Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00407/12.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/01/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO; IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL; ARTIGO 38º, Nº.2 DO CPTA; CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO; INTEMPESTIVIDADE COMO LIMITE À CONVOLAÇÃO PROCESSUAL;
Sumário:
I- O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal.
II- O artigo 38.º, n.º 2 do CPTA não permite o uso da presente ação administrativa comum pelo Autor para obter o efeito que resultaria da anulação de ato inimpugnável.
III- Estabilizado que se encontra na ordem jurídica desde o ano de 2006 o ato que determinou a bonificação do tempo de serviço do docente associado do Recorrente, não pode agora naturalmente o Autor, aqui Recorrente, pretender, por intermédio de uma ação administrativa comum, a produção de um efeito igual àquele que resultaria da obtenção da anulação jurisdicional daquele ato administrativo.
IV- Não há lugar à convolação da ação administrativa comum na fórmula processual correta – ação administrativa especial - sempre que se mostre ultrapassado o prazo de três meses previsto no artigo 58º, nº. 2 do C.P.T.A. para o exercício do direito de ação por parte do Autor, por esta intempestividade constituir um limite à convolação. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:SINDICATO DOS PROFESSORES DO NORTE
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
SINDICATO DOS PROFESSORES DO NORTE [SPN], devidamente identificado nos autos, vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 02.04.2018, proferido no âmbito da ação administrativa que o Recorrente intentou contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, que julgou procedente a exceção dilatória inominada, decorrente do uso indevido da ação administrativa comum, e, consequentemente, absolveu o Réu da instância.
Em alegações, o Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso:
“(…)
1 – O recorrente é uma Associação Sindical de Educadores e Professores de todos os graus de ensino, exercendo funções educativas ou de investigação, de técnicos de educação e de outros trabalhadores com funções pedagógicas, cujos Estatutos foram publicados no B.T.E. nº 1de 8/1/2010, 1ªsérie, páginas 230 a 243.
2 – No âmbito da prossecução das suas atribuições, o Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 310º n.º 2 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (doravante RCTFP), intentou a presente acção na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do docente associado BRVV.
3 – Acção que o recorrente intentou para ver reconhecido o direito deste seu associado à progressão a um determinado índice salarial da carreira docente e ao pagamento dos créditos laborais existentes no âmbito da relação laboral existente entre este associado e o Réu, Ministério da Educação.
4 – Consequentemente, lançou mão de uma acção administrativa comum, conducente à efectivação do seu direito.
5 – Entendeu o tribunal recorrido que a forma da acção não era aquela que o Autor devia ter utilizado.
6 – Ao fazê-lo, conjugada com a alegada impossibilidade de convolação da acção, a decisão recorrida viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
7 – Estão em causa créditos decorrente do trabalho prestado por um trabalhador em funções públicas.
8 – Consequentemente, é aplicável o prazo especialmente previsto e constante do artigo 245º da Lei 59/2008, de 11/09, o qual é de um ano a contar do final da relação laboral.
9 – Estando o associado do recorrente ainda a prestar trabalho, está, naturalmente, em tempo para exigir o cumprimento dos créditos laborais em questão.
10 – Concluímos, por isso, que não assiste razão à douta sentença recorrida.
Nestes termos deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, cumprindo o Direito e fazendo a Justiça!
(…)”
*
Notificada que foi para o efeito, o Recorrido rematou as correspondente motivação com as seguintes conclusões:
“(…)
I. A contraposição que o CPTA, com a redação anterior ao Decreto - Lei n.° 214-G/2015, de 2 outubro, estabelece entre as formas da ação administrativa comum e da ação administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração.
II. De acordo com o art.° 46.° do CPTA, seguem a forma processual de ação administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de atos de autoridade praticados pela Administração, bem como os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses atos de autoridade.
III. Sempre que não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma da ação administrativa comum - art.° 37.° do CPTA.
IV. O contencioso administrativo vigorante ao tempo dos factos, contemplava como uma das principais formas de processo, a ação administrativa comum, que corresponde fundamentalmente ao contencioso da responsabilidade civil extracontratual quer contratual (art°s 37.° a 45.° do CPTA) e a ação administrativa especial respeita, sobretudo, à impugnação de atos administrativos e normas regulamentares (art.° 46.° do CPTA).
V. No caso vertente o Requerente peticiona a condenação do Requerido a reconhecer o direito do docente a ser posicionado e remunerado pelo índice salarial 205 desde a data em que o Requerido devia ter processado essa progressão.
VI. Invoca, para o efeito, e como causa de pedir, o preenchimento dos requisitos legais pelo Requerente para o posicionamento e respetiva remuneração pelo índice 205, desde 1 abril de 2008.
VII. Face ao exposto, in casu, é em suma, a alegada ilegalidade do despacho do Secretário de Estado da Educação datado de 11 novembro de 2006.
VIII. Como é consabido, a forma processual deduzida nos autos pressupõe a existência de situações em que não esteja previsto, nem tenha de haver um verdadeiro ato administrativo, mas simples situações de autoridade no contexto de relações jurídico ¬administrativas paritárias em que a lei confere aos particulares direitos a prestações administrativas, o que não é o presente caso.
IX. Em 10 janeiro de 2007, pelo ofício n.° 118, foi remetido ao Requerente, o oficio n.° 232, datado de 8 janeiro de 2007, através do qual havia sido remetida ao Sr. Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária D….., a resposta ao requerimento para bonificação do tempo de serviço, ao abrigo do art.° 54.°do ECD.
X. Tal ato não foi, no entanto, impugnado nos termos do art.° 58.°, n.° 2 alínea b) do CPTA, não conseguindo nós alcançarmos, qualquer fundamento para enquadrar a situação nas alíneas do n.° 4 de citado m art.° 58.°
XI. Ou seja, por via da presente ação comum, pretendeu o Requerente conseguir os efeitos que não se logrou com a impugnação do ato cuja legalidade se pretendia ver discutida.
XII. Ou seja, pretendia o Requerente, obter por esta via, o efeito que resultaria da oportuna impugnação do referido ato administrativo e subsequente condenação à prática do ato devido.
XIII. Resulta inequivocamente, a existência de um ato que deveria, mas não foi sindicado pelo Requerente, tanto mais que à data, havia a possibilidade de recurso à via contenciosa através de interposição da competente ação.
XIV. E mesmo considerando a hipótese, de se ordenar o prosseguimento dos autos como ação administrativa especial, impor-se-ia desde logo a sua rejeição liminar, por manifesta extemporaneidade, dado que, se verificaria a caducidade do direito de ação.
XV. A douta sentença a quo fundamentou com total pertinência e acerto esse entendimento.
XVI. Deste modo, a decisão impugnada, ao considerar a ação improcedente, absolvendo o Recorrido do pedido, não enferma de qualquer vício, devendo nessa medida ser mantida.
Nestes termos e nos mais de Direito, que muito doutamente serão supridos por V. Exas., deverá ser julgado improcedente, por não provado, o pedido da Recorrente, e, em consequência, ser confirmada a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA.
(…)”.
*
O Tribunal recorrido proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
*
O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
*
Com dispensa de vistos prévios – artigo 36.º n.º 2 do C.P.T.A. – cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do CPTA e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida errou no julgamento de direito quanto à decidida exceção dilatória inominada, decorrente do uso indevido da ação administrativa comum, designadamente por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
1. Em 18.09.2000 o associado do A. concluiu doutoramento no ramo de conhecimento de Geologia [cfr. fls. 2 do PA].
2. Em 01.09.2004 o associado do A. ingressou no Quadro de Zona Pedagógica [cfr. registo biográfico constante do PA].
3. Em 02.02.2006 o associado do A. apresentou requerimento para bonificação de tempo de serviço ao abrigo do art.º 54.º do ECD [cfr. fls. 8 e 9 do PA].
4. Por despacho do Secretário de Estado da Educação, datado de 11.11.2006, “foi conferido ao docente a bonificação de tempo de serviço de quatro anos, cuja produção de efeitos se reporta a 01/04/2006, data a partir da qual deverá ficar posicionado no 5.º Escalão/Índice 218, devendo ainda beneficiar da bonificação de tempo de serviço de dois anos, a partir da data em que venha a ser descongelada a progressão na carreira. Mais se informa que na bonificação operada foi observado o disposto na Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, conforme esclarecido no n.º 1 do Ofício-Circular n.º 94/DREALE/2005, de 31 de Outubro”. [cfr. fls. 10 do PA].
5. A informação referida no ponto antecedente foi remetida, através do ofício n.º 232, datado de 08.01.2007, ao Sr. Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária D….. [cfr. fls. 10 do PA].
6. Em 10.01.2007, pelo ofício n.º 118 foi remetido ao associado do A. o ofício identificado no ponto antecedente, relativamente à bonificação de tempo de serviço ao abrigo da aplicação do art.º 54.º do ECD [cfr. fls. 68 do suporte físico do processo].
7. Em 13.02.2012, o A. deu entrada neste Tribunal da presente ação [cfr. fls. 2 do suporte físico do processo].
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III.2 - DO DIREITO
Elencada a facticidade relevante, importa, então, renovar o escrutínio do objeto do vertente recurso por forma a apurar se a sentença recorrida, ao julgar verificada a exceção dilatória inominada, decorrente do uso indevido da ação administrativa comum, incorreu em erro de julgamento de direito, designadamente por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
O Autor pediu ao Tribunal a quo a condenação do R. (i) a reconhecer o direito do docente associado a ser posicionado e remunerado pelo índice salarial 205 desde a data em que o R. devia ter processado essa progressão, concretamente desde o dia 1 de abril de 2008; (ii) à contagem do tempo de serviço do docente nesse escalão e índice da carreira desde 1 de abril de 2008; (iii) e no pagamento das diferenças salariais devidas ao associado do A., a título de créditos laborais, desde a data em que devia ter progredido até à data da sentença.
Todavia, o T.A.F. do Porto entendeu que o Autor fez uso do meio processual errado, e nessa sequência, atenta a impossibilidade de convolação do processo na fórmula processual correta decorrente da caducidade do direito de ação, julgou procedente a suscitada exceção de dilatória inominada, decorrente do uso indevido da ação administrativa comum, e, consequentemente, absolveu o Réu da instância.
Fê-lo com a seguinte fundamentação jurídica:”
(…)
O campo de aplicação de cada forma de processo é estabelecido pela lei por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos em juízo.
A contraposição que o CPTA, com a redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, estabelece entre as formas da ação administrativa comum e da ação administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração.
Assim, de acordo com o art.º 46º do CPTA, seguem a forma da ação administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de atos de autoridade praticados pela Administração (atos administrativos ou normas regulamentares) bem como os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses atos de autoridade (atos administrativos ou normas regulamentares).
Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma da ação administrativa comum (cfr. artigo 37º do CPTA) (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2017, proc. n.º 107/14.7BEBJA, publicado em www.dgsi.pt).
O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da ação e constitui nulidade, de conhecimento oficioso (cfr. art.º 193º e art.º 196º do CPC ex vi art.º 42º do CPTA).
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à ação, por outro lado, constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que o tribunal se move (cfr. art.º 615º n.º 1 al. e) do CPC ex vi art.º 42.º do CPTA).
Refere-se, a este propósito, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2017, proc. n.º 107/14.7BEBJA, publicado em www.dgsi.pt, que “(…) a forma de processo se afere em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que esta pretensão deve ser entendida como um certo pedido enraizado em certa causa de pedir (vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, páginas 288 e seguintes; Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª edição, páginas 79).
O contencioso administrativo vigorante ao tempo dos factos, contemplava como uma das principais formas de processo, a acção administrativa comum, que corresponde fundamentalmente ao contencioso da responsabilidade civil, quer extracontratual quer contratual (artigos 37º a 45º do CPTA) e a acção administrativa especial respeita, sobretudo, à impugnação de actos administrativos e normas regulamentares (artigo 46º do CPTA).
Pode-se afirmar, em termos genéricos, que a (…) contraposição que o CPTA estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração. […] Com efeito, determina o artigo 46º que seguem a forma da acção administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração [actos administrativos ou normas regulamentares] e os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses actos de autoridade [actos administrativos ou normas regulamentares]. Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes pedidos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma da acção administrativa comum (artigo 37º)– Aroso de Almeida, obra citada, página 82.
Ainda segundo esse ilustre Autor, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., pág. 77 e ss, «a opção por este modelo dualista [acção administrativa comum / acção administrativa especial] não rompe com a tradição do nosso contencioso administrativo. Pelo contrário, ela permanece fiel à matriz que [...] já presidia à contraposição entre dois modelos de tramitação dos processos que corriam perante os tribunais administrativos: o modelo do (clássico) contencioso das acções (de responsabilidade civil e sobre contratos), tradicionalmente subordinado á forma do processo de declaração do CPC [...] e o modelo do (também clássico,) recurso contencioso de anulação dos actos administrativos [...].
"Pode dizer-se, em termos genéricos, que a nova contraposição que o CPTA estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial permanece fiel a essa matriz e que, no essencial [...], assenta no mesmo critério, de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração. Nas principais situações em que é esse o caso, o processo segue a forma da acção administrativa especial (artigo 46°)”.
No caso vertente, o A. peticiona a condenação do R. a reconhecer o direito do docente associado a ser posicionado e remunerado pelo índice salarial 205 desde a data em que o R. devia ter processado essa progressão, concretamente desde o dia 1 de abril de 2008; (ii) ser o R. condenado à contagem do tempo de serviço do docente nesse escalão e índice da carreira desde 1 de abril de 2008; e (iii) ser o R. condenado no pagamento das diferenças salariais devidas ao associado do A., a título de créditos laborais, desde a data em que devia ter progredido até à data da sentença.
Invoca, para o efeito, e como causa de pedir, o preenchimento dos requisitos legais pelo seu associado para o posicionamento e respetiva remuneração pelo índice 205, desde 1 de abril de 2008.
Ante o exposto, o que está aqui em causa é, em suma, a alegada ilegalidade do despacho do Secretário de Estado da Educação, datado de 11.11.2006, nos termos do qual “foi conferido ao docente a bonificação de tempo de serviço de quatro anos, cuja produção de efeitos se reporta a 01/04/2006, data a partir da qual deverá ficar posicionado no 5.º Escalão/Índice 218, devendo ainda beneficiar da bonificação de tempo de serviço de dois anos, a partir da data em que venha a ser descongelada a progressão na carreira.
Mais se informa que na bonificação operada foi observado o disposto na Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, conforme esclarecido no n.º 1 do Ofício-Circular n.º 94/DREALE/2005, de 31 de Outubro”. (cfr. ponto 4) dos factos provados).
Ora, como é consabido, a forma processual deduzida nos autos pressupõe a existência de situações em que não esteja previsto, nem tenha de haver um verdadeiro ato administrativo, mas simples atuações de autoridade no contexto de relações jurídico-administrativas paritárias em que a lei confere aos particulares direitos a prestações administrativas, o que não é o caso dos autos.
Da factualidade provada nos presentes autos decorre que o associado do A., em 02.02.2006, apresentou requerimento para bonificação de tempo de serviço ao abrigo do art.º 54.º do ECD (cfr. ponto 3) dos factos provados).
E que, em 10.01.2007, pelo ofício n.º 118, foi remetido ao associado do A., o ofício n.º 232, datado de 08.01.2007, através do qual havia sido remetida ao Sr. Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária D….. a resposta ao requerimento para bonificação de tempo de serviço ao abrigo do art.º 54.º do ECD (cfr. pontos 4), 5) e 6) dos factos provados).
Tal ato não foi, no entanto, impugnado nos termos do art.º 58º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não se alcançando, da análise do processo administrativo, qualquer fundamento para enquadrar a situação nas alíneas do n.º 4 desse art.º 58º.
Sendo que, por via da presente ação comum pretende-se conseguir os efeitos que não se logrou com a impugnação do ato cuja legalidade agora se pretende ver discutida.
Ou seja, pretende, o associado do A., obter, por esta via, o efeito que resultaria da oportuna impugnação do referido ato administrativo e a subsequente condenação à prática do ato devido.
Com efeito, resulta inequívoca, in casu, a existência de um ato que deveria, mas não foi sindicado pelo A., pois, à data, abriu-se a possibilidade de recurso à via contenciosa através da interposição da competente ação.
Na verdade, para alcançar a satisfação da sua pretensão perante a administração, a forma processual correta seria a da ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido (cfr. artº 66º e ss do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Tendo lançado mão do meio processual comum do contencioso administrativo – a ação administrativa comum – previsto no art.º 37º e ss do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ter-se-á, forçosamente, que concluir que o A. recorreu a meio impróprio desde logo porque, como se viu, hoje, o meio adequado para tal seria a ação administrativa especial.
Nos termos do art.º 38º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado”.
Mas, de acordo com o n.º 2 deste mesmo preceito legal “sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável”.
Ora, “A possibilidade da invocação, pelo interessado, da ilegalidade de um acto administrativo relativamente ao qual já tenham decorrido os prazos de impugnação, no âmbito de uma acção administrativa comum só pode dirigir-se a obter efeitos jurídicos não coincidentes com os que resultariam da propositura de uma acção de impugnação.
Para tanto, é necessário que exista uma norma ou princípio de direito substantivo que permita retirar da ilegalidade do acto uma outra consequência que não seja a da reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, e, portanto, da remoção dos efeitos directamente decorrentes do acto ilegal ” (cfr. M. AROSO DE ALMEIDA e C.A. FERNANDES CADILHA, “Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.º edição revista, 2007, Almedina, pág 226 e 227).
No caso sub judice, o efeito que o A, pretende retirar da presente ação é o mesmo que retiraria da anulação do ato e consequente condenação na prática do ato devido.
Em face do exposto, a pretensão do A. consubstancia fundamento de ação administrativa especial e não de ação administrativa comum, pelo que cumpre, por conseguinte, averiguar da possibilidade de convolação dos presentes autos em ação administrativa especial (cfr. art.º 193.º do CPC, aplicável ex vi art.º 42.º do CPTA).
E para o efeito há que considerar que na hipótese de se ordenar o prosseguimento dos autos como ação administrativa especial, impor-se-ia desde logo a sua rejeição liminar, por manifesta extemporaneidade, dado que, se verificaria a caducidade do direito de ação (cfr. pontos 6) e 7) dos factos provados).
Na verdade, como resulta dos autos, por um lado, ao ato objetivamente impugnado é assacada ilegalidade (violação de lei – erro nos pressuposto) que, a verificar-se, se reconduziria, como bem sublinha o R., à mera anulação do ato, e, por outro lado, tendo, como tinha o A. conhecimento do ato desde, pelo menos, 10.01.2007, e tendo intentando, como intentou a presente ação apenas em 13.02.2012, há muito que se mostrava ultrapassado o prazo legal de três meses, prazo que o A., tinha para exercitar judicialmente o seu direito de ação (cfr. art. 5º, art. 38º n.º 2, art. 59º, art. 58º n.º2 al. b) e n.º 3 todos do CPTA).
Com efeito, o decurso de tal prazo legal sem o respetivo exercício determina a sua extinção, preclude tal direito de ação, pois é um prazo de caducidade do direito de ação (neste sentido vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.04.2005, processo n.º 01214/04 BEVIS, disponível em www.dgsi.pt.)
Deste modo, a ordenar-se a convolação, incorrer-se-ia na prática de um ato inútil, a que o tribunal deve obstar (cfr. art.º 130º do CPC ex vi art. 1º do CPTA).
Assim sendo, verifica-se, in casu, exceção dilatória inominada decorrente da inadmissibilidade legal do uso da ação administrativa comum, determinante da absolvição da instância, nos termos dos art.ºs 38º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 493º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
(…)
Em face do exposto procede a invocada exceção dilatória inominada, decorrente do uso indevido da ação administrativa comum e, consequentemente, absolve-se o Réu da instância.
(…)”.
Desta sentença discorda o Recorrente que lhe imputa erro de julgamento de direito, designadamente por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Mas sem razão, como veremos.
O erro na forma de processo constitui nulidade processual de conhecimento oficioso [cfr. artigos 193.º, 196.º e 200.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA], e consiste no uso, pelo Autor, de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão [vide Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, págs. 400 e 401].
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal.
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter, ou seja, a finalidade, o resultado que se quer alcançar.
Ora, escrutinando o pedido e causa de pedir aventadas pelo Autor, aqui Recorrente, desde já se avança que não se vislumbra a ocorrência de erro na forma do processo.
Na verdade, e como se viu supra, por intermédio da ação em juízo, o A. visa a condenação do Réu, aqui Recorrido, no (i) reconhecimento do direito do docente associado a ser posicionado e remunerado pelo índice salarial 205 desde a data em que o R. devia ter processado essa progressão, concretamente desde o dia 1 de abril de 2008; (ii) à contagem do tempo de serviço do docente nesse escalão e índice da carreira desde 1 de abril de 2008; (iii) e no pagamento das diferenças salariais devidas ao associado do A., a título de créditos laborais, desde a data em que devia ter progredido até à data da sentença.
E, assim sendo, impera concluir que o presente meio processual - ação administrativa comum - assoma como a forma de processo correta, ponderando o estatuído no artigo 37.º, alíneas a), b), e), respetivamente, do CPTA na redação anterior à que fora introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro.
Pelo que não ocorre qualquer erro na forma do processo selecionada pelo A, aqui Recorrente.
O mesmo, todavia, já não se pode afirmar no que tange à invocada inidoneidade do meio processual utilizado.
Na verdade, escrutinado o disposto no art.º 38º do CPTA, impõe-se assumir que, nos casos em que a lei substantiva o admita, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado.
O único limite que o legislador entendeu impor é o de que a utilização do meio processual em causa não sirva, exclusivamente, para obter os efeitos típicos de uma ação administrativa especial, sob pena de desvirtuamento do núcleo de cada um dos meios processuais em confronto e, dessa forma contornar, nomeadamente, os prazos de caducidade para a propositura da ação administrativa especial.
A admissão de tal situação consubstanciaria, para além do desrespeito pelo princípio da tipicidade das formas processuais, uma extensão do prazo de impugnação de ato administrativo ad infinitum, com a inerente violação do princípio da segurança jurídica e do caso decidido.
Revertendo ao caso versado, cabe notar que, conforme dimana claramente do probatório, em 02.02.2006, o associado do A. apresentou requerimento para bonificação de tempo de serviço ao abrigo do art.º 54.º do ECD.
Cabe ainda notar que, por despacho do Secretário de Estado da Educação, datado de 11.11.2006, “foi conferido ao docente a bonificação de tempo de serviço de quatro anos, cuja produção de efeitos se reporta a 01/04/2006, data a partir da qual deverá ficar posicionado no 5.º Escalão/Índice 218, devendo ainda beneficiar da bonificação de tempo de serviço de dois anos, a partir da data em que venha a ser descongelada a progressão na carreira. Mais se informa que na bonificação operada foi observado o disposto na Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, conforme esclarecido no n.º 1 do Ofício-Circular n.º 94/DREALE/2005, de 31 de Outubro”.
Ora, o Autor, aqui Recorrente, como se viu supra, peticiona principalmente o reconhecimento do direito do docente associado a ser posicionado e remunerado pelo índice salarial 205 desde a data em que o R. devia ter processado essa progressão, concretamente desde o dia 1 de abril de 2008.
Todavia, é manifesto que a sua pretensão jurisdicional se encontra balizada, limitada, por aquilo que fora previamente definido, de forma unilateral e autoritária, quanto à sua situação individual e concreta, através do despacho proferido pelo Secretário de Estado da Educação, datado de 11.11.2006.
É que, denote-se, ao deferir a bonificação do tempo de serviço do docente associado do Recorrente nos exatos termos que constam do despacho em questão, o autor do ato mais não se encontra do que a negar-lhe de forma autoritária o alcance bonificatório pretendido nos autos.
Realidade que é expressamente reconhecida pelo Recorrente no libelo inicial “(…) Ao deferir essa bonificação, o Réu atribuiu ao docente um direito do qual não retirou as devidas e legais consequências, pelo que a relação laboral se encontra desconforme à lei, situação jurídica que deverá ser reconhecida e efetivada por força da presente lei (…)” [cfr. artigo 15º].
Significa isto, portanto, que, a pretensão do Recorrente não se insere no âmbito de uma relação jurídica de natureza paritária, encontrando-se, antes sim, regulada e definida mediante um ato administrativo stricto sensu.
Ocorre, porém, que os efeitos do despacho proferido pelo Secretário de Estado da Educação, datado de 11.11.2006, transcorrido que se mostra o prazo de impugnação previsto no artigo 58.º, n.º 2, alínea b), do CPTA já se cristalizaram na ordem jurídica pelo simples decurso do tempo.
Sendo assim, não pode admitir-se a satisfação da pretensão do Autor, aqui Recorrente, porquanto esta contenderia com os efeitos já fixados por ato administrativo cujos efeitos se consolidaram na ordem jurídica, constituindo caso decidido ou resolvido [veja-se, neste sentido, entre outros, os acórdãos do TCA-Sul, de 15 de março de 2012, processo n.º 05963/10, de 5 de maio de 2016, processo n.º 12958/16, de 19 de maio de 2016, processo n.º 11688/14, do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de novembro de 2013, proferido no processo n.º 01421/12, do TCA-Norte, 8 de abril de 2011, proferido no processo n.º 01467/08.4BEVIS, de 15 de abril de 2011, proferido no processo n.º 00228/09.8BEVIS, de 22 de maio de 2015, proferido no processo n.º 00938/13.5BEAVR, de 24 de abril de 2016, proferido no processo n.º 00432/15.0BEVIS, de 9 de junho de 2017, proferido no processo n.º 03005/15.BEBRG, todos acessíveis em www.dgsi.pt].
A admitir-se tal solução, o A., aqui Recorrente, estaria a obter através da ação administrativa comum um efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável, o que o art.° 38°, n° 2, do C.P.T.A. não permite.
Em suma, o artigo 38.º, n.º 2 não permite o uso da presente ação administrativa comum pelo Autor para obter o efeito que resultaria da anulação de ato inimpugnável.
Pelo que, estabilizado que se encontra na ordem jurídica desde o ano de 2006 o ato que determinou a bonificação do tempo de serviço do docente associado do Recorrente nos exatos termos que constam do despacho em questão, não pode agora naturalmente o Autor, aqui Recorrente pretender, por intermédio de uma ação administrativa comum, a produção de um efeito igual àquele que resultaria da obtenção da anulação jurisdicional daquele ato administrativo.
Em concomitância, saliente-se que não há lugar a convolação dos autos na fórmula processual correta – ação administrativa -, porque os autos mostram-nos [cfr. pontos 4. e 7 do probatório coligido] que se mostra largamente ultrapassado o prazo de três meses previsto no artigo 58º, nº. 2 do CPTA para o exercício do direito de ação por parte do Recorrente, constituindo esta intempestividade um limite à convolação.
Por conseguinte, a sentença recorrida não merece qualquer censura no que concerne ao seu julgamento de direito.
Refira-se que o decidido pelo Tribunal recorrido em nada contende com os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.
É que estes princípios não se traduzem numa abertura da via judicial a todo o custo.
Tais princípios, com assento constitucional [artigos 20º e 268º nºs 3, 4 e 5, CRP], exigem que a todos esteja aberta a via judicial, para defender as pretensões legítimas e ver reconhecidos os seus direitos, e que o Estado, que tem o monopólio da administração da Justiça, forneça aos cidadãos, dela carentes, todos os meios necessários para a poderem efetivar, ou seja, para poderem obter a tutela pretendida.
O que não impõe, nem o legislador ordinário nem o constitucional, é que a tutela jurisdicional efetiva tenha de ser feita a todo o custo, passando por cima das normas processuais.
Aliás, se as criou, se existem, é para serem respeitadas, sem que isso signifique coartar aqueles princípios, uma vez que o acesso ao direito e a tutela efetiva está assegurada dentro dos limites da legalidade, e não apesar deles.
Verificando-se que o julgamento de direito em torno da suscitada questão prévia de utilização indevida de meio processual se encontra bem realizada na sentença recorrida, e tendo em conta quanto acaba de ser dito, há que considerar que o ali decidido em nada contende com o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 2.º do CPTA e na Constituição da República Portuguesa.
Derradeiramente, saliente-se que irreleva toda a argumentação aduzida pelo Recorrente em torno da aplicação do prazo de prescrição previsto no artigo 245º da Lei nº. 59/2008, em virtude do “objeto confesso” não contender com a definição de um qualquer crédito laboral, mas apenas com o reconhecimento do direito do associado do Recorrente à bonificação do tempo de serviço, assumindo-se, por isso, o pretendido “pagamento das diferenças salariais devidas” como um pedido consequente daquele, e, qua tale, insuscetível de contrariar o julgamento dos autos.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
***
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em acordam em negar ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente em ambas as instâncias.
Notifique-se.
Porto, 01 de fevereiro de 2019,
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco