Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00177/08.7BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDICIÁRIOS, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, PROCEDIMENTO DE REVISÃO, ACORDO, PRESCRIÇÃO, IRC
Sumário:I - Muito embora a prescrição da obrigação tributária não constitua vício invalidante do acto de liquidação e não seja fundamento da respectiva impugnação, isso não deve impedir que o Tribunal no processo de impugnação não considere a prescrição da obrigação para concluir pela inutilidade superveniente da lide, pois que prescrita a obrigação se torna inútil a decisão sobre a legalidade do acto da liquidação.

II - Para que em sede de impugnação judicial seja proferido julgamento de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na prescrição da obrigação tributária que teve origem na liquidação impugnada, exige-se que estejam disponíveis no processo todos os elementos que permitam concluir com segurança nesse sentido, designadamente todos os elementos necessários à apreciação de eventuais causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos.

III - Nos termos do, então, disposto no artigo 81.º do Código de Processo Tributário, a decisão de tributação por métodos indiciários especificará os motivos da impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.
IV - Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.

V - Na vigência do Código de Processo Tributário não seria de dispensar o cumprimento do dever de fundamentação, nem mesmo nas decisões acordadas em sede de procedimento de revisão, dado que podiam ser sindicadas contenciosamente, sendo uma das finalidades da fundamentação a de assegurar a possibilidade de controlo jurisdicional do acto.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Construções O.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 02/04/2008, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por CONSTRUÇÕES O., Lda., NIPC (…), com sede na Rua (…), contra as liquidações de IRC e juros compensatórios, relativas aos anos de 1992 e 1993, nos montantes de Esc. 26.419.804$00 e de Esc. 14.227.967$00, respectivamente.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1. “A não apreciação na sentença do eventual decurso do prazo de prescrição decorrerá do facto de não ter sido arguida e por não se conter nos fundamentos legais da impugnação que tangem a validade do acto tributário das liquidações em causa, todavia a sua apreciação prévia pode ser pertinente ante a (in)utilidade da lide.
2. A distância temporal entre o período de tributação, a realização do processo tributário e liquidação oficiosa e o julgamento comprometem a nitidez da percepção da realidade da actividade da construção civil desenvolvida pela impugnante na época (1992 e 1993).
3. Daí que se torne mais difícil ajuizar reportando os factos à época, situando o modus operandi da administração tributária e dos contribuintes então face ao conjunto da legislação aplicável aos factos tributáveis e tendo presente a localização das obras no eixo de expansão da cidade de Coimbra e boom da construção em Buarcos, Figueira Foz.
4. A impugnante procurou rodear a tributação duma panóplia de vícios geradores de anulabilidade, mas sem concretizar a margem certa de erro de quantificação subsistente nas liquidações e sem trazer meios prova que não a solicitação de peritagem.
5. A douta sentença aderiu à tese da impugnante e julgou erradamente não provados os pressupostos de facto e de direito que motivaram a tributação do IRC por métodos indirectos e não fundamentado em primeiro lugar o relatório da inspecção tributária que serviu de suporte à fixação do lucro tributável e, em segunda via, a Acta da Comissão de Revisão.
6. Como demonstra o relatório da inspecção tributária através de enumeração dos factos, dos exemplos que dá e das demonstrações que apresenta a contabilidade da impugnante não reunia as condições de regularidade e de credibilidade suficientes exigidas no artigos 17° n°3 e no artigo 98° do CIRC para o apuramento directo do lucro tributável.
7. As incorrecções e irregularidades verificadas e descritas manifestam que a contabilidade não continha o valor probatório enunciado no artigo 78° do CPT.
8. Em conformidade a inspecção tributária concluiu com base nos elementos que angariou e comprovou pelos anexos do relatório que haveria então de recorrer subsidiariamente aos métodos indirectos nos termos do artigo 51° e 52° do CIRC, observados os artigos 51° e 52° do CPT.
9. O relatório da inspecção tributária confere também que a utilização dos métodos indirectos está adequado às exigências legais aplicáveis e, por isso, comporta força probatória, de acordo com n.º 2 do artigo 134° do CPT, dado que não foi posta seriamente em causa ou sequer soerguida dúvida fundada pela impugnante nem pela instrução do Tribunal a quo que balizasse o sentido da sentença tal como se apresenta.
10. O itinerário cognoscitivo e valorativo constante da fundamentação foi clara e totalmente percebido pelo destinatário, sócio-gerente da sociedade e seu representante, nos termos ao art. 68° do CPT e art. 260° do Código das Sociedades Comerciais, como o comprova o teor da reclamação por si deduzida em nome da sociedade onde procura rebater ponto por ponto os factos enunciados no relatório da inspecção tributária que lhe foi notificado, por isso não é justa a adesão da sentença à insinuação da impugnação.
11. A veracidade da fundamentação e a sua credibilidade está alicerçada na descrição dos factos, nos exemplos que reporta e na prova que carreia, na quantificação que estabelece e nos critérios que expõe e adopta como se pode colher na leitura do relatório e por isso respeita o artigo 81° do CPT, nomeadamente.
12. Nos mapas elaborados pela Inspecção Tributária estão as razões da prevalência dos preços que foram tidos em conta na tributação em desfavor da escrita da empresa, à qual nem impugnante como se deduz da impugnação já atribui crédito pelo que a dívida virada premissa pela sentença não tem fundamento.
13. Assim como o não tem qualquer sentido a suscitação feita e valor atribuído para o sentido da decisão judicial, à volta do termo "local" quando a inspecção alude aos preços e venda praticados, segundo as informações recolhidas no local, fls. 15/16, do relatório, posto que bastaria encontrar o seu contexto para se concluir que o trabalho de campo da inspecção foi desenvolvido para os fins da tributação no local das obras da impugnante. Só isso.
14. Por outro lado, não pode ser imputada à deliberação por acordo assente na Acta da Comissão de Revisão o mesmo grau de exigência de fundamentação que se requer da fundamentação do acto da liquidação, tanto mais que, no caso, o perito da parte é o sócio-gerente que está à frente do negócio e conhece todo os seus aspectos e os efeitos da negociação que se repercutem na sua esfera patrimonial, apesar da personalidade jurídica própria da sociedade, através dos resultados obtidos.
15. Os termos do acordo estabelecido têm em devida conta as razões e os valores delineados por ambas as partes no processo de liquidação e na reclamação e, por isso, as razões dos ajustamentos reportados na Acta devem ser tidos como uma súmula feita por remissão, o que é não só admissível como legal. Artigo 87° do CPT e artigo 125° do CP Administrativo.
16. Portanto a douta sentença comete erros de apreciação e de valorização, de interpretação e integração legal nas questões apreciadas que integram manifesto erro de julgamento quando decide considerar não fundamentada a tributação tout court e não considera provados os pressupostos de facto e de direito tal como estão expostos no relatório da inspecção tributária pelo que deve ser revogada e mandada corrigir no sentido da improcedência total da impugnação e da absolvição da Fazenda Pública, em consequência, mantendo os actos liquidação válidos e eficazes para todos os efeitos legais inclusive os da cobrança do imposto em dívida ainda. O que viola os artigos 123° e 124° do CPPT e artigos 659°, 660 e 668° do CPCIVIL. Cfr. v. g. Acórdão do STA, de 13.2.2008, Proc° 0706/06.”
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A Recorrida contra-alegou, tendo concluído o seguinte:

1) “Recorre a Fazenda Pública da douta sentença que julgando procedente a impugnação, determinou a anulação dos actos tributários impugnados.
2) Não tem qualquer razão a FP, quando assaca à douta sentença recorrida erro de julgamento.
3) A recorrida adere aos fundamentos aduzidos para concluir pela inexistência de qualquer erro de julgamento.
4) Sendo patentemente notório a existência do vício de falta de fundamentação na respectiva acta que consubstancia a deliberação da Comissão.
5) Compulsado o seu teor, resulta claro que ela não contém um discurso fundamentador apto a esclarecer o contribuinte, quanto à motivação do valor acordado, mormente, a indicação de forma clara, suficiente e congruente dos elementos e critérios utilizados na sua determinação, como impunha o referido art.° 81° do Código de Processo Tributário. É certo que a lei se basta com uma fundamentação por remissão para qualquer parecer, informação ou proposta anterior, mas no caso presente, nem essa remissão existe.
6) Por outro lado, a lei não permite fundamentações implícitas. A ideia de fundamentação, como legitimação concreta, impõe uma exteriorização das razões de facto, a cargo do seu autor, que deve constar do mesmo instrumento de externação, devendo ser-lhe contemporânea.
7) "Designadamente quando esteja em causa o exercício de poderes discricionários ou a Administração disponha de margens de apreciação ou de escolha, o dever formal (no sentido de representação externa e contextuai) de fundamentação constitui uma exigência acrescida de legitimidade material do acto, na medida em que, impõe o comprometimento como sujeito do órgão competente" (Cfr. Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação dos Actos Administrativos, p. 28).
8) Como se escreveu no acórdão de 14.1.2003, processo n.º 3689/00, escreveu o Senhor Juiz Desembargador Lucas Martins: " ...como é sabido, a fundamentação dos actos administrativos, como imposição legal do nosso ordenamento jurídico, nomeadamente, no âmbito tributário, na sua vertente formal, prende-se com a necessidade de esclarecimento dos cidadãos, seus destinatários, facultando-lhes a possibilidade efectiva de, contra eles, reagirem, o que pressupõe que lhes seja dado conhecimento, em discurso claro, congruente, suficiente, das razões determinantes da sua prática, ou como refere David Duarte, «... é uma das primeiras formas técnicas auxiliares, relativamente à posição central dos meios de impugnação das decisões, que se desenvolve no sentido de uma plenitude de defesa reaccional dos particulares relativamente à Administração ». «A fundamentação de uma decisão há-de ser fatalmente " justificante ", num enunciado que vise e seja apto a exprimir a pertinência material do acto à função exercida», ao mesmo tempo que «diz apenas respeito à exteriorização dos pontos de sustentação da decisão e não ao que eles são como realidade ontológica intra decisória». E continua o Senhor Juiz Desembargador Lucas Martins: "Vale isto por dizer que a fundamentação, nos termos expostos, sendo um imperativo legal, tem que estar sempre presente no suporte dos actos administrativos, ainda que por remissão, constituindo a sua omissão — mesmo que o respectivo destinatário por " palpite ", intuição ou qualquer outra circunstância alheia, logre reagir de forma adequada à decisão — uma preterição de formalidade legal conducente à eliminação do acto decisório da ordem jurídica ". Concluindo pois que: " ... o dever de fundamentação cumpre-se numa declaração de autoria da entidade decidente em que exprimam, de forma contextuai ou contemporânea da decisão, ainda que pela apropriação de elementos de ponderação relevantes anteriores, - mas que, em tal hipótese, tem de ser expressa e inequívoca a referência aos elementos apropriados -, as razões de facto e de direito que consubstanciam os motivos e os pressupostos daquela.
9) EM AMPLIAÇÃO DE RECURSO (ART.° 684°-A DO CPC): os actos sofrem de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
10) Havendo que dar como provados os factos referidos no corpo alegatório que aqui se dão por reproduzidos.
11) Face à matéria a dar como provada, logo se conclui que a actuação da AF pautou-se por manifesta ilegalidade, pois o ónus da prova da verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos (Vieira de Andrade, in Direito Administrativo e Fiscal, parte I, páginas 150-152: " há-de caber à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, sobretudo se agressiva (positiva e desfavorável)... "), não foi logrado, sendo ainda certo, que tal ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação que tem por base a aplicação dos métodos indiciários cabe à Fazenda Pública, no recurso administrativo... (Ac. do TCA, Secção de Contencioso Tributário, de 22.5.2001, Proc. 4623/00).
12) Mas ainda que se aceitassem as irregularidades contabilísticas apontadas pelo Fisco tal não permitia que se pudesse tirar logo a ilação de que a contabilidade não reflecte o lucro tributável do contribuinte.
13) É que os referidos erros de contabilidade não consequenciam necessariamente que possa lançar-se mão da tributação por métodos indiciários: isso só é possível legalmente quando eles criem uma situação de impossibilidade de comprovação e de quantificação directa e exacta da matéria colectável (art.° 81° do CPT) e os invocados pelo Fisco não estão nesta situação, permitindo a quantificação exacta do lucro tributável; de contrário, nunca haveria lugar para correcções técnicas.
14) Para que aquelas irregularidades pudessem indiciar seriamente que o lucro tributável declarado seria diferente do realmente obtido, e que, portanto existiria uma situação de impossibilidade de quantificação directa do lucro tributável, tornava-se necessário provar que os resultados declarados pelo contribuinte estavam desajustados dos que o art.° 52° do CIRC manda ter em conta para a determinação do lucro tributável por métodos indiciários ou em qualquer caso, de outros elementos de carácter objectivo seguro, dado que aqueles são ali apontados a título de exemplo.
15) A AF não faz qualquer confronto entre o resultado declarado pela impugnante e o apontado por quaisquer coeficientes objectivos de rentabilidade, de lucro líquido ou bruto ou preços por metro quadrado ou por tipo de fracções reconhecidamente aceites pelas autoridades de controlo, estudo ou promoção do sector, para o tipo de actividade em causa donde se possa retirar a conclusão de que aquelas pretensas irregularidades denunciam fugas ao imposto.
16) EM AMPLIAÇÃO DE RECURSO (ART.° 684°-A DO CPC): a AF tem de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
17) Tendo ainda a AF de fundamentar adequadamente a adopção do ou dos critérios com base nos quais venha a fixar a matéria colectável, no sentido de que há-de indicar os "... pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis" - Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, in O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 231, aptos a suportarem-na, no sentido de cumprir as exigências, de ordem particular, por um lado, de facultarem ao respectivo destinatário, todos os necessários elementos que permitam uma plena e substancial avaliação do "itinerário psicológico percorrido pela entidade decidente", e, de ordem geral, por outro, de garantia de uma efectiva ponderação da decisão.
18) E tal não feito pela AF no presente processo!
19) O tempo decorrido entre a instauração da impugnação e o tempo decorrido após um ano de paragem até à presente data faz com que se mostrem prescritas as dívidas de IRC em causa, face ao disposto no art. 34° do CPT, exceptuando naturalmente o que foi pago, ou seja, a quantia de 6.174.86€.
20) De nada relevando para a contagem do prazo prescricional a informação de que a impugnante aderiu ao plano dos benefícios fiscais do D.L. n.º 124/96 de 10.8, do qual foi excluída.
21) É que o artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96, padece de inconstitucionalidade orgânica.
22) De facto - e de direito -, não subsistem hoje quaisquer dúvidas de que a matéria da prescrição, sendo imputada a uma esfera garantística dos contribuintes e, além disso, por dizer respeito à extinção da obrigação tributária, está sujeita ao princípio da legalidade fiscal, nos termos dispostos no artigo 103.º, n.º 2, da nossa Lei Fundamental, constituindo, por via desse princípio, matéria subtraída à esfera de competência legiferante não autorizada do Governo.
23) Ora, a criação por Decreto-Lei, à margem da legislação precedente, de uma nova fattispecie de suspensão do prazo prescricional, sem que existisse autorização parlamentar para que o Governo pudesse legislar sobre tal matéria, inquina, por inconstitucionalidade orgânica - ex vi, o disposto no n.º 2 do artigo 103.° e no artigo 165.°, n.°1, al. i), da CRP, a validade dessa norma e a sua sobrevivência como direito aplicável ao caso, nos termos do disposto na norma do artigo 204.° da norma normarum.
24) Restando acrescentar, não vá entender-se que a norma tem apoio numa qualquer lei de autorização não identificada, um igual juízo de inconstitucionalidade formal da norma do artigo 5.º, n.º 5 do DL 124/96, por violação do disposto no artigo 198. °, n.º 3, da CRP.
25) E, a ser assim, a única interpretação possível in casu é a de que o prazo de prescrição das dívidas não se suspende durante o período do plano de pagamento em prestações, tendo esta norma um conteúdo manifestamente inovador face ao teor do artigo 34.0/3 do CPT pois cria uma nova causa de suspensão que não se reconduz às que aí estão tipificadas como causas de interrupção da prescrição.
26) As dívidas em causa estão manifestamente prescritas, exceptuando naturalmente o que foi pago, ou seja, a quantia de 6.174.86€.
Termos em que se requer a V.ªs Ex.ªs:
1) Que se dignem negar provimento ao recurso da Fazenda Pública.
2) Subsidiariamente, que se dignem tomar conhecimento das questões suscitadas em ampliação do recurso (art.° 684°-A do CPC) e, consequentemente, julgarem procedente por provada a impugnação judicial, decretando-se a anulação dos actos tributários, com todas as legais consequências.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar verificar-se o vício de falta de fundamentação da decisão que determinou o recurso a métodos indiciários e impôs a anulação das liquidações.
Mostra-se, ainda, colocada por ambas as partes a questão da prescrição das obrigações tributárias resultantes dos actos de liquidação aqui impugnados.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“3.1. FACTOS PROVADOS
1. Em cumprimento da ordem de serviço n.º 15 941, a Divisão de Inspecção Tributária I da Direcção Distrital de Finanças de Coimbra, procedeu a exame à escrita da Impugnante dos exercícios de 1991, 1992, 1993 e 1994, em resultado do qual foi elaborado em 96.04.29 o relatório de fiscalização de que se junta cópia de fls. 112 a fls. 252 dos autos, e que aqui dou por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, de onde, além do mais, consta o seguinte:
«4. - RESULTADOS DA ANÁLISE EFECTUADA
Ao longo do presente relatório, ficaram demonstradas as anomalias existentes na contabilidade da empresa.
Estas, por si só, qualificam a actuação da sociedade, e deixam antever as razões porque foram praticadas.
Mais, se nos debruçarmos com maior profundidade sabre alguns comportamentos anotados, vamos encontrar, além das incoerências noticiadas, outras que, pela sua importância, convém trazer à colação. Vejamos
-As construções em curso deviam, quanto a nós, serem auto suficientes financeiramente, não se compreendendo, por isso, valores tão elevados de empréstimos de sócios, até porque estes foram efectuados nos períodos em que a firma tinha receitas próprias, originárias de adiantamentos de clientes.
- Não faz sentido a inexistência duma política de preços de venda já que, segundo os valores declarados, na formação dos preços de venda não se atenderam a componentes importantes como áreas de logradouros, tipos de construção, áreas de sótãos, etc., já que há T2 com valores de venda próximos, e até inferiores aos dos T3, e Fracções com logradouros e sótãos a preços de venda inferiores aos que não têm estas condições.
- Não se entende a política empresarial da empresa, não só porque, nalguns casos, os preços de construção se sobrepõem aos de venda, como ainda terem sido praticados preços de venda abaixo dos de mercado.
Também a análise dos indicadores extraídos dos Balanços e Demonstrações de Resultados do último quinquénio, que se juntam e são o ANEXO IX vêm demonstrar algumas das incoerências de que vimos falando, porquanto apontam para:
- Descidas e subidas abruptas tanto em Bancos como em Caixa, o que de algum modo terá a ver com a política desenfreada de empréstimos do sócio.
- Fundos de maneio negativos (à excepção do ano de 1992), o que além de ser provocado pela referida política de empréstimos, também poderá ter como influente próximo alguma descoordenação dos registos contabilísticos.
- Um peso bastante significativo dos empréstimos do sócio no Passivo total da empresa, o que quer significar que o único credor da sociedade é o sócio.
Por sua vez, a consulta a alguns rácios permite, embora não de forma conclusiva, ajuizar das razões que provocaram distorções tão acentuadas nos comportamentos de alguns destes.
Ressalta de tudo o que acabamos de dizer que as dificuldades de consulta oferecidas pela contabilidade, tiveram em vista obstar a que se conhecesse com rigor o volume de negócios da empresa nos anos objecto de análise, que, e em função daquilo que é do conhecimento público em matéria de preços de venda praticados na construção civil, mais propriamente na cidade de Coimbra e periferia, são bastante superiores aos declarados.
5.- PROPOSTAS DE TRIBUTAÇÃO
5.1- APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDICIÁRIOS
O que deixamos escrito antes confirma, sem sombra para dúvidas, que a contabilidade da CONSTRUÇÕES O., Lda., não revela a verdadeira situação patrimonial da empresa, já que, entre outras situações:
- Não revela de forma apropriada todos, os fluxos financeiros da sociedade;
- Não permite o controlo dos adiantamentos dos clientes, por, ou não os registar, ou registando-os, não dar a conhecer o destino dado aos mesmos;
- Procede a anulações de adiantamentos, sem que se observe os motivos;
- Fez registos em duplicado na conta 12-Bancos, adulterando por isso os valores do balanço em 31 de Dezembro de 1992.
Pelas razões expostas, a contabilidade da CONSTRUÇÕES O., Ld.ª não merece qualquer credibilidade, reunindo assim os pressupostos enunciados no artigo 51.° do Código do IRC., pelo que a sua matéria colectável vai ser objecto de tributação através de métodos indiciários.
Extracto de fls. 10 e 15 do relatório; fls. 121 e 126 dos autos.

2. Em 96.11.29, a Impugnante reclamou da fixação da matéria colectável por métodos indiciários para o Ex.mo Senhor Presidente da Comissão Distrital de Revisão de Coimbra, nos termos que constam do doc. de fls. 386 a fls. 410 dos autos e que aqui dou por reproduzido para todos os legais efeitos.
3. A Comissão de Revisão reuniu em 97.02.10, tendo os vogais acordado «nos montantes de 35.511.254$00 e 22.150.000$00, que apurados por métodos indiciários serão acrescidos aos valores declarados para apuramento do lucro tributável relativamente aos referidos exercícios», mais se tendo consignado que «para o efeito, acordou-se em ajustar os valores de venda corrigidos, levando em conta os preços de mercado aplicáveis ao tempo de negociação das fracções, a localização dos prédios e das fracções, e as condições concretas negociadas nomeadamente tipo de acabamentos e condições de pagamento», tudo conforme acta n.º 031, de que se junta cópia de fls. 419 a fls. 421 dos autos e que aqui se dá também por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.
4. Em 97.11.20, foram efectuadas as liquidações adicionais de I.R.C. correspondentes, nos termos que seguem no quadro infra:

ImpostoPeríodoliquidaçãovalor liquidaçãodata limite pagamento
I.R.C.1992833002428726.419.804$1998.01.12
I.R.C.1993833002428814.227.967$1998.01.12

Fls. 80 e seguintes dos autos
5. A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Coimbra 1 em 98.01.15.
Cfr. carimbo aposto no cabeçalho da douta P.I.
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3.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Pelas razões explanadas no ponto 4.1. infra, julga-se desnecessária a resposta à demais matéria factual alegada.”
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2. O Direito

A primeira questão que expressamente vem suscitada pelas partes nas suas alegações e contra-alegações de recurso, e vertida nas conclusões formuladas, é a da prescrição das obrigações tributárias resultantes dos actos de liquidação aqui impugnados.
Vejamos o que se nos oferece dizer, começando por deixar bem claro que, como é sabido, através da impugnação judicial o que se visa é a fiscalização da legalidade do acto tributário e a consequente anulação, total ou parcial, do mesmo.
Assim, como se referiu no Acórdão deste TCAN, de 11/03/2010, proferido no âmbito do processo n.º 02794/04-Viseu, “a sede própria para invocar a prescrição da obrigação tributária, quando esta não seja oficiosamente conhecida – como deve ser, nos termos do artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – é a execução fiscal, onde o executado pode argui-la, ou mediante requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável, nos termos do disposto no artigo 276.º do CPPT, ou, se estiver em tempo, mediante oposição à execução fiscal (cf. arts. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).
Em todo o caso, o prosseguimento da impugnação, no caso de a obrigação tributária não estar ainda solvida e de ser inquestionável o decurso do prazo da respectiva prescrição, constitui acto inútil: a AT, ainda que a impugnação seja julgada improcedente, não poderá instaurar execução com vista à cobrança da dívida correspondente, bem como deverá oficiosamente declarar extinta a execução, caso esta tenha já sido instaurada. Assim, apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide (cf. art. 287.º, n.º 1, alínea e), do CPC).”
Por identidade ou até maioria de razão, a mesma questão só pode ser incidentalmente colocada na pendência do recurso dessa decisão para aferir da utilidade da apreciação do próprio recurso. Em bom rigor, a questão, dita nova, com que somos confrontados reconduz-se ao problema do conhecimento oficioso das causas de inutilidade da lide (cfr., neste sentido, o Acórdão do TCAN, de 11/01/2013, processo n.º 739/05.4BEPRT).
Todavia, como também não deixou de se afirmar no primeiro acórdão citado, “a referida possibilidade de conhecer prejudicialmente da prescrição em sede de impugnação judicial apenas se impõe ao tribunal caso constem dos autos todos os elementos que permitam uma avaliação segura dessa questão (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, pág. 22.), tanto mais que, se a obrigação tributária estiver realmente prescrita, sempre a prescrição deverá ser conhecida oficiosamente na execução fiscal, bem como sempre o impugnante aí poderá invocá-la com sucesso, nos termos que deixámos já referidos.”
Ora, no caso vertente, os elementos que constam dos autos não permitem concluir no sentido da verificação da prescrição. Vejamos por que motivos.
Por um lado, a Recorrida atende, apenas, à data da autuação da presente impugnação judicial, à sua paragem por período superior a um ano por facto que não lhe foi imputável, ao disposto no artigo 34.º, n.º 3 do CPT (causas interruptivas da prescrição e sua cessação) e exclui do cômputo do prazo a parte das obrigações que já pagou, entretanto, no montante de €6.174,86.
Por outro lado, o Recorrente parece demonstrar perplexidade pelo facto de o tribunal recorrido não ter conhecido a questão da prescrição, na medida em que a sua apreciação prévia ao mérito da impugnação poderia ser pertinente para efeitos de aferição da (in)utilidade da lide. Todavia, em simultâneo, tudo indica que os contributos que deixa nas alegações deste recurso vão no sentido de não ter ocorrido a prescrição, dado que, além do mais, se refere à existência de processo de execução fiscal e de garantia bastante para suspender o prazo de prescrição até ao trânsito em julgado da presente impugnação judicial.
De facto, não vislumbramos que o Meritíssimo Juiz “a quo” tenha descurado esta questão, uma vez que, por despacho de 28/09/2007 – cfr. fls. 372 do processo físico, solicitou várias informações ao serviço de finanças competente, mormente se foi instaurada execução fiscal para cobrança coerciva da dívida impugnada nestes autos e em que data, se essa execução ficou suspensa em virtude do pedido de pagamento em prestações e em que data, se, em consequência da falta de pagamento de alguma das prestações, foi ordenado o prosseguimento da execução nos termos do artigo 283.º e em que data, se a execução fiscal ficou também suspensa a aguardar o destino da presente impugnação judicial e em que data, e se chegou a ser paga ou cobrada coercivamente alguma parte da dívida e, em caso afirmativo, qual o montante.
Todavia, os únicos elementos de que se deu conta nos presentes autos constam de fls. 375 a 381 do processo físico. Mostram-se somente anexos documentos comprovativos do pagamento parcial da dívida fora do processo executivo, em 1997 e 1998, conforme cópias das guias de pagamento juntas, num total de €6.174,86. Sendo pacífico que, relativamente a esta parte da obrigação que se apresenta paga, não se colocará a questão da prescrição, por não ser possível a repetição do indevido – cfr. artigo 304.º, n.º 2 do Código Civil. Relembramos que, pelo decurso do prazo de prescrição, a obrigação cuja exigibilidade se encontra prescrita não deixa de existir. No entanto, deixa de ser uma obrigação legal e passa a ser uma obrigação natural, que, se realizada espontaneamente, não pode ser repetida. In casu, tudo aponta para pagamentos fora do processo de execução fiscal (autodenúncia), podendo considerar-se pagamento espontâneo, uma vez que o n.º 2 do artigo 403.º do Código Civil refere que «a prestação considera-se espontânea quando é livre de toda a coacção».
Quanto à parte restante da obrigação subjacente às liquidações impugnadas, o Serviço de Finanças de Coimbra 1 informou que foi instaurado, em 16/06/1998, o processo de execução fiscal n.º 0728-98/102744.1, que ficou suspenso a partir dessa data, em consequência do pedido de pagamento em prestações apresentado em 31/01/2017, nos termos do DL n.º 124/96, de 10/08 (Lei Mateus) e que ocorreu incumprimento prolongado desse plano, tendo o executado sido excluído em 09/09/2004 do mesmo. Por último, informou-se que a execução fiscal ficou suspensa desde 09/09/2004 a aguardar decisão da impugnação judicial.
Na verdade, como em 01/01/1999 entrou em vigor a Lei Geral Tributária, não podemos esquecer que as normas que estabelecem os efeitos (ou não) de factos só se aplicam após a sua entrada em vigor, por força da regra do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil (CC). Podendo fazer toda a diferença alguns factos (interruptivos ou suspensivos) que possam ter ocorrido a partir da sua vigência e que desconhecemos. Daí a importância da análise completa do processo de execução fiscal, pois ignoramos eventual verificação de citação, por exemplo, tudo indicando, também, que existe uma garantia associada ao processo executivo e ao facto de ter sido deduzida a presente impugnação judicial.
Assim, mesmo abstraindo especificamente dos efeitos do plano de pagamento em prestações, importa frisar a relevância autónoma dos factos a que é atribuído efeito suspensivo da prescrição – cfr. artigo 49.º, n.º 3 da LGT na sua redacção inicial e da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho.
Efectivamente, com a redacção dada ao n.º 1 do artigo 49.º pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, passou a atribuir-se também efeito interruptivo à citação (que, in casu, não se sabe se ocorreu no processo de execução fiscal), em vez da “instauração de execução”, que tinha tal efeito no domínio do Código de Processo Tributário.
Para além disso, no n.º 3 do artigo 49.º da LGT, na redacção inicial, introduziu-se a principal novidade do novo regime de interrupção da prescrição que é uma norma de carácter geral sobre a suspensão da prescrição, estabelecendo-se que “o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou reclamação, impugnação ou recurso”.
Não é clara a compatibilização do regime de cessação do efeito interruptivo (que se transforma em suspensivo com a paragem do processo por mais de um ano), previsto nos números 1 e 2 do artigo 49.º, com o efeito suspensivo atribuído no n.º 3 do mesmo artigo à “reclamação, impugnação ou recurso”, dependente da suspensão do processo de execução fiscal.
De todo o modo, Jorge Lopes de Sousa, in “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas”, 2.ª Edição, Áreas Editora, páginas 67 a 69, é bastante elucidativo quanto à afirmação da relevância autónoma dos factos a que é atribuído efeito suspensivo da prescrição:
(…) Parece, no entanto, que a interpretação mais adequada e coerente é a de que esta norma geral sobre causas de suspensão tem precisamente os mesmos efeitos, relativamente aos factos que indica, que tinham as causas de suspensão previstas em diplomas especiais no domínio do CPT, (…): elas obstarão ao decurso da prescrição durante o período em que se mantiverem, produzindo os seus efeitos independentemente dos efeitos dos actos interruptivos. (…)
Com efeito, compreende-se perfeitamente que, durante o período do pagamento em prestações, estando o credor impossibilitado de cobrar a dívida, não corra o prazo de prescrição, que tem o seu fundamento na negligência do credor em proceder à cobrança.
Mas, não tem de ser diferente em relação à reclamação, ao recurso hierárquico e à impugnação.
Na verdade, embora se possa entrever aparente incoerência em se fazer decorrer da paragem desses processos por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte a cessação do efeito do facto interruptivo, inclusivamente a suspensão do decurso da prescrição (art. 49.º, n.º 2) e, no caso de estar suspensa a execução fiscal, assegurar o prolongamento do efeito suspensivo enquanto esta suspensão persistir (n.º 3 do mesmo artigo), o certo é que a suspensão da prescrição nesta última situação não deixa de ter uma razão de ser consistente, a mesma que justifica a suspensão durante o período de pagamento em prestações, que é a impossibilidade legal de a administração tributária fazer prosseguir a execução suspensa.
Isto é, compreende-se que o efeito suspensivo cesse por paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, pois essa paragem será imputável aos serviços estaduais que devem fazer tramitar atempadamente os processos administrativos e judiciais. Mas, também se compreende que, sendo o fundamento da prescrição das obrigações a negligência do credor em cobrar a dívida, não se deixe correr o prazo de prescrição enquanto este credor está legalmente impossibilitado de providenciar no sentido de a cobrança ser efectuada. (…)
Sendo assim, o regime de interrupção da prescrição previsto na redacção inicial da LGT nem será essencialmente diferente do que se previa no CPT (para além das diferenças de factos a que é atribuído efeito suspensivo e interruptivo): também na LGT, os efeitos dos factos interruptivos (o instantâneo e o duradouro) cessam com a paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, sem prejuízo da relevância autónoma que têm os factos a que é atribuído efeito suspensivo da prescrição. (…)”
Logo, não podemos acolher a abordagem que é efectuada pela Recorrida quanto à relevância singela de facto interruptivo e da paragem do respectivo processo, nos termos do artigo 34.º, n.º 3 do CPT.
No caso em apreço, a apreciação da questão da prescrição implicaria uma análise mais ampla de todos os elementos que permitissem uma avaliação segura dessa questão e que não constam dos autos.
Neste contexto, estranhamos a primeira conclusão do recurso da Fazenda Pública, tanto mais que se afigura incompreensível que queira sindicar a utilidade do seu próprio recurso nesta sede, quando o órgão de execução fiscal podia ter conhecido oficiosamente a prescrição, nos termos do artigo 175.º do CPPT, impondo-se que comunicasse esse facto nos autos no caso de verificação da prescrição.
Nesta conformidade, não contendo o presente processo todos os elementos relevantes, não será possível, com a segurança e certeza exigíveis, conhecer a prescrição. Além do mais, se a obrigação tributária em apreço estiver realmente prescrita, sempre a prescrição deverá ser conhecida oficiosamente na execução fiscal, bem como sempre a Recorrida aí poderá invocá-la com sucesso, nos termos que deixámos já referidos, se continuar a ter interesse na mesma.

Entrando, agora, na análise do recurso propriamente dito, observamos que a sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, anulou as liquidações impugnadas, por considerar verificado o vício de falta de fundamentação quanto à decisão de determinação da matéria colectável por aplicação de métodos indiciários.
A Recorrente sustenta a veracidade da fundamentação, por a sua credibilidade estar alicerçada na descrição dos factos, nos exemplos que reporta e na prova que carreia, na quantificação que estabelece e nos critérios que expõe e adopta, entendendo que tal se pode colher na leitura do relatório e por isso respeita o artigo 81.º do CPT.
Por outro lado, a Recorrente afirma não poder ser imputada à deliberação por acordo assente na Acta da Comissão de Revisão o mesmo grau de exigência de fundamentação que se requer da fundamentação do acto da liquidação, tanto mais que, no caso, o perito da parte é o sócio-gerente que está à frente do negócio e conhece todos os seus aspectos e os efeitos da negociação que se repercutem na sua esfera patrimonial, apesar da personalidade jurídica própria da sociedade, através dos resultados obtidos.
Acrescenta que os termos do acordo estabelecido têm em devida conta as razões e os valores delineados por ambas as partes no processo de liquidação e na reclamação e, por isso, as razões dos ajustamentos reportados na Acta devem ser tidos como uma súmula feita por remissão, o que é não só admissível como legal, segundo o disposto no artigo 87.º do Código de Processo Tributário e no artigo 125.º do Código de Procedimento Administrativo.
Começando pela primeira norma invocada, com efeito, nos termos do, então, disposto no artigo 81.º do Código de Processo Tributário, a decisão de tributação por métodos indiciários especificará os motivos da impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.
Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria colectável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.
Vejamos, parcialmente, o julgamento em crise efectuado em primeira instância:
“(…) A fundamentação de todos os actos praticados em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes, e em especial a liquidação oficiosa, é uma das garantias que vinham já, ao tempo do acto, consagradas genericamente no artigo 19. ° alínea b), do C.P.T. Para a fundamentação da tributação por métodos indiciários prescrevia especialmente o artigo 81. ° do C.P.T. 'que a decisão da tributação por métodos indiciários teria que especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.
Resulta do exposto que na liquidação com recurso a métodos indiciários a Administração Fiscal estava, já ao tempo, obrigada a especificar as razões de facto e de direito pelas quais a contabilidade do contribuinte não lhe merece crédito, e justificar a impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, indicando ainda o concreto facto tipificado no artigo 51.°, n.º 1, do C.I.R.C. (redacção então em vigor), bem como indicar os critérios seguidos na quantificação, explicando o método adoptado, seja por aderência aos mencionados no seu artigo 52.° seja pela utilização de qualquer outro, e descrevendo as operações de apuramento da matéria tributável.
Todas estas especificações teriam que ser efectuadas através de elementos objectiváveis, atendendo à sua função que é a de possibilitar ao contribuinte a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, garantir a transparência e ponderação da actuação da administração e assegurar a possibilidade de um efectivo controle hierárquico e jurisdicional do acto.
«No fundo, poderá dizer-se que um acto administrativo estará fundamentado sempre que perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele acto, um destinatário normal possa ficar a saber porque se decidiu em determinado sentido».
A fundamentação será inexistente se não se detectam no acto os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão; obscura se não deixa perceber porque se decidiu da forma como se decidiu; contraditória quando as razões invocadas se contradizem entre si ou justificariam uma decisão diferente; insuficiente quando não chega para explicar porque se decidiu assim e não de outra forma.
Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos. (…)
Sucede que também não foi o critério seguido pela fiscalização que vingou na quantificação, mas o acordado pela Comissão de Revisão. Sendo, por isso, quanto a este que se deve aferir o cumprimento do dever de fundamentação.
Todavia, a Impugnante também aponta o vício de falta de fundamentação a esta deliberação. Dizendo, ademais, que se estriba em elementos genéricos, não deixando conhecer como foram determinados os preços de mercado aplicáveis, como foi ponderada a localização, que condições concretas de negociação estão pressupostas.
E, na verdade, no entender deste Tribunal, a falta de fundamentação da decisão da Comissão de Revisão é ainda mais patente.
Disse-se que se levaram em conta os preços de mercado aplicáveis ao tempo de negociação das fracções sem explicitar que preços de mercado foram levados em conta (se os nacionais, os de Coimbra, os da zona, ou quaisquer outros e quais os valores) e sem explicar em que termos foram levados em conta; disse-se que foi levada em conta a localização dos prédios sem explicar em que medida interferiu no apuramento do valor das fracções; disse-se que foram levadas em conta as concretas condições negociadas, nomeadamente o tipo de acabamentos e condições de pagamento, sem especificar o tipo de acabamentos utilizado nem as condições de pagamento acordadas (sequer exemplificativamente) e sem explicar em que termos interferiram com o valor de venda acordado.
Com este tipo de fundamentação é virtualmente impossível acompanhar o raciocínio seguido pela Comissão de Revisão e sequer tentar acompanhar as razões porque chegaram àquele valor e não a qualquer outro.
Para mais, utilizou-se o mesmo tipo de fundamentação para todos os casos, ou seja, também para a venda do terreno de Buarcos. Apesar de se ter mantido o valor inicialmente fixado pela fiscalização, não foi reproduzida a fundamentação constante do relatório nesta parte nem se remeteu, fosse de que forma fosse, para o seu teor. Tanto quanto daquela deliberação consta, o valor de 6.621.254€ não foi ali acordado por corresponder ao preço de custo, mas por causa dos preços de mercado aplicáveis, a sua localização e as condições concretas negociadas. Pelo que o vício de falta de fundamentação abrange, agora, também esta correcção.
É de admitir que tamanha vacuidade na fundamentação tivesse sido potenciada pelo facto de se tratar de uma decisão acordada com o vogal da Impugnante, que era simultaneamente um dos sócios da Impugnante, o Sr. Albino Fonseca.
Todavia, na vigência do C.P.T. não seria de dispensar o cumprimento do dever de fundamentação nem mesmo nas decisões acordadas. Porque no C.P.T. (ao contrário do que sucede actualmente - artigo 86.° da L.G.T.) não havia limitação ao direito de impugnação contenciosa do acto de fixação da matéria colectável [arts. 84.°, n.º 3, 89.°, n.º s 1 e 2, 120.°, alínea a), e 136.°, n.º 11».
Questão diversa seria a de saber se, face à intervenção de um sócio da Impugnante, na qualidade de vogal; no acordo da Comissão de Revisão, a preterição de tal formalidade se teria degradado em preterição de formalidade não essencial e, por isso, sem efeitos invalidantes. Afinal, se um dos legais representantes da Impugnante participou no acordo e a ele aderiu, é porque conheceu os seus fundamentos e a sua valia para o resultado a que chegou. Pelo que não pode agora padecer das dificuldades que ao Tribunal agora se deparam para os apreender concretamente.
Porém, e mesmo à luz de tal entendimento, só seria de concluir pela degradação de tal formalidade em formalidade não essencial se o Tribunal não tivesse que analisar esses fundamentos para decidir quanto a outro vício, concretamente alegado, que implique o seu conhecimento. É que, como se disse, uma das finalidades da fundamentação é a de assegurar a possibilidade de controle jurisdicional do acto. E o Tribunal só poderá exercer eficazmente esse controle quanto aos vícios concretamente alegados, se o conhecimento da fundamentação, no segmento em que foi preterida, não for necessário ao seu conhecimento.
Ora, no caso, a Impugnante também invoca erro na quantificação, ao menos nos artigos 73.° e seguintes da douta P.I. E o Tribunal não pode reconhecer um erro na quantificação e conhecer devidamente da pretensão à anulação da parte em que, alegadamente, padece de excesso, sem aceder à fundamentação que a suportou. Pelo que nunca poderia considerar que a inexistência de tal fundamentação se degradou em preterição de formalidade não essencial.
Decorre do exposto que a douta impugnação procede na totalidade, logo por aqui.
Fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios. (…)”
De facto, revemo-nos totalmente no julgamento recorrido, dado que será de ter em conta na apreciação a decisão final do procedimento de revisão. É esse o acto que conclui o procedimento e que aplica os métodos indiciários para determinar a matéria colectável, sem que remeta, em qualquer passagem da motivação do mesmo, para qualquer outro documento, informação ou relatório.
Ora, não olvidamos que o procedimento culminou com um acordo, mas também temos presente, como se enfatiza na sentença recorrida, que esse acto é contenciosamente sindicável, por ter sido praticado em 10/02/1997. A não vinculação do contribuinte pelo acordo obtido no procedimento de revisão impunha-se, no domínio do Código de Processo Tributário, pelo facto de o próprio vogal nomeado não agir na comissão como um representante deste, tendo antes o dever legal de agir com imparcialidade e independência técnica, pelo que não havia justificação razoável para vinculá-lo pela actuação de alguém que não o representava.
Não podendo a AT ignorar o regime que estava previsto no Código de Processo Tributário, no qual não se faziam restrições e várias disposições inculcavam a ideia de que não existia qualquer limitação ao direito de impugnação contenciosa do acto de fixação da matéria colectável no âmbito de impugnação do acto de liquidação, deveria imprimir um especial cuidado na fundamentação do acto final do procedimento, mesmo sendo obtido por acordo, prevenindo a hipótese de dedução de impugnação judicial pela ora Recorrida.
O dever de fundamentação da decisão de tributação por métodos indiciários ou por presunções, previsto no artigo 81.º do Código de Processo Tributário, expressamente impõe a especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável e a indicação dos critérios utilizados na sua determinação.
Como adiantámos, a Recorrente pugna por um grau de exigência de fundamentação menor na deliberação final do procedimento obtida por acordo, tendo em conta que os termos desse acordo terão tido em devida conta as razões e os valores delineados por ambas as partes no processo de liquidação e na reclamação e, por isso, as razões dos ajustamentos reportados na Acta devem ser tidos como uma súmula feita por remissão – cfr. conclusões 14 e 15 das alegações de recurso.
Com efeito, era legalmente admissível a fundamentação baseada em informações e elementos anteriores, nos termos do artigo 125.º do Código de Procedimento Administrativo. Contudo, como vimos, tal remissão expressa inexiste no acto.
Por outro lado, o artigo 87.º do Código de Processo Tributário parecia inculcar a ideia de que somente haveria lugar a fundamentação quando o procedimento de revisão não terminasse com acordo – cfr. o seu n.º 3: não havendo acordo, o director distrital de finanças decidirá fundamentadamente.
É nossa convicção que não poderá assim ser, pela possibilidade ampla que existia (e que existiu) de impugnação da liquidação que foi efectuada com base nesse acordo.
Realmente, acordou-se em ajustar os valores de venda, corrigindo-os, levando em conta os preços de mercado aplicáveis ao tempo da negociação das fracções, elencadas separadamente para o ano de 1992 e de 1993, a localização dos prédios e das fracções e as condições concretas negociadas, nomeadamente tipo de acabamentos e condições de pagamento. Portanto, utilizou-se esta fórmula genérica, sem se concretizar ou individualizar qualquer aspecto, seja da localização, seja das características de cada imóvel ou outro, passando-se a apontar, fracção a fracção vendida, os valores acordados.
Ora, não podemos afirmar que tais valores surgem na sequência dos termos do pedido de revisão (reclamação), pois aí se solicitava a manutenção das quantias declaradas. Por outro lado, tais montantes também não foram obtidos com base nos critérios da fiscalização e que constam do respectivo relatório inspectivo, tendo, antes, prevalecido o que foi acordado em procedimento de revisão.
Nesta conformidade, não só não existe uma remissão expressa para fundamentação anterior, como não será legítimo entender que se verifica uma motivação implícita, dado que o relatório de inspecção tributária não explica como se obtiveram os valores acordados (mas outros, que consubstanciavam a proposta de determinação da matéria colectável antes de se iniciar o procedimento de revisão) e na reclamação, que deu origem ao procedimento que culminou com o acto final, pedia-se que prevalecessem os montantes declarados à AT.
Pelo exposto, não sendo nenhum desses elementos que vingou, mas antes os valores acordados no procedimento de revisão, é impossível compreender-se, em concreto, como se obtiveram esses montantes.
Considerando que, na presente impugnação judicial, a Recorrida discute essa quantificação detalhadamente, aludindo, designadamente, a localização e características dos imóveis, invocando, ainda, erro nos pressupostos de facto para aplicar métodos indiciários, mostra-se este tribunal, tal como o tribunal recorrido, impossibilitado de sindicar o acto obtido por acordo que fundou as liquidações impugnadas; tendo um efeito totalmente implosivo sobre o presente recurso. Revela-se, assim, não bastar a parte, aqui Recorrida, através do seu sócio-gerente que participou na Comissão de Revisão, ter tido conhecimento de todos os elementos que determinaram a aplicação de métodos indiciários. Se esses elementos (a motivação) não são externados, fica inviabilizada a sindicância jurisdicional.
O recurso a métodos indiciários de tributação exige, pelas consequências gravosas para o património dos contribuintes que pode assumir, um acrescido esforço de fundamentação. O que, efectivamente, não ocorreu in casu, pelo que a dúvida quanto à verificação dos pressupostos de determinação da matéria tributável por métodos indiciários tem de ser resolvida contra quem tem esse ónus probatório, ou seja, a Administração Tributária.
Destarte, impera concluir pela ilegalidade das liquidações decorrente da ilegal determinação da matéria colectável que lhes subjaz.
Por tudo o exposto, impõe-se negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica, ficando prejudicado o conhecimento das questões colocadas em ampliação do recurso.

Conclusões/Sumário

I - Muito embora a prescrição da obrigação tributária não constitua vício invalidante do acto de liquidação e não seja fundamento da respectiva impugnação, isso não deve impedir que o Tribunal no processo de impugnação não considere a prescrição da obrigação para concluir pela inutilidade superveniente da lide, pois que prescrita a obrigação se torna inútil a decisão sobre a legalidade do acto da liquidação.
II - Para que em sede de impugnação judicial seja proferido julgamento de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na prescrição da obrigação tributária que teve origem na liquidação impugnada, exige-se que estejam disponíveis no processo todos os elementos que permitam concluir com segurança nesse sentido, designadamente todos os elementos necessários à apreciação de eventuais causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos.
III - Nos termos do, então, disposto no artigo 81.º do Código de Processo Tributário, a decisão de tributação por métodos indiciários especificará os motivos da impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.
IV - Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.
V - Na vigência do Código de Processo Tributário não seria de dispensar o cumprimento do dever de fundamentação, nem mesmo nas decisões acordadas em sede de procedimento de revisão, dado que podiam ser sindicadas contenciosamente, sendo uma das finalidades da fundamentação a de assegurar a possibilidade de controlo jurisdicional do acto.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
*
Sem custas, por a Fazenda Pública delas estar isenta – cfr. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro.
*
Porto, 28 de Janeiro de 2021


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