Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00711/14.3BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/18/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:BALDIOS; COMPARTES; CONSELHO DIRECTIVO; PERSONALIDADE E CAPACIDADE JUDICIÁRIAS;
ARGUIÇÃO DE FALSIDADE DA ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA DE COMPARTES QUE ELEGEU E MANDATOU PARA A ACÇÃO O AUTOR, CONSELHO DIRECTIVO; Nº 3 DO ARTIGO 1º DA LEI DOS BALDIOS PELA LEI Nº 72/2014
Sumário:1. Quer por força do princípio da preservação da identidade das comunidades locais das autarquias agregadas, quer pela inequívoca redacção dada ao nº 3 do artigo 1º da Lei dos Baldios pela Lei nº 72/2014, só aos eleitores residentes nas próprias comunidades locais onde se situam os baldios ou que aí desenvolvam actividades agro-florestal ou silvo pastoril pode ser reconhecida a qualidade de comparte.
2. Atenta a impugnação e arguição de falsidade da acta da reunião da assembleia de compartes que elegeu e mandatou para a acção o autor, Conselho Directivo, depende de prova a produzir a verificação da sua personalidade e da sua capacidade judiciárias, pelo que se deverá relegar para final o julgamento destas excepções.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Conselho Directivo dos Baldios de Feirão e F...
Recorrido 1:União das Freguesias de Felgueiras e Feirão
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parece no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
O Conselho Directivo dos Baldios de Feirão e F... veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 21.03.2016, pelo qual foram julgadas procedentes as excepções dilatórias da falta de personalidade e capacidade judiciárias do Autor, na presente acção especial intentada contra a União das Freguesias de Felgueiras e Feirão, absolvendo-se a demandada da instância.
Invocou para tanto, em síntese, que o Autor tem personalidade e capacidade judiciárias.

A Ré, União das Freguesias de Felgueiras e Feirão, contra-alegou pugnado pela manutenção do decidido.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, também no sentido da improcedência do recurso.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1- Quer por força do princípio da estabilidade da instância, quer mercê do disposto pelo artigo 40º, da Lei dos Baldios, a personalidade jurídica e a capacidade judiciária do recorrente devem ser ponderadas e decididas de harmonia com a versão daquela Lei que vigorava à data da Assembleia de Compartes-Moradores que elegeu e mandatou os membros do recorrente, em exercício de funções à data da propositura da acção por força daquele artigo 40º.

2- A alteração do conceito ou qualidade de morador comparte, introduzida pela Lei nº 72/2014, eliminando a atendibilidade do direito consuetudinário, não pode ser retroactivamente aplicada para ajuizar sobre o universo de compartes que foi considerado para assegurar a regularidade do funcionamento da Assembleia de Compartes de 20 de Janeiro de 2013.

3- Aliás, da eliminação dos usos e costumes como factor relevante para a definição do conceito ou determinações da qualidade de comparte, não resulta que aquela se confunda com o freguês, nem as comunidades locais com o domínio cívico dos baldios se identifiquem com as colectividades residentes na área da freguesia.

4- Quer por força do princípio da preservação da identidade das comunidades locais das autarquias agregadas, quer pela inequívoca redacção dada ao nº 3 do artigo 1º da Lei dos Baldios pela Lei nº 72/2014, só aos eleitores residentes nas próprias comunidades locais onde se situam os baldios ou aí desenvolvam actividades agroflorestal ou silvopastoril pode ser reconhecida a qualidade de comparte.

5- Consequentemente, confundindo a comunidade local de Feirão, onde se situam os baldios em apreço com a circunscrição territorial da Ré União, que abrange diversa comunidade do povo de Felgueiras, a sentença impugnada desrespeitou o mencionado princípio e a citada disposição legal.

6- Além disso, as eventuais irregularidades na convocação e funcionamento das assembleias de compartes constituem meras anulabilidades que, se não suscitadas em prazo útil e no foro legalmente competente – o foro dos Tribunais comuns – deverão ser consideradas sanadas, permanecendo vinculativas e produtoras dos efeitos jurídicos inerentes às deliberações naquelas tomadas (artigo 177º do Código Civil).

7- Por consequência, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, reconhecendo-se ao recorrente personalidade e capacidade judiciárias, com as legais consequências.


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II – Factos com relevo:

1- No dia 4 de Novembro deu entrada a petição inicial na presente acção administrativa especial, instaurada pelo Conselho Directivo dos Moradores-Compartes de Feirão, em representação das comunidades locais que integram os compartes dos baldios de Feirão contra a União das Freguesias de Felgueiras e Feirão, na qual se pede:

a) A anulação das deliberações tomadas pela Junta de Freguesia da Ré na reunião extraordinária de 28 de Dezembro de 2013.

b) A condenação da Ré a abster-se de desrespeitar as deliberações tomadas pela Junta e pelo Plenário da Freguesia de Feirão, nas suas reuniões de 18 e 25 de Agosto de 2013.

2- São invocados nessa petição inicial os seguintes factos:

a) Feirão constitui desde tempos imemoriais uma comunidade local inserida na área do concelho de Resende que durante longos anos se achava administrativamente constituída como uma freguesia, a freguesia de Feirão, com território próprio.

b) Em consequência da reorganização administrativa do território das freguesias, imposta por força do memorando de resgate celebrado em 2011 entre o Estado Português, o FMI, a EU e o BCE, a freguesia de Feirão foi agregada à freguesia de Felgueiras, gerando a aqui demandada União (Leis nºs 22/2012, de 30/05 e 11-A/2013, de 28 de Janeiro).

c) A agregação ou fusão daquelas duas autarquias ocorreu e produziu efeitos com as eleições autárquicas que tiveram lugar em Setembro de 2013, momento até ao qual qualquer delas manteve a sua existência jurídica (artigos 4º e 9º da referida Lei nº 11-A/2013.

d) Mercê do disposto pelo artigo 6º da lei acabada de referir, a Ré União integrou na sua esfera jurídica todo o património, os activos e passivos, bem como os direitos e deveres, e responsabilidades legais, judiciais e contratuais de ambas as freguesias agregadas (nº 1).

e) Na circunscrição territorial da pretérita Freguesia de Feirão situa-se um acervo de prédios rústicos considerados baldios, cuja administração esteve confiada à Junta respectiva durante anos.

f) Por acto de 20 de Janeiro de 2013, a comunidade local da então Freguesia de Feirão reuniu e elegeu os órgãos representativos dos seus moradores para administrar os respectivos baldios, nomeadamente a Mesa da Assembleia de Compartes, o seu Conselho Directivo e a Comissão de Fiscalização (documento nº 1).

g) Então, a Freguesia de Feirão era dona de um prédio urbano destinado à sede da sua Junta e bem assim a jardim de infância, composta de rés-do-chão com cinco divisões, sito na Av. …, dita povoação de Feirão, a seu favor inscrita na matriz urbana respectiva sob o artigo 278º (documento nº 2).

h) Uma parte do referido edifício, composta por uma sala com entrada própria e independente com o nº 57, cozinha e casas de banho, foi durante anos afectada a jardim-de-infância (documentos nºs 3 e 4).

i) Contudo, por força da desertificação humana do interior do País e do propalado decréscimo da taxa de natalidade, o jardim-de-infância deixou de funcionar há vários anos.

j) Por outro lado, os moradores-compartes de Feirão necessitavam de local para aí reunir os seus órgãos representativos.

k) E, bem assim, convinha-lhes assegurar a disponibilidade imediata da carrinha Toyota, com a matrícula **-FV-** e do Kit de incêndio para acorrer à extinção e controlo de fogos com prontidão.

l) Daí que, por carta de 01-08-2013 dirigida ao Presidente da Junta de Freguesia de Feirão, o Autor haja solicitado a cedência, por comodato e pelo prazo de vinte e cinco anos, da sala, cozinha e casas de banho afectados ao jardim-de-infância, e bem assim a cedência, a título definitivo, da carrinha, Kit e acessórios para protecção contra incêndios, bem como de cadeiras e de um palco, para apoio às festas da comunidade local de Feirão (documento nº 5).

m) Submetida aquela pretensão à Junta de Freguesia de Feirão esta, por deliberação tomada em 18-08-2013, aprovou as cedências propostas pelo Autor por reconhecer serem do interesse geral de Feirão, submetendo-as no entanto à aprovação do plenário da Freguesia (documento nº 6).

n) O qual, reunido em sessão extraordinária de 25-08-2013, também aprovou as cedências propostas pelo Autor e já aceites pela Junta a “formalizar em contrato pelas partes” (documento nº 7).

o) Efectivamente, em execução das deliberações tomadas pelo Plenário e Junta de Freguesia de Feirão, foi em 26.08.2013 celebrado entre esta e o Autor o contrato consumando as cedências acordadas, nos termos constantes do documento nº 8, aqui dado como transcrito.

p) Acontece, porém, que em 8 de Julho do corrente ano, foi o comparte-morador AM, residente em Feirão, citado para deduzir oposição ao procedimento cautelar contra si pessoalmente instaurado pela Ré no entretanto extinto Tribunal Judicial de Resende, autuado sob o nº 126/14.3TBRSD, ora pendente na secção cível da instância local de Lamego do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por força da recente organização judiciária.

q) Através desse procedimento cautelar pretende a Ré que o demandado lhe restitua os bens cedidos ao Autor por força dos actos a que se reportam os documentos aqui juntos sob os nºs 6, 7 e 8.

r) Para tanto, a Ré junta àquele processo certidão da acta das deliberações tomadas pela respectiva Junta em reunião extraordinária de 28 de Dezembro de 2013 (doc. nº 10), da qual só agora o Autor tomou conhecimento por força da citação do demandado, dado este ser Presidente do Autor (documento nº 1).

s) São essas deliberações que se pretende anular por via da presente acção quer porque foram tomadas com evidente ofensa de disposições de Direito administrativo, quer porque as mesmas causam manifesto prejuízo aos interesses legítimos da comunidade local de Feirão que o Autor representa (artigos 21º alíneas h) e i) da Lei nº 68/93, de 04/09).

t) Na realidade, como deflui da análise da respectiva acta, num primeiro momento foi deliberado “revogar com efeitos imediatos todas as actas, declarações e comunicações feitas pela anterior Junta de Freguesia e Assembleia da Freguesia de Feirão que tenham por desiderato declarar devolver ao alegado Conselho Directivo dos Moradores Compartes de Feirão a sala do jardim-de-infância e respectivas casas de banho, cadeiras, cozinha, a carrinha Toyota de Matrícula **-FV-**, assim como o Kit e acessórios de protecção aos incêndios, o palco e casas de banho públicas, bem como o pagamento da electricidade”.

u) Pese embora a deficiente redacção adoptada, entende-se que com aquela primeira deliberação a Ré, ao referir como objecto do acto revogatório “todas as actas, declarações e comunicações feitas pela anterior Junta de Freguesia e Assembleia de Freguesia de Feirão”, teve em mente revogar as deliberações documentadas pelas actas juntas sob os nºs 6 e 7, mencionada nos artºs 15º e 16º do presente articulado, quer porque as deliberações não deixam de ser actos de declaração, quer tendo em atenção os bens a que são reportadas.

v) Sem prejuízo do respeito por diversa opinião, afigura-se que aquela deliberação enferma de diversos vícios.

w) Quer se tenha presente o regime das autarquias locais da pretérita Lei nº 169/99, quer o decorrente da Lei nº 75/2013, de 12/09, já vigente à data da deliberação em apreço (art. 4º), a revogação viola o princípio da independência dos órgãos das autarquias (art. 44º da nova lei, artigo 81º da anterior).

x) Na verdade, a Junta de Freguesia constitui um órgão hierarquicamente subordinado à Assembleia ou Plenário respectivo, incumbindo-lhe zelar pela execução e cumprimento das deliberações destes (artigo 19º da Lei nº 75/2013 e 34º nº 1 alª a) da Lei nº 169/99).

y) Pelo que a Junta de Freguesia carecia de competência para revogar a deliberação do Plenário da Freguesia a que sucedeu pro agregação, mercê do disposto pelo art. 142º do Código de Procedimento Administrativo.

z) Por outro lado, as deliberações tomadas pela Junta e pelo Plenário da freguesia de Feirão foram actos constitutivos de direitos.

aa) Pelo que a sua revogação só seria possível caso a deliberação em apreço invocasse qualquer concreta e precisa invalidade.

bb) Ora, a deliberação é completamente omissa sobre tanto, carecendo de qualquer fundamentação.

cc) Por isso, aquela deliberação violou o dever de fundamentação imposto pelos artigos 124º nº 1 alª e), 140º, n.º1, e 141º do Código de Procedimento Administrativo.

dd) E ainda assim deverá ser entendido mesmo que se venha a suprir a total ausência de fundamentação da deliberação em apreço, estendendo-lhe a fundamentação encontrada para a deliberação subsequente, revogatória do contrato.

ee) Na verdade, a genérica invocação de actuação de “forma abusiva”, ausência de justificação relevante ou desrespeito do interesse público ou da própria Junta, de pretensa estratégia de “salvaguarda de interesses estritamente pessoais e privados de algumas pessoas da freguesia”, são fundamentos ou razões vagas e imprecisas que de forma alguma esclarecem concretamente a motivação da deliberação.

ff) Pelo que, a admitir-se que a fundamentação da segunda deliberação é extensível à deliberação inicial, ela é claramente insuficiente, ofensiva do disposto no artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo.

gg) Importará referir que contrariamente ao invocado naquela deliberação, os actos pretensamente revogados visaram prosseguir relevante interesse público da comunidade representada pelos órgãos da então freguesia de Feirão, em conformidade com o regime então vigente.

hh) Na verdade, à data da tomada das deliberações do Plenário e da Junta de Freguesia de Feirão, era manifesta a comunhão de interesses daqueles e do Autor.

ii) Desde logo porque a comunidade local representada por ambos era a mesma, pois são compartes os eleitores inscritos e residentes (art. 1º da Lei nº 68/93).

jj) Por outro lado, os interesses inerentes à administração dos baldios relevam também na esfera de competências dos órgãos de Freguesia, pro respeitarem ao bem-estar da comunidade, nomeadamente à apascentação de gado no respectivo território (artigo 17º nº 1 alíneas f) e r) e nº 2 alínea p) da Lei nº 169/99).

kk) De tal sorte que, em caso de inacção dos órgãos próprios de administração dos baldios e enquanto ela durar, a utilização e fruição dos respectivos terrenos passa automaticamente para a Junta de Freguesia respectiva, transitória ou definitivamente até (artigos 27º e 28º da Lei nº 68/93 e artigo 34º nº 6 alínea m) da Lei nº 169/99).

ll) Por outro lado, incumbia então à Junta de Freguesia de Feirão apoiar ou comparticipar, pelos meios adequados, no apoio a actividades de interesse da freguesia “de natureza social, cultural, educativa, recreativa ou outra”, podendo para tanto celebrar protocolos com instituições públicas, particulares e cooperativas actuantes na área da freguesia, nomeadamente cedendo o uso de equipamentos pela comunidade local (artigos 34º nº 6 alª l) e 36º da Lei nº 169/99, actualmente alíneas m), n), o) e v) do artigo 16º e alínea i) do nº 1 do artigo 9º do regime jurídico das autarquias instituído pela Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro.

m) Ora, as deliberações da Junta e do Plenário da Freguesia de Feirão, bem como o contrato que lhes deu execução, encontraram regular enquadramento legal nas disposições acima citadas.

nn) E visaram proteger óbvio interesse da comunidade local da Freguesia, apoiando a administração dos respectivos baldios, que supletivamente lhe incumbia na falta daquela, a prevenção de incêndios e o interesse daquela na manutenção do apoio tradicionalmente concedido às festas e eventos da comunidade de Feirão, disponibilizando para tanto uma área inútil porque desaproveitada há vários anos.

oo) Sendo de realçar que, presentemente, não só a área outrora afectada a jardim de infância se encontra devoluta, como também a parte do prédio próprio sito na Rua do Espírito Santo, 816, em Felgueiras.

pp) A ilegalidade da deliberação tomada em segundo lugar não reside apenas na sua óbvia insuficiente fundamentação, por falta de concreto fundamento ou motivação.

qq) De facto, padece desde logo de incongruência ao deliberar-se revogar e resolver um contrato tido por inexistente, pois quer a revogação, quer a resolução de um contrato pressupõem a sua existência (artigo 139º nº 1 a) do Código de Procedimento Administrativo).

rr) O Autor tem existência jurídica por força da deliberação dos compartes, tomada em 20-01-2013 (documento nº 1), confirmada aliás pela deliberação tomada em 3 de Fevereiro seguinte, sendo dotado de representatividade reconhecida pelo artigo 11º da Lei nº 68/93 e da capacidade e legitimidade conferida nomeadamente nas alíneas h) e i) do artigo 21º daquela mesma lei.

ss) Por outro lado, o contrato foi celebrado pelo Presidente da Junta de Freguesia de Feirão, em representação da Freguesia (artigo 38º nº 1 alª a) da Lei nº 169/99.

tt) Assim dando execução e cumprimento ao deliberado pelo Plenário daquela Freguesia, por força do imposto pelo artigo 34º nº 1 alínea a) e artigo 38º nº 1 alínea h) daquela mesma Lei.

uu) Tal contrato representa, assim, um acto de execução de uma deliberação do Plenário da Freguesia de Feirão que, como acima vimos, não enferma de ilegalidade, enquadrando-se no âmbito das suas competências (artigos 17º nº 1 alínea i) e nº 2 alínea g) da Lei nº 169/99).

vv) A revogação, tal como a resolução, do contrato firmado, representam uma clara violação da lei da nova Junta de Freguesia da União das Freguesias de Felgueiras e Feirão, ao desrespeitar frontalmente a deliberação do Plenário da Freguesia de Feirão a que deve obediência e acatamento.

ww) E isso quer por força das disposições citadas no art. 48º antecedente, bem como do art. 81º, todas da Lei nº 169/99, quer mercê das correspondentes normas dos artigos 16º nº 1 alínea w, 18º nº 1 alínea g), 19º alínea a) e 44º do regime jurídico autárquico introduzido pela Lei nº 75/2013, de 12/09, vigente à data da tomada das deliberações impugnadas.

xx) Quer, ainda, mercê do disposto pelo artigo 6º da Lei nº 11-A/2013, de 28/01, quer do artigo 9º da Lei nº 22/2012, de 30/05.

yy) Por último, o Autor, tal como a Assembleia de Compartes respectiva, representam uma emanação da realidade social que é a comunidade de Feirão.

zz) O qual tem uma identidade histórica, cultural e social própria, que a Ré deve respeitar, porquanto

aaa) A agregação de freguesias resultante pela recente reorganização administrativa imposta pelos credores do país não envolve o “armafanhamento” dos valores e interesses próprios de cada uma das comunidades agregadas.

bbb) Bem pelo contrário, a agregação não pode pôr em causa um dos princípios fundamentais que preside à reorganização administrativa de que aquela resulta: o da preservação da identidade social e cultural das comunidades locais aglutinadas (artigos 3º alª a) e 9º nº 3 da Lei nº 22/2012 e 4º da Lei nº 11-A/2013).

ccc) Com as deliberações tomadas a demandada privará os moradores da comunidade de Feirão de dispor de um local para instalar os serviços administrativos e de apoio àqueles e às suas festas tradicionais, bem como de equipamentos apropriados à protecção contra incêndios que também lhe incumbe (alínea m) do artigo 21º da Lei nº 69/93).

ddd) Sendo incontroverso que, o prédio, agora inscrito em nome da União das Freguesias de Felgueiras e Feirão sob o artigo urbano 330º, permanece aí destinado à sede da Junta e a jardim de infância (documento nº 11).

eee) Contudo, a jardim de infância continua a não poder ser afectado, pelas razões já acima invocadas.

fff) Tal como tão pouco pode ser afectado à sede da demandada, porquanto,

ggg) A freguesia resultante da agregação só pode dispor de uma única sede, mercê do nº 2 do artigo 9º da Lei nº 22/2012.

hhh) E a Ré optou por instalar a sua sede na Rua …, em Felgueiras – como se refere no intróito da acta das deliberações impugnadas.

iii) Isto é, sem qualquer sentido, a Ré quer privar a comunidade local de Feirão de utilizar para fins sociais próprios um prédio que, não obstante hoje ter passado a ser propriedade daquela, não poderá legalmente afectar para os fins para que foi construído, permanecendo devoluto.

jjj) As deliberações em apreço são, não só legalmente censuráveis, como socialmente lesivas de relevantes interesses da comunidade local de Feirão, que a Ré cumpre respeitar.

kkk) Resta acrescentar que, aquelas em momento algum foram notificadas ao Autor, que delas só teve conhecimento pela forma indirecta acima aludida.

lll) Aliás, o Autor requereu em 25.07.2014 à Ré que lhe certificasse cópia autenticada da acta das deliberações tomadas na reunião de 28-12-2013, pedido que aquela não satisfez.

mmm) Pelo que apresentou em 14 de Agosto seguinte queixa junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, ao abrigo da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto, a cuja disciplina a Ré de acha sujeita (artigo 4º nº 1 alínea e)).

nnn) Reconhecendo a pertinência da pretensão do Autor, por deliberação tomada em 21 de Outubro findo aquela Comissão ordenou à Ré que facultasse àquele a certidão requerida (documento nº 12), que se apresentará nos presentes autos logo que acatada a decisão.

3- A Ré contestou, alegando, além do mais, a falta de personalidade e capacidade judiciárias do Autor, com os seguintes fundamentos:

a) A Lei nº 11-A/2013, de 28 de Janeiro, deu cumprimento à obrigação de reorganização administrativa do território das freguesias constante das Lei nº 22/2012, de 30 de Maio.

b) Até às eleições autárquicas realizadas em Setembro de 2013, as freguesias agregadas mantiveram a sua existência, momento em que foi eficaz a sua cessação jurídica, ou seja, a freguesia criada por agregação integrou o património mobiliário e imobiliário, os activos e passivos, legais e contabilísticos, e assumiu todos os direitos e deveres, bem como as responsabilidades legais, judiciais e contratuais das freguesias agregadas.

c) A criação de uma freguesia por agregação determinou a cessação jurídica das autarquias locais agregadas nos termos do disposto no nº 3 do artigo 9º, sem prejuízo da manutenção da sua identidade histórica, cultural e social, conforme estabelece a Lei nº 22/2012, de 30 de Maio.

d) Com efeito a partir de 29 de Setembro de 2013 deixou de existir a Freguesia de Feirão (NIPC 509019439), pois com a agregação desta com a freguesia de Felgueiras, ambas deste concelho de Resende, nasceu a União das Freguesias de Felgueiras e Feirão.

e) Sendo que, no mandato imediatamente anterior ao que resultou das eleições autárquicas realizadas em Setembro de 2013, JOM era o Presidente da (então) Junta de Freguesia de Feirão.

f) Sendo que (o juridicamente inexistente) Conselho Directivo dos Moradores – Compartes de Feirão surge, alegadamente, no ano de 2013, ou seja, meses antes das eleições autárquicas realizadas em Setembro de 2013, tendo como suposto Presidente AM, filho do então Presidente da Junta de Freguesia de Feirão, JOM.

g) E presidindo à mesa da (inexistente) Assembleia de Compartes, AOM, a filha do então Presidente da Junta de Freguesia de Feirão, JOM.

h) Assim, com os actos de oneração e transferência de património em questão, concretizados mediante o contrato datado de 26 de Agosto de 2013, na realidade, o que se tentou foi passar a posse de tais bens da Junta de Freguesia de Feirão – cuja presidência seria (e foi) perdida nas eleições que se avizinhavam no mês seguinte – para o denominado (mas juridicamente inexistente) Conselho Directivo dos Compartes de Feirão, que tinha como Presidente o filho do então Presidente da Junta de Feirão e como Presidente da Assembleia de Compartes a sua filha.

i) Procurando-se assim, defraudar as finalidades legais subjacentes à Lei nº 11-A/2013, de 28 de Janeiro e à Lei nº 22/2012, de 30 de Maio – intimamente relacionadas com a diminuição da despesa pública – bem como manter o domínio sobre os bens que pertenciam e pertencem à Junta de Freguesia.

j) Aliás, atente-se que, havia sido o então Presidente da Junta de Feirão, JOM, quem, em sede judicial (por exemplo, no processo nº 37/03.8TBRSD, que correu no Tribunal de Resende, Secção única), defendera, a pés juntos, que os terrenos em apreço eram propriedade da Junta e não baldios e que até impugnaram a constituição do aqui Autor.

k) Ou seja, enquanto foi Presidente da Junta, JOM, defendia que os terrenos em questão eram baldios, contudo quando se avizinharam as eleições que implicariam a perda desse cargo, mediante a aparência dos (juridicamente inexistentes) Conselho Directivo dos Compartes de Feirão e da Assembleia de Compartes, presididos pelos seus dois filho, então JOM já aceitava que os terrenos eram baldios, e até onerou e transmitiu, gratuitamente, bens da Junta, para tal suposta entidade.

l) Visando, assim, que tais bens não saíssem do seu domínio.

m) Lida a petição inicial, percebe-se que quem dirige, materialmente, o (inexistente) Autor não reconhece a Junta da União de Freguesia de Felgueiras e Feirão como representativa da população de Feirão.

n) Dizendo que as deliberações que o Autor pretende anular causam “prejuízo aos interesses legítimos da comunidade local de Feirão que o Autor representa” (cfr. artigo 20º da petição inicial), mas no artigo 34º da petição inicial “os actos pretensamente revogados visaram prosseguir relevante interesse público da comunidade representada pelos órgãos da então freguesia de Feirão”.

o) Ou seja, de acordo com o Autor, enquanto JOM foi presidente da Junta eram os órgãos da freguesia de Feirão quem representava a população de Feirão, contudo, tendo este deixado de ser Presidente da Junta e passando os seus filhos a dirigir os referidos e inexistentes Conselho e Assembleia de Compartes, então, já seriam estes órgãos – e não os órgãos da União de Freguesias e Feirão – quem representava a população de Feirão.

p) Aliás, basta ler o contrato de comodato e doação em questão para constatar que o mesmo é assinado por pai (Presidente da Junta) a cerca de um mês do final de mandato) e filho (suposto Presidente do Autor).

q) Ora, conforme resulta da lei e da Constituição, é manifesto que a representação da população de Feirão e a defesa dos seus interesses cabe aos órgãos da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão.

r) Como já foi repetidamente decidido em Tribunal em anteriores instâncias (por exemplo, Tribunal Judicial de Resende, Secção Única, processo nº 37/03.8TBRSD), o Autor continua a não estar constituído respeitando os requisitos legalmente fixados, o que é, inclusivamente, feito de forma dolosa.

s) As pessoas que impugnaram a anterior constituição do Autor e, também, impugnaram a versão que, agora, novamente se traz a Tribunal são as mesmas que intentam a presente acção, com a diferença que anteriormente eram titulares políticos da Junta de Freguesia da Ré e, agora, estão na oposição aos actuais membros da Junta de Freguesia da Ré.

t) Eis o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Setembro de 2010, proferido relativamente ao inexistente Conselho Directivo de Compartes de Feirão:

“VI – Como quer que seja, tanto a personalidade judiciária como a capacidade judiciária requerem a constituição válida da pessoa ou da entidade que em nome da pessoa, figura como parte na lide e a falta de qualquer destes pressupostos de validade de instância conduz ao mesmo resultado, isto é, à absolvição do Réu da instância, nos termos do artigo 288º nº 1 alínea c) do CPC” – Acórdão STJ 23/09/2010, processo nº 37/03.8TBRSD.P”.

u) A alínea c) do artigo 577º do Código de Processo Civil fixa que são dilatórias a falta de personalidade ou de capacidade judiciária de alguma das partes.

v) E o artigo 578º do Código de Processo Civil, nomeadamente, fixa que o Tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções dilatórias.

w) Ora, in casu, à Ré cumpre arguir e alegar que o Autor carece de personalidade e capacidade judiciária como carece, inclusive, de personalidade jurídica, sendo uma absoluta inexistência jurídica, não estando, também, devidamente mandatada nos termos legais.

x) O Autor é assim uma inexistência jurídica, pois não cumpriu qualquer dos formalismos e procedimentos previstos na Lei dos Baldios (seja na anterior, Decreto-Lei 39/76, de 19 de Janeiro, seja na actual, Lei 68/93), nomeadamente:

- Existência de recenseamento provisório dos compartes, sua aprovação e regular constituição da assembleia constituinte e regular respeito pelo quórum legalmente previsto;

- Existência do caderno de recenseamento dos compartes que estivesse correcto e abarcasse todos os moradores da comunidade, os quais teriam direito a participar e deliberar na assembleia constituinte dos órgãos do baldio;

- A devida convocatória para a realização da assembleia constituinte;

- A efectiva ocorrência de eleições para os órgãos de administração do baldio no respeito do quórum legalmente necessário, etc.

y) Ora, compulsados os autos, nenhuma prova em concreto (que tinha de ser documental, máxime actas e editais) foi feita pelo Autor relativamente ao cumprimento dos formalismos e procedimentos supra discriminados, impugnando-se todos os documentos juntos com a petição inicial relativos à existência do Autor atenta a sua falsidade).

x) Na verdade, nenhuma prova, máxime prova documental legítima, como legalmente é exigido, foi produzida no sentido de demonstrar a existência jurídica do Autor.

z) E como se consagrou no acórdão do STJ acima referido, a não prova de tais elementos (que tornam válida a constituição quer da assembleia de compartes constituinte quer dos demais órgãos dos baldios) implica “a inexistência jurídica do A.”, o que torna “procedente, por provada, a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária do mesmo”, com consequente absolvição da Ré da instância.

4- O Autor respondeu à contestação, além dos mais, nos seguintes termos:

a) Como se depreende do alegado no artigo 27º da douta contestação, a Ré sustenta as excepções em apreço em pretensas ilegalidades que afectariam a constituição e funcionamento da assembleia constituinte dos órgãos do baldio.

b) A competência para conhecer de litígios que se prendam com a legalidade das deliberações dos órgãos do baldio acha-se confinada ou reservada aos Tribunais comuns, por força do disposto pelo nº 1 do artigo 32º da Lei nº 68/93, de 04.09, na versão dada pela Lei nº 72/2014, de 02/09.

c) Afigura-se-nos – salvo melhor opinião – que escapa à competência deste Tribunal a apreciação da matéria suscitada pela Ré.

d) A pretérita e similar questão invocada pela Ré no artigo 4º do douto articulado de defesa foi precisamente discutida e apreciada no foro comum.

e) A reunião da Assembleia dos Moradores-Compartes de Feirão de 20-01-2013 (documento nº 1 da petição inicial foi precedida de convocatória de 11-01-2013 subscrita por 12 moradores compartes, logo devidamente afixada nos lugares de estilo habituais, concretamente na sede da então Junta de Freguesia e na capela local.

f) Nela se mencionando o dia, hora, local de reunião e a respectiva ordem de trabalhos (documento nº 1).

g) Nomeadamente para a actualização do recenseamento dos compartes.

h) A reunião teve lugar na data e local indicados com a presença de 49 moradores compartes, isto é, com a maioria exigível.

i) Como se retira do deliberado no ponto 3º, foi elaborado e aprovado o caderno de recenseamento dos compartes, devidamente actualizado, revelando a inscrição de 88 compartes (documento nº 2).

j) Respeitando a maioria legal (artigo 12º da referida Lei), ali foram eleitos os membros da Mesa da Assembleia, do Conselho Directivo e da Comissão de Fiscalização (ponto nº 2).

k) A acta das deliberações tomadas foi posteriormente aprovada por unanimidade na reunião da Assembleia dos Moradores-Compartes de Feirão que teve lugar em 3 de Fevereiro seguinte (documento nº 3).

l) A constituição e funcionamento da Assembleia constituinte respeitaram as exigências legais, tendo os órgãos – nomeadamente o Autor – sido legitimamente eleitos e, consequentemente, existência jurídica.

m) As deliberações referidas não foram objecto de impugnação em momento algum.

n) A própria Ré já o reconheceu expressa e iniludivelmente.

o) Através do seu ofício nº 8, de 20 de Novembro de 2013, subscrito pelo Presidente do seu órgão executivo, instou junto do Presidente do Autor pela devolução dos bens objecto do contrato de comodato (documento nº 4).

p) Os baldios são considerados patrimónios autónomos dotados de personalidade jurídica e tributária (artigo 1º n º 6 da referida Lei), dotados "por “direito próprio” de órgãos para o exercício de actos de representação, disposição e gestão (art. 11º) com capacidade para agir, se necessário, em Juízo (artigo 15º nº 1 alíneas o) e r) e 21º alínea h) e “representar o universo dos compartes nas relações com terceiros, públicos ou privados (artigo 21º alínea i)).

q) Carece, assim, do menor sentido afirmar-se que o Autor não dispõe de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 12º e 26º do Código de Processo Civil).

5 - Na sequência do despacho proferido ao abrigo do artigo 87º, nº 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Autor confirmou a posição supra sustentada e requereu a admissão da junção aos autos da acta da deliberação da Assembleia dos Moradores-Compartes, de 22.02.2015, da eleição dos novos membros dos órgãos representativos acompanhada do caderno de recenseamento actualizado e da convocatória e aviso respectivos (documento nº 1), comprovativos do seu regular funcionamento, bem como a acta da deliberação da Assembleia dos Moradores-Compartes de Feirão, de 09.11.2014, que ratificou o recurso a Juízo pelo Conselho Directivo para a propositura da presente acção (documento nº 2), e bem assim da acta da deliberação da posterior Assembleia realizada em 08.03.2015 que aprovou – além do mais – as actas acima referidas (documento nº 3).

6- A Ré respondeu a essa pronúncia do Autor, mantendo tudo o vertido na contestação, mantendo que o Autor é uma inexistência jurídica, pois não cumpriu os formalismos e procedimentos previstos na Lei dos Baldios (seja na anterior, Decreto-Lei n.º 39/76, de 19.01, seja na actual, Lei 68/93), nomeadamente os vertidos no artigo 27º da contestação e impugnando os documentos nºs 1 a 3, juntos pelo Autor com essa pronúncia, atenta a falsidade do seu conteúdo e os efeitos que deles se pretende retirar, concluindo que os actos referentes a uma entidade juridicamente inexistente sempre seriam, também eles, juridicamente inexistentes/nulos, o que expressamente argui.


*

III- O Enquadramento jurídico.

À data da instauração da presente acção, 04.11.2014, estava em vigor a Lei nº 68/93, de 04.09, com as alterações introduzidas pela Lei nº 72/2014, de 02.09, em vigor desde 02.10.2014, por força do disposto no artigo 11º desta última Lei.

Determina o artigo 1º, nº 6, da referida Lei nº 68/93, de 04.09, na redacção introduzida pela referida Lei nº 72/2014, de 02.09, que o baldio segue o regime do património autónomo no que respeita à personalidade judiciária e tributária.

Em 04.11.2014, data da entrada em juízo da petição inicial, estava em vigor o Código de Processo Civil de 2013, que, no seu artigo 12º, alínea a), estende a personalidade judiciária aos patrimónios autónomos cujo titular não estiver determinado.

Conclui-se, assim, que à data da instauração da acção, o baldio de Feirão tinha personalidade judiciária.

Determina o artigo 26º do mesmo Código de Processo Civil que salvo disposição especial em contrário, os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores, pelo que são estes que detêm capacidade judiciária, ou seja, susceptibilidade de estar pelo baldio em juízo – artigo 11º, nº 1, do mesmo Código.

Ora, os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes locais, através de órgãos democraticamente eleitos e as comunidades locais organizam-se, para o exercício dos actos de representação, disposição e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, através de uma assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização (artigo 11º, nºs 1 e 2, da Lei nº 68/93, de 04.09, alterada pela Lei nº 72/2014, de 02.09).

Das reuniões dos órgãos das comunidades locais são elaboradas actas, que, depois de lidas e aprovadas, são assinadas pela respectiva mesa, no que se refere à assembleia de compartes e pelos respectivos membros, quanto aos restantes órgãos (artigo 13º, nº 1, da Lei nº 68/93, de 04.09, alterada pela Lei nº 72/2014. Só a acta pode certificar validamente as discussões havidas, as deliberações tomadas e o mais que nas reuniões tiver ocorrido (artigo 13, nº 3, da mesma Lei, alterada pela Lei nº 72/2014).

Compete ao Conselho Directivo recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa de direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio e submeter estes actos a ratificação da assembleia de compartes (artigo 21º, alínea h), da Lei nº 68/93, alterada pela Lei nº 72/2014).

O Autor não juntou nenhuma acta do Conselho Directivo, mas apenas diversas actas da assembleia de compartes, pelo que nada foi alegado, nem provado se o Conselho Directivo deliberou no sentido da instauração da presente acção, pela forma legalmente prevista para o efeito, todavia a falta dessa deliberação constituiria acto anulável, nos termos do artigo 177º do Código Civil, só passível de declaração de anulabilidade do foro comum (artigo 32º nº 1 da Lei nº 68/93).

A alegação do Autor vai no sentido de que a constituição dos órgãos da comunidade local onde se situa o baldio foi feita em assembleia de compartes realizada no dia 20.01.2013.

A acta dessa assembleia foi junta como documento nº 1 junto com a petição inicial.

A Ré impugna tal documento e argui a falsidade do seu conteúdo. Tal contestação impede-nos de, em sede de despacho saneador, declarar existente e válida tal constituição, a qual terá de ser objecto de produção de prova.

Todavia, de acordo com o disposto no artigo 1º, nº1, da Lei nº 11-A/2013, de 28.01, esta Lei deu cumprimento à obrigação de reorganização administrativa do território das freguesias constante da Lei nº 22/2012, de 30.95, e o nº 2 do mesmo artigo prescreve que a reorganização administrativa das freguesias é estabelecida através da criação de freguesias por agregação ou por alteração dos limites territoriais de acordo com os princípios, critérios e parâmetros definidos na Lei nº 22/2012, de 30.05 com as especificidades previstas na presente lei.

Segundo o artigo 2º nº 1 considera-se criada por agregação a freguesia cuja circunscrição territorial corresponda à área e aos limites territoriais das freguesias agregadas, nos termos do nº 2 do artigo seguinte.

O artigo 3º nº 2 da mesma Lei estabelece que a circunscrição territorial das freguesias criadas por agregação corresponde à área e aos limites territoriais das freguesias agregadas.

O artigo 4º determina que a criação de uma freguesia por agregação determina a cessação jurídica das autarquias locais agregadas nos termos do disposto no nº 3 do artigo 9º, sem prejuízo da manutenção da sua identidade histórica, cultural e social, conforme estabelece a Lei nº 22/2012, de 30.05.

De harmonia com o disposto no artigo 6º, nº 1, a freguesia criada por agregação integra o património mobiliário e imobiliário, os activos e passivos, legais e contabilísticos, e assume todos os direitos e deveres, bem como as responsabilidades legais, judiciais e contratuais das freguesias agregadas.

Por força do disposto no artigo 9º, nºs 1 e 3, da Lei a que se tem vindo a aludir, muito embora esta Lei tenha entrado em vigor no dia 29.01.2013, as freguesias agregadas constantes da coluna A do anexo I, mantêm a sua existência até às eleições gerais para os órgãos das autarquias locais de 2013, momento em que será eficaz a sua cessação jurídica.

A Lei nº 81/2013, de 06.12 - que procedeu à interpretação das normas das Lei nº 56/2012, de 08.11, e da Lei 11-A/2013, de 28.01 -, estabeleceu no artigo 2º, nº 2, que o artigo 6º desta última Lei deve ser interpretado no sentido de as novas freguesias sucederem nos direitos e obrigações das freguesias objecto de cessação jurídica, transmitindo-se para as novas entidades os activos, incluindo todos os bens móveis e imóveis, direitos e obrigações, bem como as responsabilidades legais, judiciais e contratuais, os saldos existentes em caixa, os saldos bancários e os créditos orçamentais não utilizados pertencentes às freguesias objecto de cessação jurídica, constituindo a presente lei título jurídico bastante para o registo de propriedade a favor das novas freguesias e que a cessação jurídica das freguesias e a criação de novas freguesias não determina a caducidade das deliberações com eficácia externa, nomeadamente as de natureza regulamentar.

As eleições autárquicas realizaram-se em Setembro de 2013, pelo que só na data da sua realização cessaram juridicamente as freguesias de Feirão e de Felgueiras, por agregação de ambas, passando a constituir a União de Freguesias de Felgueiras e Feirão.

Assim, em 20.01.2013, ainda Feirão era uma freguesia autónoma da freguesia de Felgueiras e a lei dos baldios que estava, então, em vigor era a Lei nº 68/93, de 04.09, na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 72/2014, de 02.07, a qual só entrou em vigor em 02.10.2014.

Ora a Lei nº 68/93 na sua primitiva redacção cometia à assembleia de compartes a eleição e destituição, dos membros do conselho directivo e da comissão de fiscalização – artigo 15º, alínea b), bem como a ratificação do recurso a juízo pelo conselho directivo, bem como a respectiva representação judicial, para defesa de direitos ou legítimos interesses da comunidade relativos ao correspondente baldio.

Ora se a eleição do conselho directivo - caso se venha a provar a autenticidade dos documentos (acta e convocatória), juntos, respectivamente, com a petição e com a resposta à contestação -, obedece ao disposto nos artigo 15º, alínea b), 18º e 19º e se é certo que é da competência do conselho directivo recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa de interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio, certo é que não foi junta qualquer acta do conselho directivo de onde conste a deliberação de recurso a Juízo para interposição da presente acção e foi junta acta da assembleia de compartes de ratificação do recurso a juízo como documento nº 1 junto com a pronúncia do Autor em cumprimento da notificação nos termos do artigo 87º, nº 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, mas tendo-se realizado esta assembleia em 22.02.2015 e sendo o aviso de 13.02.2015, porque já estava em vigor a alteração da Lei nº 68/93, introduzida pela Lei nº 72/2014, e já tinha cessado juridicamente a freguesia de Feirão, dando lugar à União das Freguesias de Felgueiras e Feirão, questiona-se quem são os compartes do baldio de Feirão: se são só os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na antiga freguesia de Feirão, ou antes todos os inscritos e residentes na União de Freguesias de Felgueiras e Feirão.

O Autor defende a primeira hipótese e a Ré a segunda.

A opção entre o primeiro e o segundo destes entendimentos passa pela interpretação do conceito de comparte, definido no artigo 1º, nº 3, da Lei nº 68/93, na redacção introduzida pela Lei nº 72/2014:

São compartes todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais, onde se situam os respectivos baldios ou que aí desenvolvem uma actividade agro-florestal ou silvo pastoril.”

Esta questão foi tratada no acórdão do Tribunal Constitucional nº 595/2015, processos n.ºs 251 e 337/2015, datado de 17.11.2015, e publicado no Diário da República, II Série, de 28.12.2015, onde se escreve:

Neste enquadramento, as modificações ao regime jurídico dos baldios introduzidas pela Lei nº 72/2014…prendem-se directamente com i) ampliação do conceito de comparte…

Considerados os elementos que conformam e integram o estatuto constitucional dos baldios, importa seguidamente verificar se as alterações introduzidas …atentam, em função do seu sentido e alcance, contra o domínio colectivo incidente sobre aqueles meios de produção ou em qualquer caso descaracterizam ou suprimem a posse útil e/ou os poderes de autogestão que, relativamente a tais bens, a Constituição atribui às correspondentes comunidades locais.

Tendo por objectivo a “entrega dos terrenos baldios às comunidades” que deles haviam sido “desapossadas pelo Estado”, o DL nº 39/76, de 19/01, começou por definir os baldios como os “terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas” (art. 1º) e os compartes dos terrenos baldios como os “moradores que exer[cessem] a sua actividade no local e que, segundos os usos e costumes da comunidade t[ivessem] direito à sua fruição”. A titularidade do uso e fruição dos baldios encontrava-se, assim, legalmente atribuída àqueles que cumulativamente satisfizessem os seguintes requisitos: i) fossem moradores da freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio; ii exercessem aí a sua actividade; e iii tivessem direito, segundo os usos e costumes locais, à fruição do baldio.

Ao regime estabelecido no DL nº 39/76 sucedeu a Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, diploma que, conforme apontado na doutrina (cf. Jaime Gralheiro, Comentário à Nova Lei dos Baldios, Almedina, 2002, p. 11), procedeu à ampliação do conceito de comparte a todos “os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, t[ivessem] direito ao uso e fruição do baldio”.

12- De acordo com a nova redacção conferida ao nº 3 do art. 1º da Lei nº 68/93…de tal estatuto de compartes beneficiam agora os cidadãos eleitores recenseados na freguesia onde se situam os terrenos baldios e que residam ou desenvolvam actividade agro-florestal ou silvopastoril na comunidade local que deles pode usufruir, sem dependência de qualquer deliberação, acto ou autónoma formalidade -, a Lei nº 72/2014 não só procedeu à revogação do conjunto de normas referentes ao mecanismo de recenseamento de compartes, constante da versão originária daquele diploma legal, como as não substituiu pela previsão de qualquer outro procedimento destinado a identificar ou registar os compartes, nem pela atribuição aos órgãos da administração dos baldios de qualquer competência para intervir a esse nível.

13- Atentando na evolução do conceito de comparte à luz da sucessão dos regimes legais incidentes sobre os baldios, verifica-se que o mesmo foi sendo continuamente ampliado, resultando tal ampliação do progressivo decaimento de requisitos que começaram por ser cumulativamente exigidos para esse efeito.

Assim, dos três pressupostos primitivamente estabelecidos no DL nº 39/76 – i) ser-se morador da freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio, ii) exercer-se aí determinada actividade e iii) ter-se direito, segundo os usos e costumes locais, à fruição do mesmo -, a Lei nº 68/93 manteve apenas o primeiro e o terceiro, retirando relevância, no âmbito da noção de comparte estabelecida no nº 3 do respetivo artigo 1º, ao elemento de conexão baseado no exercício de determinada actividade.

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 72/2014, a opção de remeter para as normas de direito consuetudinário o recorte final do universo dos compartes, introduzida pelo DL nº 39/76 e mantida em vigor pela Lei nº 68/93, foi expressamente abandonada; em consequência da eliminação de mais este pressuposto, o conceito de comparte passou a estruturar-se sob o único elemento de conexão que sobejou – o elemento relativo à freguesia da área de residência – ainda que sob diferente modelação.

Em resultado da nova redação conferida ao n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, à comunidade titular do domínio cívico sobre os baldios pertencem agora todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde aqueles se situam, ou que aí desenvolvem uma atividade agroflorestal ou silvopastoril.

A Lei n.º 72/2014 repristinou, assim, o elemento de conexão relativo ao exercício de determinada atividade, que constara do regime originariamente estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/76, embora com duas diferenças fundamentais: i) trata-se, não de um pressuposto autónomo, mas de um requisito alternativo ao elemento de conexão baseado na residência; ii) as atividades cujo exercício é suscetível de relevar para esse efeito são apenas as de natureza agroflorestal e silvopastoril.

Para além da alteração do critério de determinação da qualidade de comparte e em estreita relação com esta, as modificações introduzidas pela Lei n.º 72/2014 no regime acolhido pela Lei n.º 68/93 determinaram ainda que: i) a qualidade de comparte tivesse passado a decorrer diretamente da lei, dispensando-se a intervenção do direito consuetudinário para o qual a primitiva versão remetia; e ii) o recenseamento eleitoral tivesse deixado de ter a função meramente supletiva que o regime anterior lhe assinalava – isto é, a função de substituir o recenseamento dos compartes sempre que este se revelasse persistentemente inexistente e essa inexistência não pudesse ser suprida através do recurso a regras consuetudinárias — para se converter no elemento central do critério legal de atribuição da qualidade de comparte.

14. De acordo com a posição sustentada pelos requerentes do pedido que deu origem ao Processo n.º 251/2015, a alteração do conceito de comparte resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, na medida em que estende o direito ao uso e fruição dos baldios a todos os eleitores, inscritos e residentes nas freguesias em que estes se localizem ou que aí desenvolvam determinada atividade, prescindindo da função delimitadora até então exercida pelos usos e costumes locais, não só põe em causa a natureza comunitária do baldio − que deixará assim de poder ser fruído por uma «comunidade local restrita, segundo os costumes da comunidade» –, como tornará inclusivamente possível o conflito entre «o que é da titularidade dos compartes e da titularidade da junta de freguesia», tanto mais que, ao «ser representativa de todos os eleitores e consequentemente de todos os compartes», a junta «pode administrar o baldio como se tivesse a titularidade do mesmo, ou seja, como se de um bem privado da freguesia se tratasse».

Já segundo os requerentes do pedido formulado no Processo n.º 337/2015, ao definir «como requisito admissível para a aquisição do estatuto de comparte, o mero vínculo de inscrição como eleitor e a residência na comunidade local em que o baldio se situa», a alteração introduzida pela Lei n.º72/2014 desconsidera «a titularidade-dominial anteriormente constituída relativamente a esse mesmo baldio» através da «respetiva “posse útil e gestão”», permitindo «que aquele que nenhuma relação manteve com o baldio, de uso ou usufruto, se torne comparte, lado a lado e com os mesmos poderes do que aqueles que constituíram ao longo de anos um costume sobre o uso e fruição desse mesmo baldio», o que é incompatível com «a salvaguarda constitucional que protege a propriedade social de meios de produção».

Tal como configurado por ambos os grupos de requerentes, o problema de constitucionalidade suscitado em torno da alteração do conceito de comparte produzida pela Lei n.º 72/2014 consiste, assim, em saber se a abertura das comunidades titulares do domínio cívico incidente sobre os baldios a todos os cidadãos eleitores inscritos e residentes na freguesia onde estes se situem ou que «aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril», com a consequente exclusão da faculdade de autodelimitação que, através do recurso aos usos e costumes, se encontrava até então atribuída aos elementos integrantes de tais comunidades, anula ou invalida a autonomia dominial ou natureza comunitária da propriedade ou da posse que incidem sobre aqueles meios de produção.

15. Ao contrário das normas cuja constitucionalidade foi apreciada no Acórdão n.º 325/89, a alteração do conceito de comparte produzida pela Lei n.º 72/2014, apesar de ter estendido essa qualidade a todos os «cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril», não operou qualquer mutação dominial no âmbito do estatuto legal daqueles bens comunitários.

Com efeito, a circunstância de a qualidade de membro da comunidade cívica titular dos direitos de uso, gozo e domínio sobre os baldios decorrer agora diretamente da lei e se encontrar automaticamente atribuída, de acordo com o critério adotado, à comunidade-coletividade constituída pelo conjunto dos cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas freguesias em que se situam os baldios ou que aí desenvolvam determinada atividade, não determina, em si mesma, a integração daqueles bens comunitários no domínio público de tais freguesias, nem tão pouco implica que aos órgãos de governo destas entidades passem por essa razão a caber quaisquer poderes de condicionamento ou de ingerência no âmbito da administração ou gestão daqueles bens.

E isto desde logo porque, mesmo nos casos em que o universo dos membros das comunidades cívicas – os compartes ou os condóminos — venha a coincidir com o substrato pessoal dos entes territoriais que lhes correspondam – conforme, de resto, já se previa que pudesse ocorrer quando, por falta de recenseamento dos compartes, se prescrevia a respetiva substituição pelo recenseamento eleitoral dos residentes na respetiva comunidade local (cf. artigo 33.º, n.º 6, da Lei n.º 68/93, na sua versão originária) —, os bens comunitários mantêm-se na titularidade das respetivas comunidades locais, as quais não passam por essa razão a poder confundir-se com os entes territoriais locais ou autarquias locais com base nos quais foi realizada a respetiva delimitação (cfr. José Casalta Nabais, Alguns perfis da propriedade coletiva nos países de civil law, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 61, p. 246).

Por isso, nem o alargamento do conceito de comparte a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na freguesia em que os baldios se situem ou que aí desenvolvam determinada atividade, nem a correspondência que assim tendencialmente se estabelece entre a condição de freguês e a qualidade de comparte, implicam, por si só, que a titularidade dominial dos baldios deixe de permanecer legalmente imputada a uma coletividade-comunidade de habitantes e, menos ainda, que essa titularidade seja desse modo transferida para qualquer um dos órgãos representativos da freguesia que, por constituir a circunscrição de recenseamento em território nacional, serve de referência àquela reconfiguração.

Conforme se escreveu logo no Acórdão n.º 325/89, «mesmo a haver uma correspondência territorial e pessoal entre comunidades locais («povos») e a freguesia ou freguesias» – hipótese cuja possibilidade de verificação não deixou ali de admitir-se —, continuará a não existir «qualquer identificação entre comunidades locais e coletividades territoriais autárquicas»: a titularidade dominial dos bens comunitários permanecerá dos «povos», «utentes», «vizinhos», ou «compartes»”, não sendo por aquela razão transferida para «as freguesias ou grupo de freguesias».

A reconfiguração do critério de atribuição da qualidade de comparte resultante das modificações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, não obstante estender aquela qualidade a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade em que os baldios se situem ou que aí desenvolvam determinada atividade, apenas produz efeitos quanto à delimitação do universo subjetivo da própria comunidade cívica titular dos direitos de propriedade, uso e gozo sobre aqueles meios de produção. Por isso, não determina, nem direta, nem reflexamente, a transmudação da natureza comunitária do domínio e/ou da posse que sobre eles incidem, nem, consequentemente, implica qualquer perda de autonomia desses «bens comunitários» face ao Estado.

16. Embora atribua a titularidade dominial dos baldios às comunidades locais, enquanto comunidades de habitantes, a Constituição não determina, contudo, o modo como tais comunidades devem considerar-se para aquele efeito constituídas, nem contém quaisquer critérios com base nos quais deva a respetiva delimitação ser legalmente concretizada.

Sendo, consequentemente, escasso o nível de predeterminação constitucional neste domínio, o legislador ordinário dispõe de uma ampla liberdade conformadora quanto à modelação do universo dos membros integrantes de tais comunidades, cabendo-lhe, assim, quer a determinação do tipo de regras a atender para o efeito – isto é, se as mesmas deverão resultar diretamente da lei ou antes de normas consuetudinárias para as quais a lei deverá limitar-se a remeter – quer ainda, sobretudo naquela primeira hipótese, a designação do(s) elemento(s) de conexão nos quais o vínculo de pertença deverá concretamente fundar-se.

Apesar de amplo, o poder de conformação que nestes termos assiste ao legislador ordinário encontra-se naturalmente sujeito aos limites que decorrem da própria garantia constitucional da natureza coletiva ou cívica do domínio incidente sobre aqueles bens comunitários: na medida em que a Constituição atribui às comunidade locais, enquanto comunidades de habitantes, a titularidade e a posse útil dos baldios, o legislador, ao definir o universo dos membros integrantes dessas comunidades, não o poderá fazer em termos de tal modo amplos e abrangentes – como sucederia, desde logo, se o fizesse à escala do país, tornando todos os cidadãos nacionais compartes de todos os baldios existentes em território nacional, apenas em função dessa sua qualidade – que, retirando materialidade à coletividade-referência ou esbatendo a sua densidade, a convertam numa realidade intangível e difusa e, por via disso, num mero simulacro do conceito de comunidade.

17. Na sua versão originária, a Lei n.º 68/93, não obstante estabelecer como requisito básico da qualidade de membro da comunidade local o ser-se morador da freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio, remetia para o direito consuetudinário o recorte final do universo dos compartes.

A residência na freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio constituía, assim, um pressuposto necessário mas não suficiente para a aquisição da qualidade de membro da comunidade cívica titular daquele bem comunitário: não sendo automaticamente atribuída a todos os residentes na freguesia em que se situasse o baldio pelo simples facto de o serem, tal qualidade encontrava-se dependente, em última instância, dos “usos e costumes” aplicáveis, na interpretação que deles viesse a ser feita pela própria assembleia de compartes no exercício da competência deliberativa que para esse efeito lhe estava expressamente atribuída (artigo 15.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 68/93, na redação originária). A qualidade de membro da comunidade cívica titular do domínio sobre os baldios decorria, assim, não diretamente da lei, mas do direito consuetudinário, para o qual então remetia o artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.º 68/93.

Assim entendida, a remissão para os “usos e costumes”, que constava do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, cometia ao direito consuetudinário o recorte definitivo e final do universo de compartes, decidindo nomeadamente, «quem fazia parte da respetiva comunidade: 1) se todos os residentes ou moradores da correspondente povoação ou lugar, ou só aqueles entre esses» que se dedicassem, «ao menos parcialmente, à atividade agrícola, como era tradicional atentas as funções dos bens comunitários cívicos; 2) se todos os residentes, independentemente do tempo de residência no lugar, ou apenas os residentes originários ou os aí residentes há um determinado prazo; e 3) se os membros da comunidade, mormente para designação dos respetivos órgãos de gestão”, seriam “as famílias (ou fogos) ou os indivíduos» (cfr. Casalta Nabais, loc. cit., p. 247).

Deste modo, mesmo em face do regime anterior, o estabelecimento de uma correspondência territorial e pessoal entre as comunidades locais (povos) titulares da dominialidade cívica e a freguesia ou freguesias em que os baldios se situavam constituía já uma das configurações possíveis que, através da intermediação exercida pelas normas de direito consuetudinário, o universo de compartes poderia em concreto assumir, por deliberação da respetiva assembleia.

Por via da atribuição deste poder deliberativo, a exercer de acordo com os usos e costumes aplicáveis, a lei colocava nas mãos das próprias comunidades titulares do domínio cívico a decisão acerca do seu caráter mais aberto ou mais fechado, concedendo-lhes a faculdade de, através da interpretação das normas das direito consuetudinário, se autoatribuírem a configuração máxima resultante da inclusão de todos os membros residentes ou moradores da correspondente povoação ou lugar ou, em alternativa, confinarem a cotitularidade dos direitos incidentes sobre os baldios ao conjunto daqueles que, de acordo com padrão de conduta implícito no costume, mantivessem, em função da sua particular qualidade, uma relação diferenciada com aqueles meios de produção.

18. Este regime foi, como já se referiu, substancialmente alterado pela Lei n.º 72/2014.

Por força da reconfiguração da noção de comparte, resultante da nova redação conferida ao n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, a comunidade cívica passou a ter o mais aberto dos perfis em geral configuráveis de acordo com o direito consuetudinário – no sentido em que coincide agora com o conjunto de todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade em que se situe o baldio – e, na medida em que o critério delimitador passou a decorrer diretamente da lei, perdeu a faculdade de se autorrestringir a um núcleo mais restrito de membros dentro daquele universo com recurso a normas de direito consuetudinário.

Afastada a possibilidade de reconhecer nos referidos elementos inovatórios – quer em si mesmos, quer em resultado da sua conjugação – qualquer mutação na titularidade cívica decorrente da substituição da comunidade local de utentes por entidades de outro tipo, a questão de constitucionalidade suscitada em torno das alterações introduzidas pela Lei nº. 72/2014 no n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93 passa, assim, por determinar se a imperativa abertura do universo dos compartes a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade em que situe o baldio, com consequente exclusão da faculdade de autodelimitação através do recurso a regras de direito consuetudinário, põe em causa a natureza materialmente comunitária constitucionalmente atribuída àqueles meios de produção. A questão está em saber se, conferindo uma dimensão necessariamente mais ampla e abrangente à coletividade cívica, o novo critério pode esvaziar e fazer perder de vista, como é sustentado ainda pelos requerentes, a natureza materialmente comunitária que a Constituição assegura àqueles meios de produção.

19. Conforme se viu já resultar do enquadramento constante da exposição de motivos que acompanhou o Projeto de Lei n.º 528/XII/3.ª, tanto a alteração geral do regime jurídico dos baldios, resultante da Lei n.º 74/2012, como, em particular, a reconfiguração do conceito de comparte dali resultante, são, no essencial justificadas através da invocação de um conjunto de fundamentos relacionados com a «profunda modificação da relação da sociedade com o território», em especial com a constatação de que os terrenos baldios deixaram, «na generalidade das situações, (…) de ser aproveitados e geridos de modo a produzir os benefícios idealizados», tendo- se convertido em objeto de um tipo de «exploração» propiciador de «um crescente aumento de receitas», designadamente com vista à «instalação de (…) equipamentos electroprodutores, nomeadamente para a produção de energia eólica e hídrica».

De acordo ainda com a orientação estratégica subjacente às alterações constantes da Lei n.º 72/2014, tal fenómeno tornou necessária a adoção de novas soluções, suscetíveis de assegurar a criação de «uma dinâmica na gestão dos espaços comunitários», habilitando «as entidades gestoras dos baldios a aproveitar de forma mais eficaz os mecanismos financeiros colocados à disposição de quem neles investe».

Procedendo diretamente daquilo que se considera ser a nova forma de utilização dos baldios, centrada na sua exploração, e garantia da viabilidade do investimento na gestão, as razões invocadas para justificar a reforma levada a cabo pela Lei n.º 72/2014 e, em particular, a reconfiguração do conceito de comparte ali contemplada, são reconhecidamente próximas daquelas que, na doutrina, servem para considerar hoje “bastante questionável” o caráter fechado tradicionalmente assumido pelas comunidades locais.

Tido por compreensível «enquanto os terrenos cívicos tiveram por função basicamente a subsistência dos respetivos condóminos ou compartes, proporcionando a cada um o aproveitamento dos bens necessários ou auxiliares da economia doméstica ou da atividade agrícola (concretizados na recolha de lenhas e matos, na apascentação de gados, no aproveitamento de águas destinadas a irrigação dos terrenos, etc.)», o confinamento do universo dos compartes a um núcleo restrito de membros da comunidade de residentes tornou-se, segundo se sustenta, inadequado «face a bens coletivos objeto de uma exploração de caráter empresarial e planificada, traduzida numa atividade de produção para troca, por via de regra monetária (concretizada, por exemplo, na exploração florestal, na exploração de pedreiras, na exploração de árvores de fruta, na criação de rebanhos, etc.)» (cfr. Casalta Nabais, op. cit., p. 248).

Parecendo, assim, plenamente imputável ao propósito de ajustar o regime legal dos baldios às novas formas de exploração que atualmente incidem sobre aquele tipo de bens comunitários, o alargamento do universo de compartes a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade local em que aqueles bens se situem ou que aí exerçam determinada atividade, na medida em que se contém dentro dos limites resultantes da correspondência, desde sempre admitida, entre as comunidades de condóminos e o substrato pessoal dos entes territoriais respetivos – as freguesias –, assegura ainda à coletividade-referência uma dimensão compatível com o arquétipo de comunidade.

20. Esse juízo não é contrariado pelos limites territoriais das circunscrições correspondentes às freguesias, resultantes da reorganização administrativa territorial autárquica, cujo regime jurídico foi aprovado pela Lei n.º 22/2012, de 30 de maio.

Apesar de, em resultado da criação de freguesias por agregação e/ou da alteração dos seus limites territoriais, a circunscrição correspondente à freguesia ser hoje mais ampla, o alargamento do universo de compartes a todos os residentes na comunidade aí inscritos levado a cabo pela Lei n.º 72/2014 continua a ter subjacente, até pelos critérios que foram seguidos na reorganização administrativa que conduziu àquela agregação – designadamente os da preservação da identidade histórica, cultural e social das comunidades locais e do equilíbrio e adequação demográfica das freguesias (cf. artigo 3.º, alíneas a) e f), da Lei n.º 22/2012) −, uma ideia suficientemente tangível de comunidade, não sendo de modo a pôr em causa, do ponto de vista substantivo, o caráter comunitário constitucionalmente associado à titularidade do domínio e da posse incidentes sobre aqueles meios de produção.

Em suma: a reconfiguração do conceito de comparte resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, para além de encontrar fundamento num conjunto de razões hoje reconhecidas na doutrina, não só não compromete a distinção, constitucionalmente salvaguardada, entre o domínio cívico e o domínio público, como não amplia os limites da coletividade-referência ao ponto de comprometer a natureza comunitária daqueles meios de produção. É tanto mais assim quanto é certo que, nem a Constituição impõe, nem desta natureza diretamente deriva qualquer obrigação de atribuição àquela coletividade do poder de se autoconfinar, com recurso aos usos e costumes, a um núcleo mais restrito de elementos com base numa relação com os baldios costumeiramente diferenciável.

Sendo este também o fundamento que inviabiliza a possibilidade de considerar constitucionalmente imperativo o regime competencial e procedimental relativo ao recenseamento de compartes previsto nos artigos 15.º, n.º 1, alínea c), 21.º, alínea b) e 33.º, todos da Lei n.º 68/93, na sua versão originária, deverá concluir-se, assim, pela não inconstitucionalidade, não apenas da norma constante do artigo 1.º, n.º 4, daquela Lei, na redação conferida pela Lei n.º 72/2014, como ainda do próprio artigo 8.º deste último diploma legal, no segmento em que procede à revogação dos primeiros.”

Aderindo-se à interpretação legal e constitucional avançada neste acórdão do Tribunal Constitucional, admite-se como compartes do referido baldio de Feirão o universo de pessoas constante do recenseamento dos compartes a que se refere a acta nº 5, de 22.02.2015, junta como documento nº 1 com a pronúncia do Autor em cumprimento do disposto no artigo 87º, nº 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, caso se venha a entender que o seu conteúdo é verdadeiro, já que o mesmo foi arguido de falso pela Ré na resposta a essa pronúncia.


Contudo, segundo o disposto no artigo 40º da Lei dos Baldios, Lei nº 68/93 que não foi alterado pela Lei nº 72/2014, os atuais membros da mesa da assembleia de compartes e do conselho directivo completam o tempo de duração dos mandatos em curso nos termos do Decreto-Lei nº 39/76, de 19.01, sem prejuízo da aplicação imediata das disposições da presente lei, designadamente quanto à constituição da comissão de fiscalização.

O artigo 11º nº 3 da Lei dos Baldios, na redacção introduzida pela Lei nº 72/2014, determina que os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho directivo e da comissão de fiscalização, são eleitos pelo período de quatro anos, renováveis, e mantêm-se em exercício de funções até à sua substituição.

Mas o artigo 7º, nº 7, da Lei nº 72/2014 estabelece que o disposto no artigo 11º da Lei nº 69/93, de 04.09, alterada pela Lei nº 89/97, de 30.07, e pela presente lei, apenas se aplica aos mandatos dos membros da mesa da assembleia de compartes, do conselho directivo e da comissão de fiscalização que se iniciarem após a data da entrada em vigor da Lei nº 72/2014, pelo que não colhe o argumento da Ré de que os mandatos dos membros eleitos em 2001.2013 tinham que manter-se por quatro anos.

A questão que então se coloca é a de saber se tinham de ser substituídos logo que cessou juridicamente a freguesia de Feirão e deu lugar à União das Freguesias de Felgueiras e Feirão.

Não há nada na lei que imponha nova eleição dos órgãos do baldio por força da agregação de freguesias e se a lei nada diz sobre essa questão é porque tal não constitui uma obrigação a cumprir pelo baldio, que se demarca de freguesia nos termos já supra sufragados.

Conclui-se assim, que se a assembleia de compartes de 20.01.2013 for considerada existente e válida, o que depende de prova a produzir atenta a impugnação e arguição de falsidade da correspectiva acta, o Autor tem personalidade e capacidade judiciárias, caso contrário não a terá.

A alteração do conceito ou qualidade de morador comparte, introduzida pela Lei nº 72/2014, eliminando a atendibilidade do direito consuetudinário, não pode ser retroactivamente aplicada para ajuizar sobre o universo de compartes que foi considerado para assegurar a regularidade do funcionamento da alegada pelo Autor Assembleia de Compartes de 20.01.2013.

Aliás, da eliminação dos usos e costumes como factor relevante para a definição do conceito ou determinações da qualidade de comparte, não resulta que aquela se confunda com o freguês, nem as comunidades locais com o domínio cívico dos baldios se identifiquem com as colectividades residentes na área da freguesia.

Quer por força do princípio da preservação da identidade das comunidades locais das autarquias agregadas, quer pela inequívoca redacção dada ao nº 3 do artigo 1º da Lei dos Baldios pela Lei nº 72/2014, só aos eleitores residentes nas próprias comunidades locais onde se situam os baldios ou que aí desenvolvam actividades agro-florestal ou silvo pastoril pode ser reconhecida a qualidade de comparte;

Consequentemente, confundindo a comunidade local de Feirão, onde se situam os baldios em apreço com a circunscrição territorial da Ré União, que abrange diversa comunidade do povo de Felgueiras, a douta sentença impugnada desrespeitou o mencionado princípio e a citada disposição legal.

Além disso, as eventuais irregularidades na convocação e funcionamento das assembleias de compartes constituem meras anulabilidades que, se não suscitadas em prazo útil e no foro legalmente competente – o foro dos Tribunais comuns – deverão ser consideradas sanadas, permanecendo vinculativas e produtoras dos efeitos jurídicos inerentes às deliberações naquelas tomadas (artigo 177º do Código Civil e artigo 32º nº 1 da Lei nº 68/93).

Por consequência, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, relegando-se o conhecimento e decisão das excepções dilatórias da personalidade e capacidade judiciárias do Autor para final, por dependerem de prova a produzir.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Relegam para final o conhecimento e decisão das excepções dilatórias da personalidade e capacidade judiciárias do Autor.

C) Ordenam a baixa dos autos a fim de que prossigam os seus ulteriores termos, se nada mais a tal obstar.

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Porto, 18.11.2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Joaquim Cruzeiro, em substituição