Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00875/16.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/12/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO; ARTIGO 58º DO C.P.T.A.; ARTIGO 279º DO C.C.
Sumário:
I- Nos termos do artigo 58º, nº. 1, alínea b) do C.P.T.A, na versão dada pelo Decreto-Lei nº. 214-G/2015 de 02.10, a impugnação de atos anuláveis tem lugar no prazo de três meses.
II- Este prazo conta-se nos termos do artigo 279º do Código Civil, ou seja, conta-se de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais, mas se o prazo terminar em férias judiciais, é prolongado para o primeiro dia útil seguinte.
III- Na situação recursiva, atento o facto do ato impugnado ser de publicação obrigatória, que se verificou no dia 01.02.2016, verifica-se que o termo do prazo de 3 meses, para impugnação daquele ato, ocorreu no dia 02.05.0216, pelo que, na data em que a presente ação foi proposta, em 07.06.2017, já se mostrar esgotado o prazo previsto no artigo 58°, n°. 2 alínea b) do C.P.T.A. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MSCMS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE P…
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
MSCMS e OUTROS, devidamente identificados nos autos, vêm interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante T.A.F. de Penafiel], de 11.06.2018, proferido no âmbito da Ação Administrativa que os Recorrentes intentaram contra o MUNICÍPIO DE P…, na parte em julgou “(…) parcialmente procedente a invocada exceção de caducidade do direito de ação, no que respeita aos invocados vícios de erro nos pressupostos de facto, violação do direito de defesa dos interessados/do princípio da participação/do princípio da boa-fé, e de falta de notificação do ato aos autores, absolvendo a entidade demandada da instância em relação aos identificados vícios (…)”.
Em alegações, os Recorrentes formulam as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
1- Enquanto titulares de um direito legal e constitucionalmente protegido, ainda que de natureza económica, nos termos do n.° 2 o artigo 161.° do CPA e artigo 62.° da CRP, respetivamente, os Apelantes viram violado o seu direito de propriedade, até ao confisco da mesma, nulidade que inquina o todo ato praticado pela entidade demandada, Município de P….
2- Os Apelantes são titulares de um interesse direto, atual e efetivo tal como o caracteriza o artigo 55.°, n.° 1 al. a) do CPTA..
3- A violação do direito de propriedade dos Apelantes, no modo como se consumou," é a total aniquilação absoluta, mesmo em abstrato, do direito de propriedade dos autores".
5- Constitui uma Invalidade na sua forma mais grave, nulidade, e como tal Invocável a todo o tempo, nos termos do n.° 1 do artigo 58.° do CPTA.
6- Os vícios invocados, no caso concreto e específico do erro sobre os pressupostos de apreciação quanto à propriedade dos Apelantes, violação de princípio de audiência de Interessados, e falta de notificação do ato de que deveriam ser destinatários os apelantes, embora anuláveis em abstrato, no caso concreto subsumem-se na nulidade presente, originariamente, por violação do direito de propriedade nos exatos termos em que se verificou.
7- Os Apelantes são titulares de um direito efetivo quanto ao ato praticado e não "quaisquer outros interessados" na aceção do n.° 3 do artigo 59.° do CPTA.
8- O prazo para impugnação dos atos anuláveis verificados, associados à violação do direito de propriedade, só começa a correr quer nos temos do artigo 160.° do CPA, quer n.° 2 do artigo 59.° do CPTA, a partir da data da notificação aos interessados, ainda que tenha sido objeto de publicação obrigatória.
9- Observando um prazo de três meses para impugnação de vícios anuláveis invocados, para além da nulidade material Invocada, a ação dos Autores não é extemporânea, pois só tiveram conhecimento pelo "agora concessionário" contrainteressado, Ex arrendatário dos Apelantes, da atribuição da concessão em 15.03.2016, por carta pelo mesmo remetida, pelo que tendo dado entrada em juízo a ação proposta, tal como confirmou o meritíssimo juiz a quo em 07.06.2016, o foi antes de decorridos 3 meses sobre a data do seu conhecimento, mas nunca da notificação pela entidade demandada.
10. O prazo para impugnação dos Autores/Apelantes, porque de ato que lhe deveria ser notificado pela entidade demandada - Município de P…, (n.° 2 do artigo 59.° CPTA e 160 CPA) só corre a partir dessa notificação, o que não ocorreu, até ao momento, não tendo tido, por esse facto início.
11 - Estando a questão do direito de propriedade dos Apelantes remetida para prova em sede de audiência de julgamento, e sendo intrínsecos à apreciação desse mesmo direito, os erros geradores de anulabilidade, em abstrato, não estava o tribunal a quo fundamentadamente, em condições para conhecer e concluir pela procedência, ainda que parcial, da exceção da caducidade do direito da ação dos Autores aqui Apelantes, e nessa parte, absolver parcialmente da instância a entidade recorrida, em sede de despacho saneador.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e revogada a douta decisão recorrida, assim se fazendo Justiça!
(…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu o parecer a que alude o artigo 146º, nº. 1 do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão suscitada pelos Recorrentes consiste em saber se o Tribunal a quo, ao determinar a procedência parcial da exceção de caducidade do direito de ação, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do direito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se, quanto à matéria excetiva em análise, como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
“(…)
A) Em 18.12.2015, foi publicado anúncio na II Série do Diário da República, pelo qual o Município de P… procedeu à abertura de procedimento intitulado “concessão do direito de exploração do quiosque no Largo da M…, P…” - cf. documento de fls. 59 do suporte físico dos autos;
B) A 21.01.2016, foi deliberado pela Câmara Municipal de P… adjudicar a dita concessão ao aqui contrainteressado marido - cf. documento de fls. 61 (verso) do suporte físico dos autos;
C) Em 01.02.2016, foi publicado edital no átrio do edifício dos Paços do Concelho de P…, contendo a deliberação referida na alínea anterior - cf. documento de fls. 191 a 201 do suporte físico dos autos;
D) Em 15.03.2016, foi recebida pela mandatária dos autores missiva remetida pelo contrainteressado marido, pela qual aquele invocou a qualidade de concessionário do Município, e recusando pagar qualquer renda aos autores pela utilização do quiosque - cf. documento de fls. 58 do suporte físico dos autos (data de receção confessada no art.° 44.° da petição inicial);
E) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada em 07.06.2016, via correio eletrónico — cf. documento de fls. 1 do suporte físico dos autos.
(…)”
*
III.2 - DO DIREITO
A decisão judicial, na parte agora recorrida, julgou “(…) parcialmente procedente a invocada exceção de caducidade do direito de ação, no que respeita aos invocados vícios de erro nos pressupostos de facto, violação do direito de defesa dos interessados/do princípio da participação/do princípio da boa-fé, e de falta de notificação do ato aos autores, absolvendo a entidade demandada da instância em relação aos identificados vícios (…), [prosseguindo] os presentes autos somente para conhecimento do vício de violação absoluta do direito de propriedade, o único que se reconduz a causa de nulidade (…)”.
Foi esta a fundamentação aduzida para julgar parcialmente verificada a referida exceção:
“(…)
A caducidade do direito de ação encontra-se prevista no elenco de exceções dilatórias constante do CPTA - concretamente, no seu art.° 89.°, n.° 4, al. k), sob a designação de “ intempestividade da prática do ato processual”.
Como é sabido, a impugnação de atos administrativos pode ou não ficar sujeita a determinado prazo, dependendo do concreto desvalor jurídico que fundamente a impugnação.
Neste sentido, e de acordo com o que se estabelece no art.° 58.° do CPTA, a impugnação de atos nulos não fica sujeita a prazo; porém, nos casos de anulabilidade, o ato deve ser impugnado no prazo de 3 meses pelos interessados, ou de um ano no caso do Ministério Público.
Sobre a contagem do prazo de impugnação, rege o n.° 2 deste mesmo art.° 58.°, no qual se pode ler que “sem prejuízo do disposto no n° 4 do artigo 59°, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do art° 279° do Código Civil”. Trata-se, com efeito, de uma alteração relevante operada pela reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02.10, já que na anterior versão do CPTA o prazo era contado de acordo com as regras do CPC (o que implicava a sua suspensão no período de férias judiciais, por exemplo).
No que respeita ao termo inicial do prazo, ou ao dia a quo, rege o art.° 59.° do CPTA. E, neste caso, o regime varia consoante o ato deva ou não ser notificado.
Assim se lê no citado art.° 59.° (n.°s 1 a 3):
“1- Sem prejuízo da faculdade de impugnação em momento anterior, dentro dos condicionalismos do artigo 54.°, os prazos de impugnação só começam a correr na data da ocorrência dos factos previstos nos números seguintes se, nesse momento, o ato a impugnar já for eficaz, contando-se tais prazos, na hipótese contrária, desde o início da produção de efeitos do ato.
2- O prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento, ou da data da notificação efetuada em último lugar caso ambos tenham sido notificados, ainda que o ato tenha sido objeto de publicação, mesmo que obrigatória.
3- O prazo para a impugnação por quaisquer outros interessados começa a correr a partir de um dos seguintes factos:
a) Quando os atos tenham de ser publicados, da data em que o ato publicado deva produzir efeitos;
b) Quando os atos não tenham de ser publicados, da data da notificação, da publicação, ou do conhecimento do ato ou da sua execução, consoante o que ocorra em primeiro lugar.”
De acordo com a tese dos contrainteressados, e partindo do pressuposto de que os autores não invocam qualquer causa de nulidade, o prazo começou a correr com a publicação da deliberação tomada pela câmara municipal, no sentido de adjudicar o direito de exploração ao contrainteressado marido.
Sublinhe-se que o pedido dos autores consiste na impugnação deste ato de adjudicação, e não de qualquer outro, surgindo por isso sem qualquer contexto a referência feita em réplica a supostas atuações administrativas que deveriam ter acontecido, como forma de defender que nenhum prazo começou a correr. O pedido apenas respeita à adjudicação, e a nenhum outro ato.
Relativamente à publicação, importa dizer que a mesma é legalmente obrigatória, como decorre do disposto no art.° 56.°, n.° 1, do regime jurídico das autarquias locais, aprovado e publicado em anexo à Lei n.° 75/2013, de 12.09.
Razão pela qual o termo inicial do prazo deverá ser o que se encontra fixado na al. a) do n.° 3 do art.° 58.° do CPTA. O termo inicial da contagem do prazo de impugnação é, por isso, o da publicação do ato (já que desde aí o ato produz os seus efeitos, não se vislumbrando a necessidade de qualquer outro ato integrativo de eficácia). Aliás, o primeiro dia do prazo será o dia 02.02.2016, o dia seguinte ao da publicação, uma vez que o dia do evento não se conta - cf. art.° 279.°, al. b), do Código Civil.
Assim sendo, a impugnação do ato em questão com fundamento em vícios geradores da sua anulabilidade apenas poderia ocorrer até 02.05.2016. Recorde-se que a petição inicial foi apresentada apenas em 07.06.2016 [quando pelo menos desde 15.03.2016 é seguro que os autores, pela sua mandatária, já conheciam o ato, na medida em que lhes foi transmitida a informação pelo contrainteressado marido].
A dificuldade que, em seguida, se coloca é a de saber se os vícios invocados são ou não geradores de nulidade — pois, neste caso, a impugnação não fica sujeita a prazo.
Percorrida a petição inicial, os vícios invocados pelos autores são os seguintes:
i) Erro nos pressupostos de facto;
ii) Violação absoluta do direito de propriedade;
iii) Violação do direito à defesa dos interessados;
iv) Falta de notificação do ato aos autores.
Refira-se que, em sede de petitório, os autores não concretizam o tipo de invalidade em discussão, pedindo somente que se declare a invalidade do ato, sem especificar se a mesma consiste em nulidade ou anulabilidade. Embora no art.° 73.° da petição inicial entendam que estão violados princípios que determinam a nulidade do ato, de acordo com o art.° 161.°, n.° 2, al. d), do CPA.
Ora, o tribunal não está vinculado à construção jurídica que é feita pelos autores quanto ao concreto desvalor jurídico apontado ao ato impugnado. Neste sentido, impõe-se analisar se está alegada uma verdadeira causa de nulidade.
E adiante-se desde já que se considera que existe essa causa de nulidade. Com efeito, a al. d) do n.° 2 do art.° 161.° do atual CPA estabelece que se consideram nulos os atos administrativos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Perante o caso que se nos apresenta, caso se venha a provar a factualidade invocada pelos autores, forçoso é concluir que o ato em questão será nulo, por violar o conteúdo essencial do direito de propriedade. Com efeito — e repete-se, provando-se o que os autores alegam — então estaremos perante um ato de concessão de um bem que é propriedade privada, sem que tenha existido qualquer espécie de procedimento expropriativo ou outro que visasse afetar aquele direito. Na verdade, se for verdade o que os autores alegam, então a única conclusão possível será a de que foram objeto de uma expropriação encapotada, sem procedimento ou indemnização, e que os fez ficar privados da sua propriedade.
A CRP protege, no seu art.° 62.°, o direito de propriedade privada, e considera-o ainda como direito fundamental, mesmo que de natureza económica. E o certo é que ficando provado o que os autores alegam, terá de concluir-se que o conteúdo fundamental deste direito foi afetado, na medida em que o Município terá celebrado um contrato de concessão tendo por objeto mediato um bem que não lhe pertencia, apropriando-se indevidamente do mesmo, em total desrespeito pelo citado preceito constitucional.
E note-se que o caso não se confunde com as situações em que está em questão a ofensa do direito de propriedade em concreto, por exemplo, através de uma ordem de demolição ou da realização coerciva de obras de conservação (situações que se reconduzem à mera anulabilidade - neste sentido, acórdãos do TCA Norte de 09.10.2015, proferido no processo n.° 01905/12.1BEBRG, e de 25.03.2011, proferido no processo n.° 00606/08.0BEPRT). Pelo contrário, o que aqui se discute é a total aniquilação absoluta, mesmo em abstrato, do direito de propriedade privada dos autores.
Mas se assim é no que diz respeito à violação do direito de propriedade — nos termos expostos - o mesmo não se pode dizer em relação às restantes causas de invalidade.
De facto, o erro sobre os pressupostos de facto constitui um vício que dará origem à mera anulabilidade do ato, pois não existe norma que, in casu, comine expressamente a nulidade do ato, nem o aludido erro se insere em alguma das situações do n.° 2 do art.° 161.° do CPA.
O mesmo sucede com a invocada “violação da defesa dos interessados”, ou dos princípios da boa-fé ou da participação, que na melhor das hipóteses dariam origem a uma situação de anulabilidade. Acrescentando-se que o mesmo raciocínio é aplicável quanto à falta de notificação dos interessados - que, aliás, se reconduziria a uma questão de eficácia do ato, nem sequer da sua validade (mas mesmo neste caso, nunca geraria nulidade, somente anulabilidade).
Em síntese, a invocada exceção de caducidade procede apenas parcialmente, quanto aos vícios conducentes à mera anulabilidade do ato, já que o prazo para instaurar a ação terminava em 02.05.2016, e a petição inicial apenas foi apresentada em juízo em 07.06.2016.
Deste modo, os autos prosseguirão apenas para conhecimento do invocado vício de violação absoluta do direito de propriedade. (…)“.
Discordando desta decisão judicial, os ora Recorrentes imputam-lhe erro de julgamento de direito, que substanciam com base no entendimento de que (i) “(…) Os vícios invocados, no caso concreto e específico do erro sobre os pressupostos de apreciação quanto à propriedade dos Apelantes, violação de principio de audiência de Interessados, e falta de notificação do ato de que deveriam ser destinatários os apelantes, embora anuláveis em abstrato, no caso concreto subsumem-se na nulidade presente, originariamente, por violação do direito de propriedade nos exato termos em que se verificou, o que constitui uma Invalidade na sua forma mais grave, nulidade, e como tal Invocável a todo o tempo, nos termos do n.° 1 do artigo 58.° do CPTA (…)”, bem como de que (ii) “(…) o prazo para impugnação dos Autores/Apelantes, porque de ato que lhe deveria ser notificado pela entidade demandada - Município de P…, (n.°2 do artigo 59.° CPTA e 160 CPA) só corre a partir dessa notificação, o que não ocorreu, até ao momento, não tendo tido, por esse facto inicio (…)”.
Vejamos.
Sobre esta matéria, importa, desde logo, determinar qual a lei aplicável à situação sub judice.
Assim, e no domínio versado, temos que o Decreto-Lei nº. 214-G/2015, de 2 de outubro, procedeu a uma reforma substancial do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], aprovado pela Lei nº. 15/2002, de 22 de fevereiro, e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], aprovado pela Lei nº. 13/2002, de 19 de fevereiro - os dois diplomas estruturantes do sistema português de contencioso administrativo.
Estabelece o art. 15º, nº. 2 do Decreto-lei nº 214-G/2015 de 02.10. que “As alterações efetuadas pelo presente decreto-lei ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei no 15/2002 de 22 de fevereiro, alterada pelas Leis nos 4-A/2003 de 19 de fevereiro, 59/2008 de 11 de setembro e 63/2011 de 14 de dezembro, só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor”.
O Decreto-lei nº. 214-G/2015 de 02.10, entrou em vigor 60 dias após a data da sua publicação [cfr. 15º., nº. 1], ou seja, a 02.12.2015.
Considerando que a presente ação deu entrada em juízo no dia 07.06.2016, será de aplicar à mesma as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 214-G/2015.
Ora, e no que para o que aqui releva, dispõe o artigo 58º do [novo] C.P.T.A., sob a epígrafe “Prazos”, que:
“1 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
(…)
b) Três meses, nos restantes casos.
2 – Sem prejuízo do disposto no nº. 4 do artigo 59º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279º do Código Civil.
(…)”
A este título, conforme afirma J. C. Vieira de Andrade [in A Justiça Administrativa, Lições, 14.a edição, Almedina, pág. 261] o "prazo de impugnação de atos administrativos, depois de ter sido contado, entre 2002 e 2015, nos termos do Código do Processo Civil, volta a contar-se, como era tradicional, nos termos do Código Civil (artigo 58.°, nº. 2, do CPTA). Voltou a ser, por isso, um prazo contínuo que não se suspende em sábados, domingos e feriados, nem sequer em férias judiciais."
E como ensina Mário Aroso de Almeida “(…) "a revisão de 2015 afastou a regra do anterior artigo 58.°, nº 3, segundo a qual o prazo de impugnação de três meses se contava de acordo com o disposto no artigo 144.° do CPC, suspendendo-se durante as férias judiciais. Na verdade, ao estabelecer que os prazos estabelecidos no nº1 se contam nos termos do artigo 279° do Código Civil, o novo n° 2 do artigo 58.° assume que eles se contam de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais. O prazo que termine em dia em que os tribunais estejam encerrados ou haja tolerância de ponto é, entretanto, prolongado para o primeiro dia útil seguinte" [in Manual de Processo Administrativo 2ª edição, Almedina, 2016, pág. 299].
De resto, é precisamente neste sentido e com a fundamentação aduzida pela doutrina acabada de transcrever, que se tem vindo a direcionar, de forma pacífica e uniforme, a jurisprudência dos tribunais superiores [vide, entre outros, os acórdãos do S.T.A., de 17.01.2019, proferido no processo n.º 09/18.8BEAVR; do T.C.A SUL, de 06.01.2017, proferido no processo n.º 1642/16.8BELSB; e de 04.05.2018, tirado no processo nº. 1114/16.0BELSB, todos acessíveis em www.dgsi.pt].
Deste modo, não se vislumbrando quaisquer razões que nos levem a divergir do entendimento que supra se descreveu, bem pelo contrário, o princípio da uniformidade na interpretação e aplicação do Direito assim o impõe [artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil], cumpre efetuar a respetiva subsunção ao caso concreto.
No caso dos autos, examinando o libelo inicial, assoma evidente que vem peticionada a invalidade do “(…) ato [ou melhor, a Deliberação Camarária, de 21.01.2016] que aprovou a concessão do direito de exploração do quiosque sito no Largo da M… em P… (…)” com fundamento nas causas de invalidade traduzidas em vício de violação de lei, (i) por erro nos pressupostos de facto; (ii) por violação do conteúdo essencial do direito de propriedade dos Recorrentes; e (iii) por falta de notificação de quaisquer atos que restringiram o referido direito de propriedade.
Sendo incontestável a forma de invalidade mais gravosa associada à eventual violação do direito de propriedade dos Recorrentes, as demais causas de invalidade assacadas ao ato impugnado, que, contrariamente ao defendido no presente recurso, não encontram suporte em factos reconduzíveis à violação do conteúdo essencial do direito de propriedade, mas antes em tecido fáctico distinto subsumível à mera violação de lei ordinária, reconduzem à mera anulabilidade do mesmo, sendo, por isso, aplicável à respetiva impugnação o prazo de 3 meses, previsto no artigo 58°, nº 1, alínea b), do CPTA.
Assim, e como bem salienta o Senhor Juiz a quo, o ato impugnado na ação administrativa de onde emerge o presente recurso [Deliberação da Câmara Municipal de P…, de 21.01.2016, que aprovou a concessão do direito de exploração do quiosque sito no Largo da M… em P…] estava efetivamente sujeita a publicação obrigatória, nos termos do disposto no artigo 56.°, n.° 1, do regime jurídico das autarquias locais, aprovado e publicado em anexo à Lei n.° 75/2013, de 12.09, que estabelece a obrigatoriedade da publicidade das deliberações dos órgãos autárquicos e das decisões dos respetivos titulares destinadas a ter eficácia externa, as quais eram objeto de publicação em edital afixado nos lugares de estilo durante cinco dos 10 dias subsequentes à tomada da deliberação ou decisão.
Assim sendo, o prazo de impugnação para os autores, aqui Recorrentes, que não eram destinatários do ato em causa, mas “outros interessados” nesse ato, começava a correr a partir da data da publicação, por haver preceito expresso a estabelecer a obrigatoriedade dessa publicação, em conformidade com o previsto no artigo 59.º/1 e 3, a contrario [neste mesmo sentido v. Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., 2007, 357].
Atento o facto de tal publicação ter ocorrido no dia em 01.02.2016, iniciando-se, por isso, a contagem do prazo de 3 meses para impugnação daquele ato no dia 02.02.2016, verifica-se que o termo deste prazo ocorreu no dia 02.05.2016.
Pelo que, na data em que a presente ação foi proposta, em 07.06.2016, já havia caducado o direito dos Autores, aqui Recorrentes, de instaurar a presente ação com vista à invalidade do ato impugnado com fundamento em vicio de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, e por falta de notificação de quaisquer atos que restringiram o direito de propriedade dos mesmos, por já se mostrar esgotado o prazo previsto no artigo 58°, n°. 2 alínea b) do C.P.T.A.
Sendo assim, é tempo de concluir, perante a evidência da manifesta intempestividade da interposição da ação em juízo quanto aos invocados vícios de violação de lei, por (i) erro nos pressupostos de facto, e, bem assim, por (ii) falta de notificação de quaisquer atos que restringiram o direito de propriedade dos Recorrentes, pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida, que, assim, ter-se-á de se manter.
Concludentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
***
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e manter a decisão judicial recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Registe e Notifique-se.
Porto, 12 de junho de 2019
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco