Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01470/08.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:ACTIVIDADE DE AMA. NÚMERO DE CRIANÇAS
Sumário:I) – À luz do regime estabelecido no DL nº 158/84, de 17/0, entretanto revogado, o contrato de prestação de serviço de ama estabelecido com instituição de enquadramento não é negócio fixo absoluto quanto ao número de crianças estipulado para acolhimento, podendo sucessivamente alterar-se, moldando-se ao que resulta do exercício de competências das instituições de acolhimento na selecção e admissão das crianças, só sendo protegido o investimento de confiança quando, e por razões não imputáveis à ama, não se efective o acolhimento de crianças admitidas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:IMRVA
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte Secção do Contencioso Administrativo:
IMRVA (...) interpõe recurso de despacho interlocutório e recurso de sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou improcedente acção administrativa especial interposta contra Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Braga ().

Com relação à sentença, conclui a recorrente (sic):
1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão, proferida por sentença de 24 de Outubro de 2015, e pela qual o Ilustre Tribunal a quo julgou a presente acção administrativa comum totalmente improcedente, absolvendo o Réu de todos os pedidos aduzidos pela Autora.

2. O Ilustre Tribunal a quo considerou, na decisão ora em crise, por um lado, não se ter verificado qualquer incumprimento contratual por parte do Réu para com a Autora, pois, por um lado, o Réu não se encontrava obrigado a colocar quatro crianças aos cuidados e guarda da autora e, por outro lado, mesmo que existisse a obrigação do Réu integrar quatro crianças aos cuidados e guarda da Autora, verificar-se-ia uma impossibilidade objectiva (ainda que pudesse ser configurada como temporária) do cumprimento da obrigação, conforme o disposto nos artigos 790.º e 792.º do Código Civil, uma vez que o Réu não tinha em lista de espera crianças para colocar em amas, que fossem residentes na zona do domicílio da Autora.

3. No entanto, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, a sentença ora em crise não perfilhou, in casu, a correcta solução jurídica.

4. E isto porque, atendendo à fundamentação, fática e jurídica, perfilhada pelo Tribunal a quo e supra exposta, bem como às conclusões por este colhidas, conclui-se que o Tribunal a quo na apreciação da querela em questão limitou-se a apreciar e a interpretar - e erradamente, com o devido respeito e salvo melhor entendimento - o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autora e o Réu, fazendo uma interpretação, pura e simplesmente, literal do texto vertido na cláusula I do citado contrato de prestação de serviços, olvidando em absoluto, no entanto, o conteúdo do anexo a tal contrato de prestação de serviços, bem como, e acima de tudo, olvidou todos os princípios de direito administrativo, norteadores da actividade administrativa que regem a actividade das entidades administrativas públicas e, in casu, toda a actuação do Réu.

5. A cláusula I do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autora e o Réu limita-se a cumprir - e apenas existe para esse efeito - com o disposto na Norma VI do Despacho Normativo n.º 5/85, de 18 de Janeiro, onde é estabelecida uma obrigação de, entre as instituições de enquadramento e as amas serem "celebrados contratos de prestação der serviços onde se explicitem os direitos e deveres mútuos fundamentais decorrentes do regime estabelecido no Decreto-lei n.º 158/84, de 17 de Maio.".

6. Tal cláusula I é, por isso, meramente explicativa e concretizadora de preceitos legais - concretamente, da Norma VI do citado Despacho Normativo e do Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio -, pois o conteúdo constante em tal cláusula decorre da lei e não do contrato.

7. A cláusula I do aludido contrato de prestação de serviços não define o número de crianças que, por acordo de vontades, estas se vinculam a integrar na ama e esta a cuidar. Esse número é definido pela cláusula I do Anexo do referido contrato de prestação de serviços, e que dele faz parte integrante.

8. Número esse que é de quatro, conforme melhor se pode aferir pela leitura desse mesmo anexo ao contrato de prestação de serviços, onde se lê: "O contrato a que respeita o presente anexo refere-se a 4 crianças." (negrito nosso) - cfr. o ponto 3 da matéria de facto assente na sentença ora em apreciação.

9. Se assim não fosse, nenhum sentido faria a existência do citado Anexo ao contrato, contendo uma cláusula com o número de crianças que, por acordo das partes, devessem ser integradas nas amas (pois tal número já se encontraria previsto na cláusula I do contrato).

10. A infirmar este entendimento, encontramos o n.º 1 do artigo 15.º do citado Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio, ao postular que "sempre que não se efective o acolhimento das crianças admitidas por razões não imputáveis à ama ser-lhe-á devido um quantitativo correspondente a 50% da comparticipação mensal por criança.".

11. Atendendo ao contrato de prestação de serviços referido, bem como ao seu respectivo Anexo, uma interpretação dos respectivos conteúdos diferente da que ora se propugna atentaria contra o princípio geral de direito administrativo da justiça individual, na sua manifestação da boa-fé da administração pública,

12. contra o princípio da boa-fé da actuação administrativa, que protege a confiança suscitada na contraparte - in casu, na Autora - pela actuação em causa - cfr. o artigo 6.º-A, n.º 2, al. a) do revogado Código do Procedimento Administrativo,

13. bem como, em especial, contra o princípio da protecção do interesse privado da Autora, princípio este basilar na interpretação dos contratos administrativos.

14. O Ilustre Tribunal a quo, ao decidir-se pela não verificação de incumprimento contratual por parte do Réu, por este não se encontrar vinculado a integrar quatro crianças aos cuidados e guarda da Autora, nos termos do contrato, por este não estipular tal obrigatoriedade, fez uma errada interpretação das cláusulas I do referido contrato de prestação de serviços e do seu Anexo,

15. bem como desconsiderou a aplicação dos princípios de direito administrativo geral da justiça, na sua vertente da actuação da boa fé por parte da administração, constante dos artigos 6.º e 6.º-A, n.º 2, al. a), do revogado Código do Procedimento Administrativo (artigos 8.º e 10.º, n.º 2, do actual CPA), e, em especial, do princípio da protecção do interesse privado do co-contraente do Réu (a Autora), princípio doutrinário este basilar na interpretação dos contratos administrativos.
Acresce ainda que,
16. considerou o Tribunal a quo que "... também resultou provado que desde 07 de Fevereiro de 2008 e até ter denunciado o contrato com a Autora, o Réu não tinha em lista de espera crianças para colocar em amas, que fossem residentes na zona do domicílio da Autora e que antes de ter denunciado o contrato com a Autora, havia outras amas, com contrato igual ao que a Autora celebrou com o Réu, que não tinham a totalidade das crianças passíveis de serem por si acolhidas.

17. Ou seja, considerou o Tribunal recorrido que, mesmo que existisse uma obrigação por parte do Réu de afectar 4 (quatro) crianças aos cuidados e guarda da Autora, ainda assim, aquele logrou provar factos que consubstanciam uma impossibilidade objectiva (ainda que pudesse ser configurada como temporária) do incumprimento da obrigação (Cfr. artigos 790.º e 792.º do Código Civil).".

18. No entanto, a circunstância do Réu não dispor, a partir de 7 de Fevereiro de 2008 até à data da aludida denuncia contratual, de crianças que residissem na área de residência da Autora em nada impedia que o Réu pudesse (e devesse) colocar aos cuidados e guarda da Autora crianças cuja área de residência das mesmas não coincidisse com a área de residência da Autora, pois não existe qualquer obrigação legal que impenda sobre o Réu de colocar crianças aos cuidados e guarda de amas que tenham a mesma área de residência daquelas.

19. As únicas obrigações que sobre o Réu impendem nesta questão são as decorrentes do estatuído no Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio, do diploma que o regulamenta, o Despacho Normativo n.º 5/85, de 18 de Janeiro, na persecução dos objectivos estabelecidos pelo regime nestes diplomas, das constantes do contrato de prestação de serviços que celebrou com a Autora, e dos princípios basilares de direito administrativo a cuja observância se encontra vinculado na sua actuação.

20. Não decorre dessas normas que o Réu não pudesse integrar crianças aos cuidados e guarda de amas cuja área de residência não coincida com as da amas.

21. E dos princípios jurídicos a que o Réu se encontra obrigado a observar na sua actuação para a prossecução do interesse público que lhe foi cometido resulta o dever do Réu, na prossecução dos objectivos delineados pelo programa estabelecido pelo citado decreto-lei, integrar crianças nas amas com quem o Réu acordou o acolhimentos destas, no respeito pelos direitos e interesses das partes envolvidas (crianças, seus pais e amas), devendo sempre agir de boa-fé na sua actuação.

22. E no que a esta questão diz respeito, refira-se que também ficou provado que a Autora, desde o início da sua prestação de serviços ao Réu, acolheu crianças cuja área de residência não coincidia com a sua área de residência (vd. o ponto 20. da fundamentação da matéria de facto constante da sentença ora em apreciação), nomeadamente acolheu a Autora as crianças constantes nas diversas alíneas do ponto 21. da factualidade tida por assente constante da decisão ora em crise ).

23. Deveria o Réu, in casu, ter colocado aos cuidados e guarda da Autora crianças, até ao número máximo de 4, atendendo aos legítimos interesses destas, dos legítimos interesses dos seus pais na colocação dos seus filhos numa ama, e atendendo aos interesses da Autora na colocação de crianças aos seus cuidados, mesmo que a área de residência de tais crianças não coincidisse a área de residência da ora recorrente.

24. Deveria o Ilustre Tribunal a quo assim ter decidido e, para isso, ter aferido se o Réu, a partir do dia 7 de Fevereiro de 2008, tinha em lista de espera crianças para proceder à sua colocação na ora recorrente, independentemente de tais crianças residirem em área diferente da área de residência da Autora, antes de concluir pela verificação da existência de uma impossibilidade objectiva de cumprimento da obrigação do Réu, conforme o disposto nos artigos 790.º e 792.º do Código Civil).

25. No entanto, não se encontra demonstrado nos autos que o réu tivesse em lista se espera crianças para integrar em amas, que residissem em área diferente da área de residência da Autora, ora recorrente. Nem tal circunstância foi objecto de prova na primeira instância, pelo que também aqui andou mal o Tribunal a quo ao irrelevar esta circunstância e ao não fazer sobre ela incidir actividade provatória.

26. Assim, deve-se aferir se o Réu em 7 de Fevereiro de 2008 e até à data da denuncia do contrato de prestação de serviços em questão, tinha na sua lista de espera crianças que pudesse integrar na Autora, aos seus cuidados e guarda, que residissem em área territorial diferente da da Autora, ora recorrente.

27. Para tanto, e atendendo à insuficiência factual para se almejar tal desiderato, deve decidir-se pela baixa dos autos principais à primeira instância, para a produção complementar de prova, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 662.º do CPC, ora aplicável por força do disposto no artigo 140.º do CPTA.

No que se refere ao despacho (sic):
1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão, proferida por despacho de 20 de Novembro de 2009, constante dos autos principais, e pela qual o Ilustre Tribunal a quo decidiu não conhecer da invocada pela Autora ilegalidade da denuncia do contrato de prestação de serviços, celebrado entra a Autora e o Réu em 1 de Junho de 1996, denúncia esta operada pelo Réu, ora recorrido, em 2 de Dezembro de 2008.

2. Nesta decisão judicial interlocutória, considerou o Tribunal a quo que, em síntese, a denúncia contratual em questão afigura-se como sendo um acto lesivo da esfera jurídica da Autora, ora recorrente, e que, por isso, é susceptível de ser contenciosamente atacado através da acção administrativa especial de impugnação de actos, prevista no artigo 50.º do CPTA, não sendo, por isso, a acção administrativa comum o meio processual adequado para o conhecimento da pela Autora suscitada denúncia contratual.

3. No entanto, a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.

4. Entendeu o Tribunal a quo que não vem alegado ou qualificado pela Autora que, quanto ao acto de denúncia do contrato de prestação de serviços, que já não o pode impugnar [e que assim se consolidou na ordem jurídica], sendo ainda que, não pode utilizar-se esta forma de processo para conhecer e apreciar da validade de actos da Administração.".

5. Mais considerou o Tribunal recorrido, na decisão ora em crise, que "depois, como decorre dos autos de processo cautelar, com referência à denúncia aqui em apreço, a aqui Autora conheceu o acto consubstânciador da denúncia do contrato, em 24 de Dezembro de 2008, e por isso aí veio apresentar requerimento de 6 de Janeiro de 2009, que sob o seu ponto 6, refere que quanto a ele deduziu impugnação administrativa.".

6. No entanto, a denúncia, operada pelo Réu, do contrato em questão traduz-se numa decisão unilateral de uma verdadeira vontade negocial e não, conforme se entendeu na decisão ora recorrida, numa decisão unilateral de autoridade administrativa.

7. Ou seja, a referida denúncia contratual consubstanciou-se numa manifestação de vontade contratual do Réu, proferida no âmbito de uma relação contratual e não num autêntico acto administrativo, conforme o mesmo vinha definido no artigo 120.º do entretanto revogado Código do Procedimento Administrativo, e no artigo 148.º do novo código.

8. Pelo que deveria o Ilustre Tribunal a quo ter conhecido, nos autos principais, o pedido da Autora de declaração de ilegalidade da denúncia contratual efectuada pelo Réu pois, não sendo a citada denúncia contratual um verdadeiro acto administrativo mas antes a manifestação unilateral de uma vontade negocial do Réu, é ao juiz do contrato que cabe apreciar do pedido de declaração de ilegalidade da denúncia, sendo, por isso, a acção administrativa comum o meio processual adequado para se conhecer tal pedido, e não a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo.

9. É referido na decisão judicial ora em apreciação que "depois, como decorre dos autos de processo cautelar, com referência à denúncia aqui em apreço, a aqui Autora conheceu o acto consubstânciador da denúncia do contrato, em 24 de Dezembro de 2008, e por isso aí veio apresentar requerimento de 6 de Janeiro de 2009, que sob o seu ponto 6, refere que quanto a ele deduziu impugnação administrativa.".

10. No que respeita a este excerto do decisório, refira-se que a Autora interpôs uma providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo, praticado pela ora recorrida, e pelo qual esta cancelou a licença para o exercício da actividade de ama da Autora, processo cautelar este a que se seguiu a competente acção administrativa especial de impugnação do referido acto administrativo de cancelamento da licença da Autora, a qual correu termos na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga sob o n.º 372/09.1BEBRG, onde foi apreciada e decidida apenas a questão da ilegalidade do acto administrativo de cancelamento da licença, não tendo aí sido apreciada a questão da (i)legalidade da denúncia do contrato de prestação de serviços, por esta não se encontrar - e muito bem - aí em apreciação.

11. Assim, o Tribunal a quo, ao não conhecer da pela Autora peticionada declaração de ilegalidade da denúncia contratual operada pelo Réu, incorreu em erro de direito na apreciação do pedido aduzido pela

Autora de declaração de ilegalidade da aludida denúncia contratual, aplicando erradamente os artigos 50.º, 51.º, n.º 1, 58.º e 59.º, n.º 3, alínea c), do CPTA.

12. Pelo que deve, por isso, ser revogada a decisão ora em apreciação e substituída por outra que conheça a peticionada declaração de ilegalidade da denúncia contratual operada pelo Réu, ora recorrido, nos termos do disposto no artigo 665.º do CPC, ora aplicável por força do disposto no artigo 140.º do CPTA ou,
13. caso assim se não entenda, deve ser revogada a decisão ora recorrida, determinando-se a baixa do autos à primeira instância para conhecimento da peticionada declaração de ilegalidade da denúncia contratual efectuada pelo Réu, ora recorrido.

O recorrido apresentou contra-alegações, finalizando do seguinte modo:
1. Salvo melhor opinião, nem a sentença proferida neste processo em 27 de outubro de 2015, nem o despacho proferido nos autos em 20 de novembro de 2009, ambos doutos, merecem qualquer censura ou reparo.

Senão vejamos:

Relativamente à sentença:

2. a sentença não só não se esqueceu do anexo, como faz referência ao mesmo nos factos provados e na fundamentação da sentença, estipulando, e bem, que os anexos vão sendo alterados em função do número de crianças que, em dado período, estão afetas aos cuidados e guarda da Autora.

3. Em nenhum ponto do contrato ou dos anexos resulta qualquer obrigação para o Réu de integrar ao cuidado da Autora/ama sempre quatro crianças. De resto,

4. A lei e o próprio contrato apenas estabelecem limites máximos de crianças, não estipula limites mínimos, prevendo, inclusive, que pode dar-se o caso de nenhuma criança lhe ser afeta, o que teria como consequência apenas a suspensão e/ou a cessação do contrato.

5. Assim, não tendo o Réu, como a partir de dada altura não teve, inscrições para colocar aos cuidados da Autora sempre quatro crianças, não importa qualquer incumprimento do contrato e, consequentemente, não há lugar a qualquer indemnização.

6. Assim, nem se entende a transcrição pela Recorrente do disposto no art 15º, 1 do DL 158/84, pois o quantitativo ali referido destina-se apenas às situações em que não se efetive o acolhimento de crianças (já) admitidas por razões não imputáveis à ama, como seja, a título de exemplo, situações de faltas da frequência das crianças por motivos de doença das mesmas.

7. A interpretação do contrato e respetivo anexo e da própria lei que está vertida na douta sentença é, além do mais, a única interpretação possível, com total suporte no elemento gramatical, mas também lógico, racional e sistemático.

8. Além disso, não se descortina, nem a Recorrente esclarece, de todo, de que forma os princípios da justiça e da imparcialidade, o princípio da boa fé e o princípio do interesse privado da Autora foram desconsideradas pela douta sentença.

9. Por último, é totalmente descabido e sem fundamento a requerida baixa dos autos para se fazer prova de que a partir de 7 de fevereiro de 2008 o Réu tinha em lista de espera crianças para proceder à sua colocação na ora Recorrente, independentemente de aquelas não residirem na mesma área de residência da Recorrente. Com efeito,

10. como se referiu, não havia qualquer obrigação para o Réu de integrar ao cuidado da Autora/ama sempre quatro crianças.

11. Além disso, é verdade que não é obrigatório que as crianças integradas em ama pertençam à área de residência desta, sendo que o critério da residência ou domicílio profissional de um dos progenitores é apenas um facto a ponderar por estes na escolha da ama para os seus filhos (e são os pais que escolhem as amas), por uma questão de comodidade nas suas deslocações diárias.

12. E, como se alcança pelo facto de ter sido considerado provado que “Antes de ter denunciado o contrato com a Autora, havia outras amas, com contrato igual ao que a Autora celebrou com o Réu, que não tinham a totalidade das crianças passíveis de ser por si acolhidas (facto 11º da base instrutória)”,

13. verifica-se que foi apenas uma questão que diminuição de procura desta resposta social ou mais oferta face às necessidades existentes, que a partir de 7 de fevereiro de 2008 a ora Recorrente, tal como outras amas, deixaram de ter a totalidade das crianças passíveis de ser por si acolhidas.

14. Ou seja, o facto que a Recorrente pretendia provar - de que a partir de 7 de fevereiro de 2008 o Réu tinha em lista de espera crianças para proceder à sua colocação na ora Recorrente – foi considerado não provado, pois havia outras amas sem a totalidade das crianças passíveis de ser por si acolhidas, independentemente da residência.

15. Assim, mesmo que existisse a referida obrigação de integrar sempre quatro crianças a cargo da ora Recorrente, que, repita-se, não existia, não havia crianças para o efeito e aquela (a Recorrente) estava em situação igual a outras amas.

16. Ou será que a ora Recorrente, por acaso, pretendia ter um tratamento privilegiado face às outras amas que tinham um contrato igual ao seu, aí sim, ao arrepio dos princípios acima referidos?

Relativamente ao despacho:

17. o ato de denúncia contratual é, claramente uma decisão materialmente administrativa que produziu efeitos externos numa situação individual e concreta, independentemente da forma em que foi emitido, e cuja invocada ilegalidade pode ser impugnado (apenas) nos termos do disposto nos artºs 50º e ss do CPTA,

18. e não, como pretendia a Autora, em cumulação dos demais pedidos efetuados na ação intentada a qual seguia, e bem, a forma de ação administrativa comum.

19. Como é sabido, o contrário já seria possível – cfr art 5º, 1 do CPTA.

20. Ora, o despacho proferido fundamenta de forma clara a sua impossibilidade de não poder conhecer da invocada ilegalidade no âmbito da presente ação, não lhe podendo ser assacado qualquer erro ou vício que importe a sua revogação.

Pelo exposto,

21. quer a douta sentença, quer o douto despacho proferido fizeram uma correta interpretação da lei e contrato.

*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer.
*
Dispensando vistos, cumpre decidir.
*
As questões sob recurso: (i) no que toca ao despacho interlocutório: se bem, ou mal, foi postergado conhecimento quanto à declaração de ilegalidade de denúncia contratual; (ii) no que se refere à sentença: se ocorre erro de julgamento ao não se julgar incumprido o contrato celebrado entre autora/recorrente e réu/recorrido, por se entender que não implicava o número de crianças a acolher que aquela sustenta, e se acaso se justifica ampliação da matéria de facto perante hipótese de impossibilidade objectiva.
- * -
Recurso do despacho de 20/11/2009
O despacho recorrido é do seguinte teor (cfr. despacho, fls. 244-246 proc. físico):
«(…)
1 - Na sessão da audiência preliminar realizada em 20 de Outubro de 2009, a Autora apresentou o articulado superveniente, constante a fls. 221 a 227 dos autos em suporte físico.
Por ele referiu em suma que teve conhecimento que o Réu denunciou o contrato de prestação de serviços [e entre mais que alegou] e que esse acto é manifestamente ilegal, por vícios de violação de lei, mormente dos normativos por si elencados sob o n.° 56.° a 63.° desse requerimento.
A final requer que a denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado com o Réu seja declarada ilegal.
Por seu turno, o Réu veio contrariar a pretensão da Autora, nos termos constantes do requerimento que apresentou, a fls. 239 e 240 dos autos em suporte físico.
Cumpre apreciar e decidir.
A causa de pedir subjacente aos pedidos deduzidos a final da petição inicial, tem na sua base, em essência, o facto de o Réu não ter apresentado à Autora, para sua guarda, até 4 crianças, como alega, do contrato outorgado, e que a Ré deve ser condenada a cumprir esse contrato e também a indemnizá-la.
Por aquele requerimento, a Autora vem requer, nestes autos, que seja "... declarada ilegal ...", a denúncia do contrato de prestação de serviços.
Por ter interesse, para aqui também se extrai o artigo 46.° do CPTA, como segue:
“Artigo 46." Objecto
1 - Seguem a forma da acção administrativa especial, com a tramitarão regulada no capitulo III do presente título, os processos cujo objecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, [sublinhado nosso] bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo.
2 - Nos processos referidos no número anterior podem ser formulados os seguintes pedidos principais:
a) Anulação de um acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica;
b) Condenação â prática de um acto administrativo legalmente devido;
[…]”
A denúncia do contrato de prestação de serviços, nos termos dados a conhecer, afigura-se-nos ser um acto lesivo da esfera jurídica da Autora, atento o disposto nos artigos 50.°, n.°1, 51.°, n.° 1, ambos do CPTA, o qual é passível de impugnação, nos termos dos artigos 59.°, n.° 3 alínea c) e 58.º, também do CPTA.
Por seu turno, dispõe o artigo 38.°, n.°s 1 e 2 do CPTA que o Tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado, e que a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.
Ora, não vem alegado ou qualificado pela Autora que, quanto ao acto de denúncia do contrato de prestação de serviços, que já não o pode impugnar [e que assim se consolidou na ordem jurídica], sendo ainda que, não pode utilizar-se esta forma de processo para conhecer e apreciar da validade de actos da Administração.
Depois, como decorre dos autos de processo cautelar, com referência à denúncia aqui em apreço, a aqui Autora conheceu o acto consubstanciador da denúncia do contrato, em 24 de Dezembro de 2008, e por isso ai veio a apresentar requerimento em 6 de Janeiro de 2009, que sob o seu ponto 6, refere que quanto a ele deduziu impugnação administrativa.
De modo que, quanto ao que vem requerido, o Tribunal não conhecerá da invocada ilegalidade, e para já, para efeitos da estrita instrução destes autos, o Tribunal apenas considera que o contrato de prestação de serviços foi denunciado [Cfr. ponto 6 da matéria de facto assente dos autos de Processo cautelar], e que quanto a esse acto, a Autora deduziu impugnação judicial.
(…)».

Este despacho decidiu requerimento (de Outubro de 2009) da autora/recorrente – cujos completos termos aqui se têm em consideração –, já finda fase de apresentação de normais articulados, no qual deu conta de ter adquirido notícia de denúncia de contrato de prestação de serviços celebrado por autora e réu, expondo e imputando uma série de violações de princípios e preceitos legais, peticionando a final que o tribunal declarasse a ilegalidade de tal denúncia.
No que o réu deduziu oposição.
A questão que se coloca é saber se poderia ser importada para a instância da presente acção o conhecimento de tal matéria, em causa e pretensão formuladas a título principal.
O tribunal “a quo” resolveu como só um conhecimento incidental pudesse admitir-se, afirmando não ser o caso, no pressuposto de se estar perante acto administrativo e não se alcançar da sua consolidação.
A recorrente contrapõe que a situação escapa a tal modo de ver, por a denúncia ser simples declaração negocial.
É controvérsia argumentativa que não será necessário dirimir.
A questão resolve-se por diferente enfoque, sem maior enredo de discussão, sendo que o tribunal não está sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação da lei.
Importa notar que de acordo com o art.º 1º do CPTA (versão anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro), o processo nos tribunais administrativos rege-se supletivamente pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações, sendo que particularmente a respeito da acção administrativa comum o processo segue figurino do processo de declaração regulado no Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima (art.º 35º, nº 1, do CPTA).
Mais se reafirma que o que se trata é de um conhecimento a título principal.
E é claro que não se trata aqui de simplesmente trazer à liça supervenientes factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito em discussão, possa até envolver mesma relação jurídica.
A respeito da alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo rege, então, o art.º 273º do CPC (versão anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/06), pelo que: i) a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor (nº 1); ii) o pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (nº 2); iii) é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida (nº 6).
Ora, por um lado, «I - Na vigência do CPC, anterior à Lei n.º 41/2013, de 26-06, era permitida a alteração da causa de pedir na réplica, mas não posteriormente, salvo se resultasse de aproveitamento de confissão do réu ou de acordo das partes» (Ac. do STJ, de 27-02-2014, proc. nº 172/07.3TBCCH.L1.S1), acordo que está ausente e confissão que não se vislumbra; também por outro «I - Em acção que segue a forma sumária, não é legalmente admissível a alteração do pedido (o n° 2 do art. 273° do CPC apenas admite tal alteração na réplica, ou seja, nas acções que seguem a forma ordinária). II - Em tal tipo de acções, só se admite a ampliação do pedido (não interessa aqui o caso da redução) quando esta for o desenvolvimento do pedido inicial ou consequência dele.» (Ac. RP, de 19-01-2010, proc. nº 501/08.2TBPVZ-B.P1).
Cfr. Ac. do STJ, de 18-10-2012, proc. nº 160-Q/2001.L1.S1 :
1. É ao autor que incumbe definir o pedido e a correspondente causa de pedir da acção, assim confinando o âmbito dos poderes de cognição do tribunal, balizados pelo efeito jurídico pretendido (artigos 498º, nº 3, 661º e 668º, nº 1, e) do Código de Processo Civil) e pelo núcleo factual do qual o faz surgir (artigos 264º, nº 1 e 498º, nº 4 do mesmo Código).
2. O momento próprio para essa definição é a petição inicial. Salvo acordo das partes, só na réplica se pode alterar a causa de pedir (salvo se o autor utilizar uma confissão feita pelo réu) e ampliar o pedido (excepto se a ampliação se traduzir no desenvolvimento do pedido inicial).
Portanto, sempre será de não admitir o conhecimento.

- * -
Recurso da sentença
Os factos, que a 1ª instância consignou em probatório:
1. No dia 01 de Junho de 1996, entre o Serviço Sub-Regional de Braga do CRSS Norte e a Autora, foi celebrado um contrato provisório de prestação de serviços de ama [Cfr. fls. 19-22 do PA, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (facto A da matéria assente)];
2. Desse contrato extrai-se, com interesse, o que se se segue:
CLÁUSULA I
A Ama obriga-se a colaborar com as famílias na prestação de cuidados às crianças em número não superior a 4 e com idades compreendidas entre os 0 e os 3 anos, num ambiente familiar, assegurando-lhes o seu desenvolvimento emocional, social e físico. (sublinhado nosso)
(…)
CLÁUSULA III
1. O período de prestação diária de serviços relativamente a cada criança, não pode ser inferior a 4 e superior a 10 horas.
2. (…)
CLÁUSULA IV
A Ama compromete-se a acatar as orientações emanadas do Serviço Sub Regional de Braga, nomeadamente no que respeita ao cumprimento das directrizes sobre o aspecto funcional, fiscalizador, formativo e médico sanitário. (sublinhado nosso)
(…)
CLÁUSULA IX
O Serviço Sub Regional de Braga pode determinar a suspensão temporária ou mesmo definitiva do exercício da actividade da Ama, desde que se verifique a falta de alguns ou de todos os requisitos que dificultam ou impeçam a obtenção dos objectivos previstos, sem que daí lhe advenham o direito a qualquer indemnização, para além do pagamento da retribuição integral, relativamente ao mês em que ocorre este facto.
CLÁUSULA X
Este contrato cessa quando a Ama deixar de ter qualquer criança ao seu serviço, (sublinhado nosso) não lhe conferindo de igual modo o direito a uma indemnização, a não ser o pagamento duma retribuição nos mesmos termos dos referidos na cláusula anterior. (…);”(facto B da matéria assente);
3. Nesse mesmo dia, 01 de Junho de 1996, foi efectuado um Anexo a esse contrato, retirando-se da cláusula I que o contrato celebrado refere-se a 4 crianças [Cfr. fls. 18 do PA, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (facto C da matéria assente)];
4. Esse contrato provisório foi convertido em definitivo, bem como foi atribuída licença de ama à Autora (n.º 119) [Cfr. fls. 24-27 e 17 do PA, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (facto D da matéria assente)];
5. Desse contrato definitivo extrai-se, com interesse, o que se segue:
CLÁUSULA I
A Ama obriga-se a colaborar obriga-se a colaborar com as famílias na prestação de cuidados às crianças em número não superior a 4 e com idades compreendidas entre os 0 e os 3 anos, num ambiente familiar, assegurando-lhes o seu desenvolvimento emocional, social e físico. (sublinhado nosso)
(…)
CLÁUSULA III
3. O período de prestação diária de serviços relativamente a cada criança, não pode ser inferior a 4 e superior a 10 horas.
4. (…)
CLÁUSULA IV
A Ama compromete-se a acatar as orientações emanadas do Serviço Sub Regional de Braga, nomeadamente no que respeita ao cumprimento das directrizes sobre o aspecto funcional, fiscalizador, formativo e médico sanitário. (sublinhado nosso)
(…)
CLÁUSULA IX
O Serviço Sub Regional de Braga pode determinar a suspensão temporária ou mesmo definitiva do exercício da actividade da Ama, desde que se verifique a falta de alguns ou de todos os requisitos que dificultam ou impeçam a obtenção dos objectivos previstos, sem que daí lhe advenham o direito a qualquer indemnização, para além do pagamento da retribuição integral, relativamente ao mês em que ocorre este facto.
CLÁUSULA X
Este contrato cessa quando a Ama deixar de ter qualquer criança ao seu serviço, (sublinhado nosso) não lhe conferindo de igual modo o direito a uma indemnização, a não ser o pagamento duma retribuição nos mesmos termos dos referidos na cláusula anterior. (…),” (facto E da matéria assente);
6. Como contrapartida pela prestação dos seus serviços, a Autora era remunerada mensalmente pelo Réu, por cada criança que tinha à sua guarda e cuidados, no ano de 2008, no montante de 236,88 €, correspondendo 171,10 € ao montante referente à prestação de serviços de ama, e 65,78 € ao montante referente ao suplemento alimentar da criança (facto F da matéria assente);
7. O Réu, em concretização dos objectivos preconizados, tem competência, designadamente, para proceder à selecção de crianças cujos pais lhe requerem a inclusão dos seus filhos em amas, bem como tem o Réu competência para proceder à inclusão de tais crianças nas amas constantes na sua “ bolsa de amas” (facto G da matéria assente);
8. A partir de 07 de Fevereiro de 2008, a Autora passou a ter sob os seus cuidados 3 (três) crianças (facto H da matéria assente);
9. A partir de Março de 2008, a Autora passou a ter sob os seus cuidados 2 (duas) crianças (facto I da matéria assente);
10. A partir de Agosto de 2008, a Autora deixou de ter crianças aos seus cuidados (facto J da matéria assente);
11. A partir de 07 de Fevereiro de 2008, a Autora não teve 4 crianças a seu cargo, por não as ter a Segurança Social, para as colocar à guarda da Autora, e que a denúncia do contrato com a Autora, proferida em 02 de Dezembro de 2008 pela Directora Distrital e Braga da Segurança Social, teve por fundamento o resultado do acompanhamento e avaliação que foi efectuado à Autora pelo Réu, precedendo procedimento administrativo realizado para esse efeito (facto 4.º da base instrutória);
12. E assim ocorreu, por o Réu ter entendido que a Autora não estava a garantir um bom nível qualitativo dos serviços prestados e por o ambiente proporcionado às crianças não ser acolhedor e estimulante, de modo a garantir o seu desenvolvimento integral (facto 5.º da base instrutória);
13. A Autora impunha aos pais das crianças, horários que não se enquadravam no horário estabelecido no contrato (facto 6.º da base instrutória);
14. A Autora criava conflitos com pais de crianças que tinha à sua guarda (facto 7.º da base instrutória);
15. A Autora intrometia-se na dinâmica familiar dos pais das crianças (facto 8.º da base instrutória);
16. A Autora não cumpria as orientações técnicas que lhe eram transmitidas pelo Réu (facto 9.º da base instrutória);
17. Pelo menos a partir de 07 de Fevereiro de 2008, que a Autora requereu ao Réu, que tomasse providências tendentes à integração de mais crianças a seu cargo, até perfazer o número de 4 (quatro) crianças (facto L da matéria assente);
18. Desde 07 de Fevereiro de 2008 e até ter denunciado o contrato com a Autora, o Réu não tinha em lista de espera crianças para colocar em amas, que fossem residentes na zona do domicílio da Autora (facto 10.º da base instrutória);
19. Antes de ter denunciado o contrato com a Autora, havia outras amas, com contrato igual ao que a Autora celebrou com o Réu, que não tinham a totalidade das crianças passíveis de ser por si acolhidas (facto 11.º da base instrutória);
20. Desde o início da prestação de serviços da Autora ao Réu, aquela acolheu crianças cuja área de residência não coincidia com a sua área de residência (facto 12.º da base instrutória);
21. Nesse sentido, a Autora acolheu, entre outras, as seguintes crianças:
a) BFR, residente, na altura, na Av. AQ, …, na cidade de Braga;
b) PMCR, residente, na altura, na Rua BS, …, em Braga;
c) FJLC, residente, na altura, no Edifício M…, Braga;
d) ASPF, residente, na altura, na Praça das A …, em Braga;
e) BGCA, residente, na altura, na Rua JDS…, S. Paio;
f) ACGS, residente, na altura, na Rua FR…, Braga;
g) PSDS, residente, na altura, na Rua OB…, Braga;
h) JEOF, residente, na altura, na Rua TCDP…, em Braga;
i) PABS, residente, na altura, na Rua CLAS…, Braga (facto 13.º da base instrutória);
22. Pela prestação de serviços da Autora ao Réu, em torno de 4 crianças, e como remuneração de tais serviços, a Requerente auferiria a quantia de 947,52 euros (facto M da matéria assente);
23. Na sequência de procedimento administrativo próprio – cfr. fls. do PA –, o Réu (pela Directora Distrital de Braga) denunciou o contrato de ama estabelecido com a Autora, do que foi a mesma notificada por ofício datado de 02 de Dezembro de 2008 [Cfr. fls. 91 a 93 dos autos em suporte físico (do Processo Cautelar)] - (facto N da matéria assente);
24. A Autora dispõe mensalmente da quantia de 124,84 €, que aufere a título de pensão de invalidez – facto não controvertido [Cfr. documento n.º 6, junto com o Requerimento inicial do Processo Cautelar (facto O da matéria assente)];
25. O cônjuge da Autora encontra-se reformado, gozando, como único rendimento, de uma pensão de reforma de velhice e por dependência que, no total, ascende ao montante de 382,01 € [Cfr. documento n.º 7, junto com o Requerimento inicial do Processo Cautelar (facto P da matéria assente)];
26. A Autora e o seu cônjuge suportaram o pagamento da prestação do crédito bancário referente à sua habitação – crédito esse garantido por hipoteca sobre a casa de habitação do casal – e de montante mensal de 231,20 € - cfr. documentos n.ºs 8 e 9, juntos com o Requerimento inicial do Processo Cautelar (facto Q da matéria assente);
27. O agregado familiar da Autora integra o seu marido e o seu filho, com a idade de 32 anos – nos termos do depoimento do marido da Requerente, JCA, prestado no âmbito do Processo Cautelar (facto R da matéria assente);
28. A petição inicial que motiva estes autos deu entrada neste Tribunal em 13 de Outubro de 2008 [Cfr. fls. 1 dos autos em suporte físico (facto S da matéria assente)].
*
O direito.
O tribunal “a quo” julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o réu dos seguintes pedidos:
a) Ser conhecida e declarada a existência do contrato administrativo de prestação de serviços celebrado entre a Autora e a Ré;
b) Ser conhecida e declarada a inexecução e, consequentemente, o incumprimento, por parte da Ré, de tal contrato;
c) Ser a Ré condenada a executar e a cumprir tal contrato;
d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de 3.756,74 €, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento de tal quantia;
e) Ser a Ré condenada a pagar à Autora, a título de compensação de danos morais, a quantia de 4.000,00 €, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal desde a citação da Ré até efectivo e integral pagamento de tal quantia;
f) Ser a Ré condenada ao pagamento da quantia de 31,60 € por cada dia que a Ré não cumpra o contrato de prestação de serviços celebrado com a Autora, desde a data da propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da decisão que versará sobre o presente litígio, montante esse a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no n.º 1, al. b) e no n.º 2 do artigo 471.º do C.P.C. e nos artigos 1.º e 35.º do C.P.T.A.;
g) Ser (…) fixado prazo para o cumprimento dos deveres da Ré decorrentes da sentença que vier a ser proferida no presente litígio;
h) Ser a Ré condenada (…) ao pagamento de uma quantia, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia que decorra sem que a ré cumpra com o julgado neste processo;
i) Ser a Ré condenada no pagamento das custas do processo
Teve em ponderação:
«(…)
Antes da análise e decisão das questões submetidas à apreciação deste Tribunal, importa referir o seguinte:
O primeiro pedido efectuado pela Autora na sua petição inicial é o da declaração da existência do contrato administrativo de prestação de serviços celebrado com o Réu, cumulando este pedido com vários outros que estão referidos supra.
Fala-se de cumulação de pedidos quando o Autor apresenta, para apreciação do Tribunal, vários pedidos. Estes pedidos fundamentam-se normalmente em diferentes causas de pedir, mas também são possíveis hipóteses em que uma mesma causa de pedir fundamenta vários pedidos [Cfr. Art.º 4.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].
Estamos perante uma cumulação real ou antes uma cumulação aparente?
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, in CJA, pág. 38 “para determinar se existe uma verdadeira cumulação de pedidos ou apenas uma cumulação aparente, pode utilizar-se o seguinte critério prático: está-se perante uma cumulação aparente se, tendo sido formulado um pedido prejudicial puder ser transformado em causa de pedir do pedido dependente, porque a utilidade económica do pedido dependente não se distingue da utilidade económica do pedido prejudicial” .
Ora, compulsada a petição inicial e a causa de pedir alegada pela Autora, constata-se que a mesma pretende efectivamente, a título principal, que o Tribunal declare o incumprimento contratual do Réu e o condene ao pagamento das quantias peticionadas pela Autora. Ora, não existe incumprimento contratual sem a existência do contrato, pelo que a apreciação do Tribunal quanto ao pedido da declaração de incumprimento do contrato terá necessariamente presente a existência (ou não) do respectivo contrato administrativo. A utilidade económica do pedido dependente não se distingue da utilidade económica do pedido prejudicial.
Ora, tal como a Autora configura a presente acção e como o Réu apresenta a sua contestação resulta que a celebração e existência do contrato de prestação de serviços celebrado entre Autora e Réu à data da entrada da presente acção em juízo não vem posta em causa, sendo que, sobre as vicissitudes que o mesmo sofreu após esta data, já se pronunciou o Tribunal no despacho de fls. 244-246, razão pela qual o Tribunal passará a pronunciar-se sobre o incumprimento contratual alegado pela Autora. (sublinhado nosso)
Como resultou provado, em 01 de Junho de 1996, a Autora e o Réu celebraram um contrato provisório, nos termos do qual a Primeira se obrigou perante o Segundo a prestar os serviços de ama, no seu domicílio, a crianças em número não superior a 4 e com idades compreendidas entre os 0 e os 3 anos. Esse contrato provisório veio a converter-se em definitivo, bem como foi atribuída licença de ama à Autora.
O contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autora e o Réu atenta a data dos factos tem enquadramento legal no D.L. n.º 158/84, de 17/05, que estabeleceu e definiu o regime jurídico aplicável à actividade que, no âmbito das respostas da segurança social, é exercida pelas amas e as condições do seu enquadramento em creches familiares (Cfr. artigo 1.º).
Nesse Diploma Legal, é estabelecido no art.º 11.º, n.º 1 que “o acolhimento assegurado pela ama terá como limite máximo 4 crianças, preferencialmente de idades diferenciadas dentro do grupo etário previsto (…)” e no n.º 2 “o número de crianças a acolher por cada ama será definido pelas instituições que concedem a licença para o exercício da actividade de acordo com as respectivas condições de natureza pessoal e habitacional.”.
O referido D.L. n.º 158/84, de 17/05 foi regulamentado pelo Despacho Normativo n.º 5/85, de 18/01 que prevê na respectiva Norma VI a celebração de contratos de prestação de serviços entre as instituições de enquadramento e as amas, que explicitem os direitos e deveres mútuos fundamentais decorrentes do regime estabelecido no Decreto-Lei aí referido.
Durante a vigência do contrato de prestação de serviços, mais concretamente, a partir de 07 de Fevereiro de 2008, a Autora passou a ter sob os seus cuidados 3 (três) criança s, a partir de Março desse mesmo ano passou a ter sob os seus cuidados 2 (duas) crianças e a partir de Agosto de 2008, a Autora deixou de ter crianças aos seus cuidados.
A Autora enquadra esta atribuição de crianças em número inferior a 4 (quatro) no regime do incumprimento contratual por parte do Réu, sustentando para o efeito que ao não integrar 4 (quatro) crianças aos cuidados e guarda da Autora, aquele incumpriu com as suas obrigações contratuais e que, em consequência, terá que ressarcir a Autora dos danos decorrentes de tal actuação.
Analisando o contrato celebrado e as obrigações que do mesmo resultam para o Réu, em nenhuma das suas cláusulas está previsto que este tenha a obrigação de integrar 4 (quatro) crianças aos cuidados da Autora. Aliás, a cláusula I que estipula sobre esta questão específica, está redigida em termos de resultar para a Autora a obrigação de prestar os seus serviços de ama, a crianças em número não superior a 4 (quatro).
Do teor desta cláusula resulta expressamente que as crianças à guarda e cuidados da Autora seriam em número não superior a 4 (quatro) e não, como alega a Autora, em número igual a 4 (quatro). Aliás, a própria Autora numa das comunicações que dirigiu ao Réu para que este tomasse providências tendentes à integração de mais crianças a seu cargo, até perfazer o número de 4 (quatro) crianças (facto 17 da matéria fáctica dada como provada) refere “como é sabido, são de quatro crianças o limite máximo que, no âmbito do supra citado programa, é permitido a cada ama ser entregue” e ainda “o Centro Regional de Solidariedade e Segurança Social de Braga se comprometeu a colocar à minha guarda, crianças com idades compreendidas entre os 4 meses e os 3 anos, até ao número máximo de 4 crianças” (sublinhado nosso).
Ao estabelecer um limite máximo de 4 crianças, tal significa que poderiam ser confiadas à guarda e cuidados da Autora uma, duas, três ou quatro crianças, podendo dar -se o caso de nenhuma criança lhe ser afecta, o que teria como consequência a suspensão e/ou a cessação do contrato (Cfr. cláusulas IX e X do Contrato de prestação de serviços).
Também resultou provado que no dia 01 de Junho de 1996, foi efectuado um Anexo a esse contrato, retirando-se da cláusula I que o contrato celebrado refere-se a 4 crianças (facto C da matéria assente), mas, da conjugação do disposto nesse Anexo e do próprio Contrato de prestação de serviços, tal só pode ser entendido como o número de crianças que foram confiadas à guarda e cuidados da Autora aquando da celebração daquele Anexo, ou seja, naquela data, pois de outra forma não se percebia a existência de outros Anexos ao contrato com datas diferentes daquele, em que consta um número inferior de crianças. Atente-se, por exemplo, no Anexo ao Contrato referido no Ponto 4 do probatório, datado de 01/01/1996, retirando-se da cláusula I que o contrato celebrado refere-se a 3 crianças, ou então o Anexo datado de 21/12/2005, referente ao ano de 2005, retirando-se da cláusula I que o contrato celebrado refere-se a 2 crianças; ou seja, o Anexo ao Contrato tinha como objectivo estipular o número de crianças a afectar aos cuidados e guarda da Autora em determinado período (dentro do quadro legal e contratual estabelecido).
Do exposto decorre não ter existido por parte do Réu o alegado incumprimento do contrato sustentado pela Autora.
Acresce que, também resultou provado que desde 07 de Fevereiro de 2008 e até ter denunciado o contrato com a Autora, o Réu não tinha em lista de espera crianças para colocar em amas, que fossem residentes na zona do domicílio da Autora e que antes de ter denunciado o contrato com a Autora, havia outras amas, com contrato igual ao que a Autora celebrou com o Réu, que não tinham a totalidade das crianças passíveis de serem por si acolhidas (factos 10.º e 11.º da base instrutória).
Ou seja, mesmo que existisse uma obrigação por parte do Réu de afectar 4 (quatro) crianças aos cuidados e guarda da Autora, ainda assim, aquele logrou provar factos que consubstanciam uma impossibilidade objectiva (ainda que pudesse ser configurada como temporária) do cumprimento da obrigação (Cfr. artigos 790.º e 792.º do Código Civil).
No entanto, como acima se expôs, não existe incumprimento do contrato por parte do Réu, o que determina, consequentemente, não assistir à Autora o direito a qualquer indemnização.
Os valores que a Autora peticiona por via da presente acção têm como causa de pedir apenas o alegado incumprimento do contrato pelo Réu, pelo que inexistindo este, também não são devidos quaisquer valores a título de indemnização (diga-se, aliás, que quanto aos danos morais sofridos pela Autora esta não logrou fazer prova dos mesmos), ficando também prejudicados os demais pedidos da Autora.
(…)».

A recorrente imputa ao recorrido incumprimento contratual, invocando a boa-fé que deve reger o contrato, tal qual em termos civis também se disciplina que devem os contratos ser pontualmente cumpridos no quadro dos princípios de boa fé (cfr. art. 406.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, do CC).
Sustenta, em síntese, que o recorrido consigo contratou, no seu exercício de actividade de ama, o acolhimento de 4 crianças, mas que a partir de determinada altura esse número deixou de ser respeitado.
Como ensina Baptista Machado – “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, págs. 348/349:
[…] O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem:
a) O incumprimento definitivo, propriamente dito;
b) A impossibilidade de cumprimento;
c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art. 808º, nº1, do C. Civil;
d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não;
e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.
Não se duvida que o princípio da boa-fé valha na situação.
Porém, não colhe que seja imputável um incumprimento; não se pode ter como violada a boa-fé, bem como incólume fica toda a restante miríade de princípios e normas que servem à impugnação.
Como apreciado na sentença o regime legal apenas estabelece um número máximo de (4) crianças por ama [art.º 11º do Decreto-lei 158/84, de 17 de Maio (Estabelece e define o regime jurídico aplicável à actividade que, no âmbito das respostas da segurança social, é exercida pelas amas e as condições do seu enquadramento em creches familiares); norma V do Despacho Normativo 5/85, de 18 de Janeiro (Aprova o regulamento referente às normas orientadoras do exercício da actividade de ama e do seu enquadramento em creches familiares)].
Não define nenhum número certo ou um mínimo garantido.
A “selecção e admissão das crianças” incumbe às instituições de enquadramento (art.º 9º, nº 1, a), do DL nº 158/84, de 17/05); o “acolhimento” é assegurado pelas amas, em definidos períodos e limites (arts.º 11º e 12º do DL nº 158/84, de 17/05).
Sem colocar em causa que seja este o quadro legal, a recorrente entende, todavia, que lhe serve pilar de pretensão o que ficou definido contratualmente em 1996, onde em anexo se estabeleceu o número de 4 crianças.
Na verdade, assim consta.
Mas não se pode erigir esse número como um número imutável e garantido, como conceptualiza a recorrente.
Logo o próprio clausulado contratual desmente, pois tal modo de ver tornaria incompreensível a cláusula X relativa à cessação do contrato “quando a Ama deixar de ter qualquer criança ao seu serviço”!
É a própria boa-fé, recíproca, que dita que as partes não conceberam tal hipótese como abrangida no plano negocial.
«A causa do negócio jurídico, seja ele um contrato ou uma promessa unilateral, é o fundamento da sua qualidade e força jurídica» (Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 7ª Ed., pág. 272)
Sob essa luz também se hão-de compreender as declarações e equilíbrio negociais.
Ora, como provado, «O Réu, em concretização dos objectivos preconizados, tem competência, designadamente, para proceder à selecção de crianças cujos pais lhe requerem a inclusão dos seus filhos em amas, bem como tem o Réu competência para proceder à inclusão de tais crianças nas amas constantes na sua “bolsa de amas”».
O contrato de prestação de serviços neste âmbito celebrado acode à satisfação da “necessidade da criação de serviços que assegurem o acolhimento das crianças durante o período de trabalho dos pais, garantindo as condições adequadas ao seu desenvolvimento integral” (cfr. preâmbulo do DL nº 158/84, de 17/05).
Como é próprio e por natureza das coisas, é uma resposta flutuante, em que o preenchimento das carências se sujeita a álea que não é do domínio das partes, sempre sob condição do que seja a procura de tais serviços.
Admitindo, pois, a variabilidade no número de crianças seleccionadas, que também possam e tenham de ser acolhidas.
Isso mesmo se terá reflectido ao longo da relação estabelecida entre as partes, pois como a sentença dá conta e exemplo, com relação ao ano de 2005, o número de crianças contratado terá já sido apenas duas.
Pelo que, apesar do afinco de perpetuação com que a recorrente brande e se agarra ao número de crianças inscrito em anexo de 1996, por aí fazendo todas as suas contas, mas vendo do que terá contratado em tal ano de 2005, caberá, então, perguntar se a recorrente litiga com pretensão de reavivar ao que colocou cobro?!
A perplexidade desvanece-se pela boa compreensão do que é o investimento de confiança, com sujeição a moldar-se às necessidades.
Não se esquece que de acordo com o art.º 15º, nº 1, do DL nº 158/84, de 17/05, “1 - Sempre que não se efective o acolhimento de crianças admitidas por razões não imputáveis à ama ser-lhe-á devido um quantitativo correspondente a 50% da comparticipação mensal por criança. 2 - O pagamento desta retribuição cessará decorridos 3 meses após a verificação da situação de não acolhimento”.
Donde, mesmo que a recorrente tivesse razão no seu fio de lógica, este particular regime de responsabilidade sempre refutaria o completo êxito de pretensão.
Mas também não a tem, de todo.
O regime pressupõe como previamente obtido o número de crianças a acolher, feito esse encontro no exercício de competência do réu para proceder à inclusão de tais crianças nas amas constantes na sua “bolsa de amas”.
E esse número, viu-se já, não pode ver-se na perpetuação do que inicialmente ficou consignado em 1996, referindo 4 crianças.
Na expressão do Ac. do STJ, de 22-02-2011, proc. nº 4922/07.0TVLSB.L1.S1, “O sentido da declaração negocial, plasmada num contrato não pode ser dissociado da função do negócio jurídico que as partes pretenderam celebrar e dos fins que através dele quiseram acautelar.”.
Não podendo ter-se o réu como obrigado a proporcionar à autora por todo o tempo o acolhimento em tal número, não cabe, sequer, equacionar uma impossibilidade temporária, assim se não justificando proposta de anulação da sentença por insuficiência de matéria de facto destinada a contrariar tal impossibilidade.
Em síntese, à luz do regime estabelecido no DL nº 158/84, de 17/0, o contrato de prestação de serviço de ama estabelecido com instituição de enquadramento não é negócio fixo absoluto quanto ao número de crianças estipulado para acolhimento, podendo sucessivamente alterar-se, moldando-se ao que resulta do exercício de competências das instituições de acolhimento na selecção e admissão das crianças, só sendo protegido o investimento de confiança quando, e por razões não imputáveis à ama, não se efective o acolhimento de crianças admitidas.
Não interfere ao caso novo regime instituído pelo DL nº 115/2015, de 22/06.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento aos recursos.
Custas: pela recorrente.

Porto, 8 de Abril de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins