Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00354/18.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ASSOCIAÇÃO DE CAÇA E PESCA/INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DAS FLORESTAS, IP;
ACTO DE INDEFERIMENTO DA CONSTITUIÇÃO DE ZONA DE CAÇA ASSOCIATIVA;
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO; NOTIFICAÇÃO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
A ASSOCIAÇÃO DE CAÇA E PESCA DE ... instaurou ação administrativa contra o INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DAS FLORESTAS, IP, ambos melhor identificados nos autos.
Pediu a anulação do ato de indeferimento da constituição da Zona de Caça Associativa de ... e a condenação do Réu à prática do ato devido.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
I)O Tribunal a quo que absolveu o Recorrido do pedido de anulação do despacho do seu Vice-presidente, datado de 26.02.2018, cuja notificação à recorrente, tendo ocorrido a 08.03.2018, foi objecto também de recurso administrativo.
II) A Recorrente procedeu a um pedido para a constituição da Zona de Caça Associativa de ... – ..., junto do Recorrido.
III) Tanto aquele despacho, como a sua notificação, apresentam invalidades que justificam o presente recurso, mas que não foram sindicadas pelo Tribunal a quo.
IV) Com data de 26.02.2018 foi proferida decisão através da qual, “por despacho do Sr. Vice Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., foi indeferido o requerimento, apresentado por V. Ex.ª em 30-10-2017, para a constituição da Zona de Caça Associativa de ..., Proc. Prov. N.º 20380.”.
V) A notificação enviada pelo Recorrido não apresenta qualquer menção sobre os direitos que assistiriam à Recorrente, quer em sede de impugnação administrativa, quer de impugnação contenciosa e a omissão de tais formalidades consubstancia uma nulidade, por preterição de menção obrigatória aquando da notificação, nos termos do artigo 114.°, n.° 2, al. c), conjugado com o seu n.° 4, do CPA, pelo que não concordamos com a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo.

VI) A invalidade da notificação (que encerra em si própria a fundamentação da decisão), sempre justificará a sua repetição, para assim a Recorrente, cumpridos os princípios da actividade administrativa, exerça cabalmente os seus direitos.
VII) Constitui uma contradição da Sentença do Tribunal a quo, quando refere na sua página 24 que “De resto, dispõe o artigo 60.°/2 do CPTA que “... Quando a notificação ou a publicação do ato administrativo não contenham a indicação do autor, da data ou dos fundamentos da decisão, tem o interessado a faculdade de requerer à entidade que proferiu o ato a notificação das indicações em falta ou a passagem de certidão que as contenha, bem como, se necessário, de pedir a correspondente intimação judicial, nos termos previstos nos artigos 104.º e seguintes deste Código...”, e não retira nenhuma consequência do incumprimento por parte do Recorrido, quando a Recorrente requereu a notificação das indicações em falta.
VIII) A Recorrente assim procedeu, quando na sua atuação diligente, respondendo a todas as notificações que lhe foram dirigidas, solicitou informações referentes à localização das alegadas imprecisões constatadas, sendo que recebeu como resposta uma decisão de indeferimento.
IX) Porquanto, com data de 08.01.2018 (ICNF, I.P. - Ref.ª ...18...) foi enviada à Recorrente, proposta de indeferimento pela Chefe de Divisão de Licenciamento e Avaliação de Projectos do Centro, Eng.ª «AA», na qual se invocavam, para a intenção desses serviços em propor superiormente o indeferimento do pedido apresentado, os seguintes motivos (com interesse in casu apenas o ponto 1, 2 e 3):
“1- existência de inconformidade com as normas legais em vigor do acordo colectivo de cedência do direito de exploração cinegética apresentado, nos termos do ponto 2 do n.º 1 da Portaria 431/2006, de 3 de maio (certamente por lapso se indicou ponto 2 do n.º 1, quando se queria dizer artigo 1.º, n.º 2 daquele diploma), uma vez que a denominada primeira parte do acordo, onde consta, entre outras cláusulas, a identificação das partes, o prazo do acordo e as condições de eventuais renovações, não está assinada por todas as partes, concessionário e titulares dos direitos sobre os terrenos, não se considerando, assim, que os titulares dos prédios tenham outorgado validamente o acordo;
2- existência de folhas com rasuras e deficiência no seu preenchimento da designada segunda parte do acordo colectivo de cedência do direito de exploração cinegética, isto é as folhas numerada de 1 a 89.
3- a cartografia em formato digital apresentada em 15-12-2017 não reúne os requisitos constantes nas ´normas para a elaboração da cartografia digital de zonas de caça´ estabelecidas pelo ICNF, I.P., uma vez que a tabela de atributos gerais (campos de informação) está incompleta.”.
(Cfr. Doc. n.º ... da PI)
X) No exercício da audiência de interessados, a Recorrente, em 29.01.2018, apresentou os elementos em falta e solicitou outros, nos seguintes termos:
“1 – Junto remetemos a Vªs Exªs todas as assinaturas dos titulares dos direitos sobre os terrenos a que se refere o ponto 2 do n.º 1 da Portaria 431/2006, de 3 de Maio.
2 – Quanto às rasuras dos acordos numerados de 1 a 89 solicitámos aos serviços que nos informassem quais os números dos mesmos que se encontravam nesse estado dado que não verificamos nenhuns rasurados, no entanto enviamos 11 acordos em substituição daqueles que se encontravam com emendas.
3 – No que se refere à cartografia enviamos outra contendo todas as legendas.
4 – No que respeita à morada da Associação a mesma está correcta, acontece é que nem sempre todos os carteiros querem trabalhar.
5 – Quanto à intenção de indeferir o projecto, se tal acontecer, será de uma injustiça tremenda, dado que não nos informaram quais os acordos a corrigir, nem nos colocaram o processo à disposição para poder ser analisado, tal como aconteceu desta vez. Por outro lado, se a Lei for aplicada a todos de igual modo não haverá discriminação.”.
(Cfr. Doc. n.º ... da PI)
XI) A decisão em crise, fazendo tábua rasa do exercício de audiência prévia pela Recorrente e dos elementos juntos, volta, como se nada fosse, a invocar como “fundamento” de indeferimento, exactamente as mesmas três alíneas do artigo 11.º supra, quais sejam:
“a) acordos com rasuras e deficiências no seu preenchimento;
b) inconformidade com as normas legais em vigor do acordo colectivo de cedência do direito de exploração cinegética apresentado, uma vez que a denominada primeira parte do acordo, onde consta, entre outras cláusulas, a identificação das partes, o prazo do acordo e as condições de eventuais renovações, não está assinada por todas as partes, concessionário e titulares dos direitos sobre os terrenos, não se considerando, assim, que os titulares dos prédios tenham outorgado validamente o acordo;
c) deficiente preenchimento da tabela alfanumérica da cartografia em formato digital.”
XII) Na verdade, a recorrente demonstrou toda a documentação que foi junta ao procedimento administrativo e que acompanhou a Petição Inicial da impugnação contenciosa (Cfr. Doc. n.° ... da PI).
XIII) Não se compreende que o Tribunal a quo tenha corroborado que os atos praticados pelo Recorrido, que apenas serviram o propósito de não permitir o início do procedimento, com a aceitação do pedido (sem prejuízo de posterior instrução), estejam conforme o princípio da juridicidade administrativa e de todos os demais princípios que norteiam a actividade administrativa, desde logo quando se admitem manifestas insuficiências de Notificação e “fundamentação” do acto, o que encerram em si mesmas uma errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito.
XIV) A Recorrente preencheu os requisitos legais, pelo que se está perante um excesso da função, abuso e/ou desvio de poder, uma manifesta violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos, da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade, da boa-fé e da decisão.
XV) A Recorrente invocou na PI que se encontram violados aqueles princípios, na justa medida em que o Recorrido não foi rigoroso, indeferindo sem ter em linha de conta todos os elementos de facto e de direito, violando designadamente os princípios da Proporcionalidade, da Justiça e da Imparcialidade.
XVI) O complexo normativo aplicado in casu – artigos 35° a 39° do DL n° 202/2004 (com as devidas alterações) compreende uma margem de discricionariedade da Administração, mas não deixam de relevar aqueles princípios jurídico-administrativos, onde a decisão do Réu não for absolutamente vinculada, quer a “desvinculação” ocorra por via do poder discricionário tout court, quer decorra da necessidade de se fazer juízos técnicos ou até da aplicação de conceitos normativos contidos nos textos legais.
XVII) Mas a montante desse momento discricionário há um outro que é o legalmente vinculado e que é esse de apreciar se o pedido (o seu objecto imediato), atenta a sua instrução, reúne ou não os requisitos legais, isto é, os enunciados ou logicamente decorrentes dos artigos 35.° a 37.°.

XVIII) Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a actuação do Recorrido é vinculada na apreciação do objecto do pedido e da suficiência da sua instrução, sob pena de se concluir pela sua ilegalidade, caso ocorram (como ocorreram) desconformidades, omissões e/ou falhas.
XIX) Se a lei exige e permite, a apresentação de documentos em determinados moldes para comprovar factos, os quais são compatíveis com a mesma, a sua desconsideração torna-os inúteis, por motivo imputável ao Recorrido, face à deficiente instrução, colocando-o numa posição vinculada, que a gestão dos recursos cinegéticos mostrar ser mais conveniente, no respeito pelos princípios jus-administrativos invocados, cuja alegação da sua violação deve ser procedente e da consequente anulabilidade.
XX) Refere o n.° 1 do artigo 10.° do CPA que, “ no exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé”.
XXI) Decorre genericamente deste princípio (ver José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, in, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2011, 2ª edição, pág. 123), que a Administração não deve atraiçoar a confiança que os particulares puseram num comportamento seu, abarcando o mesmo o princípio da protecção da confiança e o princípio da segurança jurídica.
XII) Da notificação que a Recorrente recebeu, para o exercício do direito da audiência de interessados e pelo uso que do mesmo fez, o Recorrido criou a confiança legítima de que a decisão teria em atenção aquela defesa na decisão que tomou, o que manifestamente não aconteceu (e não como pretende o Tribunal a quo, de deferimento da pretenção).
XXIII) Existe violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que a/s conduta/s omissiva/s do Recorrido e/ou as exigências ilegais, por inapta/s à prossecução do fim que concretamente visa atingir, é/são inadequada/s e/ou desnecessária/s e subsequentemente proibida/s.
XXIV) No que ao princípio da Imparcialidade diz respeito, o Recorrido devia ter considerado com objectividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório, adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção por parte da Recorrente, o que não se verificou, mais uma vez ao contrário do que pretende considerar como provado o Tribunal a quo.

XXV) O Recorrido em vez de seguir o fim certo, que é o legal (estipulado no Regulamento Lei de Bases Gerais da Caça e na Portaria n.° 431/2006 de 03.05), segue fim diferente ou seja fim nenhum, o que não está seguramente dentro da esfera da legalidade.
XVI) O fim que a lei visou, quando atribui poder discricionário, neste caso em concreto, àquele órgão administrativo, é de verificação de cumprimento dos requisitos legais estipulados no Regulamento Lei de Bases Gerais da Caça e na Portaria n.° 431/2006 de 03.05 e não o de indeferir arbitrariamente, independentemente e ainda que se verifiquem preenchidos todos aqueles requisitos.
XXVII) O “fim real”, isto é o que motivou o indeferimento, não coincide com o fim da lei, havendo um desvio de poder.
XXVIII) E este desvio poderá ser por má interpretação, ou por má fé, no entanto, não se distinguirá uma situação da outra, porque ambas pressupõem desvio de poder.
XXIX) Através de uma análise minimamente cuidada do pedido e dos elementos que o instruem, com facilidade se depreende que o mesmo encerra em si todos os elementos essenciais ao seu deferimento inicial pelo Recorrido.
XXX) Destarte e no seguimento da proposta de indeferimento enviada à Recorrente pelo Recorrido, na qual se invocavam como motivos:
“1- existência de inconformidade com as normas legais em vigor do acordo colectivo de cedência do direito de exploração cinegética apresentado, nos termos do ponto 2 do n.º 1 da Portaria 431/2006, de 3 de maio (certamente por lapso se indicou ponto 2 do n.º 1, quando se queria dizer artigo 1.º, n.º 2 daquele diploma), uma vez que a denominada primeira parte do acordo, onde consta, entre outras cláusulas, a identificação das partes, o prazo do acordo e as condições de eventuais renovações, não está assinada por todas as partes, concessionário e titulares dos direitos sobre os terrenos, não se considerando, assim, que os titulares dos prédios tenham outorgado validamente o acordo;
2- existência de folhas com rasuras e deficiência no seu preenchimento da designada segunda parte do acordo colectivo de cedência do direito de exploração cinegética, isto é as folhas numerada de 1 a 89.
3- a cartografia em formato digital apresentada em 15-12-2017 não reúne os requisitos constantes nas ´normas para a elaboração da cartografia digital de zonas de caça estabelecidas pelo ICNF, I.P., uma vez que a tabela de atributos gerais (campos de informação) está incompleta.”.
XXXI) Ao abrigo do princípio constitucionalmente consagrado, no exercício do direito à audição prévia, a Recorrente juntou então ao procedimento os elementos alegadamente em falta, conforme resulta do requerimento enviado a 29.01.2018 e que deu entrada nos serviços a 31.01.2018, assumindo o n.º 9646 no procedimento.
XXXII) E com pertinência para este efeito, transcreve-se o conteúdo daquele exercício por parte da interessada Recorrente:
(...)
1 – Junto remetemos a Vªs Exªs todas as assinaturas dos titulares dos direitos sobre os terrenos a que se refere o ponto 2 do n.º 1 da Portaria 431/2006, de 3 de Maio.
2 – Quanto às rasuras dos acordos numerados de 1 a 89 solicitámos aos serviços que nos informassem quais os números dos mesmos que se encontravam nesse estado dado que não verificamos nenhuns rasurados, no entanto enviamos 11 acordos em substituição daqueles que se encontravam com emendas.
3 – No que se refere à cartografia enviamos outra contendo todas as legendas.
4 – No que respeita à morada da Associação a mesma está correcta, acontece é que nem sempre todos os carteiros querem trabalhar.
5 – Quanto à intenção de indeferir o projecto, se tal acontecer, será de uma injustiça tremenda, dado que não nos informaram quais os acordos a corrigir, nem nos colocaram o processo à disposição para poder ser analisado, tal como aconteceu desta vez. Por outro lado, se a Lei for aplicada a todos de igual modo não haverá descriminação.
(...). (sublinhado e negrito nosso)
XXXIII) O acordo, tal como se refere no n.º 2 do artigo 1.° da Portaria 431/2006 de 03.05 é constituído por duas partes: a primeira pelo acordo prévio colectivo que define o objecto (neste caso a constituição da ZCA), identifica os outorgantes (o 1.°, a entidade que acede ao direito de caça e o/s 2°/s, os proprietários dos prédios rústicos ou outros titulares de direito) e os termos do acordo. A segunda parte do acordo é composto pelo formulário conforme o modelo anexo à portaria 431/2006 de 03.05.
XXXIV) Em tempo, a Recorrente respondeu em audição que lhe foi dirigida, apresentando a primeira parte do acordo validamente outorgado pelos titulares dos prédios, nos termos do artigo 35.º, 36.º e 37.º do Regulamentado na Lei de Bases Gerais da Caça, conjugados com o artigo 1.° da Portaria n.° 431/2006 de 03.05.
XXXV) Não foram indicadas pelos serviços quais as folhas (numeradas de 1 a 89, que são todas as apresentadas pela A.) que se encontravam com rasuras e deficiência no seu preenchimento (da designada segunda parte do acordo colectivo de cedência do direito de exploração cinegética, isto é as folhas numerada de 1 a 89).
XXXVI) Não se vislumbra como se pode proceder à rectificação de alegadas irregularidades em documentos, quando não se especificam as folhas com rasuras e deficiências, nem colocam o procedimento à disposição para o efeito ?!
XXXVII) No dicionário de língua portuguesa a palavra emenda surge com o significado de correcção de erro, falta ou defeito; acrescento e a palavra rasura com o significado de acto ou efeito de tirar letras ou palavras na escrita, raspando.
XXXVIII) Isto porque, não existem folhas rasuradas ou com deficiências, quando muito poderiam existir folhas com emendas, as quais foram ainda assim apresentadas conformes em sede de audiência de interessado.
XXXIX) O que serve de base para a Recorrente começar por apontar um vício de violação da lei por parte do Recorrido, designadamente dos artigos 35.°, 36.°, 37.° LBGC e artigo 1.° da Portaria, pela errada interpretação e/ou aplicação que faz daquelas normas, por erro nos pressupostos de facto, quando devidamente conjugadas.
XL) Começa desde logo pelo vício procedimental que teve lugar no procedimento para constituição de uma zona de caça e que o Tribunal a quo entende não existir, ao contrário da Recorrente.
XLI) Entre permitir formalmente o exercício do direito de audiência da interessada, ora Recorrente, e depois fazer “tábua rasa” do que é apresentado por esta, apesar de ser parecido com a falta de audiência propriamente dita, não deixa de ser um vício invocável, na medida em que não atendeu à resposta apresentada pela interessada, que versou sobre as questões que constituem o objecto do procedimento, bem como requereu diligências complementares e juntou documentos.
XLII) A Recorrente aponta o vício de forma por falta de fundamentação, à notificação do indeferimento pelo Recorrido ao pedido por aquela apresentado, por esta não se fazer acompanhar do devido despacho a que faz referência, ao que acresce a falta de assinatura do seu autor (aliás reconhecido pelo Tribunal a quo, mas desconsiderado).
XLIII) Na medida em que da notificação do despacho (e do despacho) não resulta um efectivo conhecimento do essencial do procedimento e concretamente do pedido e subsequentes elementos apresentados pela Recorrente.

XLIV) Nos termos da lei, os actos administrativos, quer sejam praticados no exercício de poderes discricionários, quer no de poderes vinculados devem, em geral, ser fundamentados (artigo 152.° do CPA) – isto é, devem conter, de forma clara, verdadeira, congruente, suficiente e concreta, os motivos de facto e de direito que os fundamentam.
XLV) A fundamentação de um acto administrativo deve, naturalmente, constar do próprio acto, conquanto que seja expressa, e realizada mediante sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito (...) podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
XLVI) Como refere Diogo Freitas do Amaral, in, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição pág. 391 e segs, o objectivo essencial e imediato da “ fundamentação é, portanto esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adopção de um acto com determinado conteúdo”.
XLVII) A Jurisprudência tem sido unânime, vide entre outros o sumário do proc. n.° ...5, de 18-09-2008, quando refere: “A fundamentação dos actos administrativos pode variar conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.”.
XLVIII) O Recorrido não fundamentou a decisão que tomou com base naquilo que a Recorrente apresentou no procedimento e por isso além de não concordar com a deficiente fundamentação, concluí também que o acto não está devidamente fundamentado, por omissão de análise de elementos essenciais à decisão final.
XLIX) Limitou-se a Recorrida a transcrever o que já havia proposto, isto é: “a) acordos com rasuras e deficiências no seu preenchimento;
b) inconformidade com as normas legais em vigor do acordo colectivo de cedência do direito de exploração cinegética apresentado, uma vez que a denominada primeira parte do acordo, onde consta, entre outras cláusulas, a identificação das partes, o prazo do acordo e as condições de eventuais renovações, não está assinada por todas as partes, concessionário e titulares dos direitos sobre os terrenos, não se considerando, assim, que os titulares dos prédios tenham outorgado validamente o acordo;
c) deficiente preenchimento da tabela alfa numérica da cartografia em formato digital.”
L) No exercício dos direitos e interesses legítimos que assistem à Recorrente, na qualidade de interessada, alega que o procedimento administrativo sub judice, foi alicerçada em informação e factos errados e como tal com deficiente fundamentação, pois não teve em devida conta, expressa ou implicitamente, o exercício de que fez uso em sede de audiência de interessada a Recorrente.
LI) Essa informação, constante do procedimento administrativo, nos termos em que foi notificada à Recorrente e que serviu de base à decisão definitiva em crise, está viciada e por não conter os mais elementares factos e elementos substanciais que deveriam fundamentar a actuação administrativa, por incorrerem em violação dos requisitos essenciais que qualquer informação técnico-administrativa deve conter, designadamente especificando os antecedentes de facto, o pedido e a causa de pedir, as considerações técnico-jurídicas e as conclusões finais, fere e contamina o acto decisório subsequente, o que se invoca enquanto erro de julgamento.
LII) Esta informação é determinante para a decisão de fundo do procedimento administrativo, devendo estar por isso sujeita a uma específica fundamentação, interdita de arbitrariedade, conforme consagrado na alínea a) no n.° 2 do artigo 114.°, 126.° e 152.° todos do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de Janeiro.
LIII) Não se verificando, o acto é anulável, ex vi do artigo 161.°, n.° 2 d) e 163.°, n.° 1, ambos do CPA, assim como a Decisão em crise emanada pelo Tribunal a quo, por não a atender.
LIV) A Recorrente cumpriu com os requisitos referidos nos artigos 35.° a 37.° do Decreto-Lei n.° 202/2004, de 18 de Agosto (apesar de terem sido desconsiderados) e como tal, o acto administrativo enferma de um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e o vício de forma, por preterição de formalidades essenciais.
LV) A Constituição da República Portuguesa consagra, enquanto Princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, os plasmados nos seus artigos 13.°, 20.°, 266.° e 268.°, a tutela jurisdicional efectiva, cuja projecção sobre o caso sub judice reflecte a violação do acesso da recorrente ao direito para defesa dos seus interesses, por intermédio de um procedimento equitativo, com todas as suas dimensões garantísticas, violando o direito à tutela efectiva, com a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas e com a criação de situações de indefesa originadas por omissões, manobras, expedientes e actos puramente formais, que mais não pretendem do que denegar-lhe justiça, tendo por consequência a invalidade do acto administrativo de indeferimento e cuja anulabilidade se invocou e se invoca, para todos os devidos e legais efeitos, designadamente de anulação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
LVI) A Sentença em crise, ao permitir que se mantenha na ordem jurídica o acto impugnado, praticado pelo Recorrido, coloca entraves excessivos, abusivos e ilegais, para obstaculizar o deferimento da aceitação do pedido (sem prejuízo da posterior fase de instrução), como é o caso das assinaturas de todos os titulares na primeira parte do acordo, quando a lei, faz menção no seu artigo 1.°, n.° 2 al. a) da Portaria citada, “que podem ser compostos por duas partes:
a) Na primeira devem constar nomeadamente a identificação das partes contraentes (...)
LVII) A ratio legis do normativo, quando no próprio artigo 37.° da Lei de Bases, o legislador faz menção a que se forem incluídos (e não é o caso) terrenos sem o consentimento, podem a todo o tempo, os titulares dos direitos sobre os prédios, solicitar a exclusão.
LVIII) O acto que se impugna partiu do pressuposto de que a Recorrente não apresentou aquela que se denomina a primeira parte do acordo assinada por todas as partes, designadamente pelos titulares dos direitos sobre os terrenos, quando na verdade apresentou!
LIX) Em momento algum foram identificadas pelo Réu quais as folhas (numeradas de 1 a 89, isto é todas as apresentadas) com rasuras e deficiência no seu preenchimento da designada segunda parte do acordo colectivo de cedência do direito de exploração cinegética, apesar de ter sido solicitada essa identificação pela Recorrente, que ainda assim enviou 11 acordos em substituição daqueles que se encontravam com emendas e não rasurados ou deficientes (vide procedimento administrativo – Pedido e alterações, também juntos com a PI).
LX) Quanto ao facto 10, considerado como provado pelo Tribunal a quo: “A 31/01/2018, a autora remeteu aos serviços do réu, um ficheiro informático, contendo cartografia em formato digital, cuja tabela de atributos exportada para folha de cálculo informática consta, nomeadamente, o seguinte: (...)”, a Recorrente insiste que tais elementos instruíram o exercício de audição prévia, reiterando que entregou a Cartografia em formato digital, conforme às orientações da Recorrida.
LXI) Isso mesmo foi objecto de dificuldade técnicas por parte do Tribunal a quo, aquando da receção do CD com a Cartografia apresentada ao Recorrido, conjuntamente com a Petição Inicial e subsequentes alegações da Recorrente.
LXII) Está demonstrado que os fundamentos invocados no acto impugnado não são assimiláveis à violação, no pedido e na sua instrução, dos artigos 35.° e/ou 36.° e /ou 39.° do DL 202/2004.
LXIII) Face a todo o exposto, deverá o despacho impugnado ser anulado e a decisão do Tribunal a quo revogada e substituída por outra que determine a aceitação do pedido da Recorrente.
TERMOS EM QUE DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, FAZENDO-SE ASSIM
JUSTIÇA!
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
I – Como questão prévia, refere-se que a Recorrente não especificou que concretos pontos da matéria de facto que pretendia impugnar ou ver alterados, nem tão pouco indicou que concretos pontos da matéria de facto foram incorrectamente julgados.
II – A Recorrente ao não indicar os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada um dos pontos nos termos por ela propugnados, quer da decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida, relativamente a cada facto concreto, situação esta que se verifica in casu, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão - artigo 640.º do CPC..
III - A Recorrente em todo o recurso que apresenta não especificou nem alegou um único erro na interpretação ou na aplicação da lei e do direito pelo tribunal a quo na sentença recorrida.
IV - O conhecimento do Recurso apenas se pode cingir aos factos alegados pela Recorrente, pelo que se a mesma não impugna qualquer matéria de facto nem especifica, concretiza ou invoca qualquer violação ou erro, por parte do Tribunal a quo, na aplicação da lei e do direito no caso concreto, o recurso deve ser imediatamente rejeitado por inadmissibilidade legal.
V – Sem prescindir, no presente recurso, a Recorrente justifica o pedido de alteração/revogação da decisão proferida alegando um conjunto de vícios, referindo primeiramente a irregularidades na notificação da decisão.
VI - Quando o ato de notificação tenha sido praticado e a notificação, padeça de alguma destas deficiências, poderão resultar duas consequências:
1) se a notificação não der a conhecer ao seu destinatário o sentido da decisão, o ato administrativo não lhe será oponível (artigo 60.°, n.° 1, do CPTA);
2) se a notificação for omissa quanto à indicação do autor, à data ou fundamentos da decisão, poderá o interessado requerer à entidade que proferiu o ato a notificação das indicações em falta ou a passagem de certidão que as contenha, sendo que, caso os elementos em falta lhe não seja facultados na sua Integra, poderá lançar mão da intimação judicial para a prestação de informações e passagem de certidões.
VII - O n.° 2 do artigo 114.° do CPA determina que da notificação do acto administrativo devem constar:
a) O texto integral do ato administrativo, incluindo a respetiva fundamentação, quando deva existir;
b) A identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do ato e a data deste;
c) A indicação do órgão competente para apreciar a impugnação administrativa do ato e o respetivo prazo, no caso de o ato estar sujeito a impugnação administrativa necessária.
VIII - Não obstante a consagração destes requisitos, qualquer irregularidade em qualquer uma das alíneas, não “fere” a legalidade do próprio acto impugnado.
IX – A Recorrente alega que a notificação de indeferimento de constituição de Zona de Caça Associativa não mencionava o direito de impugnar administrativa ou judicialmente a decisão, nem a mesma se encontrava devidamente assinada, o que na opinião daquele constituiria uma nulidade, por se tratarem de menções obrigatórias, nos termos do artigo 114.º, n.º 2, al. c) do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
X - A alegação da Recorrente não tem fundamento, pois no limite estaremos perante uma irregularidade da notificação do acto impugnado e não do próprio acto, uma vez que este se encontra devidamente assinado e com aposição de timbre.
XI – Acresce que a Recorrente alega ainda a falta de audiência prévia, bem como insuficiências instrutórias. Também neste ponto não lhe assiste qualquer razão.
XII – O Recorrido concedeu o Direito de Audiências dos Interessados à Recorrente, tendo, naquele momento, referido que o pedido formulado padecia de algumas deficiências.
XIII - Em exercício do direito de audiência prévia, a 31 de Janeiro de 2018, a Recorrente entregou determinados documentos ao Recorrido, sem que ficasse sanada a totalidade dos vícios que lhe tinham sido anteriormente apontados.
XIV - Incumbia ao Recorrente instruir devidamente o processo, pelo que não o tendo feito, mesmo tendo sido convidado a fazê-lo, ao Recorrido apenas restava retirar as consequências devidas, como fez, indeferimento a pretensão da Recorrente.
XV – Por fim, o Recorrente refere que o acto administrativo não se encontrava devidamente fundamentado, alegando que a notificação do indeferimento pelo Recorrido ao pedido por aquela apresentado, não se fazia acompanhar do devido despacho a que faz referência, ao que acresce a falta de assinatura do seu autor.
XVI – Não se verifica qualquer falta de fundamentação.
XVII – O acto administrativo foi comunicado ao Recorrido de forma sucinta, conforme determina o n.° 1 do art.° 153.° do CPA a propósito dos requisitos da fundamentação.
XVIII – De acordo com tal disposição legal, não há qualquer dúvida que a exposição dos fundamentos da decisão deverá ser efectuada daquela forma (sucintamente).
XIX – O disposto n.° 1 do artigo 153.°, do CPA determina o seguinte: “(...) podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.”
XX - De acordo com a citada disposição legal, a notificação do indeferimento só teria de se fazer acompanhar do parecer e despacho respetivos se remetesse para os mesmos, o que in casu não sucedeu.
XXI - Deste modo, não existe, portanto, qualquer invalidade a apontar à notificação da decisão de 26/02/2018 (Ofício n.° 12118/2018/.../DLAP, de 02/03/2018), pelo que a argumentação da Recorrente não tem qualquer sustentação.
NESTES TERMOS,
deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida de acordo com as precedentes conclusões, como é de elementar justiça.
O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1) O réu elaborou um documento intitulado “Cartografia Digital de Zonas de Caça (ZC) Normas para a sua elaboração”, que se dá por integralmente reproduzido e onde consta, em especial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Facto Provado por documento, junto aos autos a fls. 887).
2) A 27/09/2017, foi assinado o documento intitulado “Acordo Prévio Colectivo de Cedência do Direito de Exploração Cinegética”, que se dá por integralmente por reproduzido, composto, nomeadamente do seguinte texto:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 357).
3) A 30/10/2017 deu entrada nos serviços do Réu, requerimento da Autora de 27/10/2017, ONDE consta, nomeadamente:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 284).
4) A 30/10/2017, com os documentos entregues pela autora ao réu para instrução do requerimento de concessão de uma zona de caça pública, foi entregue uma “...Listagem dos prédios que devem ser considerados no processo, e que se encontram integrados dentro dos limites propostos para a zona de caça...”, que se dá por integralmente reproduzida, de que consta 75 nomes, sem qualquer autógrafo.
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 665, 700, 733, 763, e 771 da paginação eletrónica)
5) A autora juntou ao processo administrativo, formulários de acordo com o anexo à Portaria nº 1391/2002, de 25 de outubro, que se dão por integralmente reproduzidos, nos quais está omissa indicação da qualidade de “proprietário/usufrutuário/arrendatário” dos signatários das seguintes folhas: 7, 9, 10, 12 a 26, 30, 33 a 35, 39, 41, 43, 47 a 51, 53, 55, 56, 58 a 60, 63 a 66, 68, 73 a 76, 78 a 81, 83 a 87 e 89. As folhas 1, 2 e 88 não indicam a freguesia e o concelho da localização dos prédios. A folha 50 apresenta, nomeadamente, a seguinte redação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
A listagem indica prédios sitos no concelho ..., e nas freguesias de ... e ... (fls. n° 3 a 60, e de 62 a 88), ... e ... (fls. n° 4, 6, 7, 9 a 12, 15, 17, 18, 22, 23, 27 a 33, 35, 36, 39, 41, 43, 46, 47, 49, 53, 57 a 62, 64 a 66, 68, 73, 74, 76, 82, 83, 85 a 87), ... (fls. n° 7, 15, 17, 23, 44, 52, 79, 84)
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 665, 700, 733, 763, e 771 da paginação eletrónica).
6) A autora foi notificada, em 01/12/2017, de documento, com o seguinte conteúdo:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Facto Provado por documento, junto aos Autos com o processo administrativo anexo, a fls. 505 e 509 da paginação eletrónica).
7) A 15/12/2017, deu entrada nos serviços do réu o seguinte documento apresentado pela autora:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 511).
8) A 15/01/2018, a autora recebeu o seguinte documento enviado pelo réu, do qual consta, nomeadamente:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 500 e 524).
9) A 31/01/2018 deu entrada nos serviços do réu documento de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
De entre os documentos juntos neste momento pela Autora, faz parte uma listagem epigrafada de “...Folhas em anexo ao acordo prévio colectivo de cedência do direito de exploração cinegético...”, com identificação de 72 proprietários, com autógrafos, e que se dá por integralmente reproduzida.
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 527).
10) A 31/01/2018, a autora remeteu aos serviços do réu, um ficheiro informático, contendo cartografia em formato digital, cuja tabela de atributos exportada para folha de cálculo informática consta, nomeadamente, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 904).
11) A 26/02/2018 o réu indeferiu a constituição da zona de caça por despacho exarado na informação 5502/2018/.../DLPA, de 09/20/2018, de que consta, nomeadamente, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 544).
12) Com data de saída dos serviços do réu de 02/03/2018, foi elaborado documento dirigido à autora de onde constava, nomeadamente, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Facto Provado por documento, junto aos autos com o processo administrativo anexo, a fls. 553).

O Tribunal exarou: Factos não provados
Considera inexistirem factos com relevância para a boa decisão da causa que não tenham sido provados.
E continuou: Motivação
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes do processo administrativo apenso, bem como dos documentos juntos pelas partes, cuja força probatória é de apreciação livre pelo Tribunal, não obstante o disposto no artigo 83.º/4 do CPTA relativamente à não contestação dos factos alegados pela entidade demandada. O CPTA adota uma conceção ampla de objeto do processo, que abrange a causa de pedir. Estabelece-se, deste modo, que o objeto do processo corresponde à pretensão do interessado e não ao ato de deferimento (artigo 66.º n.º 2 CPTA). Daqui se retira que o objeto do processo nunca será o ato administrativo, mas antes o direito do particular a uma determinada conduta da Administração.
Por isso, é importante ter presente que resulta igualmente do n.º 2 do 66.º do CPTA que o efeito anulatório é implícito pelo que dispensar-se-ia a referência expressa à anulação. Facilmente se compreende inerente: a análise do pedido condenatório implica o conhecimento da legalidade da recusa (ou omissão).
No fundo, o Tribunal recorreu à análise das várias fontes de prova, a histórica [quando o facto que queremos provar está registado, representado ou reproduzido (através de documentos, por exemplo)] e a prova indiciária (ou crítica).
A prova indiciária, enquanto prova crítica ou lógica, sugere uma probabilidade séria da existência do direito. Com efeito, aqui não relevam registos, reproduções, representações, mas sim, indícios, que mais uma vez, permitem a extração de presunção sobre o acontecimento de um facto. São necessárias operações lógicas realizadas por intermédio do juiz, que, a partir de um facto se consegue chegar ao facto a apurar: é o caso das presunções judiciais (vide artigo 351.º do CC).
Recorda-se o que preceitua o artigo 607º, n.º 5, do CPC, sob a epígrafe “Sentença”, que determina que “... o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes...”.
Na verdade, a livre valoração da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou de conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação. A livre apreciação da prova exige, pois, um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência, recorrendo a conhecimentos de ordem geral que as pessoas normalmente inseridas na sociedade possuem, bem como a observância das regras da experiência comum, da ciência, dos critérios da lógica e da argumentação.
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o Réu dos pedidos.
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos,
Questão prévia -
Rejeição liminar do recurso interposto pela Recorrente -
Não obstante a leitura do teor da Alegações apresentadas pela Recorrente parecer denotar a inexistência de qualquer impugnação concreta da matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo, certo é que, no requerimento de interposição do Recurso aquela mesma Recorrente refere: “pensa-se que o Tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação das provas e/ou fixação dos factos materiais da causa e aplicação do direito”.
Ora, se a Recorrente justifica a apresentação do presente recurso com o desacerto do Tribunal a quo na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, entenda-se aqueles que foram dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo, a mesma está a alegar que além da matéria de direito, também pretenderá, através do presente recuso, impugnar a matéria de facto.
Sucede que, a impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo e bem assim a interpretação e valoração dos meios probatórios tidos em conta pelo Tribunal para concluir pela sua prova ou não prova, terá que ser efectuada com observância das imposições legais exigidas para este tipo de impugnação.
Não obstante o mencionado pela Recorrente no requerimento de interposição de recurso parecer querer evidenciar que a mesma pretende através do mesmo impugnar a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo, se atentarmos posteriormente ao teor das suas alegações e conclusões constata-se que nenhuma impugnação concreta é feita por aquela a esse título.
Posto isto, a Recorrente não especificou que concretos pontos da matéria de facto pretendia impugnar ou ver alterados, nem tão pouco indicou que concretos pontos da matéria de facto foram incorrectamente julgados.
Resulta do disposto no artigo 640.º do C.P.C. (ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA) que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do n.º anterior, observa-se o seguinte: a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder á transcrição dos excertos que considere relevantes (....)”.
Da leitura do recurso apresentado pela Recorrente, conclui-se que a forma como se encontra apresentada tal impugnação pela Recorrente não obedece ao preceituado no artigo 640.º do C.P.C..
A delimitação da matéria de facto pretendida provar tem de ser concreta e específica e a Recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco.
Analisado o recurso apresentado, nesta concreta parte, constata-se que a Recorrente, (não) impugna a decisão da matéria de facto, não fazendo qualquer referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, em obediência às três alíneas do n.º 1, do referido art. 640.º do CPC..
E ainda:
Verifica-se que a Recorrente, nas conclusões, não indica especificadamente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados nem especifica os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos que pretende impugnar.
A falta de indicação por parte da Recorrente, quer dos elementos probatórios que conduziriam, na sua opinião, à alteração de cada um dos pontos nos termos por ela propugnados, quer da decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida, relativamente a cada facto concreto, situação esta que se verifica in casu, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão - artigo 640.º do CPC.
Assim sendo a Recorrente, no caso concreto, não cumpriu o ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, a que se reportam os n.ºs 1 e 2, a), do art. 640.º, do CPC, pois limita-se a nem sequer impugnar factos em bloco, mas tão só a tecer considerações sem qualquer sustentação quanto aos mesmos, sem qualquer concreta especificação, sem qualquer concreta e especificada análise critica das provas, sem qualquer concreta e especificada indicação da decisão que deve ser proferida sobre cada facto, sendo a consequência das referidas faltas a imediata rejeição do recurso, nessa concreta parte.
Em suma,
A lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige, desde logo, o cumprimento do ónus processual preconizado no artigo 640º do CPC.

De facto, e no que concerne à sua legal admissibilidade, ressuma com evidência do preceituado no nº 2 do artigo 640º do CPC que, “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 04.12.2015, no processo nº. 418/12.6BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:”(…)

Como resulta do art.º 640, nºs. 1, b) e 2, a), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar (dá-se aqui uma “ênfase redundante” nas palavras de Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, 5º edição, pág. 167), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Tem por objectivo responsabilizar as partes (princípio da auto-responsabilidade das partes), vedando-lhes a impugnação a decisão da matéria de facto como uma mera manifestação de inconformismo infundado - cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, Almedina, p. 159 - bem como garantir, para além do contraditório, a cooperação processual entre as partes e o Tribunal.

Conforme se sumariou no Ac. deste TCAN, de 22.05.2015, no proc. nº 132/10.7BEPNF:

I) - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente: (i) sob pena de rejeição, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (ii) sob pena de imediata rejeição na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados.

De igual forma no Ac. deste TCAN, de 28.02.2014, proc. nº 00048/10.7BEBRG decidiu-se:

Resulta do art. 685.º-B do CPC que quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição do recurso, não só os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.

Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão também deste TCAN de 17.01.2020, processo n.º 141/09.9BEPNF:

“(…) Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 155 sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.

O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.

É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.

A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (…).

Deste modo, à luz do que se vem desenvolvendo, haverá que se entender que a lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige que o Tribunal ad quem seja confrontado com (i) os concretos pontos que, no entender do Recorrente, se mostram como incorretamente julgados; (i.1) a indicação do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida; (i.2) a definição da decisão que, no entender daquele, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e a (i.3) expressa indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

Munidos destes ensinamentos não se bulirá no probatório.

Do erro de julgamento de Direito -
Como bem anota o Recorrido, a Recorrente em todo o recurso que apresenta não especificou nem alegou um único erro na interpretação ou na aplicação da lei e do direito pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
O presente recurso destina-se a impugnar a sentença recorrida e como tal incumbe à Recorrente invocar e alegar todos os vícios e erros, quer do ponto de vista de matéria de facto (se a pretendeu efectivamente impugnar) mas também do ponto de vista da matéria de direito.
A Recorrente através do presente recurso limitou-se a reiterar o alegado em sede de petição inicial que apresentou nos autos, não referindo nem especificando um único erro ou vício da sentença no que concerne também à sua fundamentação de direito.
Em momento algum, a Recorrente, no seu recurso, alegou ou invocou por que concretos motivos é que entende que a sentença em apreço deve ser revogada.
Não obstante referir que o Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do direito, em todo o seu recurso, em momento algum invoca como, quando e porque é que entende que tal suposta incorrecção na aplicação do direito ocorreu.
A Recorrente limita-se a referir no seu recurso que a sentença fez errada interpretação do Direito. Contudo, o simples desacordo pelo sentido da decisão proferida pela sentença recorrida não é motivo, nem fundamento para a interposição de recurso da mesma.
Assim, o recurso está votado ao insucesso.

Como é sabido, os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas;

Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas.

O objectivo do recurso jurisdicional é a modificação da decisão impugnada.

A função do recurso, repete-se, é a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa.
Com efeito, trazem-se à liça os Acórdãos do STA, de 15/03/2007 e de 19/12/2006, processos 0209/05 e 0594/06, entre tantos outros, onde expressivamente se afirma que “O objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação ou alteração. Se o não fizer, e se se limitar a repetir os argumentos que o levaram a impugnar o ato recorrido, o recurso terá, fatalmente, de improceder” e que “O recurso jurisdicional tem por objeto a sentença recorrida e não o ato contenciosamente impugnado, o que obriga o recorrente a dirigir a sua crítica à sentença pelos erros que esta cometeu e que devem conduzir à sua revogação, improcedendo o recurso se o recorrente, na sua alegação, se limita a atacar o ato administrativo contenciosamente impugnado, não fazendo qualquer referência crítica às razões e fundamentos da sentença recorrida. Como tem sido reafirmado pelo STA, designadamente pelo Pleno (cfr., por todos, o Ac. do Pleno da 1ª Secção de 21.09.2000, rec. 38.828), o recurso jurisdicional tem por objeto a sentença recorrida e não o ato contenciosamente impugnado, o que obriga o recorrente a dirigir a sua crítica à sentença pelos erros que esta cometeu e que devem conduzir à respetiva revogação, improcedendo o recurso se o recorrente na sua alegação, se limita a atacar o ato administrativo contenciosamente impugnado, não fazendo qualquer referência crítica às razões e fundamentos específicos da sentença recorrida.
Voltando à situação dos presentes autos sempre se dirá que a relação jurídica administrativa controvertida, que subjaz ao presente litígio, reporta-se à pretensão da Autora e ora Recorrente, de sindicar e indagar da legalidade da decisão administrativa que conduziu ao indeferimento do pedido para a constituição da Zona de Caça Associativa de ... - ..., sendo que, a Recorrente vem agora peticionar a revogação da sentença proferida em 1.ª instância, que absolveu o Recorrido do pedido de anulação do despacho do seu Vice-presidente, datado de 26.02.2018, cuja notificação à Recorrente ocorreu a 08.03.2018.
Por conseguinte, importa estabelecer cronologicamente os antecedentes relativos, a toda a relação jurídica material controvertida, e, bem assim, os factos que a integram, de acordo com os vícios que a ora recorrente assaca ao acto.
Assim,
A Recorrente começou a ser informada dos elementos em falta e deficiências documentais do processo pelo Ofício n.º 55253/2017/.../DLAP, de 07/11/2017.
Novamente, desta feita em sede de Audiência dos Interessados, voltou a ser notificada das irregularidades detetadas no pedido (conforme Ofício n.º 1233/2018/.../DLAP, de 08/01/2018).
Durante o período da Audiência Prévia, três elementos da Direção da Recorrente consultaram o processo e foram pessoalmente informados sobre as lacunas e deficiências de que o pedido em questão padecia.
Em 31/01/2018, a Recorrente entregou um novo conjunto de documentação, não tendo, contudo, sido suficiente para sanar as deficiências, bem como os elementos que se encontravam em falta.
Das irregularidades da notificação da decisão -
Como sentenciado, não existe qualquer invalidade a apontar à decisão proferida em 26/02/2018 (Ofício n.° 12118/2018/.../DLAP, de 02/03/2018).
A Recorrente alega que a notificação de indeferimento de constituição de Zona de Caça Associativa não mencionava o direito de impugnar administrativa ou judicialmente a decisão, nem a mesma se encontrava devidamente assinada, o que na opinião daquele constituiria uma nulidade, por se tratarem de menções obrigatórias, nos termos do artigo 114.°, n.° 2, al. c) do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Antes de mais é mister distinguir entre ilegalidade do acto administrativo e irregularidade da notificação do acto.
Um dos problemas que a Recorrente levanta prende-se precisamente com a notificação do acto de indeferimento.
Como é sabido, a notificação é um ato instrumental de conteúdo declarativo respeitante à comunicação da decisão administrativa, devendo ter lugar, em princípio, sob a forma escrita, dirigida ao destinatário do acto.
O CPA consagra o dever de notificação de todo e qualquer acto administrativo aos seus destinatários, numa redação mais conforme com o comando previsto no artigo 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, o n.° 2 do artigo 114.° do CPA determina que da notificação do acto administrativo devem constar:
a) O texto integral do ato administrativo, incluindo a respetiva fundamentação, quando deva existir;
b) A identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do ato e a data deste;
c) A indicação do órgão competente para apreciar a impugnação administrativa do ato e o respetivo prazo, no caso de o ato estar sujeito a impugnação administrativa necessária.
Não obstante a consagração destes requisitos, qualquer irregularidade em qualquer uma das alíneas, não “fere” a legalidade do próprio acto impugnado.
Deste modo, quando o ato de notificação tenha sido praticado e a notificação, padeça de alguma destas deficiências, poderão resultar duas consequências:
1) se a notificação não der a conhecer ao seu destinatário o sentido da decisão, o ato administrativo não lhe será oponível (artigo 60.°, n.° 1, do CPTA);
2) se a notificação for omissa quanto à indicação do autor, à data ou fundamentos da decisão, poderá o interessado requerer à entidade que proferiu o ato a notificação das indicações em falta ou a passagem de certidão que as contenha, sendo que, caso os elementos em falta lhe não sejam facultados na sua íntegra, poderá lançar mão da intimação judicial para a prestação de informações e passagem de certidões.
Posto isto, conclui-se que a alegação da Recorrente não tem fundamento, pois, no limite, estar-se-ia perante uma irregularidade da notificação do acto impugnado e não do próprio acto, uma vez que este se encontra devidamente assinado e com aposição de timbre.
Da falta de audiência prévia e insuficiências instrutórias -
Neste campo, a Recorrente vem alegar que no âmbito do exercício do direito de audiência prévia, foram apresentados ao Recorrido os elementos que aquele solicitou, mas que, todavia, não foram tidos em conta na decisão final, tudo se tendo passado como se a audiência prévia não tivesse sido realizada.
Defende que, por esta razão, além da inexistência real de audiência prévia, ainda considera que o Réu violou o princípio da boa-fé ao convidar a Autora a suprir insuficiências da atividade instrutória, a que respondera prontamente, criando-lhe a legítima expectativa de que a decisão lhe seria favorável, mas decidindo contra a sua expectativa, e sem se pronunciar sobre os elementos que lhe pedira.
Vejamos,
A audição prévia da ora Recorrente era exigida pelo artº 267º/5 da CRP, constituindo postulado imanente do Estado de Direito Democrático (v. artºs 32º/10 e 267º/1 da CRP; cfr. Ac. TC n.º 659/2006, de 28/11/2006, pelo que a falta nunca se degradaria em formalidade não essencial, aproveitando-se e sanando-se um acto claramente ilegal e lesivo (v. artºs 20º, 266º e 268º/4 da CRP), não podendo ser omitida ou convalidar-se a sua omissão por via jurisdicional (Acórdãos do STA de 15/11/2006, proc. 0531/06; de 18/10/2006, proc. 0497/06 e de 25/6/2008, proc. 0392/08).
Nos termos do artigo 121º do CPA, “os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta” admitindo-se que “o responsável pela direcção do procedimento [não proceda] à audiência dos interessados quando a decisão seja urgente, (…)” (nos termos do artigo 124º/1/a) do CPA).
Retomando o caso posto, convém esclarecer que não ocorreu qualquer violação do princípio da boa-fé na medida em que o Recorrido não atendeu à pretensão da Recorrente.
Quando alguém exerce o direito de audição prévia no decurso de um procedimento, não tem legitimidade a esperar mais do que ver a Administração a apreciar os argumentos e documentos apresentados.
A Recorrente não pode criar com base nisso, a expectativa de que a sua pretensão será atendida apenas porque exerceu o direito de audição prévia.
Por outro lado, também quanto à falta de audição prévia não assiste qualquer razão à Recorrente, pois aquando da audiência prévia, três elementos da direção da Autora consultaram o processo e foram pessoalmente esclarecidos sobre as lacunas e deficiências em causa.
O Recorrido explicitou que foram analisados os documentos entregues pela Recorrente e verificou a existência de desconformidades no acordo coletivo de cedência do direito de exploração cinegética apresentado, nos termos do ponto 2, do n.º 1, da Portaria 431/2006, de 3 de maio. Assim, a identificação das partes naquele acordo não se encontrava assinada por todos (concessionário, titulares dos direitos sobre os terrenos e demais partes), assim como não era clara a sua renovação; existiam folhas rasuradas; a cartografia em formato digital apresentada pela Autora não reunia os requisitos das normas para a elaboração de cartografia digital de zonas de caça, por a tabela de atributos gerais estar incompleta, bem como identifica um erro material no endereço postal da Associação de Caça e Pesca Desportiva.
Em exercício do direito de audiência prévia, a 31 de janeiro de 2018, a Recorrente entregou determinados documentos ao Recorrido, sem que ficasse sanada a totalidade dos vícios apontados.
Assim sendo, incumbia ao interessado instruir devidamente o processo, pelo que não o tendo feito, mesmo tendo sido convidado a fazê-lo, ao Recorrido apenas restava retirar as consequências devidas, como fez.
Concluindo, o Recorrido interpelou a Recorrente para suprir deficiências, identificando onde elas se encontravam. A Recorrente tentou sanar tais desconformidades, mas não de modo suficientemente diligente. Em conformidade, não restou alternativa ao Recorrido que não fosse indeferir a pretensão do Recorrente.
Deste modo, não se verifica qualquer insuficiência da Audição Prévia, tendo a mesma sido realizada em obediência dos critérios legais.
Por outro lado, não se afigura que tivesse ocorrido o desrespeito pelo aventado princípio da boa fé, a que deve estar subordinada toda a actividade administrativa.
Os princípios da boa fé e da confiança respeitam à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função designadamente da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar - cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225.
Conforme é jurisprudência dos tribunais superiores, para que exista violação dos princípios da boa fé e da confiança é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/00, de 22/03/2000, n.º 109/02, de 05/03/2002, n.º 128/02, de 14/03/2002 e do STA de 11/09/2008, Proc. 0112/07 e de 13/11/2008, Proc. 073/08.
Ainda na definição que nos é dada por Freitas do Amaral, a justiça é “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana” (ob. cit. págs. 130 e 131).
Acresce que “o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé são subprincípios que se integram no princípio da justiça” (autor e obra cit., pág. 134).
Assim, o artigo 6.º-A, do CPA, (atual artº 10º) veio acolher expressamente o princípio da boa fé, no direito administrativo, dispondo que «No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa fé» (v. n.º 1).
Por outro lado, o respeito pela boa fé realiza-se através da ponderação dos “(...) valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (v. o seu n.º 2).
Ora, uma das mais importantes concretizações da boa fé, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º-A, é o princípio da protecção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental, já que impõe que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem.
Destarte se protegem os particulares, relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente inculquem uma crença na sua efectivação.
Todavia, a tutela da boa fé não é absoluta, porquanto só poderá ocorrer mediante a verificação de certos pressupostos, a saber: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva da pessoa lesada; b) existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (vide autor e obra cits., págs. 149/150).
Com efeito, “(...) a confiança criada, a boa fé, não é factor isolado de valorização duma conduta jurídico-administrativamente relevante” (cfr. Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, em Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª ed., pág. 116).
Mais referem “(...) é ousada essa cláusula geral, porque refere o dever de boa fé a todas as “formas e fases” da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (...) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa fé para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça. (...).“ (Autores e ob. cit., pág. 112).
De resto, ainda nas palavras dos citados Autores, “(...) Subjectivamente, a boa fé é essencialmente um estado de espírito, uma convicção pessoal sobre a licitude da respectiva conduta, sobre estar a actuar-se em conformidade com o direito” (ob. cit., pág. 108).
O que pressupõe e implica, no seguimento do entendimento perfilhado pelos mesmos Autores, que o princípio da boa fé perde forçosamente a sua força normativa, se e quando a Administração Publica se vê confrontada com a obrigação vinculada e estrita de obedecer à Lei e ao Direito.
Soçobra, pois, a alegada violação deste princípio geral.
Da falta de fundamentação do acto -
Acresce que a Recorrente alega, igualmente, que a notificação do indeferimento pelo Recorrido ao pedido por aquela apresentado, não se fazia acompanhar do devido despacho a que faz referência, a que se soma a falta de assinatura do seu autor.
Para o efeito, refere que da notificação do despacho (e do despacho) não resulta um efectivo conhecimento do essencial do procedimento e concretamente do pedido e subsequentes elementos apresentados pela Recorrente, concluindo que a notificação não vinha acompanhada da fundamentação da decisão.
Para o efeito, a Recorrente refere que o Recorrido não identificou as folhas emendadas ou com deficiências que não foram corrigidas.
Acontece que, como já se disse, três elementos da direcção da Recorrente consultaram o processo e foram pessoalmente esclarecidos sobre as lacunas e deficiências que se mantinham.
Após a consulta do processo e os esclarecimentos prestados, nunca foi referido quer pela Recorrente, quer pelos três membros da direção da mesma, que não tinham compreendido, cabalmente, a notificação efectuada em sede de audição prévia.
Só após a decisão final, vem a Recorrente, em sede de acção administrativa, alegar que não compreendeu o teor do oficio que lhe foi notificado e, posteriormente, explicada presencialmente.
Acresce que o dever de fundamentação não impunha, no caso concreto, a identificação de cada uma das folhas em que existem emendas e deficiências.
Senão vejamos,
Como é sabido, a fundamentação constitui um dever genérico da Administração, na sua actuação com os administrados.
Com efeito, o artigo 124º do anterior Código do Procedimento Administrativo, (artigo 152º NCPA), na esteira do nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, consagra um dever geral de fundamentação dos actos administrativos, dever que é concretizado no artigo 125º do mencionado Código do Procedimento Administrativo (atual artº 153º).
Preceitua este artigo 125º - sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação” - nos nºs 1 e 2, o seguinte:
“1.A fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
2.Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”.
Assim, a fundamentação de um concreto acto, para que possa desempenhar em pleno a principal função subjacente à previsão da respectiva exigência, tem que ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou e, ademais, congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
Tal como tem sido jurisprudência uniforme do STA, a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, na posição do interessado em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão - cfr., por todos, o Acórdão do Pleno de 14/05/97, segundo o qual, a fundamentação, “(...) varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue: habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade (objectivo endo-processual) a assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e a reflexão decisórias (objetivos exa ou extra-processuais)”.
A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer o particular e permitir-lhe o controlo do acto.
O que significa que o administrado deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, o que traduz a exigência de que a administração deve dar-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada de decisão.
Na verdade, só assim o particular pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão.
É que, só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.
Com a fundamentação visa-se, pois, que o destinatário fique ciente do modo e das razões por que a administração decidiu num e não noutro sentido.
Sobre esta problemática da fundamentação, no âmbito específico dos actos administrativos proferidos no âmbito da actividade discricionária da Administração, pronunciou-se o Acórdão do STA, de 12/04/2007, no proc. 0941/05, onde sumariou: “ (…) IV - No domínio do exercício dos poderes discricionários a Administração tem de agir tendo sempre em vista a satisfação do interesse público e tal passa não só pela adopção do comportamento mais racional e mais ajustado aos fins que se visa prosseguir, como também pelo respeito dos princípios da legalidade, da igualdade, da imparcialidade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé. V - Quanto mais alargados forem os poderes discricionários maior é a obrigação do acto ser acompanhado de uma fundamentação clara, precisa e suficientemente desenvolvida pois que só assim se dá as necessárias garantias de defesa do administrado.”.
No mesmo sentido pronunciou-se o mesmo Supremo Tribunal:
A fundamentação - como resulta do que se disse - visa responder às necessidades de esclarecimento do Administrado destinando-se a informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e a permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro. E, sendo assim, pode dizer-se que não só a insuficiência, a obscuridade e a contradição da fundamentação equivalem a falta de fundamentação, uma vez que as mesmas impedem o devido esclarecimento, como também que um acto está devidamente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familias do artº 487º, nº 2 do CC - fica a saber das razões que o motivaram cfr. nº 3 do artº 268º da CRP, e artº 124º do CPA - entre muitos outros, os seguintes Acórdãos do STA de 19/3/81, proc. 13.031, de 27/10/82 in AD 256/528, de 25/7/84 in AD 288/1386, de 4/3/87, AD 319/849, de 15/12/87 in AD 318/813, Marcello Caetano em “Manual”, pág. 477 e Esteves de Oliveira em “Direito Administrativo”, pág. 470.
“Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato” - cfr. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido Pinho, em Código do Procedimento Administrativo.
A fundamentação do acto administrativo, no que toca à clareza e suficiência, deve ter como padrão um destinatário normal, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos.

A fundamentado não tem que ser prolixa, basta que seja suficiente; assim, é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar, isto é, a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação - cfr. o Prof. Vieira de Andrade, em “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, pág. 138.
Dito de outro modo, o grau de fundamentação há de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado.
Posto isto, não há qualquer dúvida que a exposição dos fundamentos da decisão deverá ser efectuada sucintamente.
É que - remetendo para os princípios - a prossecução do interesse público, a proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e a colaboração com os particulares devem ser harmonizados.
E essa harmonização, devendo ser adequada aos fins prosseguidos - princípio da proporcionalidade - não pode deixar de levar em conta critérios de eficiência, economicidade e celeridade - princípio da boa administração.
Acresce que a imputação do vício de forma por falta de fundamentação, que a Recorrente sustenta, refere-se ao facto de a notificação “não se fazer acompanhar do devido despacho a que faz referência”.
A este propósito recorremos ao disposto n.º 1 do artigo 153.º, do NCPA que determina o seguinte: “(...) podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.”
Verificamos que, de acordo com a citada disposição legal, a notificação do indeferimento só teria de se fazer acompanhar do parecer e despacho respetivos se remetesse para os mesmos, o que in casu não sucedeu.
Deste modo, não existe qualquer invalidade a apontar à notificação da decisão de 26/02/2018 (Ofício n.º 12118/2018/.../DLAP, de 02/03/2018), pelo que se desatende a argumentação da Recorrente.
Em conclusão, a decisão está devidamente fundamentada, pois permite ao interessado perceber, ainda que de forma sucinta, o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada de decisão.
É pacífico, e reitera-se, o entendimento de que um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da mesma, bem como optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 16.03.2001, recurso 40.618).
Já quanto à conclusão LV) e segs. dir-se-á que se considera que é manifestamente insuficiente a alegação genérica de que a conduta do Réu viola os mais elementares princípios com consagração constitucional, nomeadamente os princípios consagrados nos artigos 13.°, 20.°, 266.° e 268.°, dada a omissão de substanciação fáctico-jurídica subjacente a esses putativos vícios. Com efeito, a Autora não aduz quaisquer razões de facto e de direito em que se concretizam as referidas causas de invalidade. Nessa parte, por isso, a pretensão da Autora afigura-se votada ao fracasso, por falta da exigível substanciação essencial da causa de pedir (cfr., a propósito, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-04-2003, proc. nº 00211/03, e o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 01-03-2019 no proc. nº 02570/14.7BEBRG).

De resto, como sentenciado, no processo português (não penal), seja o civil, seja o administrativo, vigora o princípio da substanciação (artigo 5º do Código de Processo Civil - CPC - Lei nº 41/2013, de 26 de junho, na redação da Lei nº 55/2021, de 13 de agosto). À Autora não lhe basta indicar de forma genérica qual o direito de que se pretende fazer valer, exige-se-lhe sim que concretize a sua alegação, indicando de forma especificada os factos constitutivos do seu direito, ou extintivos da pretensão da contraparte. Neste caso, qual o direito violado e de que forma ele foi violado.
“A teoria da substanciação está inequivocamente consagrada no nosso sistema processual: o autor deve, na petição inicial, expor os factos que servem de fundamento ao pedido (artº 552º-1-d); esses factos constituem a causa de pedir e esta delimita o pedido para o efeito de, juntamente com ele e com as partes, identificar a causa (artº 581º-4); (...) A parte que invoca o direito tem, pois, de alegar os respetivos factos constitutivos, isto é, todos aqueles que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido (...)” (vide Freitas, José Lebre de, “Introdução ao Processo Civil”, 3ª edição, Coimbra Editora, p. 65 e ss.).
Concluindo, no caso concreto, o acto impugnado não padece dos vícios enfrentados na decisão recorrida, devendo esta, por isso, ser mantida na ordem jurídica.
Improcedem as Conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Apelante.
Notifique e DN.
Porto, 14/7/2023

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro