, aqui Recorrente, se este alega dela não ter tido conhecimento, dado não estar comprovadamente afastado o risco de extravio dessa carta.
Contudo, vejamos todos os elementos constantes do processo de execução fiscal, tendo em vista detectar a eventual existência de outros factos interruptivos ou suspensivos do decurso da prescrição das dívidas exequendas.
Em face da não comprovação, por ora, de que o teor da notificação para efeitos de audição prévia sobre o projecto de reversão da execução tenha chegado ao conhecimento do Recorrente, verifica-se que o revertido poderá ter tido conhecimento da execução fiscal aquando da citação em 21/09/2009 – cfr. ponto A) da decisão da matéria de facto.
Quanto a este segundo facto interruptivo, o Recorrente discorda da sentença, desde logo, por considerar que não teve conhecimento da citação que lhe foi dirigida, por a carta de citação registada com aviso de recepção ter sido recepcionada por terceira pessoa, que desconhece quem seja, pelo que não lha entregou – cfr. artigos 14.º, 16.º e 17.º da petição de reclamação.
Acrescentou na sua reclamação – cfr. ponto 15.º - não constar do aviso de recepção assinado que esse mesmo aviso foi assinado por pessoa a quem foi entregue a carta (compulsando o aviso, verificamos que se mostra assinalado o quadro indicativo “por pessoa a quem foi entregue”) e que se comprometeu a entregá-la prontamente ao destinatário.
Este último aspecto contende com formalidade legal que, eventualmente, não terá sido cumprida, pelo que se coloca ao nível da nulidade da citação e não da falta de citação. Recordamos, por isso, que a nulidade da citação, por não terem sido observadas as formalidades legais, não obsta ao efeito interruptivo da citação, face ao disposto no artigo 323.º, n.º 3, do Código Civil – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 10/02/2022, proferido no âmbito do processo n.º 1504/21.7BELRS.
Com efeito, a jurisprudência e a doutrina são pacíficas a entender que, ainda que se verifique a nulidade da citação, não deixa de haver interrupção do prazo de prescrição nos termos do disposto no artigo 323.º, n.º 3 do Código Civil. Assim sendo, in casu, aplicando-se este preceito legal, torna-se desnecessário averiguar da alegada preterição de formalidades do acto de citação, na medida em que, ainda que se verifique a nulidade da citação, opera o efeito interruptivo do prazo de prescrição pela citação, tal como decidido em 1.ª instância.
Efectivamente, na petição de reclamação, o reclamante enquadra a sua alegação qualificando os factos invocados como “nulidade da citação”, porém, alguns factos apontam para eventual “falta de citação”, nomeadamente, quando invoca nunca ter recebido a carta contendo a citação e desconhecer onde a mesma foi entregue, em que termos e a quem.
Nos termos do artigo 35.º, n.º 2 do CPPT “A citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada”.
De acordo com o disposto nos artigos 191.º, n.º 3 e 192.º, n.º 1, também do CPPT, na efectivação da responsabilidade subsidiária a citação é pessoal, e efectuada nos termos do Código de Processo Civil.
Ora, dispunha o artigo 238.º, n.º 1 do CPC, correspondente ao actual artigo 230.º, que a citação se considerava efectuada no dia em que se mostrasse assinado o aviso de recepção e tinha-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção houvesse sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta tinha sido oportunamente entregue ao destinatário.
Haverá a reter que a citação por via postal por meio de carta registada com aviso de recepção é feita com base em modelos oficialmente aprovados, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho (a portaria n.º 953/2003, de 9/9, aprovou os modelos oficiais de carta registada e de aviso de recepção para citação pessoal, a efectuar por via postal).
No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando (cfr. artigo 236.º, n.º 2, do CPC, correspondente ao actual artigo 228.º). Em qualquer dos casos, antes da assinatura do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação (cfr. artigo 236.º, n.º 3, do CPC, correspondente ao actual artigo 228.º, n.º 3). Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando - cfr. n.º 4, do artigo 236.º, correspondente ao actual artigo 228.º, n.º 4.
Nestes casos, de entrega da carta a terceiro, será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada (cfr. artigo 241.º, do CPC, correspondente ao actual artigo 233.º).
Como é salientado nas conclusões XXXVI, XXXVII e XXXVIII das alegações do recurso, constituindo o envio de expedição da carta registada a que se reporta o artigo 241.º do Código de Processo Civil (actual artigo 233.º) uma formalidade a observar na citação, o seu não cumprimento, mesmo que verificado, apenas dá lugar à nulidade da citação se o destinatário ainda alegar e provar que dessa omissão resultou prejuízo para a defesa do citando – cfr. Acórdão do T.C.A. Sul, de 16/09/2019, proferido no âmbito do processo n.º 242/19.5BELRA.
O envio desta (segunda) carta registada - no prazo de dois dias úteis, após se mostrar que a citação terá sido efetuada em pessoa diversa do citando - constitui uma formalidade complementar que visa reforçar os mecanismos de conhecimento da pendência da execução fiscal, não constituindo condição da citação; pelo que o seu incumprimento não gera falta de citação.
Tanto nos casos em que a carta é entregue ao citando como naqueles em que a entrega é feita a terceiro, a citação por via postal considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cfr. artigo 238.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 230.º) e só ocorrendo falta de citação se o destinatário alegar e demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação, por motivo que não lhe seja imputável, conforme resulta do artigo 190.º, n.º 6, do CPPT - cfr. Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/01/2004, proferido no âmbito do processo n.º 1053/03, Acórdão do T.C.A Norte, de 16/04/2015, proferido no âmbito do processo n.º 00962/07.7BEVIS; Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.378 e seg.).
Da matéria dada como provada apenas consta, para chamar o agora Recorrente ao processo de execução fiscal, que, no dia 21-09-2009, foi assinada e recebida por terceiro, identificado por documento de identificação ali registado, carta registada com aviso de recepção remetida para a morada do reclamante, situada então na Av. ... 2 SALA .... ..., no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...00 e apensos, respeitantes a dívidas de contribuições e cotizações da Segurança Social dos períodos de 07/2004 até 11/2005 e 3/2006, titulando citação por reversão – cfr. ponto A) da decisão da matéria de facto.
A presunção legal, de que o reclamante teve conhecimento da citação, quando efectuada em pessoa diversa do citando, é uma presunção ilidível – cfr. Acórdão do T.C.A. Norte, de 09/11/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01129/07.0BEPRT.
Contudo, somente opera tal presunção se a citação postal for efectuada ao abrigo do artigo 236.º, correspondente ao artigo 228.º do CPC, ou seja, se estiverem reunidos todos os pressupostos indicados nesse artigo.
Com efeito, o Recorrente não coloca em causa que a carta registada com aviso de recepção lhe tenha sido dirigida e endereçada para a sua residência à data, sendo inequívoco ter sido assinado (não legível) o aviso de recepção por terceiro, em 21/09/2009, dado que se mostram anotados os elementos constantes do respectivo bilhete de identidade, como o seu número, data e local de emissão desse documento de identificação, apresentando-se, igualmente, assinalados os campos respectivos de que a carta foi entregue e que o aviso foi assinado pela pessoa a quem foi entregue a carta registada.
Efectivamente, não se mostra anotado no aviso o nome legível da pessoa a quem foi entregue a carta contendo a citação, mas os elementos preenchidos permitem a identificação do terceiro, o que se apresenta essencial atenta a alegação do reclamante de que o terceiro é desconhecido (e, portanto, nunca lhe poderia ter entregue a carta).
Ora, apesar de se encontrar assinado o aviso de recepção, existe défice instrutório para que o julgamento realizado pelo Meritíssimo juiz a quo se possa manter, dado inexistirem elementos nos autos suficientes que permitam espelhar a identidade da pessoa que assinou o aviso de recepção, por forma a relacioná-la com o citando (já que, aparentemente, estaria presente na residência do revertido).
Reiteramos que a lei não prevê a existência de presunção das formalidades necessárias à citação. Dito de outra forma, só preenchidas as formalidades que a lei prevê, se presume que a citação foi efectivamente efectuada, passando o ónus da sua ilisão a ser do citado – cfr. artigos 236.º e 238.º, n.º 1, 1.ª parte do CPC, correspondentes aos actuais artigos 228.º e 230.º, n.º 1, 1.ª parte.
Neste contexto e, agora, um passo à frente, o tribunal recorrido não concedeu a possibilidade de demonstração de que quem assinou o aviso é desconhecido do revertido e, portanto, não podia entregar a carta ao aqui Recorrente.
O défice instrutório detectado é essencial para averiguar eventual falta de citação, pois, somente após melhor prova, o tribunal poderá apurar se o invocado desconhecimento da citação ocorreu e se tal facto não é imputável ao reclamante, podendo, então, ter reflexos na contagem do prazo prescricional das dívidas exequendas.
Os factos alegados pelo reclamante, que se mostrem necessários para sindicar a legalidade do acto reclamado, designadamente os indicados neste recurso, constantes dos artigos 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.°, 12.°, 13.°, 14.°, 15.°, 16.° e 17.° da Reclamação, devem ser considerados pelo tribunal, não devendo este perder de vista o princípio do inquisitório previsto nos artigos 13.º e 99.º do CPPT.
Salientamos que o tribunal, através das bases de dados a que tem acesso, pode, utilizando os elementos anotados no aviso de recepção assinado, alcançar a identidade do terceiro e, eventualmente, até constatar que, afinal, quem assinou o aviso não é desconhecido do revertido.
Verificando-se défice instrutório, impõe-se a remessa ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu para promover diligências instrutórias e, após ampliação do probatório fixado nos termos supra referidos, proferir nova decisão final.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos, no sentido de averiguar esses factos, levando os mesmos ao probatório.
O exposto é suficiente para conceder provimento ao recurso, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.

Conclusões/Sumário

I - O prazo de prescrição de dívidas por contribuições à segurança social interrompe-se “por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” - cfr. artigo 63.º, n.º 3 da Lei n.º 17/2000, de 08 de Agosto.
II - A presunção do artigo 39.º, n.º 1 do CPPT só funciona nas situações em que pelos documentos dos autos se possa concluir com um mínimo de certeza e segurança jurídica que a carta apresentada a registo foi colocada ao alcance do destinatário, dito de outro modo, fique afastado por via de tais elementos o risco de extravio da carta.
III – Constitui facto interruptivo do prazo de prescrição de dívidas por contribuições à segurança social a citação do executado para a execução fiscal, sendo que este facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327.º n.º 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.
IV – A nulidade da citação, por não terem sido observadas as formalidades legais, não obsta ao efeito interruptivo da citação, face ao disposto no artigo 323.º, n.º 3, do Código Civil.
V - De acordo com o disposto nos artigos 191.º, n.º 3 e 192.º, n.º 1 do CPPT, na efectivação da responsabilidade subsidiária a citação é pessoal, e efectuada nos termos do Código de Processo Civil.
VI - A citação considera-se efectuada no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cfr. artigo 238.º, n.º 1 do CPC, aplicável ao tempo, correspondente ao actual artigo 230.º), e só ocorre falta de citação se o destinatário alegar e demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação, por motivo que não lhe seja imputável, conforme resulta do artigo 190.º, n.º 6, do CPPT.
VII - A presunção legal, de que o reclamante teve conhecimento da citação, quando efectuada em pessoa diversa do citando, é uma presunção ilidível.
VIII - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.

Custas a cargo do Recorrido, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 26 de Outubro de 2023

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Cláudia Almeida