Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00963/19.2BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/18/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Canelas
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO – REPARAÇÃO DOS DANOS – ENTIDADES RESPONSÁVEIS – ALTA – JUNTA MÉDICA – ADSE – CGA
Sumário:I – Dos moldes em que se encontra gizado no Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (aprovado pelo DL. n.º 503/99), quer o procedimento por acidentes em serviço, quer o respetivo regime material, as responsabilidades da entidade pública empregadora, da sua seguradora (caso exista seguro de acidentes de trabalho), da ADSE e da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES não são iguais e indistintas; cada uma delas haverá intervir e atuar em cada momento, e nos termos e com as competências legalmente definidas, sendo as respetivas obrigações as que legalmente se encontram definidas.

II - A junta médica a que se reportam os artigos 20º e 21º do DL. n.º 503/99, é a junta médica da ADSE, a qual se destina a verificar e confirmar a incapacidade temporária, bem como a atribuição da alta ou a sua revisão, aferindo se o trabalhador sinistrado está ou não em condições de retomar o serviço, enquanto a junta médica da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES a que se refere o artigo 38º do mesmo Regime se destina a verificar (a graduar) a incapacidade permanente.

III - A indemnização (em capital ou pensão vitalícia) correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente (cfr. artigo 4º) depende da verificação de uma situação de incapacidade permanente (com o estabelecimento do respetivo grau), a efetuar pela junta médica da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES com possibilidade de solicitação de junta médica de recurso.

IV – Pela natureza da responsabilidade emergente dos acidentes de trabalho, nos termos legalmente regulados, os danos não patrimoniais não se encontram abarcados na respetiva tutela, só assim não sendo nas situações em que o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, caso em que a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais de direito. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (…), e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial Urgente - DL n.º 503/99 - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

M. (devidamente identificada nos autos) instaurou em 18/11/2019 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel Ação Administrativa de natureza urgente (ao abrigo do artigo 48º do DL. nº 503/99, de 20 de novembro), destinada à efetivação de direitos decorrentes de acidente em serviço contra o (1) MUNICÍPIO DE (...), a (2) A., COMPANHIA DE SEGUROS e a (3) CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (todas devidamente identificados nos autos) peticionando o seguinte:
a) a condenação das rés a reconhecerem o nexo de causalidade do acidente de trabalho que a Autora sofreu em 18/01/2018, condenando a Câmara Municipal de (...) (1.ª Ré) e a 2.ª Ré a declararem que a Autora não se encontrava curada na data em que os serviços clínicos da 2ª ré lhe deram alta e, em consequência, ser ressarcida de todas as despesas que suportou;
b) serem as RR condenadas solidariamente a pagar à Autora 1.000,00€ a título de ressarcimento de danos não patrimoniais e, a indemnizar os danos que a A. sofreu a título patrimonial suportados com consultas médicas, exames, medicamentos e transportes;
c) Serem as RR condenadas em função da incapacidade fixada, a reparar os danos sofridos pela Autora, pagando-lhe a respetiva compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da citação,
d) E, Aplicar às RR, a sanção acessória de 100,00€, por cada dia de atraso nos pagamentos em falta e que vierem a ser condenadas.
Por mera hipótese de raciocínio, se assim não se entender, o que se equaciona hipoteticamente:
e) condenar a Câmara Municipal de (...) (1.ª Ré) a reconhecer o nexo de causalidade do acidente de trabalho que sofreu em 18/01/2018 e a qualificar o acidente como acidente de serviço e a comunicar à CGA, para que esta inicie o respetivo procedimento;
f) Condenar a CGA a fazer cumprir o disposto no artigo 20° e segs. do DL n° 503/99, de 20/11, após a comunicação da entidade patronal, nomeadamente, a submeter a Autora a junta médica de modo a apurar-se se a Autora precisa de mais tratamentos, nos termos dos artigos 20. ° e 21. ° do Decreto-lei n.º 503/99, de 20/11, com as últimas alterações introduzidas pelo DL n° 84/2019, de 28/06, e, em caso afirmativo, condenar-se as RR. a prestar os referidos tratamentos à A.;
g) Caso a junta médica confirme a atribuição de alta clínica à Autora, devem as RR ser condenadas a submeter a Autora a junta médica da Caixa Geral de Aposentações para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, nos termos do art.° 38.° do Decreto-lei n.º 503/99, de 20/11, com as últimas alterações introduzidas pelo DL n° 84/2019, de 28/06, e, em função dessa incapacidade fixada, reparar os danos sofridos pela Autora, pagando-lhe a respetiva compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da citação.
h) Aplicar à 1ª Ré, MUNICÍPIO DE (...), a sanção acessória de 100,00€, por cada dia de atraso no cumprimento daquela comunicação;
i) Condenar a CGA na sanção acessória de 100,00€ por cada dia de atraso se, não iniciar o procedimento no prazo de um mês, após a comunicação da 1.ª Ré, tudo com as legais consequências.

Por sentença datada de 19/03/2020 (fls. 115 SITAF) o Tribunal a quo decidiu verificar-se a inutilidade superveniente da lide quando ao pedido formulado em e) e improcedentes todos os demais pedidos.
Inconformada, a autora dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 134 SITAF), formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou a ação totalmente improcedente, à exceção da alínea e) do pedido em que considerou ocorrer a inutilidade superveniente da lide.
II. Inconformada com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a Recorrente apresenta as respetivas conclusões de recurso, as quais ora se discorrem, criticamente.
III. Na petição inicial apresentada a Recorrente requereu a condenação das Rés no ressarcimento dos danos decorrentes do referido sinistro, mais concretamente, apresentou os seguintes pedidos:
a) reconhecerem o nexo de causalidade do acidente de trabalho que a Autora sofreu em 18/01/2018, condenando a Câmara Municipal de (...) (1.ª Ré) e a 2.ª Ré a declararem que a Autora não se encontrava curada na data em que os serviços clínicos da 2ª ré lhe deram alta e, em consequência, ser ressarcida de todas as despesas que suportou;
b) serem as RR condenadas solidariamente a pagar à Autora 1.000,00€ a título de ressarcimento de danos não patrimoniais e, a indemnizar os danos que a A. sofreu a título patrimonial suportados com consultas médicas, exames, medicamentos e transportes;
c) Serem as RR condenadas em função da incapacidade fixada, a reparar os danos sofridos pela Autora, pagando-lhe a respetiva compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da citação,
d) E, Aplicar às RR, a sanção acessória de 100,00€, por cada dia de atraso nos pagamentos em falta e que vierem a ser condenadas.
Por mera hipótese de raciocínio, se assim não se entender, o que se equaciona hipoteticamente:
e) condenar a Câmara Municipal de (...) (1.ª Ré) a reconhecer o nexo de causalidade do acidente de trabalho que sofreu em 18/01/2018 e a qualificar o acidente como acidente de serviço e a comunicar à CGA, para que esta inicie o respetivo procedimento;
f) Condenar a CGA a fazer cumprir o disposto no artigo 20º e segs. do DL nº 503/99, de 20/11, após a comunicação da entidade patronal, nomeadamente, a submeter a Autora a junta médica de modo a apurar-se se a Autora precisa de mais tratamentos, nos termos dos artigos 20.º e 21.º do Decreto-lei n.º 503/99, de 20/11, com as últimas alterações introduzidas pelo DL nº 84/2019, de 28/06, e, em caso afirmativo, condenar-se as RR. a prestar os referidos tratamentos à A.;
g) Caso a junta médica confirme a atribuição de alta clínica à Autora, devem as RR ser condenadas a submeter a Autora a junta médica da Caixa Geral de Aposentações para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, nos termos do art.º 38.º do Decreto-lei n.º 503/99, de 20/11, com as últimas alterações introduzidas pelo DL nº 84/2019, de 28/06, e, em função dessa incapacidade fixada, reparar os danos sofridos pela Autora, pagando-lhe a respetiva compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da citação.
h) Aplicar à 1ª Ré, MUNICÍPIO DE (...), a sanção acessória de 100,00€, por cada dia de atraso no cumprimento daquela comunicação;
i) Condenar a CGA na sanção acessória de 100,00€ por cada dia de atraso se, não iniciar o procedimento no prazo de um mês, após a comunicação da 1.ª Ré,
Tudo com as legais consequências.
IV. E, por sentença proferida em 20 de Março de 2020, o Tribunal a quo proferiu a seguinte sentença, cit.:
“V - DECISÃO
Pelas razões e fundamentos expostos, julga-se verifica a inutilidade superveniente da lide quando ao pedido formulado em e) e improcedentes os demais pedidos.
Custas pela autora (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia) e pelo Município em partes iguais.”
V. A Recorrente invoca a nulidade da sentença, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) e d) do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, decorrente dos fundamentos constantes da sentença estarem em oposição com a decisão de absolvição das Rés.
VI. Com o devido respeito, a Recorrente discorda do sentido decisório adotado na sentença recorrida, o qual determinou a absolvição das Rés dos pedidos.
Senão vejamos,
VII. Em síntese, o Tribunal a quo absolveu a Ré Município e a Ré Seguradora com os seguintes fundamentos: “Na verdade, a autora coloca em causa o procedimento e reparação posteriores ao momento em que lhe foi dada alta. Ora, por força dos normativos referidos a partir da atribuição de alta, a responsabilidade pelas prestações deixa de ser do Município e, naturalmente, da companhia de seguros contratada, passando a ser da Caixa Geral de Aposentações. Assim, não assiste razão à autora quando pretende obter seja do Município seja da seguradora um montante relativo à reparação de danos sofridos seja por danos morais seja por danos patrimoniais (consultas médica, medicamentos e transportes), ou a atribuir o que seja em função da sua eventual incapacidade.”
VIII. E adiante, para justificar a absolvição dos pedidos em relação à Ré CGA, acrescenta: “Assim, o Tribunal não pode condenar a Caixa Geral de Aposentações nos pedidos formulados nas alíneas f), g) e i), já que é pacífico que não lhe é possível imputar qualquer responsabilidade ou inércia. Não tendo o Município participado o acidente em causa, a Caixa Geral de Aposentações não tinha conhecimento do que quer que fosse, não podendo iniciar qualquer procedimento nos termos pretendidos pela autora sem que haja essa prévia comunicação. No contexto do diploma em causa, o que o Tribunal pode determinar nesta fase é impor ao Município a participação a que aludem os artigos 9.º, n.º 3, al. e) e 20.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro porque só com a mesma se pode iniciar o procedimento administrativo junto da Caixa Geral de Aposentações, a quem cabe a competência de confirmar e graduar a incapacidade, bem como a responsabilidade pelas prestações a que a autora, eventualmente tenha direito.”
IX. Ora, não pode a Recorrente aceitar tais argumentos decisórios por serem contraditórios.
X. É que, o Tribunal como afirmou no ponto 12 dos factos provados:
“12) O Município participou o acidente em serviço à Caixa Geral de Aposentações em data posterior a 08.01.2020; P.A., fls. 2 e 3”
XI. E, ainda, referiu adiante: “Acontece que, como resulta dos autos, já na pendência da presente ação o Município deu cumprimento a essa obrigação, tornando-se, portanto, inútil que ocorra nova condenação.”
XII. Face a esta argumentação do Tribunal a quo, impõe-nos questionar, em que circunstâncias é que a CGA é condenada? Nunca?!
XIII. Na prática o que o Tribunal a quo refere é que, a responsabilidade após a alta deixa de ser das Rés Município e Seguradora, e passa a ser da Ré CGA, mas depois, absolve a Ré CGA dos pedidos pois não houve participação do acidente pelo Município (quando houve!).
XIV. Mas, tendo havido participação, (e assumido isso na sentença decisória), continua a absolver a CGA dos pedidos, sem outro fundamento adicional.
XV. O que clara e notoriamente demonstra a contradição da fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo,
XVI. Pois é óbvio que o cumprimento do procedimento de comunicação da existência do sinistro à Caixa Geral de Aposentações subsequente permitiria, ainda assim, a sujeição da Recorrente a perícia médica para apuramento da existência, natureza e extensão dos danos sofridos pela Autora (pedido da alínea g) da p.i.).
XVII. Salvo melhor entendimento, a imperatividade do regime legal aplicável decorrente do Decreto-Lei n.º 503/99 impunha que o Tribunal a quo, desencadeasse, deste modo, a tutela do direito, indisponível, da autora na indemnização do acidente sofrido.
XVIII. O direito à indemnização dos danos decorrentes de acidente de trabalho é um direito potestativo da autora.
XIX. Por meio de despacho judicial, com natureza constitutiva do direito indemnizatório peticionado pela Autora, o Tribunal a quo poderia ter dado cumprimento à condição necessária de que depende a apreciação do pedido da Autora, sem que, para tal, absolvesse as Rés dos pedidos formulados pela Autora
XX. É que, salvo o devido respeito, que é muito, a recorrente sem culpa alguma anda na justiça desde a data do acidente e sem culpa continua a ver os seus direitos coartados, o que constitui omissão de pronúncia a falta de resposta aos argumentos esgrimidos pela Autora.
XXI. Primeiro, porque a entidade patronal comunicou à seguradora, a seguradora por sua vez iniciou o procedimento no Tribunal de Trabalho que se considerou incompetente,
XXII. De seguida, solicita que a entidade patronal faça a comunicação à CGA e esta só o faz já no decorrer da presente ação.
XXIII. Posteriormente, sem que nada o fizesse prever, vê uma sentença judicial a repetir mais uma injustiça e a limitar os seus direitos.
XXIV. Diga-se que ao contrário do que vem exposto, a Autora, não retomou a sua atividade habitual, ou seja, anteriormente ao acidente a Autora estava na parte da cantina, no entanto, após o seu regresso como partia bastante loiça porque perdia a força no braço, a entidade empregadora teve de alterar o seu posto de trabalho,
XXV. E, por esse motivo, atualmente, encontra-se no prolongamento a vigiar as crianças, porém, se alguma cair, como já aconteceu, também é incapaz de a conseguir levantar fazendo força no braço acidentado.
XXVI. Atualmente, coisas simples e básicas, como por exemplo, estender uma roupa no arame, varrer, passar a ferro ou mesmo limpar vidros passaram a ser tarefas que a autora não consegue cumprir, sem ajuda de terceiros.
XXVII. Isto é a realidade nua e crua. É a sua vida alterada devido a este acidente de trabalho que a impede de (re)fazer a vida com a normalidade que até ali tinha.
XXVIII. Porém, com esta decisão do Tribunal a quo, totalmente surpreendente, na prática e rigorosamente, significa que os danos sofridos pela Recorrente – no seio do acidente de trabalho de que foi vítima – ficarão indemnes, o que não se pode aceitar.
Dito isto,
XXIX. Em bom rigor, o efeito útil alcançado pela sentença proferida comporta uma importante vantagem de premeio da inércia da Ré MUNICÍPIO DE (...) enquanto entidade empregadora onerada com o dever jurídico de participação de sinistros laborais à Caixa Geral de Aposentações e, consequentemente, irresponsabiliza qualquer uma das Rés pela indemnização dos danos (ainda não apurados) decorrentes do acidente de trabalho.
XXX. A ter procedido à falta de cumprimento atempado do procedimento, a rogo da entidade empregadora da Autora – a Ré MUNICÍPIO DE (...) – em última instância, será a Recorrente que suportará, na respetiva esfera jurídica, todos os ónus e consequências do incumprimento de um dever que apenas podia ter sido praticado pela Ré Município.
XXXI. Destarte, importa sublinhar e realçar que o tribunal a quo proferiu a sentença sem ter aberto a produção de prova para a verificação i) dos danos decorrentes do sinistro, por meio de prova pericial realizada por junta médica; ii) do nexo de causalidade entre os danos e do sinistro em apreço; iii) da situação da recorrente antes e após o sinistro (apesar de dar como provado e reconhecida a incapacidade da autora).
XXXII. O que significa que, na data em que foi proferida a sentença, o Tribunal a quo não sindicou os danos decorrentes do sinistro sofridos pela autora, ora recorrente, em natureza e extensão: eventuais incapacidades, temporária ou permanente, parcial ou absoluta, decorrentes do referido acidente, apesar de terem sido requeridos no petitório junto com a petição inicial.
XXXIII. Não tendo os autos elementos que permitam conhecer todas as circunstâncias, extensão e nexo de causalidade dos danos sofridos – rigorosamente, o tribunal a quo, no momento em que proferiu a decisão recorrida, já conhecia os responsáveis legais pela indemnização de tais danos.
XXXIV. Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não poderia ter-se pronunciado sobre a apreciação do mérito da causa, com a absolvição das Rés dos pedidos.
XXXV. Por fim, em sede de acidentes de trabalho, releve-se que a matéria da ressarcibilidade dos danos decorrentes de acidentes de trabalho constitui um direito indisponível da Recorrente, tendo este regime o propósito de facultar ao sinistrado tutela jurisdicional imediata contra atos ou omissões relativos à aplicação do referido diploma.
XXXVI. Tudo isto para dizer que, in extremis, a absolvição das Rés dos restantes pedidos formulados pela Autora, rigorosamente, foi ditada pela omissão de um dever jurídico tardio - o dever de participação do sinistro à Caixa Geral de Aposentações, prevista no artigo 9.º, n.º 3, alínea e) do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro – mas, entretanto, cumprido por força da presente ação.
XXXVII. Ou seja, na prática, tendo, tardiamente, a Ré MUNICÍPIO DE (...) efetuado a participação do referido sinistro à Caixa Geral de Aposentações, na ótica do Tribunal a quo terá a Recorrente de instaurar nova ação judicial, contra as mesma Rés da presente lide, a saber, Caixa Geral de Aposentações e a companhia de seguros para ver a sua pretensão alcançada, o que não tem cabimento nenhum pois tal era conseguido e alcançado com a presente ação.
XXXVIII. E claro que, no caso sub judice, absolvição das Rés dos pedidos impede a autora de responsabilizá-las pelos danos efetivamente sofreu e, ainda, os que se viessem a apurar, por força da sua incapacidade permanente, o que é de uma injustiça tremenda.
XXXIX. Por todo o exposto, deverá a decisão recorrida, que julgou a ação improcedente ser revogada e substituída por outra que condene as recorridas nos precisos termos requeridos pela recorrente, o que só é possível apurar com o prosseguimento dos presentes autos.

Contra-alegaram os réus MUNICÍPIO DE (…) (fls. 176 SITAF) e CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (fls. 163 SITAF), ambos pugnando pela improcedência do recurso.

O MUNICÍPIO DE (...) termina as suas contra-alegações formulando o seguinte quadro conclusivo:
1.ª - A razão deste recurso apenas se explica pelo facto de a Recorrente não ter visto suas pretensões terem acolhimento e não, como se esperaria, pelo facto de o Tribunal a quo não ter feito a devida Justiça;
2.ª - In casu, existem duas fases temporais a reter: aquela que mediou entre a data do sinistro e o momento em que a Recorrente teve alta médica, apesar de ter ficado a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 4,5%, e a fase subsequente à data dessa alta;
3.ª - Como bem apreciou a douta sentença alvo de recurso, “Até à atribuição de alta parece não haver litígio entre as partes”, ou seja, a divergência real existente entre as partes poderá, quando muito, referir-se a um momento temporal posterior a essa data, isto é, à segunda fase supra referida;
4.ª - De facto, o MUNICÍPIO DE (...) transferiu a sua responsabilidade pela reparação de um eventual acidente em serviço que afectasse a Recorrente para a também aqui Ré, A., S.A. – o que lhe era legalmente permitido – pelo que até à data em que foi dada alta médica à trabalhadora – 4 de Dezembro de 2018 – nenhuma responsabilidade impendia sobre aquele em ressarcir a Recorrente qualquer prejuízo emergente de acidente em serviço;
5.ª - Já a partir da data da verificação da alta médica – que é a data a partir da qual poderia haver alguma divergência entre as partes – impendia sobre o aqui Recorrido a obrigação de participar o acidente em serviço à Caixa Geral de Aposentações, sobre a qual recai a responsabilidade pelo pagamento de quaisquer pensões ou prestações previstas no n.º 1, do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro;
6.ª - Obrigação que foi cumprida, ainda que na pendência da acção, mas cujo atraso em nada prejudicou a Recorrente e de que a mesma tem conhecimento desde 8 de Janeiro de 2020 – cfr. fls 3 do P.A. – tendo, aliás, sido agendada a devida junta médica a realizar pela Caixa Geral de Aposentações para o passado dia 28 de Janeiro de 2020 – cfr. fls. 1 do P.A.;
7.ª - Motivo pelo qual, entendeu o Tribunal recorrido, na nossa modesta opinião com todo o acerto, ser inútil condenar o Município a cumprir uma obrigação que já estaria cumprida, julgando, em consequência, “(…) improcedente a presente ação, exceto quanto à alínea e) em que ocorre inutilidade superveniente da lide”;
8.ª - No que concerne às nulidades invocadas pela Recorrente e previstas nas alíneas c), d) e e), do artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dir-se-á que, também aqui, não assiste qualquer razão à Recorrente;
9.ª - Com efeito, defende a Recorrente que a douta sentença aqui em crise deverá ser considerada nula, uma vez que os seus fundamentos se encontram em oposição com a decisão, mais entendendo, que a mesma enferma de omissão de pronúncia, na medida em que não tomou em consideração ou fundamentou todas as questões sobre as quais tinha, efectivamente, de tomar posição, bem como não respeitou o objecto do pedido;
10.ª - Todavia, a douta sentença, além de bem fundamentada, produziu uma decisão perfeitamente consentânea com os seus fundamentos, pois, como bem apreciou o Tribunal a quo, o verdadeiro litígio entre a Recorrente e os Recorridos nasce a partir do momento em que é dada alta médica à Recorrente, sendo que até essa altura a R. A., conforme alega e comenta na sua douta contestação, satisfez todas as pretensões financeiras a que a então A. tinha direito;
11.ª - Por outro lado, a partir do momento em que a Caixa Geral de Aposentações passa a gerir todo o processo – o que já aconteceu, mesmo com realização da respectiva junta médica – impende sobre esta a obrigação de indemnizar a A. de acordo com a lei. Logo, não se compreende e muito menos se aceita, que a absolvição dos RR. possa colidir com as pretensões legalmente atendíveis da Recorrente, pelo que nenhuma contradição existe entre a fundamentação da douta sentença ora em recurso e a decisão;
12.ª - Já no que respeita à alegada nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d), do n.º 1, do referido artigo 615.º do CPC, também aqui nos permitimos confessar que não entendemos a invocação desta nulidade, uma vez que a douta sentença recorrida tomou em consideração e fundamentou todas as questões sobre as quais tinha, efectivamente, de tomar posição;
13.ª - Como bem se refere na douta sentença, não podia o Tribunal a quo condenar os RR., ora Recorridos, mormente o MUNICÍPIO DE (...), a pagar os montantes peticionados pela Recorrente, tão só porque esta última assim o peticiona, tendo todas as obrigações que se lhe impunham sido já cumpridas;
14.ª - E tanto não se verifica qualquer omissão de pronúncia, que a sentença é peremptória ao afirmar o seguinte: “Na verdade, a autora coloca em causa o procedimento e reparação posteriores ao momento em que lhe foi dada alta. Ora, por força dos normativos referidos a partir da atribuição de alta, a responsabilidade pelas prestações deixa de ser do Município e, naturalmente, da companhia de seguros contratada, passando a ser da Caixa Geral de Aposentações. Assim, não assiste razão à autora quando pretende obter seja do Município seja da seguradora um montante relativo à reparação de danos sofridos seja por danos morais seja por danos patrimoniais (consultas médica, medicamentos e transportes), ou a atribuir o que seja em função da sua eventual incapacidade.”;
15.ª - No que concerne à aflorada nulidade prevista na alínea e) do mencionado n.º 1, do artigo 615.º do CPC, esta apenas é referida no corpo das alegações, mas nem aí é explicada e, muito menos, é levada a conclusões que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, pelo que. nunca poderia ser objecto de apreciação por esse Tribunal superior;
16.ª - Mais se diga que não se compreende o teor desta invocação quando o Tribunal não condenou nenhum dos RR., sendo como tal impossível que os tivesse condenado em “(…) objecto diverso do pedido”;
17.ª - Não assiste, assim, qualquer razão à Recorrente, nem de facto, nem de direito.

E por sua vez a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES termina as suas contra-alegações de recurso formulando o seguinte quadro conclusivo:
A - A douta sentença recorrida fez correta interpretação e aplicação da lei, não merecendo censura.
B - Nos termos do n.º 1 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, a intervenção da CGA no contexto da reparação de acidentes de trabalho apenas ocorre se do acidente em serviço resultar incapacidade permanente ou morte.
C - Mas a intervenção da CGA não ocorre automaticamente. Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 503/99, a entidade responsável pela abertura do procedimento tendente à aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais é a entidade empregadora, a quem compete, nomeadamente, a qualificação a que se alude no n.º 7 do artigo 7.º e posterior participação institucional, constante no artigo 9.º, através dos Formulários obrigatórios exigidos pelo artigo 51.º do mesmo Decreto-Lei n.º 503/99.
D - Note-se que, nos termos conjugados da alínea e) do n.º 3 do artigo 9.º e do n.º 5 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 503/99, o empregador apenas deve participar o acidente à CGA após a alta do sinistrado.
E - Em 2020-01-08 o MUNICÍPIO DE (...) participou à CGA o acidente de que tratam os autos, ocorrido em 2018-01-18, dando assim início ao procedimento administrativo previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
F - Em 2020-01-28 a Autora foi presente à Junta Médica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99, para avaliação do grau de incapacidade permanente parcial (IPP) decorrente do acidente de trabalho sofrido, da qual resultou que não apresenta sequelas passíveis de desvalorização.
G - Nos termos da lei, a Junta Médica prevista no artigo 38.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 503/99 é a única entidade, com competência para a atribuição de um grau de incapacidade permanente, no caso dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
H - Relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais importa notar que o Decreto-Lei n.º 503/99 não prevê o direito invocado pela Autora. É que a responsabilidade da CGA pela reparação dos acidentes em serviço é uma responsabilidade pelo risco, apenas havendo lugar às prestações expressamente previstas no citado diploma. Ora, o pedido formulado pela Autora não têm enquadramento no Decreto-Lei n.º 503/99 e como tal não pode ser imputável à CGA. De resto, não basta a invocação de dano para haver lugar a indemnização. Além do dano é necessário que haja um nexo de causalidade entre um facto danoso, ilícito e culposo. A Autora não invoca, nem muito menos demonstra, qualquer atuação ou omissão da CGA que lhe tenha causado o dano.
I - No que concerne especificamente às despesas decorrentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, estabelece o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 503/99, que as mesmas constituem um encargo do serviço ou organismo ao serviço do qual ocorreu o acidente (vide, também, a este propósito, os artigos 10.º, 13.º e 14.º do mesmo diploma).
J - Finalmente, carece de sentido o pedido de condenação no pagamento de juros de mora, uma vez que importa ter presente a norma prevista na alínea b) do n.º 1 e n.º 4, ambas, do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, na redação introduzida pelo n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, segundo a qual o abono da pensão por acidentes de trabalho fica suspenso enquanto o sinistrado se mantiver no exercício de funções a auferir remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador.
L - A atuação da CGA em matéria de reparação de acidentes de trabalho, cinge-se à aplicação do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Norte, neste notificado o Digno Magistrado do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, não foi emitido Parecer.
*
Pelo nosso despacho de 03/07/2020 (fls. 207 SITAF), considerando-se, como ali se disse, a amplitude dos pedidos formulados pela autora na ação, e o objeto do presente recurso, tal como este foi delimitado nas conclusões das respetivas alegações, em particular os que respeitam aos pedidos dirigidos à CGA, e a circunstância de se encontrar vertido no probatório da sentença, que na sequência da comunicação efetuada pelo réu MUNICÍPIO DE (...) à Caixa Geral de Aposentações foi por esta agendada para 28/01/2020 a realização de junta médica e visando aferir, como ali também se referiu, antes de se proferir acórdão julgando o recurso, das eventuais superveniências que, entretanto, possam ter ocorrido nessa decorrência, foram as partes notificadas para informarem este Tribunal quanto ao resultado da referida junta médica, e bem assim quanto a quaisquer outros atos que tenham vindo a ser praticados.
Sendo que nessa sequência, e face às informações prestadas pela CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (a fls. 214 SITAF), pelo MUNICÍPIO DE (...) (a fls. 218 SITAF), e pela autora M. (a fls. 222 SITAF), das quais decorreu que face ao resultado da junta médica da CGA (cujo respetivo auto foi junto aos autos) foi requerida a realização de junta médica de recurso, determinou-se pelo nosso despacho de 24/07/2020 (fls. 227 SITAF) a notificação da Caixa Geral de Aposentações para que informasse quanto ao resultado da referida junta médica de recurso, e bem assim quanto a quaisquer outros atos que nessa sequência tenham sido praticados.
Informação que esta veio a prestar em 29/07/2020 (fls. 234 SITAF), dando conta de que pelo parecer emitido em 18/03/2018 a Coordenadora do Núcleo Médico da CGA, entendeu que a nova documentação clínica que havia sido remetida pela autora confirma o anteriormente analisado e decidido pela Junta Médica de 28/01/2020, sendo de indeferir o pedido de junta médica de recurso, parecer foi homologado por despacho de 07/05/2020 da Direção da CGA, do que juntou cópias, simultaneamente comprovando a notificação das contrapartes (fls. 232 SITAF).
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Tudo isto assegurado, foram agora os autos submetidos à Conferência para julgamento, sem vistos (cfr. artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA).
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente a conclusões de recurso, são as seguintes as questões essenciais a decidir:
- saber se a sentença incorre em nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão de absolvição das rés – (conclusão V. das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida ao absolver as rés dos pedidos incorreu em erro de julgamento, devendo essa decisão ser revogada e substituída por outra que condene as recorrida nos termos peticionados pela recorrente – (conclusões VI. a XXXIX. das alegações de recurso).
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida expressis verbis na sentença recorrida:

1) A autora desempenhava e desempenha as funções de assistente operacional, na modalidade de contrato de trabalho de funções públicas por tempo indeterminado, para o MUNICÍPIO DE (...);
Doc. 1 junto com a p.i.
2) Em 18.01.2018, a autora, ao varrer o lixo, fez um esforço extra tendo originado fortes dores no braço e no pescoço;
Doc. 2 junto com a p.i.
3) Tal situação foi imediatamente comunicada à entidade patronal, que acionou o Seguro de Acidentes de Trabalho que tinha com a A., Companhia de Seguros, S.A;
Doc. 2 junto com a p.i.
4) A autora foi acompanhada pelos serviços clínicos da 2ª ré;
Doc. 2 junto com a p.i.
5) Verificou-se que a autora sofreu uma rotura completa da coifa dos rotadores no ombro direito.
Doc. 2 junto com a p.i.
6) Tal levou a que a autora tivesse de ser submetida a uma cirurgia, para tratamento da rotura da coifa, e posteriormente, a blocos de sessões de fisioterapia;
Doc. 2 junto com a p.i.
7) Foram atribuídos à autora vários períodos de incapacidade temporária, tendo alta definitiva a 04.12.2018;
Doc. 2 junto com a p.i.
8) A alta foi atribuída pelo médico assistente que preenchei o respetivo boletim;
Doc. 2 junto com a p.i.
9) No mesmo boletim, o médico assistente indicou que a autora teria ficado com um coeficiente global de incapacidade de 0,0450;
Doc. 2 junto com a p.i.
10) A referida companhia de seguros participou a situação da autora ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel, que correu termos sob o n.º 3622/18.0T8PNF;
Doc. 3 junto com a p.i.
11) A 22.01.2019 foi proferida decisão no âmbito do referido processo que considerou verificada a incompetência material do Tribunal Judicial;
Doc. 3 junto com a p.i.
12) O Município participou o acidente em serviço à Caixa Geral de Aposentações em data posterior a 08.01.2020;
P.A., fls. 2 e 3
13) Por ofício de 13.01.2020 foi o Município notificado de que fora agendada junta média para a dia 28.01.2020 a que a autora deveria comparecer;
P.A., fls. 1

E consignou inexistirem factos com interesse para a decisão da causa, que importasse dar como não provados.
*
Do aditamento de factos de que supervenientemente foi dado conhecimento a este Tribunal ad quem:
Pelo nosso despacho de 03/07/2020 (fls. 207 SITAF), considerando-se, como ali se disse, a amplitude dos pedidos formulados pela autora na ação, e o objeto do presente recurso, tal como este foi delimitado nas conclusões das respetivas alegações, em particular os que respeitam aos pedidos dirigidos à CGA, e a circunstância de se encontrar vertido no probatório da sentença, que na sequência da comunicação efetuada pelo réu MUNICÍPIO DE (...) à Caixa Geral de Aposentações foi por esta agendada para 28/01/2020 a realização de junta médica e visando aferir, como ali também se referiu, antes de se proferir acórdão julgando o recurso, das eventuais superveniências que, entretanto, possam ter ocorrido nessa decorrência, foram as partes notificadas para informarem este Tribunal quanto ao resultado da referida junta médica, e bem assim quanto a quaisquer outros atos que tenham vindo a ser praticados.
Sendo que nessa sequência, e face às informações prestadas pela CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (a fls. 214 SITAF), pelo MUNICÍPIO DE (...) (a fls. 218 SITAF), e pela autora M. (a fls. 222 SITAF), das quais decorreu que face ao resultado da junta médica da CGA (cujo respetivo auto foi junto aos autos) foi requerida a realização de junta médica de recurso, determinou-se pelo nosso despacho de 24/07/2020 (fls. 227 SITAF) a notificação da Caixa Geral de Aposentações para que informasse quanto ao resultado da referida junta médica de recurso, e bem assim quanto a quaisquer outros atos que nessa sequência tenham sido praticados.
Informação que esta veio a prestar em 29/07/2020 (fls. 234 SITAF), dando conta de que pelo parecer emitido em 18/03/2018 a Coordenadora do Núcleo Médico da CGA, entendeu que a nova documentação clínica que havia sido remetida pela autora confirma o anteriormente analisado e decidido pela Junta Médica de 28/01/2020, sendo de indeferir o pedido de junta médica de recurso, parecer que foi homologado por despacho de 07/05/2020 da Direção da CGA, do que juntou cópias, simultaneamente comprovando a notificação das contrapartes (fls. 232 SITAF).
Assim, cumpre agora aditar ao probatório os seguintes factos essenciais:
14) A junta médica da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES realizada em 28/01/2020 e homologada por despacho Direção da CGA em 30/01/2020 concluiu o seguinte «sem sequelas desvalorizativas decorrentes do traumatismo do ombro direito»
- fls. 214 SITAF
15) Face ao resultado daquela junta médica da CGA, de que a trabalhadora autora foi notificada, esta requereu através de requerimento datado de 03/03/2020, a realização de junta médica de recurso com convocação do artigo 39º do DL. nº 503/99.
- fls. 223 SITAF
16) Pelo parecer emitido em 18/03/2018 a Coordenadora do Núcleo Médico da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES entendeu que a nova documentação clínica que havia sido remetida pela autora confirma o anteriormente analisado e decidido pela Junta Médica de 28/01/2020, sendo de indeferir o pedido de junta médica de recurso, parecer que foi homologado por despacho de 07/05/2020 da Direção da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES,
- fls. 234 SITAF
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B – De direito

1. Da decisão recorrida
A autora instaurou a ação contra os seguintes três réus:
- (1) MUNICÍPIO DE (...);
- (2) A., COMPANHIA DE SEGUROS (seguradora daquele Município no âmbito de acidentes de trabalho);
- e (3) CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES.
E peticionou na ação o seguinte:
a) a condenação das rés a reconhecerem o nexo de causalidade do acidente de trabalho que a Autora sofreu em 18/01/2018, condenando a Câmara Municipal de (...) (1.ª Ré) e a 2.ª Ré a declararem que a Autora não se encontrava curada na data em que os serviços clínicos da 2ª ré lhe deram alta e, em consequência, ser ressarcida de todas as despesas que suportou;
b) serem as RR condenadas solidariamente a pagar à Autora 1.000,00€ a título de ressarcimento de danos não patrimoniais e, a indemnizar os danos que a A. sofreu a título patrimonial suportados com consultas médicas, exames, medicamentos e transportes;
c) Serem as RR condenadas em função da incapacidade fixada, a reparar os danos sofridos pela Autora, pagando-lhe a respetiva compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da citação,
d) E, Aplicar às RR, a sanção acessória de 100,00€, por cada dia de atraso nos pagamentos em falta e que vierem a ser condenadas.
Por mera hipótese de raciocínio, se assim não se entender, o que se equaciona hipoteticamente:
e) condenar a Câmara Municipal de (...) (1.ª Ré) a reconhecer o nexo de causalidade do acidente de trabalho que sofreu em 18/01/2018 e a qualificar o acidente como acidente de serviço e a comunicar à CGA, para que esta inicie o respetivo procedimento;
f) Condenar a CGA a fazer cumprir o disposto no artigo 20° e segs. do DL n° 503/99, de 20/11, após a comunicação da entidade patronal, nomeadamente, a submeter a Autora a junta médica de modo a apurar-se se a Autora precisa de mais tratamentos, nos termos dos artigos 20.° e 21.° do Decreto-lei n.º 503/99, de 20/11, com as últimas alterações introduzidas pelo DL n° 84/2019, de 28/06, e, em caso afirmativo, condenar-se as RR. a prestar os referidos tratamentos à A.;
g) Caso a junta médica confirme a atribuição de alta clínica à Autora, devem as RR ser condenadas a submeter a Autora a junta médica da Caixa Geral de Aposentações para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, nos termos do art.° 38.° do Decreto-lei n.° 503/99, de 20/11, com as últimas alterações introduzidas pelo DL n° 84/2019, de 28/06, e, em função dessa incapacidade fixada, reparar os danos sofridos pela Autora, pagando-lhe a respetiva compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da citação.
h) Aplicar à 1ª Ré, MUNICÍPIO DE (...), a sanção acessória de 100,00€, por cada dia de atraso no cumprimento daquela comunicação;
i) Condenar a CGA na sanção acessória de 100,00€ por cada dia de atraso se, não iniciar o procedimento no prazo de um mês, após a comunicação da 1.ª Ré, Tudo com as legais consequências.

A sentença recorrida decidiu verificar-se a inutilidade superveniente da lide quando ao pedido formulado na supra identificada alínea e) – o de condenação do Réu MUNICÍPIO DE (...) a reconhecer o nexo de causalidade do acidente de trabalho que a autora sofreu em 18/01/2018 e a qualificar o acidente como acidente de serviço e a comunicar à CGA, para que esta inicie o respetivo procedimento – decisão relativamente à qual a recorrente não se insurge.
O que é objeto de impugnação no presente recurso é a decisão de improcedência quanto ao tudo o demais peticionado. O que cumpre apreciar.
*
2. Da invocada nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão
2.1 A Recorrente começa por sustentar que os fundamentos constantes da sentença estão em oposição com a decisão de absolvição das rés, e que assim a sentença ocorre a nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº 1 alínea c) e d) do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA – (vide conclusão V. das alegações de recurso).
Vejamos.
2.2 As situações de nulidade da sentença encontram-se legalmente tipificadas no artigo 615º nº 1 do CPC novo, nos seguintes termos:
É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar -se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

2.3 Em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP dispõe o artigo 154º do CPC novo sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão” que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (nº 1), não podendo a justificação consistir “na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade” (nº 2).
A fundamentação das decisões jurisdicionais, para além de visar persuadir os interessados sobre a correção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razoes no momento do julgamento.
2.4 Nessa decorrência a nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo tem como premissa a violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial.
Com efeito, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. De modo que se o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, tal oposição será causa de nulidade da sentença – vide a este respeito Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 689 ss; José Lebre de Freitas, in “Código de Processo civil Anotado”, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 670, e Luís Filipe Brites Lameiras, in, “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2009, pág. 36 ss..
2.5 Para que ocorra nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º tem que se estar perante um paradoxo ou incoerência de raciocínio, de modo que as premissas consideradas (fundamentos) não poderiam conduzir, de forma lógica, à conclusão (decisão) a que se chegou, mas a outra, oposta ou divergente.
2.6 Mas como é bom de ver, o discurso fundamentador externado na sentença, aliás escorreito e claro, não contém contradição nos seus termos, não se verificando a invocada nulidade da sentença.
2.7 O que poderá ocorrer é erro de julgamento de for de concluir que o Tribunal a quo não deveria ter emitido aquela pronúncia absolutória.
E é isso mesmo que importa apreciar, de seguida, no presente recurso. O que se passará a fazer.
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3. Do erro de julgamento assacado à decisão de absolvição dos réus quanto aos pedidos formulados pela autora sob a as alíneas a), b), c), d), f), g) h) e i)
3.1 O Mmº Juiz a quo procedeu à análise e apreciação das pretensões formuladas pela autora nos seguintes termos, que se passam a transcrever:
«O Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas (artigo 1.º), sendo aplicável aos trabalhadores que exerçam funções públicas nos serviços das administrações autárquicas (artigo 2.º, n.º 2).
De acordo com o artigo 3.º, n.º 1, al. b) do diploma referido considera-se “Acidente em serviço - o acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública”.
Por força do artigo 4.º, n.º 1 do diploma em análise “os trabalhadores têm direito, independentemente do respetivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais”. Nos números 3 e 4 do artigo mencionado são elencadas, respetivamente, o conteúdo do direito à reparação em espécie e o do direito à reparação em dinheiro.
A propósito da responsabilidade pela reparação, o artigo 5.º determina o seguinte:
Artigo 5.º
Responsabilidade pela reparação
1 - O empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma.
2 - O serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no presente diploma.
3 - Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma.

E, de acordo com o artigo 45.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro “os serviços e organismos da administração local podem transferir a responsabilidade por acidentes em serviço prevista neste diploma para entidades seguradoras”, impondo-se no n.º 6 do mesmo artigo que “a apólice uniforme deve garantir as prestações e despesas previstas neste diploma, sendo nulas as cláusulas adicionais que impliquem a redução de quaisquer direitos ou regalias.”
No caso em apreço, não só é pacífico a aplicação do diploma em causa como também a intervenção da seguradora.
Resulta dos factos provados que a autora desempenha funções públicas, sendo o Município réu a sua entidade empregadora. Resulta ainda da factualidade apurada que a 18.01.2018 sofreu lesão no membro superior direito.
Enquanto autarquia local, o Município podia contratar com uma seguradora a responsabilidade pela reparação, o que fez, tendo, na sequência da incidência verificado a 18.01.2018, ativado a seguradora.
Impõe-se, no entanto, legalmente que a seguradora cumpra as prestações e despesas previstas no Decreto-Lei em análise. O legislador impede assim que a contratação de um seguro diminua o âmbito de proteção conferido aos trabalhadores das autarquias locais.
Importa então perceber de que modo o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro os direitos dos trabalhadores em funções públicas no caso de acidente em serviço.
Ao contrário do alegado na p.i. (artigos 15º e ss.), não se afigura que a companhia de seguros demandada tenha considerado que a autora esteja curada. Na verdade, resulta dos autos que essa seguradora estabeleceu como data de alta definitiva o dia 04.12.2018. Mas previu que a autora teria ficado com uma incapacidade permanente de 4,5%.
É que a alta como resulta expressamente do artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro não ocorre apenas nas situações em que o trabalhador é considerado clinicamente curado, mas também quando se verifique “as lesões ou a doença se apresentarem insuscetíveis de modificação com terapêutica adequada”. Só assim não é quando é reconhecida uma situação de incapacidade permanente absoluta, o que não acontece no caso em apreço.
E é importante notar que uma vez concedida a alta ao trabalhador o artigo 20.º, n.º 2 permite ao trabalhador requere a sua apresentação à junta médica prevista no artigo 21.º de modo a verificar se ele está em condições para retomar o serviço.
Resulta destes normativos, portanto, que quando ao trabalhador seja concedida alta e este não se considere em condições para retomar a sua atividade habitual, cabe-lhe um ónus de inverter a declaração de alta através da apresentação do requerimento a que alude o artigo 20.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
É certo que a autora apenas refere nos artigos 15.º e ss., a situação de dores, mas não alude à impossibilidade de retomar a sua atividade habitual. De qualquer forma, a pretensão de que o Tribunal inverta a situação de alta declaração não é possível, já que a autora não deu cumprimento ao ónus previsto no artigo 20.º, n.º 2. E conforme se explicou, a situação de alta não significa que a autora estivesse clinicamente curada.
E repare-se que a alta tanto pode ser atribuída pela junta médica a que alude o artigo 21.º, como por médico assistente (artigo 21.º, n.º 1), que foi o que aconteceu no caso em apreço.
Até à atribuição de alta parece não haver litígio entre as partes.
E efetivamente, é depois da atribuição de alta que a proteção da autora divergiu do regime legal consagrado no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
É que o artigo 34.º, n.º 1 do diploma legal em análise prevê expressamente que quando do acidente em serviço “resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral.” Determinando o n.º 4 que “as pensões e outras prestações previstas no n.º 1 são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição.”
Portanto, resulta daqui que, havendo incapacidade permanente, após a atribuição da alta, a responsabilidade pelas prestações deixa de ser do empregador e passa a ser da Caixa Geral de Aposentações.
Ora, tendo sido atribuída à autora alta e não tendo ela contestado essa atribuição nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, tal significa que não é possível condenar nem o Município nem a seguradora a efetuaram as prestações pretendidas pela autora. Efetivamente a lei refere que essa responsabilidade cabe à Caixa Geral de Aposentações.
Aqui chegado, importa concluir que assiste razão à segurando quando na sua contestação invoca que deu integral cumprimento às suas obrigações contratuais.
Na verdade, a autora coloca em causa o procedimento e reparação posteriores ao momento em que lhe foi dada alta. Ora, por força dos normativos referidos a partir da atribuição de alta, a responsabilidade pelas prestações deixa de ser do Município e, naturalmente, da companhia de seguros contratada, passando a ser da Caixa Geral de Aposentações.
Assim, não assiste razão à autora quando pretende obter seja do Município seja da seguradora um montante relativo à reparação de danos sofridos seja por danos morais seja por danos patrimoniais (consultas médica, medicamentos e transportes), ou a atribuir o que seja em função da sua eventual incapacidade.
Importa, portanto, analisar agora a intervenção da Caixa Geral de Aposentações na situação de acidente em serviço.
O artigo 38.º, n.º 1 do diploma em análise prevê que “a confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações”.
E o diploma em causa estabelece ainda a forma como a Caixa Geral de Aposentações é chamada a intervir.
Quer o artigo 9.º, n.º 3, al. e) quer o artigo 20.º, n.º 5 impõe ao empregador o dever de participar o acidente em serviço à Caixa Geral de Aposentações após a alta quando é reconhecido ao trabalhador acidentado uma incapacidade permanente.
Portanto, o Município demandado estava obrigado a comunicar a situação da autora à Caixa Geral de Aposentações.
O que se verifica nos autos é que se optou por fazer uma participação mas ao Tribunal Judicial que, naturalmente, se declarou materialmente incompetente.
E é neste contexto que se percebe a contestação da Caixa Geral de Aposentações, em que refere não ter ainda recebido qualquer participação do acidente em causa.
Assim, o Tribunal não pode condenar a Caixa Geral de Aposentações nos pedidos formulados nas alíneas f), g) e i), já que é pacífico que não lhe é possível imputar qualquer responsabilidade ou inércia. Não tendo o Município participado o acidente em causa, a Caixa Geral de Aposentações não tinha conhecimento do que quer que fosse, não podendo iniciar qualquer procedimento nos termos pretendidos pela autora sem que haja essa prévia comunicação.
No contexto do diploma em causa, o que o Tribunal pode determinar nesta fase é impor ao Município a participação a que aludem os artigos 9.º, n.º 3, al. e) e 20.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro porque só com a mesma se pode iniciar o procedimento administrativo junto da Caixa Geral de Aposentações, a quem cabe a competência de confirmar e graduar a incapacidade, bem como a responsabilidade pelas prestações a que a autora, eventualmente tenha direito.
Acontece que, como resulta dos autos, já na pendência da presente ação o Município deu cumprimento a essa obrigação, tornando-se, portanto, inútil que ocorra nova condenação.
Efetivamente resulta dos autos que o procedimento junto da CGA já se encontra a decorrer, tendo inclusive já sido designada data para que a autora comparecesse à junta médica.
Nenhuma das partes veio comunicar nada aos autos, nem requere alteração da instância.
Afigura-se que se trata de uma situação de manifesta desnecessidade, já que a própria autora tem conhecimento direto seja da junta médica da CGA seja da remessa da participação pelo Município, já que a assinou a 08.01.2020 (fls. 3 do P.A.).
Assim, é de julgar improcedente a presente ação, exceto quanto à alínea e) que em que ocorre inutilidade superveniente da lide, sendo, no entanto, de repartir as custas entre a autora e o Município, posto que a parte em que autora tinha fundamento jurídico para instauração se tronou inútil em função do cumprimento pelo Município das suas obrigações legais, a que não tinha dado cumprimento.»

3.2 Já se viu que a sentença não é objeto de impugnação na parte em que decidiu verificar-se a inutilidade superveniente da lide quando ao pedido formulado pela autor na identificada alínea e) do pedido, decisão relativamente à qual a recorrente não se insurge. O que é objeto de impugnação no presente recurso é a decisão de improcedência quanto ao tudo o demais peticionado. Cumprindo, pois, apreciar se ao assim decidir nessa parte a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo ser revogada e ainda, se, em sua substituição devem as recorridas ser condenadas nos termos que haviam sido peticionados pela recorrente na ação.
3.3 Vejamos, então, como resolver as questões que vêm trazidas em recurso. Sendo certo que é este que importa a este Tribunal ad quem apreciar e decidir, e que, nessa tarefa, se encontra delimitado pelas conclusões de recurso.
3.4 É pacífico que a situação dos autos convoca o Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública, aprovado pelo DL. n.º 503/99, de 20 de novembro.
3.5 Dispõe o artigo 7º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), sob a epígrafe “qualificação do acidente em serviço”, o seguinte:
Artigo 7º
Qualificação do acidente em serviço
1 - Acidente em serviço é todo o que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral, incluindo o ocorrido no trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho.
2 - Se a lesão corporal, perturbação funcional ou doença for reconhecida a seguir a um acidente, presume-se consequência deste.
3 - Caso a lesão corporal, perturbação funcional ou doença não seja reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.
4 - Pode considerar-se ainda como acidente em serviço o incidente ou o acontecimento perigoso de que venha a resultar lesão corporal, perturbação funcional ou doença, em que se comprove a existência do respetivo nexo de causalidade.
5 - A predisposição patológica ou a incapacidade anterior ao acidente não implica a sua descaracterização, nem prejudica o direito à reparação, salvo quando tiverem sido ocultadas.
6 - Não se considera acidente em serviço aquele em que se verifique qualquer das condições de descaracterização do acidente de trabalho previstas no regime geral, sem prejuízo da obrigação de o empregador garantir a prestação dos primeiros socorros ao trabalhador e o seu transporte ao local onde possa ser clinicamente assistido.
7 - A qualificação do acidente compete à entidade empregadora, no prazo máximo de 30 dias consecutivos, contado da data em que do mesmo teve conhecimento e, nos casos previstos no n.º 4, da data em que se comprovou a existência do respetivo nexo de causalidade.
8 - Excecionalmente e em casos devidamente fundamentados, o prazo referido no número anterior pode ser prorrogado.

3.5 O regime geral dos acidentes de trabalho a que se refere o nº 1 deste artigo 7º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), decorre atualmente, assim como já o era à data do ocorrido nos autos, dos artigos 283º e 284º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro e da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro que veio regulamentar o regime de reparação de acidentes de trabalho (e de doenças profissionais), incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009.
3.6 Nos termos do artigo 8º nº 1 da Lei nº 98/2009, para que o artigo 7º nº 1 do DL. nº 503/99 assim remete, constituirá acidente de trabalho “…aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”. Isto sem prejuízo das situações de extensão do conceito contempladas no artigo 9º do mesmo diploma.
3.7 Nos termos do nº 3 artigo 4º do DL. nº 503/99, perante um acidente em serviço assiste ao trabalhador o direito à reparação em espécie, a qual compreende, nomeadamente:
a) Prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e quaisquer outras, incluindo tratamentos termais, fisioterapia e o fornecimento de próteses e ortóteses, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao diagnóstico ou ao restabelecimento do estado de saúde físico ou mental e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa;
b) O transporte e estada, designadamente para observação, tratamento, comparência a juntas médicas ou a atos judiciais;
c) A readaptação, reclassificação e reconversão profissional.

E que nos termos do nº 4 artigo 4º do DL. nº 503/99 o direito à reparação em dinheiro compreende:
a) Remuneração, no período das faltas ao serviço motivadas por acidente em serviço ou doença profissional.
b) Indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente;
c) Subsídio por assistência de terceira pessoa;
d) Subsídio para readaptação de habitação;
e) Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente;
f) Despesas de funeral e subsídio por morte;
g) Pensão aos familiares, no caso de morte.
3.8 A reparação dos danos no âmbito de um acidente em serviço assume, assim, uma particular natureza.
Com efeito um dado acidente pode originar uma multiplicidade de danos patrimoniais e não patrimoniais, mas se é de qualificá-lo como acidente em trabalho, deverá ser submetido ao respetivo regime de reparação, a qual se encontra delimitada no âmbito desse regime precisamente em função de um fator essencial que é justamente a relação funcional (de trabalho) e a conexão entre o acidente e o seu exercício. Sendo a lesão corporal ou perturbação funcional de que resulte a redução na capacidade de trabalho ou de ganho que origina o dever de reparação do acidente de trabalho - (veja-se, a esse propósito, entre outros, os acórdãos do TCA Sul de 21/04/2016, Proc. nº 13102/16, e de 18/10/2018, Proc. nº 592/13.4BELSB, por nós então relatados, in, www.dgsi.pt/jtca).
3.9 Como alguma doutrina afirma, a função principal do regime jurídico dos acidentes em trabalho é a de tutelar a situação do trabalhador que, economicamente dependente de uma prestação de trabalho vê essa prestação impossibilitada pela sua incapacidade física, ficando por essa via sem meios de subsistência (vide, neste sentido, LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, in, “Acidentes de Trabalho e Responsabilidade Civil (A Natureza Jurídica da Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e a Distinção entre as Responsabilidades Obrigacional e Delitual)”; Revista da Ordem dos Advogados, 1988, págs. 773 e segs.).
O que fará sentido para as obrigações atinentes às remunerações no período das faltas ao serviço motivadas por acidente em serviço, no caso de incapacidade temporária, ou à indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente. E também, ainda que reflexamente, para obrigações de outra natureza, em especial as que se destinam ao restabelecimento do estado de saúde do trabalhador e por conseguinte da sua capacidade de trabalho ou de ganho e à sua recuperação para a vida ativa.
3.10 Por outro lado, e simultaneamente, a recuperação do trabalhador sinistrado e a compensação pela perda da capacidade de trabalho ou de ganho, seja a sofrida na pendência da incapacidade temporária para o trabalho, em virtude da lesão corporal, seja a que venha a perdurar no futuro, em virtude da incapacidade permanente, total ou parcial, de que fique a padecer, são funções asseguradas pelo regime dos acidentes em trabalho.
A tal respeito, vide, entre outros, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão in, “Acidentes de Trabalho e Responsabilidade Civil (A Natureza Jurídica da Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e a Distinção entre as Responsabilidades Obrigacional e Delitual)”, Revista da Ordem dos Advogados, 1988, págs. 773 e segs.; Júlio Vieira Gomes, in, “Breves reflexões sobre a noção de acidente de trabalho no novo (mas não muito), regime dos acidentes de trabalho”, I Congresso nacional de direito dos seguros, Memórias, Almedina, 2000, pp. 205 ss; Paulo Morgado de Carvalho, in,Um Olhar Sobre o Atual Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais: Benefícios e Desvantagens”, Questões Laborais, Ano IX, 2002, n.º 19, pp. 74 a 98; José Andrade Mesquita, in, “Acidentes de trabalho”, in Estudos em homenagem ao prof. Dr. Manuel Henrique Mesquita, vol. II, 2010, pp. 205 ss.
3.11 No campo de aplicação do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99) os serviços e organismos da Administração Pública não devem, em princípio, transferir para entidades seguradoras a responsabilidade pela reparação dos acidentes em serviço (cfr. artigo 45º nº 1). Mas se entenderem como vantajosa a celebração de contratos de seguro, poderão fazê-lo, excecionalmente, mediante autorização prévia dos Ministros das Finanças e da tutela ou dos competentes secretários regionais, sob proposta devidamente fundamentada (cfr. artigo 45º nº 2). Limitação que, contudo, é dispensada no caso dos serviços e organismos da administração local, os quais podem transferir a responsabilidade por acidentes em serviço prevista neste diploma para entidades seguradoras (cfr. artigo 45º nº 3).
3.12 No caso dos autos o MUNICÍPIO DE (...) tinha celebrado com a A., Companhia de Seguros, S.A, Seguro de Acidentes de Trabalho, sendo que o evento ocorrido em 18/01/2018, que foi imediatamente comunicado, que foi configurado como acidente de trabalho e nessa medida acionado o respetivo seguro, tendo, então, a trabalhadora autora sido acompanhada pelos serviços clínicos da companhia de seguros (vide pontos 1. a 4. do probatório).
3.13 A trabalhadora autora, que sofreu uma rotura completa da coifa dos rotadores no ombro direito, foi, nesse enquadramento, submetida a uma cirurgia, para tratamento da rotura da coifa, e posteriormente, a blocos de sessões de fisioterapia, e foram-lhe atribuídos vários períodos de incapacidade temporária, até que em 04/12/2018 lhe foi dada alta definitiva, pelo médico assistente que preencheu o respetivo boletim (vide pontos 5. a 8. do probatório).
3.14 Como foi referido na sentença recorrida, não existiu qualquer litígio até à atribuição da alta. Ele situa-se em momento posterior.
Pelo que importa atender aos termos em que se encontra moldado no Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99) o procedimento por acidentes em serviço, a partir da atribuição da alta.
3.15 Os artigos 20º, 21º e 22º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99) (na redação anterior às alterações que lhe foram introduzidas pelo DL. nº 33/2018, de 15 de maio, e de 84/2019, de 28 de junho), dispunham o seguinte:
Artigo 20º
Alta
1 - Quando o trabalhador for considerado clinicamente curado ou as lesões ou a doença se apresentarem insuscetíveis de modificação com terapêutica adequada, o médico assistente ou a junta médica prevista no artigo 21.º, conforme os casos, dar-lhe-á alta, formalizada no boletim de acompanhamento médico, devendo o trabalhador apresentar-se ao serviço no 1.º dia útil seguinte, exceto se lhe tiver sido reconhecida uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou para todo e qualquer trabalho, caso em que se consideram justificadas as faltas dadas até à realização da junta médica da Caixa Geral de Aposentações.
2 - Se após a alta concedida pelo médico assistente o trabalhador não se sentir em condições de retomar a sua atividade habitual, pode requerer à entidade empregadora a sua apresentação à junta médica prevista no artigo 21.º, que deverá realizar-se no prazo máximo de 15 dias úteis, considerando-se justificadas as faltas dadas até à sua realização.

3 - A junta médica prevista no número anterior deve declarar se o sinistrado está em condições de retomar o serviço ou indicar a data de apresentação a nova junta médica, devendo a respetiva decisão ser notificada pessoalmente ao interessado, no próprio dia, e à entidade empregadora, pela via mais expedita, no prazo de dois dias úteis.
4 - Após a alta, caso a ausência ao serviço tiver sido superior a 30 dias consecutivos, o trabalhador deve ser examinado pelo médico do trabalho, para confirmação da sua aptidão relativa ao respetivo posto de trabalho, devendo, no caso de ser declarada inaptidão temporária, ser presente à junta médica prevista no artigo 21.º e, no caso de declaração de incapacidade permanente, ser comunicado o facto à Caixa Geral de Aposentações, sem prejuízo do disposto no artigo 23.º
5 - Após a alta, se for reconhecido ao acidentado uma incapacidade permanente ou se a incapacidade temporária tiver durado mais de 36 meses, seguidos ou interpolados, a entidade empregadora deve comunicar o facto à Caixa Geral de Aposentações, que o submeterá a exame da respetiva junta médica para efeitos de confirmação ou de verificação de eventual incapacidade permanente resultante do acidente e de avaliação do respetivo grau de desvalorização.
6 - No caso de não ter sido reconhecida ao acidentado uma incapacidade permanente e este não se conformar com tal decisão, pode requerer à Caixa Geral de Aposentações, no prazo de 90 dias consecutivos após a alta, a realização de junta médica, para os fins previstos no número anterior.”

Artigo 21º
Junta médica
1 - A verificação e confirmação da incapacidade temporária, a atribuição da alta ou a sua revisão, previstas nos artigos 19.º e 20.º, e a emissão do parecer referido no artigo 23.º competem a uma junta médica composta por dois médicos da ADSE, um dos quais preside, e um médico da escolha do sinistrado.
2 - Caso se demonstre necessário, a ADSE poderá fazer substituir um dos seus representantes na junta médica por um perito médico-legal.
3 - A constituição e o funcionamento da junta prevista no número anterior são da responsabilidade da ADSE, que deverá promover a sua realização na secção que corresponda à área de residência do sinistrado.
4 - Compete à entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente requerer à ADSE a realização do exame da junta médica e suportar os respetivos encargos, incluindo os relativos à eventual participação do médico indicado pelo sinistrado.
5 - Se o sinistrado não indicar à ADSE o médico da sua escolha, no prazo de 10 dias úteis contado da notificação da data da realização da junta médica, este será substituído por um médico designado pela ADSE.
6 - Os hospitais, estabelecimentos de saúde ou quaisquer outras entidades devem prestar à junta médica a informação que lhes seja solicitada e fornecer-lhes os elementos de natureza clínica relativos aos trabalhadores sinistrados.
7 - As decisões da junta médica são notificadas ao sinistrado e à respetiva entidade empregadora.

Artigo 22º
Junta de recurso
1 - O sinistrado pode solicitar à entidade empregadora a realização de junta de recurso, mediante requerimento fundamentado com parecer médico, no prazo de 10 dias úteis a contar da notificação da decisão da junta médica referida no artigo 21.º
2 - A junta de recurso tem a mesma composição da junta médica prevista no artigo anterior, devendo ser integrada por médicos diferentes, à exceção do médico da escolha do sinistrado, que pode ser o mesmo.
3 - À junta de recurso aplica-se o disposto nos n.ºs 2, 3, 4 e 6 do artigo anterior.
4 - A junta médica, cuja decisão é objeto de recurso, deve facultar ao sinistrado, a solicitação deste, as informações constantes do respetivo processo no prazo de dois dias úteis.
5 - Se a junta de recurso declarar o sinistrado em condições de regressar ao serviço, as faltas dadas até à notificação dessa decisão são consideradas justificadas.

3.16 Ora, em face deste normativos, duas conclusões podem, desde logo, ser pacificamente retiradas.
A primeira, a de que a alta pode ser dada pelo médico assistente (cfr. artigo 20º nº1). Significando que a alta não tem que ser necessariamente atribuída por junta médica da ADSE, podendo sê-lo pelo médico assistente, como decorre do inciso “…o médico assistente ou a junta médica prevista no artigo 21.º, conforme os casos, dar-lhe-á alta”, constante do artigo 20º nº 1, designadamente quando existindo seguro por acidentes de trabalho, e este tenha sido acionado. Como foi o caso.
A segunda a de que a atribuição da alta não pressupõe sempre a consideração de que o trabalhador acidentado se encontra «clinicamente curado», já que pode também ser motivo da alta a circunstância de as lesões “…se apresentarem insuscetíveis de modificação com terapêutica adequada.”, como decorre da conjunção «…ou…» usada naquele mesmo nº 1 do artigo 20º, indicativa do caracter alternativo ou opcional desses dois pressupostos.
E tudo isto foi considerado na sentença recorrida.
3.16 A sentença recorrida considerou, também, que quando ao trabalhador seja concedida alta e este não se considere em condições para retomar a sua atividade habitual, lhe cabe um ónus de inverter a declaração de alta através da apresentação do requerimento a que alude o artigo 20º nº 2.
E, efetivamente, nos termos do artigo 20º nº 2 do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), se após a alta concedida pelo médico assistente o trabalhador não se sentir em condições de retomar a sua atividade habitual, pode requerer à entidade empregadora a sua apresentação à junta médica da ADSE prevista no artigo 21º, devendo esta, em tal caso, realizar-se no prazo máximo de 15 dias úteis.
E se essa junta médica da ADSE não for favorável à pretensão do trabalhador, este pode ainda solicitar a realização de uma junta médica de recurso, mediante requerimento fundamentado com parecer médico, no prazo de 10 dias úteis a contar da notificação da decisão da primeira junta médica (cfr. artigo 22º nº 1).
3.17 Não resulta dos autos, nem a trabalhadora autora de todo o modo o alegou, que perante a alta que lhe foi dada em 04/12/2018 pelo médico assistente, esta tenha solicitado a realização de junta médica da ADSE, a que alude o artigo 21º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), não tendo, pois, desencadeado o mecanismo previsto no artigo 20º nº 2 do mesmo Regime.
3.18 E a sentença recorrida não deixou de reconhecer esta circunstância. E foi com base nela que considerou que «…tendo sido atribuída à autora alta e não tendo ela contestado essa atribuição nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, tal significa que não é possível condenar nem o Município nem a seguradora a efetuaram as prestações pretendidas pela autora. Efetivamente a lei refere que essa responsabilidade cabe à Caixa Geral de Aposentações. Aqui chegado, importa concluir que assiste razão à segurando quando na sua contestação invoca que deu integral cumprimento às suas obrigações contratuais. Na verdade, a autora coloca em causa o procedimento e reparação posteriores ao momento em que lhe foi dada alta. Ora, por força dos normativos referidos a partir da atribuição de alta, a responsabilidade pelas prestações deixa de ser do Município e, naturalmente, da companhia de seguros contratada, passando a ser da Caixa Geral de Aposentações. Assim, não assiste razão à autora quando pretende obter seja do Município seja da seguradora um montante relativo à reparação de danos sofridos seja por danos morais seja por danos patrimoniais (consultas médica, medicamentos e transportes), ou a atribuir o que seja em função da sua eventual incapacidade».
3.19 De tudo o que vimos vendo deriva, pois, a improcedência do pedido formulado pela trabalhadora autora na alínea a) do petitório: a condenação do MUNICÍPIO DE (...) (1.ª Ré) e da sua seguradora de acidentes A., COMPANHIA DE SEGUROS (2.ª Ré) a declararem que a autora não se encontrava curada na data em que os serviços clínicos da 2ª ré lhe deram alta e, em consequência, ser ressarcida de todas as despesas que suportou.
Mas também, e simultaneamente, a improcedência do pedido da alínea f) do petitório que a autora formulou nos seguintes termos: «condenar da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES a fazer cumprir o disposto no artigo 20° e ss. do DL n° 503/99, após a comunicação da entidade patronal, nomeadamente, a submeter a autora a junta médica de modo a apurar-se se a Autora precisa de mais tratamentos, nos termos dos artigos 20.° e 21.° do DL n.º 503/99 e, em caso afirmativo, condenar-se as RR. a prestar os referidos tratamentos à A.».
3.20 Ao que deve acrescentar-se dizendo que a autora labora em aparente confusão, já que a junta médica a que se reportam os artigos 20º e 21º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), é a junta médica da ADSE, a qual se destina a verificar e confirmar a incapacidade temporária, bem como a atribuição da alta ou a sua revisão, aferindo se o trabalhador sinistrado está ou não em condições de retomar o serviço, enquanto a junta médica da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES a que se refere o artigo 38º Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), se destina a verificar (a graduar) a incapacidade permanente.
3.21 A trabalhadora autora, ora recorrente, nem põe propriamente em causa o entendimento que foi feito na sentença recorrida. O que sustenta é que o Tribunal não podia, depois de reconhecer que só na pendência da ação o réu MUNICÍPIO participou, como lhe era exigido, o acidente em serviço à Caixa Geral de Aposentações, o que ademais gerou a decisão de inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido que a autora havia formulado sob a alínea e) do petitório, vir a absolver todos réus dos pedidos, irresponsabilizando qualquer um deles pela indemnização dos danos, ainda não apurados, decorrentes do acidente de trabalho, que, assim, o Tribunal a quo não poderia ter-se pronunciado sobre a apreciação do mérito da causa, com a absolvição dos réus dos pedidos e que perante a decisão de absolvição de todos os réus de todos os pedidos (com exceção do formulado sob a alínea e), que foi considerado supervenientemente inútil) implica que a trabalhadora autora tenha que instaurar nova ação judicial contra os mesmos réus Caixa Geral de Aposentações e Companhia de Seguros para ver a sua pretensão alcançada, o que diz não ter cabimento nenhum porque tal seria conseguido e alcançado com a presente ação, que a absolvição dos réus dos pedidos impede a autora de responsabilizá-los pelos danos que efetivamente sofreu e os que se viessem a apurar, por força da sua incapacidade permanente, o que afirma ser uma injustiça tremenda.
3.22 Mas, dos moldes em que se encontra gizado, quer o procedimento por acidentes em serviço, quer o respetivo regime material, as responsabilidades da entidade pública empregadora, da sua seguradora (caso exista seguro de acidentes de trabalho), da ADSE e da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES não são iguais e indistintas. Cada uma delas haverá intervir e atuar em cada momento, e nos termos e com as competências legalmente definidas, sendo as respetivas obrigações as que legalmente se encontram definidas.
3.23 Isso mesmo se mostra, aliás, desde logo, evidenciado no artigo 5º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), ao dispor o seguinte:
“Artigo 5º
Responsabilidade pela reparação
1. O empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma.
2. O serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no presente diploma.
3. Nos casos em que se verifique a incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma.”
(sublinhado nosso)

Sendo que, por sua vez, a respeito da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações dispõem, designadamente, os artigos 34º, 38º e 40º o seguinte:
“Artigo 34º
Incapacidade permanente ou morte
1 - Se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral.
2 - Quando a lesão ou doença resultante de acidente em serviço ou doença profissional for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente ou doença profissional, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, salvo se, por lesão ou doença anterior, o trabalhador já estiver a receber pensão ou tiver recebido um capital de remição.
3 - No caso de o trabalhador estar afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente ou doença profissional, a reparação será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente ou doença profissional.
4 - As pensões e outras prestações previstas no n.º 1 são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição.
5 - No cálculo das pensões é considerada a remuneração sujeita a desconto para o respetivo regime de segurança social.
6 - A pensão por morte referida no n.º 1 não é acumulável com a pensão de preço de sangue ou com qualquer outra destinada a reparar os mesmos danos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 41.º
7 - Se do uso da faculdade de recusa de observância das prescrições médicas ou cirúrgicas prevista no n.º 9 do artigo 11.º resultar para o sinistrado uma incapacidade permanente com um grau de desvalorização superior ao que seria previsível se o tratamento tivesse sido efetuado, a indemnização devida será correspondente ao grau provável de desvalorização adquirida na situação inversa.
8 - Se não houver beneficiários com direito a pensão por morte, não há lugar ao respetivo pagamento.”

“Artigo 38º
Juntas médicas
1 - A confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações, que terá a seguinte composição:
a) No caso de acidente em serviço, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um perito médico-legal e um médico da escolha do sinistrado;
b) No caso de doença profissional, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um médico do Centro Nacional e um médico da escolha do doente.
2 - Se o sinistrado ou o doente não indicar o médico da sua escolha no prazo de 10 dias úteis contado da notificação da data da realização da junta médica, este será substituído por um médico designado pela Caixa Geral de Aposentações.
3 - A composição e funcionamento das juntas médicas é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, que requisitará o perito médico-legal ao respetivo instituto de medicina legal ou o médico ao Centro Nacional e suportará os inerentes encargos, incluindo os relativos à eventual participação do médico indicado pelo sinistrado ou doente.
4 - Os encargos relativos à participação do médico indicado pelo sinistrado ou doente não podem ultrapassar um quarto da remuneração mínima mensal garantida mais elevada, sendo os relativos aos demais médicos os constantes das respetivas tabelas, caso existam, ou fixados por despacho do Ministro das Finanças.
5 - A determinação das incapacidades permanentes é efetuada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
6 - Nos casos previstos na alínea a) do n.º 1, em que o sinistrado seja militar ou equiparado, o perito médico-legal é substituído, sempre que possível, por um médico indicado pelo competente serviço de saúde militar, com formação específica em medicina legal.
7 - As decisões da junta médica são notificadas ao trabalhador e à entidade empregadora.”

“Artigo 39.º
Juntas de recurso
1 - O sinistrado ou o doente pode solicitar à Caixa Geral de Aposentações a realização de junta de recurso, mediante requerimento, devidamente fundamentado, a apresentar no prazo de 60 dias consecutivos a contar da notificação da decisão da junta médica.
2 - A junta de recurso tem a mesma composição da competente junta médica prevista no artigo anterior, devendo ser integrada por médicos diferentes dos que intervieram na junta inicial, à exceção do médico da escolha do sinistrado ou doente, que pode ser o mesmo.
3 - À junta de recurso aplica-se o disposto no artigo anterior.”

3.24 Neste enquadramento, o que compete à junta médica da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES é verificar (confirmar) se ocorre incapacidade permanente para o trabalho em resultado de acidente, qualificado como acidente em serviço, e bem assim fixar o grau dessa incapacidade, quando existente, com vista a estabelecer a pensão devida, a qual consubstanciará reparação do dano sofrido em resultado do acidente em serviço.
Isso mesmo já se entendeu, entre outros, no acórdão do TCA Sul de 28/07/2018, Proc. nº 368/17.0BEALM, por nós então relatado, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, em que se sumariou «I – À junta médica da CGA compete verificar (confirmar) se ocorre incapacidade permanente em resultado de acidente, qualificado como acidente em serviço, e bem assim fixar o grau dessa incapacidade, quando existente (cfr. artigo 38º nº 1 do DL. nº 503/99), com vista a estabelecer a pensão devida, a qual consubstanciará reparação do dano sofrido em resultado do acidente de trabalho (cfr. artigo 34º nº 1 do DL. nº 503/99). (…)», e no acórdão daquele mesmo TCA Sul de 10/05/2018, Proc. nº 119/17.9BEPDL, que então subscrevemos na qualidade de segundos adjuntos, igualmente disponível in, www.dgsi.pt/jtca, em que se sumariou «(…) ii) A Caixa Geral de Aposentações só intervém em processos de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais ocorridos no seio da Administração Pública, após o evento danoso ter sido qualificado pela entidade empregadora como acidente de trabalho, nos termos do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, e após ter sido dada alta clínica ao trabalhador certificada pela junta médica da ADSE, de acordo com o disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro
3.25 Assim, e para tanto, nos termos do disposto no artigo 20º nº 5 do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), “…após a alta, se for reconhecido ao acidentado uma incapacidade permanente ou se a incapacidade temporária tiver durado mais de 36 meses, seguidos ou interpolados, a entidade empregadora deve comunicar o facto à Caixa Geral de Aposentações, que o submeterá a exame da respetiva junta médica para efeitos de confirmação ou de verificação de eventual incapacidade permanente resultante do acidente e de avaliação do respetivo grau de desvalorização”, comunicação que deve ser efetuada no prazo de seis dias úteis (cfr. artigo 9º nº 3 alínea e)).
3.26 Na situação dos autos, no boletim da alta definitiva, de 04/12/2018, o médico assistente indicou que a autora teria ficado com um coeficiente global de incapacidade de 0,0450 (vide pontos 8. e 9. do probatório).
A comunicação que, nesse seguimento, devia ter sido feita à Caixa Geral de Aposentações nos termos das disposições conjugadas daqueles artigos 9º nº 3 alínea e) e 20º nº 5 do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), não ocorreu. Isto porque a Companhia de Seguros participou a situação da trabalhadora ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel (vide ponto 10. do probatório). Observando assim, em erro, o regime geral dos acidentes de trabalho, em particular a disposição do artigo 90º nº 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (que na decorrência dos artigos artigo 283º e 284º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais), nos termos do qual “…a seguradora participa ao tribunal competente, por escrito, no prazo de oito dias a contar da alta clínica, o acidente de que tenha resultado incapacidade permanente…”. Quando, no caso devia ter sido observado o Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública aprovado pelo DL. n.º 503/99.
E a comunicação à CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES só veio a ocorrer em 08/01/2020, data em que o réu MUNICÍPIO DE (...) a efetuou, já após a instauração da presente ação (vide ponto 11. do probatório).
3.27 Ciente disto o Mmº Juiz a quo afirmou, então, que «…o Tribunal não pode condenar a Caixa Geral de Aposentações nos pedidos formulados nas alíneas f), g) e i), já que é pacífico que não lhe é possível imputar qualquer responsabilidade ou inércia. Não tendo o Município participado o acidente em causa, a Caixa Geral de Aposentações não tinha conhecimento do que quer que fosse, não podendo iniciar qualquer procedimento nos termos pretendidos pela autora sem que haja essa prévia comunicação. (…)». E que «(…) o que o Tribunal pode determinar nesta fase é impor ao Município a participação a que aludem os artigos 9.º, n.º 3, al. e) e 20.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro porque só com a mesma se pode iniciar o procedimento administrativo junto da Caixa Geral de Aposentações, a quem cabe a competência de confirmar e graduar a incapacidade, bem como a responsabilidade pelas prestações a que a autora, eventualmente tenha direito. (…)».
Ato continuo, porém, disse: «(…) Acontece que, como resulta dos autos, já na pendência da presente ação o Município deu cumprimento a essa obrigação, tornando-se, portanto, inútil que ocorra nova condenação. Efetivamente resulta dos autos que o procedimento junto da CGA já se encontra a decorrer, tendo inclusive já sido designada data para que a autora comparecesse à junta médica. Nenhuma das partes veio comunicar nada aos autos, nem requere alteração da instância. Afigura-se que se trata de uma situação de manifesta desnecessidade, já que a própria autora tem conhecimento direto seja da junta médica da CGA seja da remessa da participação pelo Município, já que a assinou a 08.01.2020 (fls. 3 do P.A.). Assim, é de julgar improcedente a presente ação, exceto quanto à alínea e) que em que ocorre inutilidade superveniente da lide, sendo, no entanto, de repartir as custas entre a autora e o Município, posto que a parte em que autora tinha fundamento jurídico para instauração se tronou inútil em função do cumprimento pelo Município das suas obrigações legais, a que não tinha dado cumprimento (…)».
3.28 Será esta decisão de manter?
3.29 Lembre-se que estão já arredadas da discussão as questões relativas à alta definitiva, que foi dada à trabalhadora, já supra debatidas. Encontrando-se, assim, justificada a improcedência dos correspondentes pedidos formulados sob as alíneas a) e f) do petitório.
3.30 Simultaneamente não subsiste, nem chegou, aliás, a existir, qualquer litigio quanto à qualificação como acidente em serviço do evento ocorrido em 18/01/2018, em que a trabalhadora autora, assistente operacional do réu MUNICÍPIO, ao varrer o lixo, fez um esforço extra tendo originado fortes dores no braço e no pescoço, tendo-se verificado que sofreu uma rotura completa da coifa dos rotadores no ombro direito, o que levou a que tivesse de ser submetida a uma cirurgia, para tratamento da rotura da coifa, e posteriormente, a blocos de sessões de fisioterapia. Já que ele foi enquadrado como acidente em serviço, com acionamento do seguro de acidente de trabalho celebrado entre MUNICÍPIO DE (...) e a A., Companhia de Seguros, S.A, respetivamente 1º e 2º réus. Tornando-se, pois, inócuo o pedido de reconhecimento do nexo de causalidade do acidente de trabalho, enquanto pressuposto das obrigações que decorrem da assunção de um evento como acidente de trabalho se ela foi desde logo assumida.
3.31 Sendo que, não obstante a trabalhadora autora ter peticionado, sob a alínea a) do petitório, deverem aqueles 1º e 2º réus ressarcir a autora «…de todas as despesas que suportou», e sob a alínea b) do petitório deverem os réus ser condenados solidariamente «…a indemnizar os danos que a A. sofreu a título patrimonial suportados com consultas médicas, exames, medicamentos e transportes», lida a Petição Inicial dela não constam, nem são alegados, quaisquer despesas que esta tenha suportado e relativamente às quais não tenha ainda sido reembolsada, devendo sê-lo.
3.32 Ademais, estes pedidos emergem em formulação genérica, sem explicitação das despesas, designadamente com consultas médicas, exames, medicamentos e transportes que possam eventualmente ter sido por ela suportadas seja antes seja depois da alta, o que também não surge explicitado nem concretamente alegado.
3.33 Sendo certo que, quanto às que possam ter ocorrido após a alta, ou que venham eventualmente a ocorrer no futuro, elas sempre dependerão da verificação dos respetivos pressupostos, designadamente da verificação de uma situação de recidiva, agravamento ou recaída, nos termos do disposto no artigo 24º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), entendendo-se como recidiva a “…lesão ou doença ocorridas após a alta relativa a acidente em serviço em relação às quais seja estabelecido nexo de causalidade com o mesmo”; como agravamento a “…lesão ou doença que, estando a melhorar ou estabilizadas, pioram ou se agravam” e como recaída a “…lesão ou doença que, estando a melhorar ou estabilizadas, pioram ou se agravam” (cfr., respetivamente, alíneas o), p) e q) do nº 1 do artigo 3º daquele diploma).
E não se mostra que a trabalhadora autora tenha desencadeado o respetivo procedimento.
Pelo que não tendo a trabalhadora autora invocado perante a sua entidade patronal a existência de recidiva, agravamento ou recaída com vista à respetiva reparação, quer em espécie (designadamente através de prestações de natureza médica) quer em dinheiro (abrangendo, nomeadamente, as remunerações no período das faltas ao serviço motivadas pelo acidente em serviço e a indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à eventual redução na capacidade de trabalho ou de ganho no caso de incapacidade permanente), compreendidas no artigo 4º do DL. nº 503/99, para que remete o nº 2 do artigo 24º do mesmo diploma, nenhuma condenação podia ou pode ser feita a esse título. Isto quando, ademais, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 24º a obrigação dessa reparação só ocorrerá perante o reconhecimento da situação de recidiva, agravamento ou recaída, a ser feito em junta médica da ADSE a que se refere o artigo 21º nº 1. Veja-se, a este respeito, e neste sentido, o acórdão do TCA Sul de 14/06/2018, Proc. nº 1682/17.0BESNT, por nós então relatado, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, em que se sumariou o seguinte: «I – Nos termos do disposto no artigo 24º do DL. nº 503/99, tendo o trabalhador sofrido um acidente de serviço, como tal já reconhecido, relativamente ao qual lhe foi dada alta nos termos do artigo 20º, por não ocorrer incapacidade permanente absoluta e a doença se apresentar insuscetível de modificação com terapêutica adequada, pode, no prazo de 10 anos contado da alta, solicitar à entidade empregadora a submissão a junta médica, se se considerar em situação de recidiva, devendo para tanto suportar-se em parecer médico com o qual deve instruir esse mesmo requerimento. II – Perante tal requerimento cabe à entidade empregadora, nos termos do previsto no artigo 24º nº 1 do DL. nº 503/99, submeter o trabalhador a junta médica, composta por dois médicos da ADSE (a qual pode ser integrada também por um médico da escolha do sinistrado) (cfr. artigo 21º). III – Só perante o reconhecimento, a ser feito por aquela junta médica, da invocada situação de recidiva, haverá que ser determinada, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 24º do DL nº 503/99, a reabertura do processo por acidente de trabalho com fundamento em recidiva, com vista à respetiva reparação, quer em espécie (designadamente através de prestações de natureza médica) quer em dinheiro (abrangendo, nomeadamente, as remunerações no período das faltas ao serviço motivadas pelo acidente em serviço e a indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à eventual redução na capacidade de trabalho ou de ganho no caso de incapacidade permanente), compreendidas no artigo 4º do DL. nº 503/99, para que remete o nº 2 do artigo 24º do mesmo diploma. (…)»
3.34 Pelo que também não havia que condenar qualquer dos réus ao pagamento de tais eventuais despesas.
3.35 E também não podia proceder o pedido de condenação dos réus a pagarem solidariamente à trabalhadora autora a quantia de 1.000,00€ a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, formulado sob a alínea b) do petitório, e a que a autora se referiu no artigo 44º da PI, na medida em que, pela natureza da responsabilidade emergente dos acidentes de trabalho, nos termos legalmente regulados, a que supra já se aludiu, os danos não patrimoniais não se encontram abarcados na respetiva tutela, como decorre, aliás, do artigo 4º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99).
Só assim não será nas situações em que o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, caso em que a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais de direito, tal como expressamente o enuncia o nº 1 do artigo 18º da Lei nº 98/2009, ao dispor que “…quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais e é entendido seja pela doutrina seja pela jurisprudência.
Vide a este respeito, a título ilustrativo, os acórdãos do TCA Sul de 21/04/2016, Proc. nº 13.102/16, de 18/10/2018, Proc. nº 592/13.4BELSB, ambos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtca, e deste TCA Norte de 03/04/2020, Proc. nº 3063/06.1BEPRT, in, www.dgsi.pt/jtcn, este em que se sumariou, entre o demais, o seguinte: «(…) IV - A recuperação do trabalhador sinistrado e a compensação pela perda da capacidade de trabalho ou de ganho, seja a sofrida na pendência da incapacidade temporária para o trabalho, em virtude da lesão corporal, seja a que venha a perdurar no futuro, em virtude da incapacidade permanente, total ou parcial, de que fique a padecer, são funções asseguradas pelo regime dos acidentes em trabalho. V - É o reconhecimento de que os termos em que se encontra delimitado o âmbito do dano abrangido no regime dos acidentes de trabalhado não contempla a integralidade dos danos que o trabalhador possa ter sofrido e que mereçam a tutela do direito, que legítima que o trabalhador possa, verificados que sejam os respetivos requisitos, assacar a respetiva responsabilidade a quem esses mesmos danos sejam imputáveis. VI - Em tal caso, porque se estará já no âmbito da responsabilidade delitual haverá que convocar os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, para que o trabalhador possa ser ressarcido nos termos gerais (…)».
3.35 A trabalhadora autora limitou-se a peticionar uma indemnização no montante de 1.000,00€ pelas dores, preocupações, tristezas e aflições a que se referiu no artigo 44º da PI, que justificariam, a seu ver, uma indemnização no montante de 1.000,00€ que peticionou, mas esse pedido não encontra justificação no Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), nem foi enquadrado no regime geral da responsabilidade civil delitual, nem nada foi alegado nesse sentido.
3.36 Resta, por fim, a questão de saber se a decisão de absolvição do pedido não podia ter abrangido o pedido de condenação da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES a submeter a trabalhadora autora a junta médica para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, nos termos do artigo 38° do DL. n.º 503/99 e, em função dessa incapacidade fixada, reparar os danos sofridos pela Autora, pagando-lhe a respetiva compensação, pedido que a autora formulou sob a alínea g) do petitório.
3.37 Quando foi prolatada a sentença recorrida, datada de 19/03/2020, o Tribunal a quo sabia já que havia sido agendada para 28/01/2020 a realização da junta médica da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (vide ponto 13. do probatório), mas desconhecia, ainda, o respetivo resultado. Seja porque nenhuma das partes dele deu oportuno conhecimento ao Tribunal a quo, como o impunha o princípio da cooperação e boa-fé processual, tal como acolhido no artigo 8º do CPTA, seja porque o Tribunal a quo também não solicitou essa informação.
Isto quando resulta dos autos que em 28/01/2020 se realizou efetivamente a junta médica da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES que havia sido agendada para essa mesma data e que a qual homologada por despacho Direção da CGA em 30/01/2020 e que concluiu inexistirem sequelas desvalorizativas decorrentes do traumatismo sofrido pela trabalhadora autora, e que dela notificada, e face àquela resultado a trabalhadora autora requereu através de requerimento datado de 03/03/2020, a realização de junta médica de recurso com convocação do artigo 39º do DL. nº 503/99 (vide pontos 14. e 15. do probatório). Tudo circunstâncias que poderiam ter sido consideradas pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, mas que não o foram pela singela razão de que não tinham sido levadas ao seu conhecimento.
3.38 Sabemos delas nós, agora. Como sabemos também que o pedido de junta médica de recurso foi indeferido por despacho de 07/05/2020 da Direção da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, com base no parecer emitido em 18/03/2018 pela Coordenadora do Núcleo Médico da CGA, por ter sido entendido que a nova documentação clínica que havia sido remetida pela autora confirma o anteriormente analisado e decidido pela Junta Médica de 28/01/2020 (vide ponto 16. do probatório).
3.39. Como já vimos supra, nos termos definidos no Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), a indemnização (em capital ou pensão vitalícia) correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente (cfr. artigo 4º) depende da verificação e confirmação de uma situação de incapacidade permanente (com o estabelecimento do respetivo grau), a efetuar pela junta médica da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES com possibilidade de solicitação de junta médica de recurso (cfr. designadamente, artigos 4º, 34º, 38º e 39º).
3.40 A trabalhadora autora socorreu-se da presente ação, ao abrigo do artigo 48º do DL. nº 503/99, de 20 de novembro, destinada à efetivação de direitos decorrentes do identificado acidente em serviço. Ação que instaurou em 18/11/2019.
3.41. Nos termos do disposto no artigo do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99) “…o interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, ação para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os atos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência” (nº 1), sendo que referido prazo de 1 ano se conta “…da data da notificação, em caso de ato expresso”, ou “…da data da formação de ato tácito de indeferimento da pretensão formulada” (nº 3).
3.42. Perante o que não pode deixar de concluir-se ter a ação sido instaurada prematuramente face às responsabilidades que legalmente poderiam vir a ser exigidas à CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES. Isto porque quando a ação foi instaurada ainda não lhe havia sido feita a comunicação prevista nas disposições conjugadas dos artigos 9º nº 3 alínea e) e 20º nº 5 do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), como, aliás, já se viu supra. E sem ela a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES não podia iniciar qualquer procedimento tendente à verificação (confirmação) de incapacidade permanente, nem tal lhe era exigível.
Isso mesmo não deixou de ser, de certa forma, considerado pelo Tribunal a quo, ao afirmar que «… o Tribunal não pode condenar a Caixa Geral de Aposentações nos pedidos formulados nas alíneas f), g) e i), já que é pacífico que não lhe é possível imputar qualquer responsabilidade ou inércia. Não tendo o Município participado o acidente em causa, a Caixa Geral de Aposentações não tinha conhecimento do que quer que fosse, não podendo iniciar qualquer procedimento nos termos pretendidos pela autora sem que haja essa prévia comunicação.»
3.43 A trabalhadora autora, ora recorrente, propugna que o Tribunal a quo não poderia ter-se pronunciado sobre o mérito da causa com a absolvição do pedido.
Mas, na verdade, essa era a decisão inevitável no contexto factual em que foi proferida a sentença recorrida. Já que, como se viu, a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES não havia incumprido qualquer dever que sobre ela incumbisse.

3.44. Assim também agora, e no atual contexto, tem que manter-se essa decisão de absolvição do pedido.
É que, e no que especificamente respeita às obrigações que seriam, nos termos do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), da responsabilidade da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, em particular as de submeter a trabalhadora autora à junta médica prevista no artigo 38º para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, e em função dessa incapacidade fixada, proceder à reparação dos danos pagando-lhe a respetiva compensação, a que corresponde o pedido formulado pela autora na alínea g) do petitório, este mesmo pedido foi formulado com carater eventual e condicionado à ocorrência de circunstâncias futuras e hipotéticas. E elas não se verificam na medida em que a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES não reconheceu, mesmo após junta médica de recurso, a verificação de incapacidade permanente para o trabalho da autora.
3.45 Não sendo já possível agora, e nesta sede de recurso, por o não admitir o artigo 63º nº 1 do CPTA, a ampliação do objeto do processo à impugnação dos atos que subsequentemente ao encerramento da discussão em primeira instância foram praticados, nem à formulação de novas pretensões tendentes, designadamente, a afastar o resultado das juntas médicas da CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, reconhecendo a incapacidade parcial permanente para o trabalho de que a autora diz padecer.
3.45. Pelo que há que absolver também a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES no pedido que contra ela foi formulado sob a alínea g) do petitório. Sem que isso importe que à autora esteja vedado pôr em causa o resultado daquelas juntas médicas, através de nova ação instaurada para o efeito, ao abrigo do artigo 48º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no âmbito da Administração Pública (DL. n.º 503/99), e por referência a elas, as quais, obviamente, não integraram o objeto da presente ação, nem nela foram postas em causa.
3.46 Aqui chegados, e pelos fundamentos expostos, deve negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se, ainda que não integralmente com a mesma fundamentação, a decisão recorrida. O que se decide.
*

IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se, ainda que não integralmente com a mesma fundamentação, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do respetivo apoio judiciário - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo, artigos 7º e 12º nº 2 do RCP, artigo 189º nº 2 do CPTA e artigo 48º nº 2.
*
Notifique.
D.N.
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Porto, 18 de setembro de 2020


M. Helena Canelas
Isabel Costa
Rogério Martins