Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00663/10.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; GESTÃO DE NEGÓCIO; PRESUNÇÃO DE RATIFICAÇÃO;
ART. 17.º, N.º 3 DA LGT; MAIS VALIAS; FACTO TRIBUTÁRIO;
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL; COMPRA E VENDA DE IMÓVEL; CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:
I. Do n.º 3 do art. 17.º da LGT resulta, com meridiana clareza, que quando esteja em causa o cumprimento de obrigações acessórias ou de pagamento, a gestão de negócios presume-se ratificada após o termo do prazo legal do seu cumprimento.

II. Não tendo os Recorrentes alegado, e consequentemente, não tendo provado quaisquer factos concretos dos quais se possa retirar a ilisão da presunção de ratificação consagrada nesta norma, não havia que lhes dar razão nesta matéria.

III. Da conjugação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 10.º do CIRS, o que claramente resulta é que o facto tributário se verifica com a venda do imóvel, ocorrida em 2007, e não, como pretendem os Recorrentes, no momento da celebração da procuração irrevogável, com o recebimento da quantia em causa.

IV. Tendo o facto tributário ocorrido em 17 de fevereiro de 2007, em 2009, quando foram emitidas as liquidações de IRS impugnadas, não decorrera ainda o prazo de 4 anos de caducidade do direito de liquidação, nos termos do disposto no art. 45.º da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
«AA» e «BB», inconformados com a sentença proferida em 2011-11-29 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial que interpuseram tendo por objeto as liquidações adicionais de IRS referentes ao ano de 2007 no montante de EUR 10.180,67, vêm dela interpor o presente recurso.
Os Recorrentes encerram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
A) A Douta Sentença não conhece de questões alegadas pelas partes, nomeadamente a questão da não ratificação por parte dos impugnantes das declarações de rendimentos que deram origem às liquidações em crise.
B) Nos termos do disposto no artigo 660.º e 668.º do C.P.C. a Douta Sentença é nula por omissão e excesso de pronúncia.
C) A Douta Sentença não teve em consideração matéria de facto que se encontra provada nos autos por documento autêntico - escritura pública de 17.02.2007 outorgada no Cartório Notarial ....
D) Deve, pois, ser dado como provado: “Que a procuradora, recebeu da compradora “[SCom01...], S.A. a quantia de CENTO E VINTE E DOIS MIL DUZENTOS E CINCO EUROS E QUARENTA E OITO CÊNTIMOS, pela venda do imóvel rústico inscrito na matriz sob o artigo n.º ...39”.
E) Ponderado tal facto resulta que, na data em que foi celebrada a escritura (ano de 2007) não foi colocado à disposição dos recorrentes qualquer rendimento, pois que o recebeu foi a procuradora.
F) Não podem, pois, os recorrentes serem obrigados a pagar mais-valias de rendimentos que não receberam.
G) Tal entendimento resulta da norma constitucional contida no artigo 107º, nº 2 da CRP, acolhida no artigo 4º, nº 4 da Lei 106/88, que autorizou o Governo a aprovar o CIRS.
H) Na data da outorga da procuração com poderes irrevogáveis (2001) não havia norma que tributasse a mais-valia em questão.
I) O facto tributário em causa ocorreu em 2001.
J) Pelo que, ocorre caducidade do direito de liquidação da AF, nos termos do artigo 45.º n.º 1 e n.º 4 da LGT.
Termina pedindo:
K) Deve, pois declarar-se a anulação das liquidações em causa efectuadas pela Direcção Geral dos Impostos, por haver divergências entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto da prática do acto tributário.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância das Ex.mas Juízas Desembargadoras-Adjuntas, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida se encontra ferida de nulidade por omissão e excesso de pronúncia, ou se padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pelos Recorrentes, por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do regime constante no art. 10.º do CIRS relativamente à tributação de mais valias, porque o facto tributário terá ocorrido em 2001, com o recebimento da quantia de EUR 122 205,48 no momento da emissão da procuração irrevogável, e não em 2007, com a celebração da compra e venda do imóvel em questão.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
III - Dos Factos
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado com base nos elementos de prova documental e no depoimento prestado pela testemunha em sede de audiência contraditória de inquirição de testemunhas, os seguintes factos:
1.º - A ora Impugnante apresentou Reclamação Graciosa em 22.12.2009, relativamente à nota de liquidação n.º ....................364 no valor de 10 584,84 euros, datada de 21.07.2009 e, respectivos Juros Compensatórios do ano de 2007, o que originou o processo de reclamação n.º ........................76.1 - cfr. Informação de fls.12 do Processo Administrativo (P.A.) apenso aos autos.
2.º - Em 1994, faleceu «CC», marido da ora Impugnante, deixando como herdeiros, o cônjuge sobrevivo, (a ora Impugnante) e um filho.
3.º - Da herança por óbito de «CC», fazia parte o prédio rústico inscrito na matriz sob o art. ...39, sito no Lugar ..., freguesia ..., Concelho ....
4.º - Em 11 de Julho de 2001, no Consulado de Portugal, em França, os herdeiros do falecido «CC», outorgaram procuração, constituindo sua procuradora «DD», a quem conferiram poderes especiais, com a faculdade de substabelecer, “para prometer vender e vender pelo preço de 24 500 000$00, o prédio rústico, já devidamente identificado, podendo receber o preço da venda” - cfr. doc .de fls.14 e 15 do PA apenso aos autos.
5.º - Na data da outorga da procuração, a procuradora entregou aos herdeiros o preço do prédio, o montante de 122 205,48 euros.
6.º - Tendo a procuradora ficado na posse do prédio.
7.º - Em 17 de Fevereiro de 2007, a «DD», fazendo uso da procuração irrevogável, alienou o imóvel referido, através de escritura pública outorgada no Cartório Notarial ....
8.º - A administração fiscal tendo tomado conhecimento, notificou a ora Impugnante para apresentar a respectiva declaração modelo 3 de IRS, com o anexo relativo à declaração da mais-valia obtida.
9.º - Mas a referida declaração já tinha sido apresentada - cfr. doc. de fls. 8 e 9 do PA apenso aos autos.
10.º - A ora Impugnante estava em França e era o Dr. «EE» seu advogado que tratava dos seus assuntos - cfr. depoimento do pai da Impugnante.
11.º - A ora Impugnante quando fez procuração em 2001 à Dona «DD» recebeu um cheque no valor de 24 mil contos - cfr. depoimento do pai da ora Impugnante.
12.º - A Dona «DD» vendeu o terreno - cfr. depoimento do pai da ora Impugnante.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da matéria em causa nos autos.
*
II.2. Aditamento oficioso à fundamentação de facto:
Atento o disposto no art. 712.º, n.º 1, alínea a), primeira parte do CPC, na redação aplicável ao caso ex vi art. 281.º do CPPT, o alegado pelos Recorrentes e a prova documental produzida nos autos, procede-se ao seguinte aditamento à fundamentação de facto:
13.º - As liquidações adicionais de IRS referentes a 2007 impugnadas nos autos foram emitidas em 2009 (cf. fls. 25 e 22 do PAT apenso).
14.º - Em 22 de dezembro de 2009 deram entrada no Serviço de Finanças ... Tirso reclamações graciosas dos ora Recorrentes, tendo por objeto a liquidação de IRS de 2007 (cf. fls. 2 a 7 do PAT apenso).
15.º - Em 6 de julho de 2010 foi exarado parecer pelos serviços da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa propondo o indeferimento da reclamação graciosa, com o seguinte teor (cf. fls. 34 a 39 e 35 a 42 do PAT apenso):
PARECER
Em 22 de Dezembro de 2009, vem o reclamante supra identificado, deduzir reclamação graciosa, ao abrigo dos art.ºs 68º e ss. do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), da liquidação nº....................364 e nota de compensação n.º ................724, datadas de 21 de Julho de 2009 no montante de € 1 O 548,84, referente a IRS e, respectivos Juros Compensatórios do ano de 2007.
Compulsados os elementos junto aos Autos, verifica-se que:
os termos dos artºs. 9º, 68º e 70º do CPPT, a reclamação apresentada é o meio próprio, é tempestiva e o reclamante tem legitimidade para o acto.
Do alegado pelo reclamante
Dos fundamentos constantes da p.i., que se dão aqui como integralmente reproduzidos, no essencial, alega o reclamante, não concordar com a liquidação em reclamação, porquanto,
• Não ratificou a gestão de negócios e,
• Que ocorreu a caducidade da liquidação uma vez que, o facto tributário ocorreu em 2001.
SOLICITA, o deferimento da presente reclamação, por haver divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto da prática do acto tributário.
Da apreciação do pedido
Foi apresentada declaração modelo 3 de IRS, cfr. fls. 8//9, referente ao ano de 2007, em 26 de Março de 2009, contendo um anexo G, referente a mais-valias, assinada por um gestor de negócios.
Não ratificou a gestão de negócios, nem ratifica.
Em 1994, faleceu «CC», marido da reclamante, deixando como únicos herdeiros, o cônjuge sobrevivo, a aqui reclamante e, um filho.
Da herança aberta por óbito de «CC», fazia parte, de entre outros bens, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artº ...39, sito no Lugar ..., freguesia ..., Concelho ....
Em 11 de Julho de 2001, no Consulado de Portugal, em França, os herdeiros do «CC», outorgaram procuração, constituindo sua procuradora «DD», a quem conferiram poderes especiais, com a faculdade de substabelecer, “para prometer vender e vender pelo preço de 24 500 000$00, o prédio rústico, já devidamente identificado, podendo receber o preço da venda, cfr. fls. 14/15.
A procuração foi conferida no interesse do mandatário, pelo que irrevogável sem o acordo e não caduca por morte ou interdição dos outorgantes, autorizando ainda a fazer negócio consigo mesmo.
Na data da outorga da procuração, ou seja, em 11 de Julho de 2001, a procuradora entregou aos herdeiros o preço do prédio, o montante de € 122 205,48.
Tendo a referida procuradora ficado na “posse” do prédio.
Em 17 de Fevereiro de 2007, a «DD», fazendo uso da procuração irrevogável, alienou o imóvel supra referido, através de escritura pública outorgada no Cartório Notarial ....
Deste acto e, tomando a Administração Fiscal conhecimento, notificou a reclamante, para apresentar a respectiva declaração modelo 3 de IRS, com o anexo relativo à declaração da mais valia obtida.
No entanto, já alguém o havia feito, cfr. fls. 8/9.
A reclamante não recebeu, em 2007, qualquer valor relacionado com a venda do imóvel, tendo recebido a parte que lhe cabia no ano de 2001.
Descrita a factualidade do presente procedimento graciosa, resta a sua apreciação e luz do direito, o que se passará a fazer,
Alega a reclamante que,
1. Não ratificou a gestão de negócios;
2. O facto tributário ocorreu em 2001 com a outorga da procuração irrevogável e, não em 2007.
3. Ocorreu a caducidade do direito à liquidação, uma vez que o facto tributário ocorreu em 2001 e,não foi validamente, notificado à reclamante, conforme o disposto no art.º 45º da LGT.
Quanto à não ratificação da gestão de negócios
A gestão encontra-se tipificada no art.º 17º da LGT e artºs. 464º a 472º do Código Civil.
Refere o art.º 17º da LGT que,
“n.º 1 ... Os actos em matéria tributária que não sejam de natureza puramente pessoal podem ser praticados pelo gestor de negócios, produzindo efeitos em relação ao dono do negócio nos termos da lei civil.
N.º 2 ... Enquanto a gestão de negócios não for ratificada, o gestor de negócios assume os direitos e deveres do sujeito passivo da relação tributária.”
O art.º 146º do CIRS, refere-se à possibilidade de as declarações tributárias serem assinadas por gestor de negócios devidamente identificado, aplicando-se aos respectivos actos, tal como aos actos abrangidos pelo disposto no presente artigo, a disciplina dos art ºs. 646º e seguintes do Código Civil.
Admite, o direito fiscal a prática de actos de natureza tributária por gestor de negócios, ou seja, por terceiro que aja em nome do contribuinte, sem poderes de representação.
Os pressupostos da admissibilidade da gestão de negócios não são específicos do direito tributário. O legislador remeteu-os, na parte final do n.º 1 do art.º 17º da LGT, para o direito comum, especialmente para os artºs. 646º a 472º do Código Civil.
Independentemente do disposto no presente artigo (17º da LGT), a gestão de negócios pode, ainda ser assumida, no processo judicial tributário, nas circunstâncias do art.º 41º do CPC, que prevê o patrocínio possa ser assumido a título de gestão de negócios.
A inexistência de ratificação da gestão de negócios é fundamento de reclamação graciosa ou de impugnação judicial ou, nos casos expressamente previstos na lei, de restituição do tributo, sempre que, em virtude da não ratificação, tenha ficado sem efeito o acto ou o negócio jurídico translativo objecto de tributação, sendo esta a doutrina do STA, Acórdão de 22 de Outubro de 1997, Recurso n.º 20.111.
O n.º 3 do sempre citado art.º 17º da LGT, ao presumir a ratificação da gestão de negócio no termo do prazo legal para o cumprimento da obrigação, tem por objectivo facilitar o desenvolvimento dessa figura no Direito Tributário, deixando de ser expressamente exigida a necessidade de ratificação expressa da gestão, que já era a prática dominante da administração fiscal, passando esta a fazer-se automaticamente, caso até ao termo do prazo para cumprimento da obrigação acessória, não tenha sido dado conhecimento à administração fiscal da não ratificação.
É, no entanto, uma presunção elidível por meio de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação. Teve-se em conta que, ao não proceder ao cumprimento da obrigação acessória no prazo legal, o dono do negócio concordou implicitamente, salvo prova em contrário que lhe cabe aduzir, com a actuação do gestido.
Ora,
A não ratificação da gestão de negócios, compete aos tribunais comuns, nos termos da lei comum, conforme supra referido, não sendo da competência dos tribunais tributários.
Seria, através de acção cível, que a reclamante exercia a “não ratificação” da gestão de negócios e, depois de obter mérito de causa e, o negócio ser anulado, então, através do mecanismo da reclamação graciosa ou impugnação judicial, solicitaria a anulação da liquidação com base na não ratificação da gestão de negócios.
No caso em apreço, tal não aconteceu.
Não elidiu a presunção, como lhe competia, pelo que a Administração Fiscal considerou a ratificação automática, tanto mais que o art.º 146º do CIRS diz que,
“ .. . as declarações devem ser assinadas pelos sujeitos passivos ou pelos seus representantes, legais ou voluntários, ou por gestor de negócios, devidamente identificados”.
Verifica-se do documento de fls. 8/9, que foi assinado por gestor de negócios devidamente identificado.
Não colhe este fundamento apresentado pela reclamante.
O facto tributário ocorreu em 2001 com a outorga da procuração irrevogável e, não em 2007
O n.º 3 do artº 265º do Código Civil define “procuração irrevogável”, aquela que é conferida no interesse do procurador ou de terceiro, que não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo causa justa.
A outorga da procuração em que o representado renuncia ao direito de revogação no interesse do procurador e confere a este poderes bastantes para alienar o bem, configura uma ocorrência de um facto tributário para efeitos de de tributação, subsumível no art.º 2º n.º 1 e 3 alínea c) do CIMT, sendo o procurador o sujeito passivo de imposto, artº 4º alínea f) do mesmo diploma legal.
Se, por acto posterior, o procurador for outorgante em escritura de compra e venda do direito de propriedade, ocorre outro facto tributário em relação a ele procurador, conforme art.º 22º n.º 2 do CIMT.
Mas,
Para efeitos de IRS, o facto tributário ocorre aquando da outorga da escritura de compra e venda, ou seja, em 2007 e não em 2001 , conforme pretende fazer crer a reclamante.
Tanto mais que, também, não faz prova do recebimento do preço em 2001 , conforme alega na petição de procedimento gracioso, como lhe competia nos termos do disposto no art.º 74º da LGT.
Deve ser entregue declaração de rendimentos para o ano de 2007, em 2008, declarando a alienação do imóvel. Também aqui, não assiste razão ao reclamante.
Ocorreu a caducidade do direito à liquidação, uma vez que o facto tributário ocorreu em 2001 e, não foi validamente, notificado à reclamante, conforme o disposto no art.º 45º da LGT
Também quanto a este fundamento, não assiste razão ao reclamante.
Como se verificou do descrito anteriormente, o facto tributário que deu origem à liquidação ora em reclamação, ocorreu no ano de 2007 e não em 2001.
Pelo que, ainda não se verificou o decurso do prazo para a válida notificação da liquidação, que terminaria em 31 de Dezembro de 2011 se, não existisse qualquer causa de suspensão.
A liquidação em reclamação foi notificada ao reclamante em 27 de Julho de 2009, ou seja, dentro do prazo previsto no art.º 45º da LGT.
Face do exposto, conclui-se ser de INDEFERIR o pedido.
16.º - Em 6 de julho de 2010, foram exarados despachos projetando o indeferimento dos pedidos, com sustento nos pareceres referidos no ponto anterior, e determinando a realização de audiência prévia (cf. fls. 34 e 35 do PAT apenso).
17.º - Em 3 de setembro de 2010, e após audiência prévia, foi emitido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, mantendo posição assumida no despacho referido no ponto anterior (cf. fls. 54-55 e 56-57 do PAT apenso).

II.2. Fundamentação de Direito
Tal como se deixou sumariado acima, os Recorrentes imputam à sentença nulidades por omissão e excesso de pronúncia, e erros de julgamento de facto e de direito.
Atenta a sua precedência lógica, há que começar por conhecer das nulidades suscitadas.
Não obstante referirem que a sentença padece de nulidade por omissão e por excesso de pronúncia, os Recorrentes nada adiantam em concreto para suportar a sua alegação, que é quanto é quanto basta para que se conclua que não é de dar provimento ao seu recurso quanto a esta matéria.
Os Recorrentes alegam ainda que a sentença se encontra ferida de nulidade por omissão de pronúncia, porque nela não se conheceu da questão que suscitaram quanto a falta de ratificação das declarações de rendimentos que deram origem à liquidação de IRS contestada nos autos.
Vejamos então.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 125.º do CPPT, constitui causa de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, tratando-se de norma paralela à constante na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º (art. 668.º na numeração anterior), disposição que deve ser lida em conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 154.º (na numeração anterior, 158.º), ambos do CPC.
Ora, tal como decorre da lei processual, e como tem vindo a ser explicitado à saciedade pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão (cf. neste sentido, designadamente, os Acórdãos do STA proferidos, em 2023-04-12, no proc. 0336/18.4BELRS, em 2022-05-26, no proc. 058/10.4BEPRT, em 2019-02-06, no proc. 01161/16, em 2019-02-06, no proc. 0249/09.0BEVIS, ou em 2014-03-12, no proc. 01404/13, e os Acórdãos proferidos pelo STJ em 2023-04-18, no proc. 9560/21.1T8PRT-A.P1.S1, em 2021-03-03, no proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, em 2020-10-08, no proc. 5243/18.8T8LSB.L1.S1, ou em 2016-06-02, no proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Ou seja, e como vem sendo unanimemente interpretada pela jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação, e já não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade, constitui nulidade, “cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento” (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 2016-06-02, no proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Perscrutada a decisão sob recurso, constata-se que, efetivamente, não obstante ter sido elencada a matéria de facto necessária para a decisão desta questão, a mesma não foi conhecida, pelo que os Recorrentes têm razão quanto a esta questão.
No entanto, uma vez que dos autos consta a prova necessária para a decisão desta causa de pedir, e que a mesma foi já objeto de discussão pelas partes, será a mesma aqui decidida, em substituição.
Vejamos então.
Então, como agora, dispunha-se o seguinte no art. 17.º da LGT:
Artigo 17.º
Gestão de negócios
1 - Os actos em matéria tributária que não sejam de natureza puramente pessoal podem ser praticados pelo gestor de negócios, produzindo efeitos em relação ao dono do negócio nos termos da lei civil.
2 - Enquanto a gestão de negócios não for ratificada, o gestor de negócios assume os direitos e deveres do sujeito passivo da relação tributária.
3 - Em caso de cumprimento de obrigações acessórias ou de pagamento, a gestão de negócios presume-se ratificada após o termo do prazo legal do seu cumprimento.
Do n.º 3 do supracitado art. 17.º da LGT resulta, com meridiana clareza, que quando esteja em causa o cumprimento de obrigações acessórias ou de pagamento, a gestão de negócios presume-se ratificada após o termo do prazo legal do seu cumprimento.
Ora, o que resulta dos autos é que os Recorrentes não alegaram, e consequentemente, não lograram provar quaisquer factos concretos dos quais se possa retirar a ilisão da presunção de ratificação consagrada nesta norma.
Tanto é quanto basta para que se julgue improcedente a alegação dos Recorrentes nesta matéria.
Os Recorrentes prosseguem alegando que a sentença padece de erro de julgamento de facto por ter omitido do probatório o facto de a procuradora ter recebido da compradora a quantia de cento e vinte e dois mil duzentos e cinco euros e quarenta e oito cêntimos.
Sucede que, e como melhor se verá adiante, a circunstância de a procuradora ter recebido da compradora a quantia em questão é inócua para a decisão a proferir, pelo que, não sendo tal facto revelante para o preenchimento do requisito legal pertinente para a determinação do facto tributário, o mesmo não carecia de ser dado como provado.
Assim sendo, há que concluir que a sentença não padece do erro de julgamento de facto que lhe é imputado pelos Recorrentes, devendo o seu recurso ser julgado improcedente neste segmento.
Por fim, alegam os Recorrentes que a sentença padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma errada interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no art. 107.º, n.º 2 da CRP e do art. 4.º, n.º 4 da Lei 106/88, que autorizou o governo a aprovar o CIRS, pois na sua tese, e em síntese, não tendo recebido o valor resultante da compra e venda do imóvel em 2007, mas em 2001, o facto tributário ocorreu em 2001, e a sua tributação em 2007 ofende o princípio da tributação pelo rendimento real.
Mais alegam que a sentença faz uma errada interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT, pois há muito que caducara o direito da Administração fiscal a liquidar este tributo.
Vejamos então.
Do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, na redação então em vigor, resultava que constituíam mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultassem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, e do disposto no n.º 3 do mesmo art. 10.º resultava que os se consideravam obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1.
Ora, e como foi já referido na sentença sob recurso, da conjugação do disposto nos n.ºs 1 e 3 da citada norma, o que claramente resulta é que o facto tributário se verifica com a venda do imóvel, ocorrida em 2007, e não, como pretendem os Recorrentes, no momento da celebração da procuração irrevogável, com o recebimento da quantia.
Aliás, e neste mesmo sentido, e em situação similar decidiu já o Tribunal Central Administrativo Sul, em 2016-06-09 no proc. 03312/09, aqui se reproduzindo a respetiva fundamentação no extrato pertinente, à qual se adere sem reservas:
(…)
Dispõe o artigo 10º, nº 3, al.a) do CIRS, após estabelecer no seu nº 1 a noção de mais valias para efeitos do Código, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no nº 1, sem prejuízo de nos casos de promessa de compra e venda ou de troca se presumir que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato.
E, como é sabido, o contrato de compra e venda de imóveis, celebrado através de escritura pública é translativo do direito de propriedade (cfr. artigos 874º, 875º e 879º alínea a) do Código Civil)
Nesta linha, podemos então afirmar, que o contrato de compra e venda celebrado por escritura pública entre P…, por si e na qualidade de procurador do Impugnante e a sociedade “[SCom02...]…, Ldª”, produziu todos os seus efeitos típicos – transferência da propriedade dos imoveis e pagamento do preço.
Como já o dissemos, no acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 18.06.2015, proferido do processo n.º 02749/08:
«A escritura pública, enquanto documento autêntico (artigos 363.º, n.º 2, e 369.º, n.º 1, do CCivil), é dotado de força probatória plena relativamente aos factos tidos por praticados e/ou percepcionados pela respectiva entidade documentadora (artigo 371.º, n.º 1, do CCivil).
No que toca á força probatória dos documentos autênticos o artigo 371º nº 1 do C.Civil prescreve que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; no entanto, os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
Deste modo, o documento autêntico só faz prova plena:
a) Dos factos que o documento refere como praticados pela própria entidade documentadora;
b) Daqueles, que não tendo sido praticados pelo documentador, foram por ele atestados com base nas suas percepções.
Temos, assim que a força probatória a que alude o artigo 371.º, n.º 1, do C.Civil, não exclui que as declarações nele documentadas não sejam incorrectas, simuladas, afectadas por vícios de consentimento ou produzidas em circunstâncias que afectem a sua eficácia jurídica (Neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 16.11.2011, proferido no processo n.º 0289/11, disponível no endereço www.dgsi.pt)»
Ora, nos autos não há notícia que a compra e venda dos prédios inscritos nos artigos matriciais ...53 e ...95, viesse a ser declarada nula ou anulada judicialmente, situação a que a verificar-se poderia acarretar a anulação da liquidação do imposto com fundamento em inexistência de facto tributário.
Por outro lado, como se referiu atrás, é no momento da celebração dessa escritura de compra e venda que se verifica a sujeição à incidência do imposto e a procuração irrevogável [constitui um negócio cujo efeito consiste em alguém, o dominus, atribuir a outrem, o procurador, poderes para que este celebre negócios ou pratique outros actos jurídicos em sua representação e o substitua assim na prática desses actos ou negócios (artigo 262º, n.º 1 do CC). Diz-se irrevogável a procuração no interesse exclusivo do dominus (artigo 265º, n.º 2), que é livremente revogável e a procuração também no interesse do credor ou de terceiros (artigo 265º, n.º 3), que é irrevogável, salvo acordo do interessado ou justa causa - para maiores desenvolvimentos sobre esta matéria pode ler-se a obra - A procuração irrevogável, Pedro Pais de Vasconcelos Almedina, 2002] não afasta a tributação na esfera jurídica do Recorrido, pois os negócios celebrados por procurador a quem foram conferidos poderes de representação produzem os seus efeitos em relação aos representados.
Diremos, pois, que no caso vertente o facto gerador do imposto, ou seja, a sua exigibilidade, ocorre, no momento da alienação dos prédios inscritos nos artigos matriciais ...53 e ...95 (artigo 10.º n.º 3 do CIRS), sendo esse o momento em que os ganhos de mais-valias se consideram obtidos.
(…)
Donde se conclui que no caso em apreço o facto tributário ocorreu em 17 de fevereiro de 2007, com a venda do imóvel (cf. ponto 7, da fundamentação de facto), e não em 2001, como pretendem os Recorrentes.
Ora, tendo o facto tributário ocorrido em 17 de fevereiro de 2007, em 2009, quando foram emitidas as liquidações de IRS impugnadas (cf. ponto 13, da fundamentação de facto aditada), não decorrera ainda o prazo de 4 anos de caducidade do direito de liquidação, nos termos do disposto no art. 45.º da LGT, pelo que também quanto a esta questão o recurso deve ser julgado improcedente.
Por fim, é manifesto que os Recorrentes não têm razão quando alegam que foi violado o princípio da capacidade contributiva, pois o que a factualidade provada evidencia, e o que resulta da sua alegação, é que não deixaram de receber a quantia referente à venda do imóvel, não em 2007, mas em 2001 (cf. ponto 5, da fundamentação de facto).
Ora, e tendo os Recorrentes auferido o rendimento, o que não seria aceitável seria, como pretendem, que sobre esse mesmo rendimento acréscimo que obtiveram não fosse liquidado o imposto devido, nos termos do disposto no art. 10.º do CIRS.
Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente.
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Atento o decaimento dos Recorrentes, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. Do n.º 3 do art. 17.º da LGT resulta, com meridiana clareza, que quando esteja em causa o cumprimento de obrigações acessórias ou de pagamento, a gestão de negócios presume-se ratificada após o termo do prazo legal do seu cumprimento.
II. Não tendo os Recorrentes alegado, e consequentemente, não tendo provado quaisquer factos concretos dos quais se possa retirar a ilisão da presunção de ratificação consagrada nesta norma, não havia que lhes dar razão nesta matéria.
III. Da conjugação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 10.º do CIRS, o que claramente resulta é que o facto tributário se verifica com a venda do imóvel, ocorrida em 2007, e não, como pretendem os Recorrentes, no momento da celebração da procuração irrevogável, com o recebimento da quantia em causa.
IV. Tendo o facto tributário ocorrido em 17 de fevereiro de 2007, em 2009, quando foram emitidas as liquidações de IRS impugnadas, não decorrera ainda o prazo de 4 anos de caducidade do direito de liquidação, nos termos do disposto no art. 45.º da LGT.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso.
Custas pelos Recorrentes.

Porto, 8 de fevereiro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Irene Isabel das Neves – Cristina da Nova.