Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00733/19.8BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/24/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:AMPLIAÇÃO PEDIDO;
MODIFICAÇÃO OBJECTIVA INSTÂNCIA – ART.º 45.º CPTA;
LIMITE CONDENAÇÃO;
Sumário:1 . Concluindo-se que o requerimento dos AA. corresponde ao previsto no n.º3 do art.º 45.º do CPTA, deveria ter sido, efectivamente, dada a oportunidade ao R./Recorrido de apresentar contestação, no prazo de 30 dias e não os indicados 10 dias, sendo certo que o requerimento apresentado pelos AA., reclamando todos os danos a que entendem ter direito, mais corresponde a uma nova petição, totalmente diversa da inicialmente apresentada, para o que assim dispunham de 30 dias, como o impõe a igualdade das partes e o princípio do contraditório.

2. Focando-se o requerimento dos AA. no n.º3 do art.º 45.º do CPTA – que não o n.º2 – além do prazo de contestação acrescido, a norma impõe que, apresentada a resposta/contestação do R./Recorrido, “… findo o que a ação segue os subsequentes termos da ação administrativa”.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I
RELATÓRIO
1. O MINISTÉRIO DA SAÚDE, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da (i) sentença do TAF de Coimbra, datada de 31 de Dezembro de 2020, que no âmbito da Acção Administrativa de impugnação de normas e condenação à emissão de normas instaurada por AA, residente na Estrada ..., ..., ..., ... ..., BB, residente na Rua ..., ... ... - ..., CC, residente na Rua ..., ... ... e DD, residente no Largo ..., ... ... --- na qual estes pediam a declaração da ilegalidade por omissão de normas, bem como a condenação do Réu/Recorrente na emissão do regulamento em falta, fixando prazo para suprir a omissão e ainda a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia após o términus do prazo fixado para cumprimento, fixou, segundo critérios de equidade, para cada A./Recorrido, uma indemnização, no valor de 60.000,00€, actualizada à data da decisão, nos termos do disposto no art.º 45.º do CPTA, bem como do (ii) despacho interlocutório de 4/11/2020, na medida em que lhe terá apenas concedido um prazo de 10 dias para se pronunciar acerca da pretensão indemnizatória peticionada pelos AA./Recorridos.
*
2. Nas suas Alegações, o Recorrente Ministério da Saúde formulou as seguintes conclusões:
a. O presente recurso vem interposto da sentença proferida a 31.12.2020, que foi fixada uma indemnização para cada coautor, segundo critérios de equidade, no valor de €60.000, segundo dispõe o n.º 2 do artigo 566º do CC, estando ela atualizada ao presente momento da decisão;
b. Não se conformando minimamente com a decisão judicial, agora posta em crise, que, salvo o devido respeito, reputa como nula e manifestamente ilegal, porquanto, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, na sentença que constitui o objeto do presente recurso, que fixou indemnização, segundo critérios de equidade, violou o princípio do dispositivo a que estava adstrito, cometeu diversos erros de julgamento por incorreta interpretação e subsunção dos factos ao direito, tendo por isso feito má aplicação do Direito ao caso concreto.
c. Excedeu a sentença os limites quantitativos do pedido condenando em quantidade superior à pretensão deduzida pelos AA, ora recorridos, incorrendo na nulidade prevenida no art.º 615º, n.º 1, alínea a) do CPC, ex vi, art.º 1º do CPTA, o que impõe a sua alteração em sede do presente recurso.
d. Vem, ainda, o Recorrente recorrer do despacho interlocutório de 04.11.2020 – recurso nos termos do previsto no n.º 5, do art.º 142º do CPTA, que concedeu ao recorrente, o prazo de 10 dias para se pronunciar, ao invés do prazo de 30 dias, previsto no n.º 3 do art.º 45º do CPTA;
Ora,
e. Apesar dos AA, ora recorridos intitularem o seu pedido na “equitativa fixação judicial da indemnização devida, nos termos do n.º 2 do art.º 45º”, e ter sido concedido o prazo de 10 dias ao R., ora recorrente, ao abrigo do mesmo dispositivo legal, para se pronunciar quanto ao mesmo, a verdade é que os recorridos, como se pode constatar da peça junto aos autos, optaram por pedir a reparação de todos os danos resultantes da alegada atuação ilegítima do R., ao abrigo do n.º 3 do art.º 45º
f. O que, não tendo sido concedido o prazo de 30 dias ao recorrente para contestar, seguindo o processo os termos subsequentes, configura uma flagrante violação do princípio do contraditório, e do que está legalmente previsto no n.º 3 do art.º 45º.
g. Com efeito, verificou-se do pedido dos recorridos que estes vieram requerer a indemnização, eventualmente devida, pela impossibilidade de obter a pronúncia a que teriam direito e a eventual indemnização a que poderiam ter direito pelos demais danos que possam resultar da atuação administrativa, eventualmente ilegal, ou seja, vieram socorrer-se da previsão do n.º 3 do art.º 45º.
h. Na verdade, os recorridos vieram, sob pretexto de reclamar uma indemnização pela impossibilidade superveniente da lide, peticionar de facto uma indemnização pelos danos que pretensamente lhes teriam causado a falta de emissão de Portaria. Vieram os AA, ora recorridos, peticionar a reparação correspondente a danos patrimoniais (danos emergentes, lucros cessantes, danos futuros) e danos não patrimoniais.
i. Foi, assim, coartado ao R., ora recorrente, a possibilidade de expor, cabalmente, as razões de facto e de direito porque se oponham à pretensão dos AA, ora recorridos, mostrando-se, claramente, preterido o principio do contraditório.
j. Tendo o Tribunal, por despacho de 04.11.2020, concedido o prazo de 10 dias para o Réu de pronunciar, ao invés do prazo de 30 dias previstos no n.º 3 do art.º 45º do CPTA, violou este dispositivo, bem como o princípio do contraditório.
k. Na verdade, a decisão proferida no mencionado despacho interlocutório, que concedeu somente o prazo de 10 dias para o Réu se pronunciar, influenciou, claramente, a decisão final ora recorrida, devendo ser restabelecida a legalidade violada.
NULIDADE DA SENTENÇA
l. Os AA vieram na presente ação peticionar, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 37º e 77º, ambos do CPTA, a emissão da Portaria a que aludia o art.º 4º do DL n.º 188/2015, de 07.09 – diploma que regula os termos e condições relativas à obtenção, a título excecional, pelos clínicos gerais, do grau de especialista em medicina geral e familiar.
Na pendência do processo, foi publicada a Portaria n.º 177/2020, de 24.07, que aprovou o programa de formação específica extraordinária em exercício em medicina geral e familiar, prevista no art.º 4º do DL n.º 188/2015, de 07.09.
Por requerimento do ora recorrente de 07.09.2020, veio informar os autos da publicação da mencionada Portaria e requerer a inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 277º do CPC, ex vi artº 1.º do CPTA, uma vez que se mostrava satisfeito o pedido dos AA, o que conduziria à falta de objeto da ação, causa que obstava ao seu prosseguimento.
O Tribunal a quo, determinou que A perda do objeto ocorreu porque a Administração praticou, na pendência do processo, o ato administrativo que os autores (...) pretendiam que esta fosse condenada, o que constituiu uma situação de impossibilidade absoluta que se enquadra na previsão daquela norma [art.º 45º do CPTA], convidando as partes a acordarem no montante da indemnização. Não tendo as partes chegado a qualquer acordo, os RR, ora recorridos, vieram aos autora requerer a fixação judicial de indemnização.
m. A indemnização a atribuir por efeito da modificação objetiva da instância, nos termos do art.º 45º do CPTA, visa reparar o prejuízo resultante para os recorridos da inexecução da sentença que seria proferida se não ocorresse uma situação de impossibilidade absoluta por via, in casu, da publicação da Portaria n.º 177/2020, de 24.07, que aprovou o programa de formação específica extraordinária em exercício em medicina geral e familiar, ou seja, o que o artigo preconiza é o ressarcimento dos recorridos pela impossibilidade de não ser possível obter a utilidade específica que tinha em vista com a propositura da ação.
n. A sentença recorrida escorre quanto ao recurso à equidade para arbitramento da indemnização “quando sejam determinados os danos a indemnizar, mas não seja possível a fixação do seu exato valor designadamente, por ser impreciso algum dos elementos que influem no cálculo, manda o artigo 566º, n.º 3 do CC, que o tribunal julgue segundo critérios de equidade, dentro dos elementos provados, visando a solução mais justa para o caso concreto, dentro dos limites provados, visando a solução mais justa para o caso concreto. Mais se deve referir que a fixação da indemnização com base em critérios de equidade não dispensa, todavia, o lesado de fazer prova de factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação.
Pois bem, no caso dos autos está em causa, no caso dos autos, apenas uma indemnização pelo facto da inutilidade da ação, por perda de objeto. (...)”.
o. No entanto, a juiz a quo vai mais longe, e com o escudo do recurso à equidade, arbitra uma indemnização que vai para além do pedido e da medida dos danos alegadamente sofridos pelos AA, ora recorridos.
p. É referido ao longo da sentença que o que está em causa nos presentes autos é a omissão de regulamentação que alude o art.º 4 do DL n.º 188/2015, de 07.09. – Da petição dos AA, ora recorridos, decorre que ao não ser publicada a portaria de regulamentação prevista naquele artigo impediu-os de adquirirem o grau de especialistas em medicina geral e familiar, após a formação de formação específica.
q. Do pedido da p.i. dos recorridos pode ler-se “Ser julgada e declarada a ilegalidade por omissão das normas cuja adoção é necessária para dar exequibilidade ao previsto no n.º 2 do artigo 2.º. do Decreto-lei n.º 188/2015 de 7 de setembro” “Ser condenado o réu à emissão do regulamento em falta fixando prazo para que a omissão seja suprida”
r. E do requerimento apresentado pelos recorridos, nos termos do art.º 45º do CPTA, vêm dizer, claramente, que desde 08 de Dezembro de 2015 (final do prazo de regulamentação) até ao presente que os Autores tem sofrido prejuízos patrimoniais, pois têm auferido a retribuição correspondente à sua categoria de origem, ao invés de auferir a retribuição correspondente às funções efetivamente exercidas de especialista em medicina geral e familiar.(negrito nosso).
Invocando que “os Autores, apesar de exercerem funções correspondente à categoria e reunirem todos os requisitos para adquirir o grau de especialista, deixaram de receber do Réu, até à presente data (58 meses, 5 subsídios de férias e 4 de natal) um total ilíquido por Autor de €25.880,75 (inclui os subsídios de férias e de natal) (...)”
s. O pedido dos recorridos cinge-se tão somente à omissão regulamentar do DL 188/2015, de 07.09, por considerarem que tal omissão regulamentar os impediu de obterem mais cedo o grau de especialistas e com isso integrarem as novas carreiras, progredindo nela – É ESSA A MEDIDA DO EVENTUAL DANO – como é configurado pelos ora recorridos.
t. No entanto, o Tribunal a quo após fazer um excurso pelas carreiras da Administração Pública e da sua promoção veio concluir que a conduta omissiva regulamentar impediu os recorridos de transitarem para a “categoria de assistentes, 1.º nível. Mas segundo o Tribunal a quo a conduta omissiva regulamentar, não é aquela que é peticionada pelos recorridos e que se refere ao DL 188/2015, mas sim, a omissão regulamentar com efeitos a 1999, data em que foram nomeados – fundamentando tal conclusão no DL 177/2009, 4.08.
u. Decidindo que “A diferença salarial situar-se-á entre os €6.958 anuais ou a partir de 2009 com as novas carreiras médicas, €19.460 anuais.
Tal significa que desde 1999, data em que foram nomeados, até 2020, ano em que finalmente foi cumprido pelo réu o dever de regulamentar, os coatores deixaram de receber, no mínimo €69.580, admitindo que se tivesse havido regulamentação atempada teriam transitado para a categoria de assistente especialista, 1.º nível remuneratório, prestando as mesmas 35 horas semanais, no valor de €1.853,96.”
v. A possibilidade de os Tribunais julgarem segundo critérios de equidade não lhes confere uma habilitação para decidir para além das pretensões dos recorridos, condenando o recorrente em quantidade superior à peticionada, e com o objeto diverso – em termos de diferenças salariais são peticionadas €25.800,75 para cada coautor, e a sentença fixa uma indemnização, segundo critérios de equidade e com base em diferenças salariais no montante de €60.000 para cada coautor. – É ESTE O CRITÉRIO DE EQUIDADE DO TRIBUNAL A QUO.
w. O Tribunal arbitrou uma indemnização segundo critérios de equidade, tendo como base uma pretensão que não foi deduzida pelos recorridos, qualitativamente diversa, quer quanto à relação jurídica material controvertida, quer quanto ao próprio efeito pretendido, impossibilitando, assim, o R., ora recorrente de exercer o contraditório.
x. O Tribunal a quo independentemente de fixar a indemnização segundo critérios de equidade, não pode apreciar ou decidir no processo senão aquilo que lhe é solicitado pelas partes, o que no caso dos presentes autos, tem de se ater ao pedido inicial, e por força do art.º 45º, na modificação da instância – os recorridos, modificaram o seu pedido original pedindo ao Tribunal o arbitramento de indemnização civil – em termos de diferenças salariais são peticionadas €25.800,75 para cada coautor.
y. Os Tribunais na realização da justiça, e no caso sub judice, devem cingir-se ao âmbito objetivo e subjetivo da pretensão do autor, em função da qual se afere também o exercício do contraditório do Réu.
z. A nulidade de uma sentença quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
aa. A Douta Sentença recorrida é nula por violação do princípio do dispositivo, concretamente, dos limites definidos no art.º 609º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art.º 1º do CPTA, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos do pedido, fixando uma indemnização em quantidade superior à pretensão deduzida pelos recorridos, contra o recorrente, bem como, em objeto diverso do peticionado, incorrendo na nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, alínea e) do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA.
SEM CONCEDER,
bb. A Douta sentença padece de erro de julgamento por incorreta interpretação e subsunção dos factos e do direito, quanto a este segmento diz respeito, como aliás resulta da própria fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo.
cc. Atendeu a decisão ora recorrida que ocorreu uma perda real para os recorridos, da oportunidade em adquirirem o grau de especialistas em medicina geral e familiar decorrente da omissão regulamentar – art.º 4º do DL 188/2015 de 07.09.
dd. Com a publicação do DL 188/2015, de 07.09, foram regulados os termos e as condições relativas à obtenção, a título excepcional, pelos clínicos gerais do grau de especialista em medicina geral e familiar (art.º 1ª).
ee. O art.º 2 do citado diploma legal, preceitua que os clínicos gerais que possuam seis anos de exercício efectivo de prestação de cuidados de saúde globais e continuados inscritos em lista nominativa, poderão a título excepcional obter o referido grau de especialista. Para que tal suceda, será necessário a aprovação de diploma regulamentar do membro do governo responsável pela área da saúde que venha a prever a formação específica extraordinária em serviço que concluída com sucesso, dará lugar à aquisição do grau de especialista em medicina geral e familiar.
ff. Na pendência da presente ação foi aprovado o programa da formação específica extraordinária em exercício em medicina geral e familiar – Portaria n.º 177/2020, de 24.07.
gg. A aprovação deste decreto regulamentar não confere, automaticamente, o grau de especialistas aos recorridos, já que a aprovação do mesmo que viesse a prever a formação específica extraordinária em serviço teria de ser concluída com sucesso para dar lugar à aquisição do grau de especialistas em medicina geral e familiar. Ou seja, os recorridos tinham apenas uma mera expetativa e não uma oportunidade real de concluir com êxito a formação específica.
hh. No que refere à aquisição do grau de especialistas em medicina geral e familiar por parte dos recorridos, está demonstrado nos autos que, ao longo do tempo, tiveram a possibilidade de aproveitar as sucessivas oportunidades de formação e certificação que foram sendo criadas em vários momentos da sua carreira profissional, através dos mecanismos estabelecidos nos Estatutos da Ordem dos Médicos. Mas nada fizeram.
ii. Ou seja, por decisão individual de cada um dos recorridos nunca se candidataram aos ao exame da especialidade da Ordem dos Médicos para inscrição no Colégio da especialidade de Medicina Geral e Familiar, nos termos do respetivo Regulamento Geral dos Colégios das especialidades.
jj. Aliás, e apesar da publicação da almejada Portaria, que consubstancia o pedido dos recorridos na presente ação, já vieram dizer aos autos, que não se candidatam ao procedimento excecional aprovado por aquela norma regulamentar.
kk. O direito ao ressarcimento com fundamento em “perda de chance” depende da avaliação que se faça da probabilidade que o lesado teria de alcançar a vantagem económica final.
ll. Ora, os recorridos poderiam ter obtido o grau de especialistas em medicina geral e familiar, ao longo da sua carreira profissional, mas não o fizeram, pelo que não existe qualquer perda de oportunidade de adquirirem o grau de especialistas em medicina geral e familiar e muito menos em progredir na carreira.
mm. Como se vê, para além da objetiva dificuldade de quantificação da “margem de incerteza” afigura-se que inexiste este grau de probabilidade, sendo os próprios recorridos a reconhecer que não vão concorrer ao procedimento excecional aprovado pela Portaria 177/2020, de 24.07.
nn. Ou seja, está demonstrado que a perda dessa vantagem de obter o grau de especialista não é consequência da omissão de regulamentação, uma vez que os recorridos tinham ao seu alcance meios, que não eram desprezíveis, para alcançar essa vantagem, antes se qualificando como sérios e reais.
oo. Para além disso não bastava a regulamentação para os recorridos obterem o grau de especialidade em medicina geral e familiar. Efetivamente, a aprovação do decreto regulamentar não confere, automaticamente, o grau de especialistas aos AA, ora recorridos, necessário se torna que a formação específica extraordinária seja concluída com êxito.
pp. Não se podendo dizer, como os recorridos o fazem, que a partir de 08 de dezembro de 2015 teriam adquirido o direito ao grau de especialista em medicina geral e familiar e à correspondente retribuição, nem tão pouco com a publicação da portaria n.º 177/2020, de 24 de julho.
qq. Não têm os recorridos direito à peticionada indemnização, correspondente às diferenças retributivas”.
E termina “… deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser declarada nula a sem efeito a sentença proferida a 31.12.2020;
Ou se assim não se entender, ser anulado o despacho interlocutório proferido a 04.11.2020, com todos os legais consequências;
Ou ainda, ser dado provimento ao recurso, por ter a sentença recorrida incorrido em erro na aplicação do direito aos factos, e assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!
*
3. Os AA./Recorridos, AA, BB, CC e DD, apresentaram Contra-alegações, que concluíram do seguinte modo:
a) O Réu, ora Recorrente, não se conformando com a douta sentença proferida, veio interpor recurso, requerendo a nulidade da douta sentença, por – na sua opinião – ter incorrido em nulidade, por excesso de pronúncia, a que se reportam os artigos 615.º, nº 1, d) e nulidade por violação do princípio do pedido, nos termos do disposto o artigo 615.º, nº 1, e), ambos, do CPC;
b) Requerendo, ainda, a anulação o despacho interlocutório proferido a 04/11/2020, com todos os legais consequências, por violação do princípio do dispositivo e do contraditório, por ter concedido o prazo de 10 dias, nos termos do artigo 45.º, n.º 2 do CPTA, ao invés de 30 dias, conforme o disposto 45.º, n.º 3 do CPTA;
c) Ou ainda, ser dado provimento ao recurso, por ter a sentença recorrida incorrido em erro na aplicação do direito aos factos;
d) Com todo o respeito, que é muito, adiante-se, desde já, que se entende não assistir qualquer razão nos argumentos invocados e que fundamentam o recurso, por se entender que a decisão recorrida não é merecedora de nenhuma das críticas que o Recorrente lhe aponta;
e) Ora, desde logo, contrário ao alegado, os Autores, ora Recorridos, em requerimento que antecede o douto despacho interlocutório posto em crise requereram ao douto Tribunal a equitativa fixação judicial da indemnização devida, nos termos do n.º 2 do artigo 45.º do CPTA, e não, como pretende, agora, fazer crer, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º do CPTA;
f) Como consta dos autos, adquirido o reconhecimento e a legitimidade do pedido dos Autores e uma situação de impossibilidade absoluta de satisfazer o pedido, importando prosseguir a acção para uma compensação pecuniária pela perda de utilidade da sentença, o Tribunal convidou as partes a acordarem no montante da indemnização devida no prazo de 30 dias;
g) O Recorrente, recusou, perentoriamente, qualquer hipótese de acórdão ou transação;
h) Em tempo, os Autores, requereram ao douto Tribunal a equitativa fixação judicial da indemnização devida, nos termos do artigo 45.º n.º 2 do CPTA;
i) Fundamentaram o seu pedido de facto e de direito, fundado na “perda de chance” na indemnização que os visa compensar pelo facto de já não ser possível colocá-los na situação que por direito lhe pertencia;
j) O Despacho em crise, porque legal e vinculado nos termos do artigo 45.º n.º 2 do CPTA, não enferma de qualquer vicio, aliás, nem se entende a violação do princípio do contraditório, a decisão não foi surpresa e, ao Recorrente, foram assegurados todos os prazos legais para exercer o seu direito ao contraditório;
k) Porém, sem conceder, salvo douta opinião, a decisão interlocutória em recurso, subsume-se ao disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. d) do CPC, pelo que era, autonomamente recorrível e, como tal, essa decisão transitou em julgado, não pode agora ser apreciada com o recurso da decisão final;
l) Alega o Recorrente que a sentença é nula, por incorrer em excesso de pronúncia, ao apreciar questão não suscitada pelas partes [carreiras médicas desde 1999] pois que os Autores deduziram o pedido, com fundamento no Decreto-Lei n.º 188/2015 de 7 de setembro, tendo a sentença condenado em indemnização, socorrendo-se de um juízo de equidade, desde 1999.
m) Porém, não lhe assiste qualquer razão, foram o coautor que “ab initio” fundamentaram o seu pedido, por omissão legislativa, desde o Decreto-Lei n.º 73/90, de 6 de março, com graves perdas na sua carreira profissional;
n) Aliás, conforme consta da matéria dada como provada e não impugnada, factos provados 1 a 10;
o) Com a qual, este douto Tribunal não deixará de decidir, com base exclusivamente nos factos considerados provados, apartando essa decisão de considerações sem qualquer assento nos factos provados.
p) Como facilmente se constata, a sentença recorrida, ainda que com fundamentação jurídica, parcialmente, diversa da invocada pelos Autores, decidiu a questão que importava conhecer, não tendo ultrapassado o que lhe foi pedido pelas partes e, consequentemente, não incorreu na nulidade, por excesso de pronúncia, a que se reportam os artigos 615.º, n.º 1, d) do CPC;
q) Carece de todo e qualquer fundamento a arguida nulidade por excesso de pronúncia;
r) O juízo de equidade, essencial à determinação do montante indemnizatório, em casos como o dos presentes autos, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito;
s) A douta Sentença recorrida respeitou todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação da realidade;
t) Os limites da condenação contidos no art.º 609.º, n.º 1 do CPC têm de ser entendidos como referidos ao pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra;
u) Não se verifica a nulidade de sentença, por condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, quando o Tribunal, se baseia para a condenação no pedido, ainda que com fundamentação jurídica, parcialmente, diferente, em fundamentos de equidade dentro dos limites que tiver por considerado provados;
v) Assim, também, carece de total fundamento a arguição de nulidade a que se refere o art.º 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, por violação do princípio do pedido;
w) A Sentença aqui colocada em crise, andou bem, a considerar que o dano concretamente sofrido, a culpa do agente, aqui Recorrente, a situação económica do agente e as circunstâncias concretas do caso, bem como atendendo aos casos que mereceram tratamento análogo na mais douta e recente jurisprudência, condenando na justa e equitativa indeminização;
x) O douto Tribunal “a quo” subsumiu corretamente os factos ao direito e não violou qualquer preceito legal ou cometeu qualquer erro de julgamento.
y) Pelo que, bem andou o Meritíssimo Juiz a quo a considerar inequívoco que tal omissão regulamentar impediu os autores de obterem mais cedo o grau de especialista e com isso integrarem as novas carreiras, progredindo nelas;
z) A douta Sentença recorrida não padece, assim, dos vícios que lhe são assacados pelo Recorrente”.
*
4. O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
*
5. Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
*
6. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida, cuja fidelidade e completude não se mostram questionadas em sede recursiva:
1) Os autores são médicos e exercem a sua atividade como clínicos gerais há mais de 20 anos - (Facto Provado por Acordo).
2) AA, prestava serviço 35 h por dia, sendo médico nomeado desde 13 de dezembro de 1999, tendo desempenhado funções inicialmente em regime de avença e contrato a termo, com a remuneração mensal de € 1.356,03, em 2005 -
(Facto Provado por documento, a fls. 12 e ss.).
3) BB, prestava serviço 35 h por dia, tendo desempenhado funções inicialmente em regime de avença e contrato a termo, sendo médico nomeado desde 13 de dezembro de 1999 - (Facto Provado por documento, a fls 12 e ss).
4) CC, prestava serviço 35 h por dia, tendo desempenhado funções inicialmente em regime de avença e contrato a termo, sendo médico com vários contratos de avença e a termo até fevereiro de 2000 - (Facto Provado por documento, a fls 12 e ss).
5) DD, prestava serviço 35 h por dia, tendo desempenhado funções inicialmente em regime de avença e contrato a termo, sendo médico nomeado desde 13 de dezembro de 1999 - (Facto Provado por documento, a fls. 12 e ss.).
6) A 3 de agosto de 1982 foi publicado o Decreto-Lei 310/82 que estabelecia o regime legal das carreiras médicas, sendo ali atribuídas os graus da carreira médica de clínica geral: clínica geral, mediante aprovação no internato geral, assistente de clínica geral, mediante aprovação no internato complementar; e consultor de clínica geral, mediante 5 anos de exercício neste grau e 10 anos na área de clinica geral - (Facto Provado por documento - publicado DR).
7) A 6 de março de 1990 é publicado o Decreto-Lei n.º 73/90, que reformulou o regime legal das carreiras médicas dos serviços e estabelecimentos do SNS, e que aplicou a Diretiva 86/457/CEE, alterada pela Diretiva 2001/19/CEE, que impôs aos Estados-Membros que criassem uma formação específica em medicina geral, mediante aprovação pela Comissão e Avaliação Curricular, após 8 anos de serviço efetivamente prestado - (Facto Provado por documento - publicado DR).
8) A 27 de abril de 1997, foi publicada a Portaria 288/99, que extinguiu o Instituto de Clinica Geral que era o responsável a formação profissional dos médicos da carreira de clinica geral - (Facto Provado por documento - publicado DR.).
9) Em 27 de fevereiro de 2009, é publicada a Lei 12-A/2008, revendo-se a carreira médica - (Facto Provado por documento - publicado DR).
10) A 4 de agosto de 2009 é publicado o DL 177/2009, revogando o DL 73/90, de 6 de março, onde o artigo 31.º determina que “... os clínicos gerais não habilitados com o grau de generalista não transitam para a nova carreira mantendo-se como titulares da categoria subsistente [...]” - (Facto Provado por documento - publicado DR).
11) A 7 de setembro de 2015, é publicado o DL 188/2015, que estabelece os termos e as condições para a obtenção pelos clínicos gerais do grau de especialista em medicina geral e familiar que valoriza a experiência e o percurso profissional detido pelos clínicos gerais - (Facto Provado por documento - publicado DR).
12) A Lei n.º 2/2020, de 31 de março, Lei do Orçamento de Estado para 2020, determina no seu artigo 48.º que “... O Governo publica, no prazo de 60 dias após a entrada em vigor da presente lei, a portaria a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 188/2015, de 7 de setembro, que regula os termos e as condições relativas à obtenção, a título excecional, pelos clínicos gerais, do grau de especialista em medicina geral e familiar, definindo, para esse efeito, a formação específica extraordinária em exercício, necessária para a obtenção do grau de especialista...” - (Facto Provado por documento – publicado DR).
13) A 27 de julho de 2020, é aprovada a Portaria n.º 177/2020, que aprovou o programa de formação específica extraordinária em exercício em medicina geral e familiar - (Facto Provado por documento – publicado DR).

2. MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, delimitando o objecto do recurso, atentas, por um lado, as conclusões das alegações supra transcritas, por outro, as contra alegações e ainda a sentença recorrida, nos seus fundamentos e dispositivo, importa elucidar a posição das partes e objectivar concretamente o dissídio que nos cumpre apreciar decidir e que concatena as seguintes questões:
1 - recurso do despacho interlocutório de 4/11/2020;
2 - sentença de 31/12/2020, na sua bidimensidade, ou seja
2 - a - nulidade, por exceder os limites quantitativos do pedido – art.º 615.º, n.º1, al. a) do Cód. Proc. Civil;
2 – b - erro de julgamento.
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Antes de mais, para melhor se apreender a tramitação processual seguida pelo TAF de Coimbra e assim melhor avaliarmos da correcção/assertividade das decisões judiciais questionadas, importa reter a seguinte factualidade sequencial:
1 – Por omissão legislativa – regulamentar – nos termos previstos no art.º 4.º do Dec. Lei 188/2015, de 7/9, os 4 AA., em 26/11/2019, intentaram a presente acção, onde pediam que fosse julgada e declarada a ilegalidade por omissão de normas, bem como a condenação do Réu/Recorrente na emissão do regulamento em falta, fixando prazo para suprir a omissão e ainda a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia após o términus do prazo fixado para cumprimento da omissão;
2 em 23/6/2020cfr. fls. 89 a 94 do processo físico Doravante a numeração tem por base o processo físico, excepto se expressamente for indicada outra, v.g., do SITAF -, os AA, em sede de réplica (resposta à contestação apresentada), vieram requerer a ampliação do pedido, pedindo a quantia de 24.33,75 € X 4, ou seja, 97 335,00€ e ainda as diferenças salariais até à efectiva regulamentação ou então, a fixação de indemnização, nos termos previstos no art.º 45.º do CPTA, por via de acordo entre as partes;
3em 7/8/2020fls. 103/104 –, o Ministério da Saúde veio dar nota da publicação da Portaria n.º 177/2020, de 24/7 – a regulamentação omitida na sequência do referido Dec. Lei 188/2015, de 7/9 e pedir a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide;
4em 7/9/2020fls. 107 -, os AA vieram requerer o prosseguimento da lide;
5em 17/9/2020 - fls. 110 -111 -, foi proferido despacho, dando assentimento à modificação objectiva da instância – art.º 45.º do CPTA – mais notificando as partes para, no prazo de 30 dias, acordarem no montante da indemnização;
6em 20/10/2020fls. 114 – 118 -, os AA. vieram informar da frustração da tentativa de conciliação, requerendo a fixação judicial do montante indemnizatório, alegadamente, nos termos do disposto no art.º 45.º, n.º2 do CPTA, indicando os valores que entende por adequados, a saber:
- 25.880,75 X 4 = 103.523,00€;
- 12.140,00€, valor correspondente a dispêndio de horas com o processo (50 horas – 535,00 X 4= 2140,00€) e honorários (2.500,00 X 4); e ainda,
- danos não patrimoniais – 20.000,00 X 4 = 80.000,00€,
Ou seja, um total de 195.663,00€.
7em 4/11/2020 - fls. 218 do SITAF -, foi proferido despacho, convidando o Ministério da Saúde a pronunciar-se acerca do requerimento, dito em 6, nos termos previstos no art.º 45.º, n.º2, no prazo de 10 dias – despacho interlocutório recorrido;
8 - em 17/11/2020fls. 121 – 124 -, o Ministério da Saúde veio responder à notificação, dita em 7, referindo que a indemnização deve apenas ter em consideração, não a totalidade dos eventuais danos, mas apenas deverá ser fixada uma indemnização, por perda de oportunidade da reconstituição material, uma compensação pelo facto da a utilidade do processo intentado se ter frustrado;
9 – em 31/12/2020 – fls. 126 –137 – foi proferida sentença e depois de ter calculado os danos no valor de 69.580,00€, com base na equidade (arts. 4.º C.Civil e 566.º, n.º3 do CPCivil), fixou uma indemnização no valor de 240.000,00€ (60.000,00 X 4) - sentença recorrida.
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Atentos estes concretos e objectivos factos processuais, importa agora apreciar e decidir o recurso, subdividido – como vimos – em 2 itens, a saber;
- despacho interlocutório de que notificou o Ministério da Saúde para se pronunciar acerca do requerimento, dito no ponto 5 supra, onde os AA. quantificaram todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, no prazo de 10 dias;
- sentença que fixou, com base na equidade, a indemnização em 240.000,00€ (60.000,00 X 4).
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Quanto ao despacho interlocutórioentendemos, desde já e dando resposta à posição dos AA., vertida nas contra alegações, que este recurso é admissível e tempestivo, apresentado com a sentença final, nos termos previstos no art.º 142.º, n.º 5 do CPTA Art.º 142.º, n.º5 do CPTA – “As decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos de subida imediata previstos no Código de Processo Civil”., não sendo, assim, caso de recurso autónomo, nos termos previstos no art.º 644.º, ns.1, 2, a contrario e 3 do CPCivil.
Quanto ao seu conteúdo, tendo em consideração as críticas recursivas que o R./recorrido lhe imputa, entendemos que, tendo os AA. apresentado um requerimento/proposta de indemnização, alegadamente, nos termos do disposto no n.º2 do art.º 45.º do CPTA, o prazo fixado, de 10 dias, mostra-se conforme a norma processual.
Questão diversa tem a ver com o facto de poder não estar em causa uma indemnização pela perda de oportunidade, de chance, com base no n.º2 do art.º 45.º do CPTA, mas antes a fixação de uma indemnização, alegadamente fixada com base na equidade, nos termos do disposto no art.º 45.º, n.º3 do CPTA e que comporta todos os danos.
Lembremos – antes de mais e para se evitar dúvidas – o que dispõe o art.º 45.º do CPTA, sob a epígrafe Artigo 45.º - Modificação objectiva da instância, na redação em vigor à data da propositura da acção – Dec. Lei 214-G/2015, de 2/10:
1 - Quando se verifique que a pretensão do autor é fundada, mas que à satisfação dos seus interesses obsta, no todo ou em parte, a existência de uma situação de impossibilidade absoluta, ou a entidade demandada demonstre que o cumprimento dos deveres a que seria condenada originaria um excecional prejuízo para o interesse público, o tribunal profere decisão na qual:
a) Reconhece o bem fundado da pretensão do autor;
b) Reconhece a existência da circunstância que obsta, no todo ou em parte, à emissão da pronúncia solicitada;
c) Reconhece o direito do autor a ser indemnizado por esse facto; e
d) Convida as partes a acordarem no montante da indemnização devida no prazo de 30 dias, que pode ser prorrogado até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se dentro daquele prazo.
2 - Na falta do acordo a que se refere a alínea d) do número anterior, o autor pode requerer, no prazo de um mês, a fixação judicial da indemnização devida, mediante a apresentação de articulado devidamente fundamentado, devendo o tribunal, nesse caso, ouvir a outra parte pelo prazo de 10 dias e ordenar as diligências instrutórias que considere necessárias.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, o autor pode optar por pedir a reparação de todos os danos resultantes da atuação ilegítima da entidade demandada, hipótese na qual esta é notificada para contestar o novo pedido no prazo de 30 dias, findo o que a ação segue os subsequentes termos da ação administrativa.
4 - O disposto na alínea d) do n.º 1 e nos n.os 2 e 3 não é aplicável quando o autor já tinha cumulado na ação o pedido de reparação de todos os danos resultantes da atuação ilegítima da entidade demandada, hipótese na qual o tribunal dá ao autor a possibilidade de ampliar o pedido indemnizatório já deduzido, de modo a nele incluir o montante da indemnização adicional que possa ser devida pela ocorrência das situações previstas no n.º 1“ – sublinhado e negrito nossos.
Vejamos!
O art.º 45.º do CPTA prevê uma situação de modificação objetiva da instância, para aquelas situações em que se constate a existência, ainda em sede declarativa, de uma causa legitima de inexecução que obstaria à execução de uma eventual sentença condenatória que viesse a ser proferida.
A indemnização pela inexecução do julgado anulatório, conforme sustenta Mário Aroso de Almeida é uma prestação secundária, substitutiva, que visa “assegurar ao recorrente uma indemnização que, sem cobrir a totalidade dos danos que ele possa ter sofrido, o compense, independentemente da formulação de qualquer juízo de censura sobre a existência de uma eventual responsabilidade subjetiva na criação da situação lesiva, pela perda que para ele resulta da impossibilidade da execução da sentença anulatória”. Existe aqui um “um dever objetivo de indemnizar, fundado na perceção de que, quando as circunstâncias vão ao ponto de nem sequer permitir que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princípio, a anulação lhe deveria proporcionar, não seria justo colocá-lo na total e exclusiva dependência do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjetiva da Administração por factos ilícitos e culposos sem lhe assegurar, em qualquer caso, uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado”. Cfr. Mário Aroso de Almeida, in Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes. 1.º ed. Coimbra: Almedina, 2002, pp. 816, 817 e 821).
Em igual sentido, Vieira de Andrade refere que a indemnização pela inexecução do julgado anulatório “respeita aos danos que decorrem do não cumprimento da sentença e visa compensar o sacrifício do direito do particular reconhecido pelo tribunal ou a perda de oportunidade, não se confundindo com a indemnização por responsabilidade civil decorrente da eventual actuação ilegítima da Administração sentenciada”. Cfr. ANDRADE, José Carlos Vieira de - A Justiça Administrativa, (Lições). 15ª ed. Coimbra: Almedina, 2016, p.376; e Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo. 4.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017, pp.1240 e 1241.
Em suma, a indemnização pela inexecução do julgado anulatório é objetivamente devida sempre que não se possa obter a utilidade que derivaria da execução da sentença (declarativa) que foi proferida, por o cumprimento dessa mesma sentença se mostrar, no caso, já impossível. A indemnização a atribuir visa, pois, compensar o dano que decorre para o autor da impossibilidade de ver cumprida a sentença anulatória, com a perda do direito à reconstituição natural. O dano que se visa ressarcir é encarado como um dano real, objetivo, que resulta da posição jurídica de vantagem que decorria para o autor da decisão que lhe foi favorável e que ficou sacrificada face à impossibilidade de execução do julgado.
Não sendo possível fixar com exatidão o montante dos danos patrimoniais que resultariam da execução da sentença declarativa, a indemnização deve ser fixada com recurso à equidade, tendo como limite máximo os danos invocados pelo requerente – cf. art.º 566.º, n.º 3, do Código
Como decorre do art.º 566.º do CC, o juízo equitativo que cumpre ao Tribunal fazer deve atender à situação concreta, tal como vem provada nos autos e à gravidade dos danos que se reclamam.
Impõem tais artigos, portanto, que seja peticionada pelo autor uma indemnização, por um dado montante, que seja concretamente indicado.
Vigora aqui o princípio do dispositivo, na sua principal manifestação que constitui o princípio do pedido, que faz incumbir à parte interessada a indicação sobre o direito que concretamente quer fazer valer em juízo e os termos - ou limites – em que requer tal direito. No caso, estando em causa um pedido indemnizatório, cumpre à parte formular esse mesmo pedido e quantificá-lo, para que assim se estabeleçam os limites pelos quais a parte delimita os prejuízos que quer ver ressarcidos em Tribunal.
Por outro lado, também por decorrência do princípio do pedido, na decisão que venha a tomar, o Tribunal está limitado ao valor que foi peticionado, não podendo condenar em quantidade superior ao que foi requerido, sob pena de a decisão proferida ser nula – cf. Arts. 95.º, n.º 2, do CPTA, 3.º, n.º 1, 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, ex vi, art.º 1.º do CPTA.
De salientar, ainda, que a adstrição pelo Tribunal ao pedido formulado pela parte lesada visa, igualmente, evitar decisões-surpresa e acautelar a situação da contraparte, garantindo que a esta é dado um estatuto de igualdade e um contraditório efetivo. Ou seja, é com base no que é requerido pela parte lesada que a contraparte apresenta a sua defesa. A contraparte - contra quem é formulado o pedido indemnizatório - responde nos autos atendendo ao direito que se reclama e ao concreto pedido que aí se formula e é nessa mesma medida que exerce o seu direito de defesa.
Consequentemente, os direitos de defesa e ao contraditório só ficam acautelados quando o Tribunal não extravasa o que vem discutido e pedido. Logo, não pode o Tribunal deixar de exercitar devidamente os princípios da igualdade das partes e do contraditório e condenar para além do pedido ou em quantidade superior ao que foi peticionado.
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No caso concreto dos autos, ultrapassada a verificação dos requisitos previstos no n.º1 do art.º 45.º do CPTA --- verificação não questionada --- dando-se como seguro a inexistência de acordo entre as partes para fixação de uma indemnização, pela inexecução da sentença, os AA. através do requerimento apresentado em 20/10/2020, vieram pedir a totalidade dos danos que entendiam ser-lhes devida, quer a título patrimonial [25.880,75 X 4 = 103.523,00€; 12.140,00€, valor correspondente a dispêndio de horas com o processo (50 horas – 535,00 X 4= 2.140,00€) e honorários (2.500,00 X 4], quer ainda a título de danos não patrimoniais (20.000,00 X 4 = 80.000,00€), ou seja um total de 195.663,00€.
Ora, perante este concreto requerimento, até pela justificação contabilística apresentada (embora diversa e porventura menos ambiciosa do que aquela que a sentença encontrou) e também pelo pedidos de indemnização pelos danos não patrimoniais, temos de concluir que o requerimento em causa corresponde ao previsto no n.º3 do art.º 45.º do CPTA, pelo que, em consonância, deveria ter sido, efectivamente, dada a oportunidade ao R./Recorrido de apresentar contestação, no prazo de 30 dias e não os indicados 10 dias, sendo certo que o requerimento apresentado pelos AA., reclamando todos os danos a que entendem ter direito, mais corresponde a uma nova petição, totalmente diversa da inicialmente apresentada, para o que assim dispunham de 30 dias.
A igualdade das partes e o princípio do contraditório assim o impõem.
Naturalmente que o R./recorrido acabou por dar resposta no prazo curto (10 dias) concedido, mas tinha efectivo direito a um prazo de 30 dias e que reclama nesta sede recursiva.
Mas acresce que focando nós o requerimento dos AA. no n.º3 do art.º 45.º do CPTA – que não o n.º2 – além do prazo de contestação acrescido, a norma impõe que, apresentada a resposta/contestação do R./Recorrido, “… findo o que a ação segue os subsequentes termos da ação administrativa”.
Ou seja, após a apresentação da contestação, deve seguir-se a tramitação processualmente prevista para a acção administrativa, nomeadamente, se necessário, fixar os temas da prova, instrução, alegações de direito…
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Porque o despacho recorrido não obedeceu aos trâmites legalmente previstos, porque – repetimos – os AA. optaram efectivamente por pedir a totalidade dos danos a que entendem ter direito, não poderia a sentença basear-se na previsão do n.º2 e fixar uma indemnização nessa base, olvidando todos os danos reclamados, mormente, os danos não patrimoniais.
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Tudo visto e ponderado, importa dar provimento ao recurso quanto ao despacho interlocutório, devendo, em consequência, normalizando a tramitação processual, de acordo com o correcto entendimento do requerimento/petição dos AA., apresentada em 20/10/2022, notificar o R./Recorrido para contestar, no prazo de 30 dias, seguindo-se os termos da acção administrativa, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento de todas as demais questões, nomeadamente, da sentença de 31/12/2020.


III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para os fins supra referidos.
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Custas pelos AA.
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Notifique-se.
DN.

Porto, 24 de Março de 2023

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho