Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00602/23.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PENHORA;
QUINHÃO HEREDITÁRIO;
HERANÇA INDIVISA;
Sumário:Num contencioso de legalidade, presente no meio processual utilizado - reclamação de acto do órgão de execução fiscal, visando a mera anulação do acto reclamado, a sindicância do mesmo pelo tribunal deve ater-se à causa de pedir invocada e aos termos do acto tal qual foi praticado.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 21/10/2023, que julgou procedente a reclamação formulada por «AA», contribuinte n° ...06, com residência indicada no ..., Casa ...27, ...16 ..., também designada como Rua ..., ..., ..., ..., contra o acto de penhora proferido, em 22/07/2022, do quinhão hereditário que pertence à Reclamante por óbito de «BB» e «CC», realizada no âmbito dos processos de execução fiscal n°s. ...24 e apensos e ...05 e apensos, para cobrança coerciva da dívida de IVA do ano de 2008 e IRC de 2008 e IVA de 2009 e retenção na fonte de 2009, no montante de €387.487,99, contra si revertida.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida em 21/10/2023 pelo Douto Tribunal a quo, em que é Reclamante «AA», NIF ...06, que peticionou contra a penhora de quinhão hereditário que pertence à reclamante na herança aberta por óbito de «BB» e «CC», realizada no âmbito dos processos de execução (PEF, daqui em diante) ...24 e apensos e ...05 e apensos,
B. que correm termos no Serviço de Finanças ..., no montante global de €387.487,99, a que acrescem juros de mora e custas e em que é executada originária a sociedade “[SCom01...] S A”, NIPC ...75, ao abrigo do disposto nos artigos 2760 e segs. do CPPT.
C. Considerou a douta sentença de que se recorre, procedente a Reclamação, por entender, no que respeita à (i)legalidade do acto de penhora, que “Com efeito, tendo sido penhorado um imóvel concretamente identificado, supra referido, e não tendo a penhora incidido sobre uma quota do património hereditário da Reclamante, urge concluir que a penhora em questão foi realizada com desrespeito pelas apontadas formalidades legais.”
D. E, consequentemente, determinou a anulação do acto de penhora.
E. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto, considera que, da prova produzida não é possível extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por valoração errada dos elementos constantes dos autos e ausência da análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequentemente, erro na aplicação do direito, mormente por violação do disposto nos artigos 232º, b) do Cód. Procedimento e Processo Tributário, artigos 778º, nº 3 e 781º, nº 1 e nº 2 ambos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 2º, e) do CPPT e artigos 2º, 6º, 8.º-A, nº1, iii) e 101º, nº 1, al. e) do Cód. Registo Predial.
F. Resulta evidente nos autos, em todos os documentos probatórios e mesmo nos factos dados como provados na douta sentença, que o Órgão de Execução Fiscal sempre identificou a penhora e tramitou os actos correspondentes à sua concretização, como sendo sobre o direito ao quinhão hereditário da reclamante.
G. Obviamente, identificando os bens que integram o acervo hereditário, que no caso concreto é apenas um único imóvel,
H. Mas, em momento algum se refere ou procede à penhora do imóvel em concreto.
I. Pela conjugação dos artigos 2.° e 8.°-A, n°1, iii) do CRPredial, a penhora é um facto sujeito a registo obrigatório, mas esta obrigatoriedade não inclui a penhora do quinhão hereditário. Não sendo este facto sujeito a registo obrigatório, equivale a dizer que a eficácia da penhora do quinhão hereditário não depende do registo, nem, naturalmente, a sua oponibilidade perante terceiros.
J. A eficácia da penhora do quinhão hereditário verifica-se com a concretização da notificação prevista no art.° 781.°, n.° 1, do Cód. Processo Civil.
K. Quando a penhora incide sobre um prédio, o registo é realizado por inscrição. No entanto, quando em causa está a penhora do direito de algum ou de alguns dos titulares da inscrição de bens integrados em herança indivisa é, nos termos do art.° 101.°, n.° 1, al. e), do CRPredial, registada por averbamento à respetiva inscrição.
L. Sendo facultativa, a penhora sobre uma universalidade integrada por aquele bem imóvel, caberá ao Órgão de Execução Fiscal ponderar, mediante as vantagens que pode retirar deste registo de penhora, se a pretende ou não, como fez.
M. A penhora do quinhão hereditário, nos termos do art.° 101.°, n.° 1, al. e), do CRPredial, é registada por averbamento à inscrição de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito. Partilhado um bem sobre o qual penda o registo da penhora do quinhão hereditário e esse mesmo bem vier a ingressar na esfera jurídica do herdeiro executado, nos termos do n.° 3 do art.° 778.° do CPC, a penhora passa a incidir sobre esse bem, retroagindo à data do registo da penhora do quinhão hereditário.
N. Nesta hipótese, o registo da penhora do quinhão hereditário representa uma vantagem e assim, revela-se útil, na medida em que, posteriormente ao registo da penhora do quinhão hereditário, poderão ter sido registados outros ónus ou, sobre aquele bem, constituídos encargos que, pelo princípio da prioridade, previsto no art.° 6.° do CRPredial, não irão afetar o direito do exequente.
O. No âmbito dos presentes processos executivos não foi penhorado o concreto e único bem que integra a herança, nem sequer uma fracção desse concreto bem.
P. Em todos os actos administrativos praticados pelo Órgão de Execução Fiscal, o imóvel em causa surge como constituindo o único bem que integra a herança indivisa.
Q. E neste sentido, resulta claro, que o Órgão de Execução Fiscal diligenciou rigorosamente pelo cumprimento das disposições legais, visando a penhora de bens da reclamante para satisfação dos créditos tributários, que em concreto se verificou ser o seu direito ao quinhão hereditário na herança aberta por óbito de «BB» e «CC».
R. Ao decidir como decidiu, a douta Sentença fez uma incorrecta apreciação da prova constante dos autos e do direito aplicável aos factos, sendo a mesma suficiente para concluir que, a penhora de quinhão hereditário em causa nestes autos é legal, válida e mantém o seu fundamento de satisfação dos valores em dívida, inexistindo, face ao peticionado, motivo legal para que a mesma seja imediatamente levantada, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica e, assim, prosseguirem os processos de execução fiscal, os seus legais termos.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”
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A Recorrida contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
“1 - Pugna a reclamente pela defesa da legalidade da sentença ora em crise.
2 - Discordando, em absoluto, do recurso interposto pela recorrente.
3 - O Tribunal a quo fez um correcto enquadramento fáctico daquilo que foi a gestão processual executiva desencadeada pela Fazenda Pública.
4 - Todo o tratamento do processo executivo teve em vista a penhora do imóvel, casa de morada de família da executada, confundindo, amiúde, o quinhão hereditário com o imóvel.
5 - Olhando para o auto de penhora, consegue-se perceber que o objecto da penhora é o imóvel, devidamente identificado e relativamente ao qual foi a executada constituída fiel depositária, devidamente advertida das obrigações inerentes e consequências do seu eventual inadimplemento.
6 - Para além disso, em sede de registo predial, conquanto a Fazenda Pública tenha mencionado, em outras declarações, a "penhora de quinhão hereditário", certo é que o requerimento de registo, e o registo que se seguiu, acompanhado de auto de penhora e certidão matricial, incide sobre o imóvel.
7 - Nessa medida, e sempre considerando toda a fundamentação expendida em sede de sentença, e aí bem detalhada, foi efectivamente o imóvel que a Fazenda Pública pretendeu penhorar, conquanto ilegalmente.
8 - Assim sendo, integrando o imóvel uma herança indivisa, portanto, ainda não partilhada, o imóvel que a integra não poderia ter sido objecto de penhora.
9 - De acrescentar, embora não integre o objecto do recurso, ainda que a penhora do imóvel fosse admitida - que não se concede - sempre a sua venda estaria proibida, ao abrigo da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, que veio alterar o C.P.P.T.
10 - Assim, atendendo ao já decidido pelo Tribunal a quo deverá improceder o recurso da Fazenda Pública.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao eliminar da ordem jurídica o acto reclamado.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com interesse para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:
1. Por ofício datado de 26.02.2013, foi remetida à Reclamante, pelo Serviço de Finanças ..., comunicação com o seguinte teor:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- (...)“ - cfr. fls. 34 do PEF ...05 apenso, a fls. 87 do SITAF;
2. Nesta sequência, o Chefe do Serviço de Finanças ... proferiu despacho de reversão contra a Reclamante, na qualidade de responsável subsidiária, com o seguinte teor:
“ (...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- (...)” – cfr. fls. 116 do PEF ...05 apenso, a fls. 145 do SITAF;
3. Com o despacho que antecede o Serviço de Finanças ... remeteu à Reclamante documento (ofício 9034) intitulado “Citação (Reversão)”, de onde se extrai o seguinte:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 119 e 120 do PEF ...05 apenso, a fls. 145 do SITAF;
4. Com o referido ofício, foi remetida à Reclamante a seguinte listagem de valores em dívida:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 121 do PEF ...05 apenso, a fls. 145 do SITAF;
5. O Chefe do Serviço de Finanças ... proferiu despacho de reversão contra a Reclamante, na qualidade de responsável subsidiária, com o seguinte teor:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 108 do PEF ...24 apenso, a fls. 531 do SITAF;
6. Com o despacho que antecede o Serviço de Finanças ... remeteu à Reclamante documento (4706) intitulado “Citação (Reversão)”, de onde se extrai o seguinte:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 110 e 111 do PEF ...24 apenso, a fls. 531 do SITAF;
7. Com o referido documento, foi remetida à Reclamante a seguinte listagem de valores em dívida:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 112 do PEF ...24 apenso, a fls. 531 do SITAF;
8. Com data de 22.07.2022, o Serviço de Finanças ... prestou informação com o seguinte teor:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. fls. 156 do PEF apenso, a fls. 188 do SITAF;
9. Sobre a informação referida no ponto anterior foi proferido o seguinte despacho:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. fls. 156 de PEF apenso, a fls. 188 do SITAF;
Mais se provou que:
10. Consta da participação relativa a transmissões gratuitas (Modelo 1), com data de recepção a 24.07.2013, o seguinte:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 160 e 160 verso do PEF apenso, a fls. 224 do SITAF
11. Em 22.07.2022 foi lavrado auto de penhora com o seguinte teor:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 175 e 176 do PEF apenso, a fls. 224 do SITAF;
12. Pelo Serviço de Finanças ..., foi apresentada na ... Conservatória do Registo Predial ..., requisição de registo, da qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 177 a 179 do PEF apenso, a fls. 224 do SITAF;
13. A referida requisição foi acompanhada do auto de penhora identificado em 11) e da seguinte fotocópia da caderneta predial urbana:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 181 e 181 verso do PEF apenso, a fls. 224 do SITAF;
14. Através de ofício dirigido à Reclamante, datado de 05.08.2022, o Serviço de Finanças ... procedeu à comunicação da penhora, nos seguintes moldes:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. fls. 184 e 184 verso do PEF apenso, a fls. 224 do SITAF;
15. Com a mesma data, foi dirigido a «DD», ofício com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 237 e 237 verso do PEF apenso, a fls. 631 do SITAF
16. Foi dirigido à Reclamante ofício datado de 09.09.2022, subordinado ao assunto “Retificação de Notificação”, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 220 do PEF apenso, a fls. 322 do SITAF;
17. O imóvel em causa (prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...08, da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ...), constitui a casa de morada de família da Reclamante e do seu agregado familiar – facto não controvertido;
*
Factos não provados:
Inexiste matéria de facto não provada com interesse para a decisão da causa.
*
Motivação:
A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e dos PEFs apensos, conforme remissão feita em cada um dos pontos do probatório.
***
2. O Direito

A Recorrente não se conforma com a eliminação da ordem jurídica do acto de penhora realizado em 22/07/2022, destacando que, no âmbito dos presentes processos executivos, não foi penhorado o concreto e único bem que integra a herança, nem sequer uma fracção desse concreto bem. Lembra que, em todos os actos administrativos praticados pelo Órgão de Execução Fiscal, o imóvel em causa surge como constituindo o único bem que integra a herança indivisa. E, neste sentido, resulta claro, que o Órgão de Execução Fiscal visou a penhora de bens da reclamante para satisfação dos créditos tributários, que em concreto se verificou ser o seu direito ao quinhão hereditário na herança aberta por óbito de «BB» e «CC».
Nesta conformidade, a Recorrente imputa à sentença recorrida o vício de valoração errada dos elementos constantes dos autos, fazendo igualmente uma aplicação errada do direito, dado que a única penhora realizada nestes processos de execução fiscal incidiu sobre o quinhão hereditário.
Considera a Fazenda Pública que, ao decidir como decidiu, a sentença recorrida fez uma incorrecta apreciação da prova constante dos autos e do direito aplicável aos factos, sendo a mesma suficiente para concluir que a penhora de quinhão hereditário em causa nestes autos é legal, válida e mantém o seu fundamento de satisfação dos valores em dívida, inexistindo, face ao peticionado, motivo legal para que a mesma seja imediatamente levantada, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica e, assim, prosseguirem os processos de execução fiscal, os seus legais termos.
O raciocínio vertido na sentença recorrida assentou na ponderação de que a penhora incidiu não sobre o quinhão hereditário da reclamante na referida herança, mas sobre o imóvel nela compreendido e identificado no respectivo auto, o que se revela legalmente inadmissível, por tal herança ainda não ter sido objecto de liquidação e partilha, constituindo, por isso, um património autónomo relativamente ao qual cada herdeiro apenas tem direito a uma parte ideal e não a bens certos e determinados que a integrem [cfr. artigos 1403.º, n.º 2 e 1408.º, n.º 1 e 2, do Código Civil (regime aplicável à herança jacente por força do artigo 1404.º, do mesmo diploma), 743.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e aresto do STA citado na sentença recorrida].
Antes de mais, salientamos que apenas é objecto do presente recurso a parte da sentença recorrida relativa ao acto de penhora reclamado. É com base nos seus termos e na sua motivação que o tribunal apreciará a legalidade desse acto. O contencioso de legalidade subjacente ao presente meio processual determinará a eventual mera anulação do acto impugnado, daí a relevância de atender aos termos da prolação do mesmo, tale quale foi praticado.
Sucede que, na realidade, a sobredita penhora recaiu sobre o quinhão hereditário da reclamante na referida herança – e não sobre o mencionado imóvel.
O auto de penhora lavrado em 22/07/2022 é absolutamente inequívoco, bem como o subsequente pedido de registo da penhora, quanto à circunstância de a penhora ter recaído sobre o quinhão hereditário da Recorrida – cfr. pontos 11 e 12 do probatório.
E, se dúvidas houvesse, tal mostra-se confirmando pelos termos do registo efectuado na Conservatória do Registo Predial, com base na correspondente apresentação da AT (n.º 3648, de 25/07/2022), no qual, por averbamento, se consignou, de forma expressa, que a “A penhora incide sobre o direito da executada na herança aberta por óbito de «BB» e «CC»”, com referência aos processos de execução fiscal em apreço - cfr. fls. 322, páginas 51 e 52 do processo virtual no SITAF.
Assim sendo, a sentença recorrida incorreu no erro de julgamento que a Recorrente lhe assacou ao decidir que “(…) constatando-se que o bem objecto da penhora faz parte da herança indivisa (herança aceite e não partilhada), tal penhora não podia ter incidido, como veio a ocorrer, sobre o concreto imóvel em questão, ou seja, sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...08, o qual teve origem no artigo urbano ...36 da extinta freguesia de ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., distrito ....
Com efeito, tendo sido penhorado um imóvel concretamente identificado, supra referido, e não tendo a penhora incidido sobre uma quota do património hereditário da Reclamante, urge concluir que a penhora em questão foi realizada com desrespeito pelas apontadas formalidades legais. (…)”
Devemos ater-nos ao acto reclamado, sendo o acto de penhora inequívoco quando visa o quinhão hereditário da reclamante na referida herança.
Aliás, compulsando os termos da petição de reclamação, verificamos que a reclamante, aqui Recorrida, não apontou nenhum vício ou ilegalidade à penhora, dizendo, até, o seguinte: “7 – Pelo que, nos termos do referido artigo, embora penhorável, não pode o imóvel ser vendido em sede de execução fiscal”. (sublinhado nosso)
Portanto, ciente que a herança somente seria constituída por um imóvel (o identificado no ponto 17 do probatório), pretendeu, através do presente meio processual, acautelar a eventual venda posterior, alertando para o disposto no artigo 244.º, n.º 2 do CPPT e para a circunstância de tal prédio constituir a casa de morada de família da reclamante e do seu agregado familiar.
Porém, note-se, não é o acto de venda que se mostra impugnado nos presentes autos, mas o acto de penhora. E, mesmo que fosse o imóvel (que não é) que tivesse sido objecto da penhora, a Recorrida assume na sua reclamação que tal imóvel é penhorável, não imputando qualquer vício ou ilegalidade ao acto de penhora.
Em suma, a reclamante sempre reconheceu que a penhora em causa incidiu sobre o seu direito à herança aberta por óbito de «BB» e «CC» (e não sobre o imóvel identificado), não tendo, consequentemente, invocado como causa de pedir da sua pretensão o fundamento de facto e de direito identificado na sentença recorrida, que levou à detectada ilegalidade do acto de penhora.
A sentença recorrida realizou a devida delimitação do objecto da reclamação de acto do órgão de execução fiscal afirmando o seguinte. “(…) através da presente reclamação visa-se aferir da legalidade do acto de penhora que alegadamente incide sobre o quinhão hereditário detido pela Executada, aqui Reclamante, na herança aberta por óbito de «BB» e «CC», realizada no âmbito dos processos de execução fiscal n°s. ...24 e apensos e ...05 e apensos.
Para tal sustenta a Reclamante que, estando em causa a casa de morada de família a sua venda encontra-se proibida por força do disposto no artigo 244°, n° 2 do CPPT, mais alegando dificuldades financeiras, o que não lhe permite adquirir ou arrendar nova casa, sendo certo que, numa eventual venda, o seu actual marido sempre teria direito ao valor das benfeitorias realizadas no imóvel.
Invoca, ainda, como fundamento da presente reclamação, a circunstância de nunca ter sido gerente de facto da sociedade executada, pelo que inexistem os pressupostos para a sua responsabilização pessoal enquanto devedora subsidiária.
Por sua vez, e a respeito deste último fundamento apresentado pela Reclamante (falta de gerência de facto), o Representante da Fazenda Pública considera que o mesmo constitui fundamento de oposição, nos ternos do artigo 204° do CPPT. (…)”
Nesta sequência, o tribunal recorrido afastou o conhecimento, nesta sede, deste último fundamento, questão que não se mostra impugnada:
“(…) Da falta de responsabilidade da Executada – falta de gerência de facto
A reclamação de actos do órgão de execução fiscal, cujo regime jurídico se encontra previsto nos artigos 276° a 278° do CPPT, destina-se, como decorre do referido artigo 276°, a sindicar as “...decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro..”, sendo que o efeito jurídico pretendido corresponde à anulação do acto reclamado.
Por seu turno, no que se refere à oposição à execução fiscal, a que se reportam os artigos 203° e seguintes do CPPT visa-se, como supra já se referiu, a extinção da execução.
Sendo certo que, nos termos do n° 1 do artigo 204° do CPPT, “A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) Prescrição da dívida exequenda;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) Duplicação de colecta;
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação; e
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.”
Ora, entre os fundamentos a que se reporta o supra transcrito artigo 204°, n° 1 do CPPT, encontra-se a ilegitimidade do executado (alínea b)).
Concretamente e no que ao caso importa, o fundamento apresentado pela Reclamante, consubstanciado na sua ilegitimidade para a reversão, atento o não exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária, “[SCom01...] SA”, no período a que reportam as dívidas, é o mesmo adequado a atacar, enquanto responsável subsidiária, os despachos de reversão proferidos no âmbito dos processos de execução fiscal supra identificados.
Ante o exposto, fica prejudicado o conhecimento da ilegitimidade da Reclamante, por não poder constituir fundamento do presente meio processual – reclamação do acto do órgão de execução fiscal -, importando conhecer dos restantes fundamentos invocados, os quais constituem causa de pedir própria da reclamação.
Apreciando.
Da ilegalidade do acto de penhora
Desde logo urge relembrar, como supra se deixou explanado que, pese embora o pedido da Reclamante no sentido de ser dado sem efeito a venda do imóvel, certo é que, como se depreende do teor do acto reclamado, bem como do introito da petição inicial, o acto em crise é o acto de penhora, enquanto acto do órgão de execução fiscal.
Efectivamente, como anteriormente já foi referido, é contra o acto de penhora que a Reclamante se insurge. (…)”
Salientamos que o pedido que o tribunal “a quo” optou por conhecer se reportava unicamente à venda do imóvel: “seja a venda do imóvel dada sem efeito, na medida em que está em causa a habitação própria e permanente da executada e família”, interpretando-o reportado ao acto de penhora. O outro pedido: “seja a execução extinta, na medida em que não se preenchem os requisitos geradores da sua responsabilidade”, foi tratado na sentença como “erro parcial na forma do processo”. Mais uma vez, destacamos que nenhum destes segmentos decisórios foi questionado.
Nesta conformidade, observamos um ataque ao acto de penhora, sem fundamento válido e eficaz, dado que não foram invocados vícios próprios do acto reclamado, limitando-se a reclamante a apontar óbices a um acto que ainda não ocorreu (a venda). Além do mais, se hipoteticamente, no futuro, for este imóvel vendido, porque a penhora se transferiu, com a partilha, para este bem imóvel, por vir a constatar-se caber o mesmo à executada [cfr. artigo 232.º, alínea d) do CPPT], a verdade é que desde a penhora até à venda pode haver alterações, designadamente, o imóvel poder deixar de constituir a casa de morada de família da executada e do seu agregado familiar. Por outro lado, a executada, a qualquer momento, pode fazer cessar o impedimento legal que aponta para a venda do imóvel, segundo o disposto no artigo 244.º, n.º 6 do CPPT.
Logo, incidindo o acto reclamado de penhora sobre quinhão hereditário, não enferma da ilegalidade apontada pelo tribunal recorrido, nem se vislumbram quaisquer outras ilegalidades, tanto mais que os fundamentos indicados na reclamação não se mostram aptos para eliminar tal acto de penhora da ordem jurídica (por não lhe serem dirigidos), sendo que a apreciação que foi realizada dos restantes já transitou em julgado, por não ter sido objecto de recurso (cfr. artigos 635.º e 636.º do Código de Processo Civil).
Nestes termos, urge conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação improcedente, mantendo o acto reclamado na ordem jurídica.

Importa, por último, realçar que o valor em que a parte decaiu e será condenada nas respectivas custas assenta na base tributável de €387.487,99, valor esse que se apresenta ligeiramente superior a €275.000,00, montante a partir do qual passa a acrescer 1,5 UC, a final, por cada €25.000,00 ou fracção e que importa ponderar à luz do princípio da proporcionalidade aferido ao concreto serviço prestado.
Nesta instância, tudo ponderado e perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final, não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP, atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP e a questão colocada ser simples; alcançamos razões válidas e ponderosas para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Na sequência do exposto, deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.

Conclusão/Sumário

Num contencioso de legalidade, presente no meio processual utilizado - reclamação de acto do órgão de execução fiscal, visando a mera anulação do acto reclamado, a sindicância do mesmo pelo tribunal deve ater-se à causa de pedir invocada e aos termos do acto tal qual foi praticado.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação improcedente.

Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo; devendo a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.

Porto, 08 de Fevereiro de 2024


Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Cláudia Almeida