Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01091/10.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/02/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRECTA VERSUS AVALIAÇÃO DIRECTA; PRESSUPOSTOS;
ÓNUS DA PROVA; IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DIRECTA DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL;
RELAÇÕES ESPECIAIS;
Sumário:I – O recurso à aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável é subsidiário em relação à avaliação directa, reflectindo o respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real.

II – A escolha de uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção arbitrária da AT: ou se verificam condições para a avaliação directa ou, não existindo, é possível recorrer à avaliação indirecta.

III - Não é qualquer omissão, erro ou inexactidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação directa, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.

IV - Para que o tribunal julgue procedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, formulado em impugnação judicial (cfr. artigo 53.º da LGT e artigo 171.º do CPPT), não se impõe que o impugnante aí faça prova dos custos suportados com a garantia (prejuízo sofrido), podendo o apuramento do respectivo montante ser relegado para execução de sentença (cfr. artigo 609.º, n.º 2, do CPC).*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«X, Lda.», pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua Y, no Porto, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 17/10/2021, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC, referente ao exercício de 2005, que teve subjacente a aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributável, no montante de €31.272,70.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
a) O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente e, consequentemente, manteve os actos de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas referente ao ano de 2005, no valor de € 31.272,60 (trinta e um mil, duzentos e setenta e dois euros e sessenta cêntimos).
b) No que concerne à matéria de facto, considera a recorrente que a matéria de facto provada sob as alíneas J) e L) impunham decisão diversa da proferida e que se impunha que a matéria de facto não provada descrita sob as alíneas 1) a 7) se considerasse provada, em virtude do meio probatório constante no direito de audição que foi amplamente discutido na comissão de revisão que deu origem à impugnação em causa nos autos.
c) E, no que concerne à matéria de direito, considera a recorrente que não se encontram verificados os pressupostos para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos e, ainda, que inexiste a possibilidade de a eles recorrer nas situações de “relações especiais” existentes nos presentes autos entre a recorrente e as seguintes sociedades: "B, S.A.».; «C, Ld.ª»; «D, Lda.»; «E, Lda»; «F, Lda.»; «G, Lda.» e «H, S.A.»..
d) Encontrando-se assim a sentença proferida pelo Tribunal a quo em clara violação do disposto nos artigos 77.º, n.º 4, 87.º, 88.º da Lei Geral Tributária (doravante designada LGT) e do artigo 58.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas (doravante designado CIRC).
e) Mais considera a recorrente que a Autoridade Tributária quantificou erradamente a matéria tributável, pelo que se impunha decisão que concluísse pela censura da correcção operada ao lucro tributável da recorrente, sob pena de violação do artigo 74.º, n.º 3 da LGT.
f) Por fim, considera a recorrente que a sentença proferida viola o artigo 77.º, n.º 1 da LGT uma vez que da documentação constante dos autos se conclui pela falta de fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão da matéria tributável.
g) E, consequentemente, considera a recorrente que deveria a sentença proferida ter condenado a Autoridade Tributária no pagamento dos encargos suportados pela recorrente com a prestação da garantia bancária para suspender a execução fiscal instaurada, nos termos do disposto no artigo 53.º da LGT.
h) A testemunha «AA», depôs de forma isenta e coerente, explicando ao Tribunal que as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária estavam desfasadas da realidade e que não seria admissível proceder à correcção do lucro por métodos indirectos pela existência das indicadas relações especiais.
i) E, pese embora não tenha, em sede de depoimento, concretizados os valores com aderência à realidade, facto é que tais valores resultam da audição em sede de audiência prévia e de reunião em sede de comissão de revisão, conforme pelo mesmo confirmado.
j) Com efeito, e conforme transcrito na sentença proferida pelo Tribunal a quo, a recorrente juntou aos autos informação sobre o preço corrente de mercado para os serviços de contabilidade que o Dr. «AA» prestou às sociedades com as quais a recorrente detém relações especiais.
k) Aliás, a recorrente disponibilizou à Autoridade Tributária todos os elementos que possibilitavam a correcta e real quantificação da matéria tributável.
l) Assim, considera a recorrente que a matéria de facto provada sob as alíneas J) e L) impunha decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que a execução da contabilidade das sociedades relacionadas, que se resumia praticamente à questão do arrendamento do espaço e, ainda à guarda das 3 ou 4 pastas da contabilidade das sociedades relacionadas, não deveria concluir pelo valor do acto de liquidação em causa nos autos.
m) Acresce que, considera a recorrente que existem nos autos prova dos valores reais do mercado.
n) Prova essa carreada pela recorrente em sede de comissão de revisão e que em muito releva para a alteração da matéria de facto aqui peticionada.
o) Pelo que considera a recorrente que se verifica na sentença de que se recorre um erro de apreciação de prova por não ter valorizado a informação prestada pela recorrente, resultante do procedimento de revisão, e que se encontra junta ao processo administrativo (doravante designado PA), onde se verifica que esta disponibilizou os elementos necessários ao apuramento dos valores de mercado e que, por tal, não haveria razões para a utilização de métodos indirectos – vide acta de Reunião de Peritos, n° 114, de 27.10.2009.
p) Mais, prevê o artigo 81.º, n.º 1 da LGT que a matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a Autoridade Tributária proceder a uma avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei, ou seja, existe uma preferência absoluta pela avaliação directa, só devendo recorrer-se à avaliação indirecta nas situações tipificadas no artigo 87.º da LGT.
q) Por sua vez, o artigo 87.º da LGT prevê que a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
r) Ora, cabia à Administração Tributária ter demonstrado a verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, o que não logrou fazer.
s) A Sr.ª Inspectora terá até reconhecido que nunca tinha visto uma empresa que tivesse apresentado toda a documentação e toda a estrutura contabilística e administrativa da forma como como foi apresentada.
t) Os métodos indiciários, porque representam a ultima ratio ao serviço da Administração Fiscal, no uso dos poderes-deveres que lhe são legalmente conferidos, fundam-se na convicção da realização de proveitos cujos montantes terão sido sonegados aos elementos de escrita, com o propósito de declarar base tributável desvirtuada da realidade, de cuja erosão censurável possa resultar menor carga de imposto na esfera jurídico/patrimonial dos obrigados tributários.
u) No entanto, toda a postura demonstrada pela recorrente foi e é demonstradora da veracidade e boa-fé das suas declarações.
v) Quisesse a recorrente esconder a contabilidade e não teria entregue todas as pastas à Autoridade Tributária nem demonstrado a realidade contabilística e administrativa na comissão de revisão.
w) Situação em que se justificaria efectivamente a utilização dos métodos indirectos.
x) Mas, à contrario, a recorrente colaborou e explicou à Autoridade Tributária (bem como ao Tribunal) toda a realidade contabilística e administrativa da recorrente e das sociedades que detinham relações especiais com esta.
y) Ou seja, não se verifica o requisito previsto na alínea b) do artigo 88.º da LGT, uma vez que a recorrente não se recusou a exibir a contabilidade e demais documentos legalmente exigidos pela Autoridade Tributária.
z) Mais, não existe qualquer acto simulador da realidade perante a Administração Tributária nem existe uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.
aa) A recorrente não inviabilizou o apuramento da matéria tributável: disponibilizou os dossiers contabilísticos e administrativos e ainda tentou demonstrar a realidade dos factos em sede de comissão de revisão, totalmente desconsiderada quer pela Autoridade Tributária, quer pelo Tribunal a quo.
bb) A Autoridade Tributária não considerou a documentação disponibilizada nem a realidade dos factos e decidiu, infundadamente, utilizar os métodos indirectos.
cc) Razões que levam a recorrente a impugnar a decisão proferida, uma vez que se impõe decisão diversa que julgue não verificados os pressupostos para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, especialmente na situação sub judice, de relação especial com as demais sociedades já identificadas.
dd) Acresce que, tendo presente o conteúdo do Relatório das Conclusões, a Inspecção Tributária efectuou a correcção por métodos indiciários, baseado num rácio de geometria variável correspondente ao termo médio de 2 rácios de rentabilidade das duas actividades prosseguidas pela Recorrente, em cujas operações se concluiu que esta actuou em regime de "relações especiais".
ee) Está-se concretamente a falar do rácio R18, (1,57 e 1,69) extraído da base de dados da DGCI, — reportado ao Distrito do Porto — das actividades exercidas pela recorrente (arrendamento de bens imobiliários e outras actividades de consultoria p/negócios e gestão), rácio este, construído com base na fórmula matemática (Rendimento do Pessoal = Volume de Negócios/Custos com o Pessoal).
ff) Tal rácio, atenta a moldura conceptual e a vertente teleológica que se divisa no âmbito do regime dos preços de transferência, não é susceptível de prosperar na relação jurídico-tributária, aqui escrutinada, como instrumento de mensuração da capacidade contributiva da recorrente, pela óbvia razão de não constituir per se um "preço de plena concorrência".
gg) Trata-se, como é bom de ver, de um rácio cego, genérico, empírico, e perfunctório e, por conseguinte, inapto a ser erigido a elemento fundamentador da aplicação do regime das "relações especiais", conforme se retira do artigo 77° da LGT e da Portaria n° 1446-C/2001, de 21/12.
hh) Para alcançar o desiderato quântico acalentado, a Autoridade Tributária apoiou-se na média aritmética simples dos valores mais baixos do rácio R18, (1,57 e 1,69) fornecido pela base de dados da DGCI, — da unidade orgânica — reportado às actividades exercidas pela recorrente (arrendamento de bens imobiliários e outras actividades de consultoria p/negócios e gestão), rácio este, construído com base na fórmula matemática (Rendimento do Pessoal = Volume de Negócios/Custos com o Pessoal).
ii) Se porventura a Recorrente se conformasse com o veredicto avançado pela inspecção, tais omissões de serviços prestados, representariam, em termos médios/anuais, por cada empresa supostamente beneficiada com os serviços de contabilidade e dos funcionários afectos ao quadro de pessoal, cerca de € 25.700,00 e € 29.600,00, ano.
jj) Em termos mensais, a facturação alegadamente omitida, representaria cerca de €2.200,00 e €2.500,00.
kk) O que é manifestamente surrealista, porquanto contende com os preços correntes de mercado que vigoram no sector, (ainda hoje, 2021) particularmente agravado com o desconhecimento de aspectos de seguida recortados, que, de todo, não podem ser subestimados.
ll) Da documentação carreada pela recorrente para o processo administrativo, resultaria uma estimativa de volume de negócios, na ordem dos € 16.800,00, em oposição diametral aos valores fixados pela Autoridade Tributária, o que fala por si dos motivos por que recorrente concluiu pela sua intransigência e veemente disposição de resolver o conflito mesmo que subindo às mais elevadas instâncias.
mm) Quanto à problemática dos preços alvitrados pela recorrente e aqui, de novo recorrendos, a inspecção labora em preterição de formalidades essenciais, ao endossar para o obrigado tributário, a carga probatória da efectividade dos preços dos serviços que foram avançados e supra mencionados.
nn) De facto, a inspecção, fez letra morta do dever de fundamentação que incontornavelmente sobre si impende, como se vê do artigo 77°/°3, alíneas a), b) e c) da LGT, mesmo em se tratando, como é o caso, de aplicação infundada do regime da tributação indirecta de bases.
oo) Desde logo, a inspecção conferiu uma importância desmedida à simples circunstância da recorrente conservar em arquivo no seu escritório as pastas que constituem o suporte documental das contabilidades reportadas a algumas empresas do grupo.
pp) Fazendo apelo ao critério do senso comum e atento o princípio da proporcionalidade da utilidade económica colocada à disposição dos destinatários, é indubitável que esta é comprovadamente escassa, até mesmo irrisória.
qq) O facto das sedes das empresas do grupo (excepto a da "B, S.A.») serem alocadas às salas: N°5 (Magalhães e Magalhães); N°4 («D, Lda.»); («F, Lda.»), («G, Lda.») e N°3 («H, S.A.»), não significa que se tenha verificado a celebração de qualquer contrato de comodato, ainda que tácito, com as empresas supracitadas.
rr) E tampouco a usufruição de qualquer benefício económico por parte destas empresas, porquanto, no limite, a sede social poderia muito bem ser associada a um simples apartado de correio.
ss) De facto, estando em causa a prestação de serviços gratuita, perfeitamente incompatível com o princípio da plena concorrência, impunha-se, portanto, a introdução duma correcção directa, ao abrigo do regime de preços de transferência.
tt) Mais se diga que, conforme resulta do laudo exarado à margem da acta que resultou da conferência de revisão, o subscritor delegado pelo Director de Finanças, reiterou estarem preenchidos os pressupostos necessários à aplicação da metodologia indiciária.
uu) E o mesmo ratificou em relação à metodologia adoptada pela inspecção, no que concerne à quantificação da matéria colectável, quando esta operou com um critério cientifico/técnico que viola a norma substantiva que se acolhe no artigo 90º da LGT.
vv) Efectuada esta recapitulação dos "fundamentos" da improcedência do Pedido de Revisão, salta flagrantemente à vista, que o prudente juízo que deveria ter presidido à ponderação das posições externadas por ambos os peritos, é completamente inexistente.
ww) Do que só pode resultar a anulabilidade do acto tributário, em virtude da resolução tomada pelo dito órgão decidente, nos termos do n° 6 do artigo 92° da LGT, enfermar de preterição de formalidades legais essenciais, sob a forma de falta de fundamentação, a fortiori agravada pelo facto de ter violado o disposto no artigo 91º, 14 da LGT ao subtrair-se ao dever vinculado de discutir a justeza dos métodos indirectos.
xx) Quanto à incorrecta fundamentação jurídica que tal entendimento encerra, a recorrente profusamente aduziu argumentos convincentes, designadamente nas declarações prestadas pelo seu contabilista.
yy) Sucede porém, que, não obstante o sujeito passivo ter diligenciado pela exibição de provas documentais apontando para preços consentâneos com os que vigoram no sector, a título de avenças pela prestação de serviços de contabilidade, o certo é que o perito da Autoridade Tributária, subestimou tal diligência, omitindo-a mesmo do laudo.
zz) De facto, compulsada acta da reunião de peritos, n° 114, de 27.10.2009, constata-se que o perito da Autoridade Tributária lavrou no dito documento que a recorrente não fez prova do excesso da respectiva quantificação como lhe competia (cfr n°3 do artigo 74° da LGT).
aaa) Estas declarações não correspondem de todo à verdade, roçando manifestamente má-fé.
bbb) Ao invés do alegado, o perito da recorrente levou à reunião de peritos, declaração investida de virtualidade bastante para provocar a revisão de todo o processo de quantificação do volume de negócios, mesmo que utilizando ilicitamente a metodologia indiciária.
ccc) É que o documento exibido tem o condão de desmistificar o quão, permita-se, “disparatado” foi o processo de quantificação do valor tributário, já que dava a conhecer os preços de mercado de concorrência perfeita, em vigor no sector.
ddd) Sendo assim, a decisão de indeferimento do pedido de revisão, apresenta-se eivada de preterição de formalidade essencial, por omissão de pronúncia no que aos “factos novos" trazidos ao procedimento respeita, qualificados relevantes para a busca do Lucro Real ou efectivo, com a circunstância agravante de ter violado o artigo 90º da LGT.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência ser a sentença proferida revogada e substituída por decisão que:
a) considere provados os factos constantes das alíneas 1) a 7);
b) julgue não verificados os pressupostos para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos e, por tal, julgue verificada a impossibilidade de a eles recorrer nas situações de “relações especiais”;
c) julgue verificado o erro na quantificação da matéria tributável;
d) julgue verificada a falta de fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão da matéria tributável;
e) consequentemente condene a Autoridade Tributária no pagamento dos encargos suportados com a prestação da garantia bancária para suspender a execução fiscal instaurada.
Tudo com as ulteriores consequências legais.
Assim se fazendo Justiça!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, quanto aos pressupostos para recurso aos métodos indirectos e no que respeita à fixação e quantificação da matéria tributável.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
1. FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Impugnante encontra-se coletada pela atividade de compra e venda de bens imobiliários, CAE 68100, estando enquadrada em sede de IRC, no exercício de 2005, no regime simplificado de tributação – cfr. fls. 64 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
B) A Impugnante foi alvo de uma ação inspetiva externa levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ..., efetuada a coberto da ordem de serviço n.º ...96, de âmbito parcial (IRC e IVA) e com incidência temporal sobre os anos de 2004, 2005 e 2006, da qual resultou, além do mais, uma correção à matéria tributável de IRC do exercício de 2005, com recurso a métodos indiretos, no montante de € 80 951,51 – cfr. relatório de inspeção tributária, a fls. 59 a 87 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) A correção mencionada na alínea antecedente apresenta a seguinte fundamentação (cfr. fls. 59 a 87 do PA apenso aos autos):
«(…)
II – OBJECTIVOS, ÂMBITO, E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
(…)
C.5) TOC
Da consulta à base de dados da D.G.I, verifica-se que o Técnico de Contas da empresa é «AA» (…), constando do quadro de pessoal da empresa.
Sendo também técnico oficial de contas dos seguintes contribuintes:
· "B, S.A.». (…)
· Magalhães e Magalhães Lda (…)
· «D, Lda.» (…)
· «E, Lda» (…)
· «F, Lda.» (…)
· «G, Lda.» (…)
· «H, S.A.» (…)

Empresas relacionadas, e da consulta à declaração modelo 3 de IRS entregue pelo TOC nos exercícios em análise, constata-se que a totalidade dos rendimentos por si declarados foram pagos pelo sujeito passivo objecto da presente acção inspectiva.
C.6) Relações dos Sócios com Outras Sociedades
Relativamente às empresas que têm o mesmo técnico de contas da «X, Lda.», solicitamos um pedido de elementos à Conservatória do Registo Comercial ..., para que nos remetesse fotocópia a título informativo de todos os registos e averbamentos efectuados na Conservatória relativamente a cada uma delas, de forma a verificarmos quais os sócios/administradores comuns com o sujeito passivo, e a respectiva sede:
(…)
O sujeito passivo encontra-se em relações especiais com todas as referidas empresas nos termos do disposto no nº 3 do 58.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).
(…)
IV – MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
A) ANÁLISES E CONTROLOS EFECTUADOS
A.1) Elementos de Escrita
O sujeito passivo está obrigado a possuir contabilidade regularmente organizada, nos termos do disposto no artigo 115.º do Código do IRC, tendo sido notificado no dia 28 de Outubro de 2008, para a sua apresentação na morada da sede da empresa, no dia 18 de Novembro de 2008, pelas 10 horas. Na data e local indicados foram disponibilizados os elementos contabilísticos do sujeito passivo.
A.2) Actividade Efectivamente Exercida
O sujeito passivo iniciou a sua actividade em 1990-03-01, estando enquadrado quer para efeitos de IVA quer de IRC, pelo exercício da actividade de Compra e Venda de Bens Imobiliários, código CAE 68100 (…).
Mas da análise aos elementos de escrita verificámos que apenas no ano de 2004 efectuou uma compra e uma venda de imóveis, tendo no ano de 2004 também exercido a actividade de administração e exploração de imóveis próprios e de serviços de consultoria, actividade efectivamente exercida nos anos de 2005 e 2006, serviços que também foram prestados para as empresas que se encontram em relações especiais com o sujeito passivo.
(…)
Confirmando-se que a principal actividade do sujeito passivo consiste nos serviços de Consultoria para os Negócios e Gestão (CAE 70220) registados na contabilidade na conta de Proveitos Suplementares, e que a actividade secundária consiste no arrendamento de imóveis (CAE 68200), encontrando-se as respectivas rendas registadas na contabilidade na conta de Proveitos e Ganhos Financeiros, pelo que, a análise do seu volume de negócios passará também pela inclusão daquelas duas rubricas.
(…)
A.5) Demonstração de Resultados Comparada
Os valores declarados para efeitos de IRC correspondem aos valores contabilizados (…)
Valores que evidenciam resultados negativos de elevado montante, e que resultam do elevado peso dos custos, designadamente dos custos com o pessoal, que são muito superiores à totalidade dos proveitos obtidos, o que indicia desde logo omissão de proveitos.
(…)
A.6) Custos com o Pessoal
Os custos com o pessoal nos três exercícios são superiores aos proveitos.
Tal nível de custos justifica-se pelo facto da estrutura administrativa da empresa ser partilhada pelas outras empresas identificadas no ponto C.6) do Capítulo II, o que se confirma desde logo pelo facto do técnico de contas ser comum a estas empresas, e apenas auferir rendimentos pagos pelo sujeito passivo, bem como, pelo facto de no escritório em que é efectuada a contabilidade do sujeito passivo, se encontrarem arquivadas as pastas relativas às várias empresas anteriormente identificadas.
Do quadro de pessoal fazem parte os seguintes funcionários, por categorias:
Nome Categoria
«BB» Sócia-gerente
«CC» Sócia-Gerente
«AA» Técnico Oficial de Contas
«DD» Técnica Contabilidade
«EE» Secretária
«FF» Consultor
«GG» 2ª Escriturária
«HH» Ass Dir Comercial
Não obstante tal situação, e com excepção de débitos efectuados pelo sujeito passivo à empresa “"B, S.A.».”, pela cedência da funcionária “«II»” em 2004, num total de € 9.973,49, e relevados na conta 7381, não foram facturados outros valores pelas prestações de serviços às referidas empresas.
A.7) Utilização Das Instalações Por Parte De Outras Empresas
Da visita efectuada às instalações da sede do sujeito passivo, designada como sala 4 do 1.º andar do n.º 138 da Rua Y, no ..., constatamos que, nesse mesmo piso existem outras salas (sala 1, 2, 3 e 5), também elas propriedade da empresa (…).
O tratamento contabilístico dado pelo sujeito passivo a cada uma destas salas (escritórios) é distinto: enquanto que a sala 4 se encontra registada no imobilizado corpóreo da empresa, as restantes salas estão registadas como investimentos financeiros.
Refira-se ainda, que na entrada do edifício situado na Rua Y, existem cinco caixas de correio com as designações de «X, Lda.», «C, Ld.ª», “«F, Lda.»”, «H, S.A.» e “"B, S.A.».”.
Será também de considerar que das empresas identificadas no ponto C.6) do Capítulo II, várias são aquelas que têm a sua sede na mesma morada (na mesma sala ou em salas distintas), senão vejamos:
· «C, Ld.ª» – Sede: Rua Y
· «D, Lda.» – Sede: Rua Y
· «F, Lda.» – Sede: Rua Y
· «G, Lda.» – Sede: Rua Y
· «H, S.A.» – Sede: Rua Y
(…)
Do exposto fica comprovado, que das empresas identificadas no ponto C.6) do Capítulo II, a generalidade utiliza instalações que são propriedade do sujeito passivo, não se encontrando registado qualquer valor devido pela sua utilização, com excepção da empresa «E, Lda» para a qual encontra-se contabilizado em proveitos o valor mensal de € 748,20, até Janeiro de 2006, (…) que respeita à utilização da loja n.º 3 do n.º ... da Rua Z.
Apesar de não se encontrar contabilizado qualquer proveito relativamente à cedência de utilização dos referidos imóveis, com excepção do valor atrás referido, encontram-se registados na contabilidade diversos encargos suportados com as referidas salas (…).
(…)
A.8) Custos Associados a Outros Imóveis
Na conta 622110202 – “Electricidade – C/ IVA não dedutível – Outros Imóveis – ...” encontram-se registadas facturas de aquisição de energia eléctrica, relativas a dois locais de consumo: “Rua X ... ...” e “Rua X ... ...”, consumos que evidenciam uma utilização normal dos imóveis.
Imóveis que são propriedade da empresa, encontrando-se contabilizados na conta 41 – Investimentos Financeiros, sendo que também não se encontra contabilizado qualquer proveito relativo à cedência do uso dos imóveis em causa.
Encontram-se ainda contabilizados nas contas 6222320201 – Seguros - Habitação - Apólice ...85 e ...02 – Seguros - Habitação - Apólice ...88, vários recibos relativos às apólices de seguro dos imóveis em causa, cujo objecto seguro são prédios/recheio habitação, a que corresponde como local de risco ... – ... - ..., sendo que o capital seguro é de € 617.310,00 e € 208.940,00, respectivamente, não se encontrando debitado qualquer valor pela cedência da utilização dos imóveis em causa.
A.9) Outros Custos de Exploração
Para além dos custos já referidos encontram-se ainda contabilizados outros custos nos seguintes montantes:
(…)
Custos de valor desajustado aos valores facturados pela empresa, tendo apenas sido debitado à «F, Lda.», o valor relativo ao seguro de doença num total de € 3.533,14 em 2004 e de € 2.735,89 em 2005.
A.10) Custos Financeiros
Da análise à conta de Custos e Perdas Financeiras verifica-se que o sujeito passivo incorreu nos seguintes encargos com empréstimos bancários:
(…)
Também o nível de custos financeiros se mostra desajustado face ao volume de actividade declarado.
A.11) Proveitos
No exercício de 2005 encontram-se registados os seguintes proveitos:
· Prestações de Serviços - € 2.971,21 – referem-se a débitos de valores suportados a título de seguros (seguro de doença e seguro contrato permuta) e debitados às outras empresas («F, Lda.», «E, Lda» e «H»)
· Proveitos Suplementares - € 98.208,40 – inclui uma factura mensal de consultadoria de Gestão, emitida para a empresa «E, Lda», e uma única factura de € 89.230,00 emitida para a empresa «Y, SARL» (…).
· Proveitos e Ganhos Financeiros - € 35.789,16 – refere-se a rendas das fracções que abaixo se indicam com o tipo de afectação “Arrendamento”:
(…)
A.12) Recolha de Elementos Junto de Empresas do Grupo
Dos factos descritos ficou comprovado que não foram debitados os valores relativos à cedência do uso das instalações da «X, Lda.», bem como os relativos a consultoria e outros serviços administrativos, pelo que foram efectuadas acções de recolha de elementos das empresas “«G, Lda.» (…)” e “«F, Lda.» (…)”, tendo-se concluído que:
· Ambas utilizam as instalações que são propriedade da «X, Lda.» e que não se encontra contabilizado qualquer custo relativo à sua utilização;
· Não possuem pessoal administrativo sendo os serviços administrativos assegurados pelo pessoal da «X, Lda.» designadamente o técnico de contas (…).
A. 13) Pressupostos para Aplicação de Métodos Indirectos
Face aos factos descritos nos pontos anteriores, ficou comprovada a omissão de proveitos relativos a serviços de consultoria, administrativos e de uso de instalações prestados às empresas com as quais se encontra em relações especiais, de harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 58º do CIRC, e por insuficiência de elementos é impossível determinar de forma directa e exacta o seu montante e consequentemente a matéria tributável de IRC e IVA, encontrando-se reunidos os pressupostos para aplicação de métodos indirectos de tributação para os exercícios de 2005 e 2006, de acordo com a alínea a) do art. 88.º e alínea b) do art. 87.º da Lei Geral Tributária (LGT), e ainda conforme o previsto nos artigos 52.º a 54.º do CIRC, 84.º do CIVA (actual 90.º) e tendo-se em conta o disposto no art. 90.º da LGT.
V – CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
A) CRITÉRIOS UTILIZADOS
A.1) Determinação do Volume de Negócios
Nos anos de 2005 e 2006 o sujeito passivo exerceu as seguintes actividades:
- Arrendamento de Bens Imobiliários – CAE 68200
- Outras Actividades de Consultoria para Negócios e Gestão – CAE 70220
E, atendendo ainda a que os serviços prestados omitidos se referem a prestações de serviços a empresas com as quais o sujeito passivo se encontra em relações especiais, deverá atender-se ao disposto no artigo 58º do CIRC, nomeadamente ao seu nº 1 “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com as quais esteja em relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.
Pelo que para a determinação do volume de negócios utilizámos o indicador “Rendimento do Pessoal” que corresponde ao R18 (Rendimento do Pessoal = Volume de Negócios (VN) / Custos com o Pessoal) da unidade orgânica do Porto, relativo aos dois sectores de actividade exercidos, e que para os anos de 2005 e 2006, apresenta os seguintes valores:
CAER18 - 2005
Média 1.º Quartil Mediana 3.º Quartil
68200 – Arrendamento de Bens Imobiliários5,242,083,8810,21
70220 – Outras Actividades de Consultoria p/ Negócios e Gestão2,201,062,062,83
(…)
E, dado que se trata de um misto de actividades, considerámos a média simples dos valores mais baixos dos referidos sectores, que são os correspondentes ao 1º quartil, em 2005: (2,08 + 1,06) / 2 = 1,57 (…).
Assim, o volume de negócios atinge os seguintes montantes:
20052006
Custos c/ Pessoal (1) 201.822,30 € 190.759,93 €
R18 (2) 1,57 1,69
VN presumido (3)=(1)*(2) 316.861,01 € 322.384,28 €
A.2) Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)
A.2.1) Acréscimo de Proveitos
O acréscimo de proveitos corresponde à diferença entre o volume de negócios apurado com recurso a métodos indirectos e o valor contabilizado, incluindo-se neste para além das Prestações de Serviços registadas na conta de Prestação de Serviços, o valor de Proveitos Suplementares e de Proveitos e Ganhos Financeiros (subconta Rendimentos de Imóveis), por terem sido nestas contas indevidamente contabilizados, os valores relativos aos serviços de consultoria e rendas, respectivamente.
O acréscimo de Proveitos (correcções) atinge os seguintes montantes, por exercício:
Exercício VN Presumido (1) VN Declarado (2) Correcções (3)=(1)-(2
2005 316.861,01 € 136.968,77 € 179.892,24 €
2006 322.384,28 € 30.782,84 € 291.601,44 €
Total 639.245,29 € 167.751,61 € 471.493,68 €
A.2.2) Determinação Do Lucro Tributável
A.2.2.1) Ano de 2005
No exercício de 2005, o sujeito passivo encontrava-se enquadrado no regime simplificado, obtendo-se por isso o lucro tributável pela aplicação dos coeficientes previstos no n.º 4 do artigo 53.º do CIRC, de 0,20 e 0,45, aos valores das vendas de mercadorias e dos restantes proveitos, respectivamente.
Assim vem que:
Lucro Tributável Corrigido
Proveitos:
Prestações de Serviços 316.861,01 €
Restantes Proveitos 5.612,78 €
Coeficiente (artigo 53.º, n.º 4 do CIRC) 0,45
Lucro Tributável 145.113,20 €
Consequentemente será efectuada uma correcção ao lucro tributável declarado pelo sujeito passivo de € 80.951,51 (€ 145.113,20 - € 64.161,69).
Considerando que no exercício de 2005 o sujeito passivo havia deduzido prejuízos fiscais no total de € 57.911,69, e que tal não se mostra agora admissível, atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 47.º do CIRC, a correcção total à matéria colectável é de € 138.863,20 (€ 80.951,51 + € 57.911,69).
(…)
IX – DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo foi notificado do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária (…) para exercício do direito de audição no prazo de 15 dias (…).
Em 2009-07-16 deu entrada nesta Direcção de Finanças o direito de audição, que se junta como documento 1 (…) em que resumidamente são expostos os seguintes argumentos:
1. O sujeito passivo confirma (ponto 6) a existência de relações especiais com as empresas mencionadas no ponto C.6) do Capítulo II do Projecto de Relatório, mas o “estatuto de relações especiais, não o será, porém, com a densidade e intensidade significantes que a Inspecção propugna”.
2. Concorda também (ponto 12 e 13) que os serviços prestados pelo TOC («AA») “enquanto assinante das declarações apresentadas ao fisco e pela outorga da fidelidade e sinceridade das contas, deveriam ter sido correlativamente remunerados, em nome da sua entidade patronal” e “o certo é que esta empresa acabou por incumprir os seus deveres de actuação, no que à intervenção do TOC respeita, acabando assim por incorrer em subtracção de proveitos à escrita e às declarações fiscais”.
3. Por tal motivo, não levanta objecções ao recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, porquanto “a aplicação dos Métodos Indirectos seria a consequência lógica em termos de sancionamento do dito incumprimento dos deveres de boa prática tributária” (ponto 14).
4. Considera, porém, não poder afirmar-se que os restantes trabalhadores da empresa participaram directamente na consultadoria e na elaboração das contabilidades das demais empresas uma vez que “ou a empresa relacionada dispõe de staff administrativo que a habilita satisfatoriamente a cumprir a sua missão, ou seja, a de relevar as operações nos elementos de escrita” ou então, “dada a reduzida dimensão das empresas, estas não carecem de quadros de pessoal apropriados, sendo que a elaboração da Contabilidade se confina a relevação de escassas e de simples operações patrimoniais” (ponto 18).
5. O sujeito passivo refere que não pode presumir-se a necessidade de recurso a pessoal, a serviços administrativos e de cedência de uso de instalações por parte das empresas "B, S.A.» e «E, Lda», por estas terem instalações e pessoal suficiente para o desenvolvimento da sua actividade e relativamente às empresas «C, Ld.ª», «D, Lda.», «F, Lda.», “«G, Lda.» e «H, S.A.», por as mesmas não disporem de dimensão/actividade suficiente que justifiquem a sua utilização (ponto 19).
6. O sujeito passivo não compreende ainda por que motivo “não se promoveu a estimativa dos volumes de negócios com base nos procedimentos de valoração instituídos no artigo 58.º, n.º 3 do CIRC e na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro”.
7. Nesse seguimento, sugere a utilização do preço comparável de mercado, para valoração dos serviços prestados pelo TOC, estabelecendo como valores máximos, os de € 500,00 mensais para os serviços de contabilidade prestados ao "B, S.A.» e de € 150,00 mensais, como o valor dos serviços de contabilidade prestados às restantes empresas.
Em face do exposto, haverá a comentar o seguinte:
Ø Conforme referido no ponto A.7) do Capítulo IV do Projecto de Relatório várias foram as evidências encontradas de utilização dos escritórios situados na Rua Y, pelas várias empresas do grupo. Para além destes escritórios, existem outros imóveis que constam dos activos da empresa, relativamente aos quais estão a ser suportados encargos e contabilizados os respectivos custos, sem que se verifique a contabilização dos inerentes proveitos, sendo estes relativos a outras empresas do grupo, sócios, entidades relacionadas ou entidades terceiras.
Ø O sujeito passivo refere ainda que com a excepção do TOC, o restante pessoal da empresa não prestou quaisquer serviços às empresas relacionadas. Mas, considerando que a sede das empresas é comum, os contactos telefónicos são comuns, e as características da actividade do sujeito passivo em análise, que nos últimos anos se tem demonstrado diminuta, torna-se difícil compreender que o dia-a-dia do pessoal da empresa seja preenchido em exclusivo com actividades que lhe são inerentes. Aliás, se atendermos aos montantes contabilizados a título de combustíveis ou comunicações, facilmente verificamos não serem compatíveis com o nível de actividade declarado.
Ø Quanto à quantificação dos proveitos omitidos, embora o sujeito passivo evoque que não foi utilizado qualquer um dos critérios constantes do n.º 3 do artigo 58.º do CIRC e da portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, apenas quantifica os serviços prestados de contabilidade em € 500,00 mensais para a "B, S.A.» e € 150,00 mensais para as outras empresas, valores que não passam de uma mera estimativa, não juntando qualquer elemento que comprove tratar-se do critério do preço comparável evocado.
Ø Adicionalmente, haverá a considerar que o somatório dos valores sugeridos pelo sujeito passivo quanto aos serviços prestados pelo TOC se resume em € 1.250,00 mensais, o que se afasta consideravelmente do valor do salário pago (vencimento mensal líquido de € 2.990, 42 em Janeiro de 2004) estando implícito que o valor dos serviços de contabilidade suportados pela «X, Lda.» é muito superior àquele que é sugerido para a empresa com o maior volume de negócios ("B, S.A.»), o que também não se mostra admissível.
Ø Por último, haverá a considerar que a omissão de proveitos verificada engloba um conjunto de actividades muito mais vasto, do que a mera prestação de serviços de contabilidade, e que por carência de elementos, não é possível objectivamente destrinça-las, o que levou a que se utilizasse o rácio R18 para o apuramento da matéria tributável, critério objectivo e que contrariamente ao evocado, está de acordo com o previsto na última parte da alínea b) do n.º 3 do art. 58.º do CIRC, conjugado com n.º 3 do art. 77.º e art. 90.º da LGT.
Face ao que ficou demonstrado serão de manter os fundamentos, critérios e cálculos de apuramento da matéria tributável em sede de IVA e IRC com recurso a métodos indirectos constantes do Projecto de Relatório.
(…)».
D) Em 23/07/2009, a Impugnante foi notificada da fixação da matéria tributável de IRC, do exercício de 2005, por métodos indiretos – cfr. fls. 98 e 99 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
E) Em 14/08/2009, a Impugnante solicitou a revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, pretensão que veio a ser indeferida por despacho datado de 23/11/2009 – cfr. fls. 100 a 119 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F) Em 25/11/2009, na sequência da fixação da matéria tributável por métodos indiretos, foi emitida em nome da Impugnante, com referência ao exercício de 2005, a liquidação de IRC n.º ...80, no valor de € 31 272,70 – cfr. fls. 120 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
G) Em 04/02/2010, foi instaurado contra a Impugnante o processo de execução fiscal n.º ...15, para cobrança da dívida correspondente à liquidação aqui impugnada – cfr. fls. 57 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
H) O processo de execução fiscal mencionado na alínea antecedente encontra-se suspenso desde 12/04/2010, na sequência da prestação de garantia – cfr. fls. 58 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
I) A presente impugnação judicial foi deduzida em 12/04/2010 – cfr. fls. 1 a 50 do suporte físico do processo.
Mais se provou que,
J) O técnico oficial de contas da Impugnante também executou a contabilidade das sociedades relacionadas com a Impugnante, identificadas no relatório de inspeção tributária, sendo que tais prestações de serviço não foram faturadas pela Impugnante e, consequentemente, esses custos não foram refletidos na contabilidade daquelas sociedades – facto dado como provado através do depoimento da testemunha «AA», técnico oficial de contas da Impugnante.
L) Nas instalações da Impugnante estavam guardadas pastas da contabilidade das sociedades relacionadas com a Impugnante, identificadas no relatório de inspeção tributária – facto dado como provado através do depoimento da testemunha «AA».
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão, não se provou que:
1) O serviço prestado pela Impugnante à “"B, S.A.».” se circunscreveu à assinatura da contabilidade pelo técnico oficial de contas da Impugnante, pelo que, atendendo ao seu volume de negócios (cerca de € 2 000 000,00), o preço corrente de mercado desse serviço não ultrapassaria os € 6 000,00/ano (€ 500,00/mês) – facto alegado no artigo 134º da petição inicial.
2) O serviço de contabilidade prestado pelo técnico oficial de contas da Impugnante à sociedade «C, Ld.ª», que era uma “empresa moribunda”, devia ser quantificado na ordem dos € 1 800,00/ano, o que representa uma avença mensal de € 150,00 – facto alegado no artigo 134º da petição inicial.
3) O serviço de contabilidade prestado pelo técnico oficial de contas da Impugnante à sociedade “«D, Lda.»”, que era uma “empresa de reduzidíssima dimensão”, devia ser quantificado em torno dos € 1 800,00/ano (€ 150,00/mês) – facto alegado no artigo 134º da petição inicial.
4) O serviço prestado pela Impugnante à «E, Lda», que era uma sociedade “praticamente sem volume de negócios”, originava uma avença mensal de € 150,00 (€ 1 800,00/ano) – facto alegado no artigo 134º da petição inicial.
5) O serviço prestado pela Impugnante à sociedade «G, Lda.» originava uma avença mensal de € 150,00 (€ 1 800,00/ano).
6) O serviço prestado pela Impugnante à sociedade «F, Lda.» originava uma avença que não podia exceder € 150,00/mês (€ 1 800,00/ano) – facto alegado no artigo 134º da petição inicial.
7) O serviço prestado pela Impugnante à sociedade «H, S.A.» que “deixou de exercer actos comerciais, no final de 2005”, só podia implicar o pagamento de uma avença máxima de € 150,00/mês (€ 1 800,00/ano) – facto alegado no artigo 134º da petição inicial.
Motivação
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos e, bem assim, da prova testemunhal produzida.
No que concerne aos factos não provados, a Impugnante não logrou produzir prova, documental ou testemunhal, tendente a demonstrá-los.
No que concerne à prova testemunhal, foi inquirida a testemunha «AA», técnico oficial de contas da Impugnante à data dos factos, cujo depoimento se mostrou isento, revelando conhecimento direto dos factos, pese embora, por vezes, tenha sido pouco objetivo, já que a testemunha afirmou que as correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária estavam desfasadas da realidade, sem concretizar essa afirmação, ou seja, sem indicar quais seriam então os valores com aderência à realidade e porquê.
Referiu o depoente que era técnico oficial de contas de todas as sociedades indicadas no relatório de inspeção, pertencentes ao grupo da Impugnante, embora apenas tivesse vínculo contratual com esta. Mais referiu que na contabilidade das mencionadas sociedades não estavam refletidos os custos inerentes à atividade desenvolvida pelo técnico oficial de contas e que o “grande erro” que a Impugnante cometeu foi não faturar a colaboração da testemunha, enquanto contabilista, a essas empresas. Adiantou ainda que essa ausência de faturação aconteceu por se tratarem de empresas em vias de extinção, por não serem economicamente viáveis.
Disse ainda a testemunha que nas instalações da Impugnante estavam apenas guardadas 3 ou 4 pastas da contabilidade das sociedades relacionadas com a Impugnante, identificadas no relatório de inspeção tributária, razão pela qual nunca foi celebrado qualquer contrato de arrendamento com as referidas sociedades.
No que concerne à aplicação no relatório de inspeção tributária do rácio 18, para efeitos de quantificação da matéria tributável, esta testemunha disse não se pronunciar, por desconhecer tal rácio, embora referindo que eram descabidos os valores apurados na inspeção, o que se reconduz a uma mera opinião, que não assenta em factos concretos capazes de porem em causa tais valores.
De salientar que o depoente nada disse quanto ao “preço corrente de mercado” para os serviços de contabilidade que prestou às sociedades pertencentes ao grupo da Impugnante ("B, S.A.», «C, Ld.ª», “«D, Lda.»”, «E, Lda», «X, Lda.», «F, Lda.» e «H, S.A.»).
Foi também ouvida a testemunha «JJ», inspetora tributária responsável pela inspeção que está na origem da liquidação impugnada, cujo depoimento, embora isento e credível, se limitou a reproduzir o que constava do seu relatório de inspeção, esclarecendo, porém, que a única forma de efetuar as correções era através da aplicação de métodos indiretos, uma vez que a Impugnante não tinha relevado na contabilidade as prestações de serviços que efetuou, pelo que não existia um preço que pudesse ser corrigido através da aplicação do regime dos preços de transferência.”
*
2. O Direito

Entrando na análise do objecto do recurso, começa a Recorrente por considerar que não se encontram verificados os pressupostos para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos e, ainda, que inexiste a possibilidade de a eles recorrer nas situações de “relações especiais” existentes nos presentes autos entre a recorrente e as seguintes sociedades: "B, S.A.».; «C, Ld.ª»; «D, Lda.»; «E, Lda»; «F, Lda.»; «G, Lda.» e «H, S.A.».. Quanto a este aspecto, alega que a sentença proferida pelo Tribunal a quo se encontra em clara violação do disposto nos artigos 77.º, n.º 4, 87.º, 88.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 58.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas (CIRC).
Portanto, o presente recurso, além da questão relativa ao erro de julgamento da matéria de facto, tem como objecto o erro de julgamento quanto a questões que contendem com os pressupostos para a aplicabilidade de métodos indirectos e com a errónea quantificação da matéria tributável, cuja análise terá por base uma apreciação em concreto.
Assim, a fundamentação adoptada pela Administração Tributária é basilar para a apreciação da legalidade do acto de determinação da matéria tributável por métodos indirectos – cfr. artigo 77.º, n.º 4 da LGT.
Prosseguindo na análise do objecto do recurso, ressalta que a Recorrente questiona a conduta da Administração Tributária ao nível da aplicação de métodos indirectos. Enfatiza existir uma preferência absoluta pela avaliação directa, só devendo recorrer-se à avaliação indirecta nas situações tipificadas no artigo 87.º da LGT e que este normativo prevê que a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
A Recorrente ilustra o seu inconformismo afirmando não ter inviabilizado o apuramento da matéria tributável, pois disponibilizou os dossiers contabilísticos e administrativos e ainda tentou demonstrar a realidade dos factos em sede de comissão de revisão, o que foi totalmente desconsiderado quer pela Autoridade Tributária, quer pelo Tribunal a quo. Acentuou que a Autoridade Tributária não considerou a documentação disponibilizada nem a realidade dos factos e decidiu, infundadamente, utilizar os métodos indirectos. Razões que levam a Recorrente a impugnar a decisão proferida, uma vez que se impõe decisão diversa que julgue não verificados os pressupostos para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, especialmente na situação sub judice, de relação especial com as demais sociedades já identificadas.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (artigo 81.º, n.º 1 da LGT).
O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
Dito de outra forma, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT) e excepcional (cfr. artigo 81º da LGT, n.º 1 da LGT), cabe à Administração Tributária (AT) a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT) – vide, entre outros, o Acórdão do STA, de 17/03/2010, processo n.º 01211/09.
Segundo o artigo 87.º, n.º 1, al. b), da LGT, uma das situações que determina a possibilidade de se recorrer à avaliação indirecta é “[i]mpossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”, sendo que essa impossibilidade pode resultar das anomalias e incorrecções previstas nas alíneas a) a d) do artigo 88.º da LGT, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável.
Com efeito, dispõe o artigo 88.º da LGT:
“A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.” (Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro)
Portanto, não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, pressuposto, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.
Ora, como referimos inicialmente, é a fundamentação do acto que nos permitirá descortinar e alcançar se a Administração Tributária cumpriu o ónus referido e, consequentemente, se estão presentes os pressupostos legais para aplicação de métodos indirectos no caso concreto.
Compulsada a decisão da matéria de facto vertida na sentença recorrida, verifica-se que a Recorrente apresentou um pedido de revisão da fixação da matéria tributável [alínea E)], tendo implícito (atenta a remissão para as específicas páginas do processo administrativo, cujo teor se deu por reproduzido) que, reunida a Comissão de Revisão, não se logrou obter acordo no âmbito do procedimento de revisão e que o acto final de fixação da matéria tributável, que foi praticado pelo órgão competente nos termos do artigo 92.º, n.º 6 da LGT, se baseou na motivação do relatório de inspecção tributária, mas, essencialmente, no teor do laudo do perito da Administração Tributária [alínea E)].
In casu, de acordo com esta decisão final do procedimento de revisão, que se apoia e remete para o Relatório de Inspecção – perante os factos evidenciados no Relatório de Inspecção Tributária, afigura-se-nos estarem reunidos os pressupostos que permitem o recurso à tributação por métodos de avaliação indirecta, nos termos dos artigos 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária – o recurso aos métodos indirectos, em termos de fundamentação legal, baseou-se no referido artigo 87.º, alínea b), da LGT, bem como no seu artigo 88.º, n.º 1, alínea a), e nos então artigos 52.º a 54.º do CIRC (que remetem no essencial para o regime da LGT - actuais artigos 57.º e 59.º do CIRC), aludindo, ainda, ao disposto no n.º 3 do artigo 58.º do CIRC (actual artigo 63.º do CIRC).
A sentença recorrida confirma a legalidade da actuação da AT, considerando que se verificam os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, com a seguinte motivação:
“(…) Vejamos, então, se a Autoridade Tributária logrou demonstrar a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável da aqui Impugnante, condição indispensável para a avaliação indireta.
Como vimos, para a aplicação de métodos indiretos não basta à Autoridade Tributária afirmar que a contabilidade do contribuinte não merece credibilidade, antes se lhe exigindo que alegue os factos concretos (ainda que indiciários) e o raciocínio que lhe permitiu extrair tal conclusão. Sendo certo que não é a verificação de toda e qualquer anomalia na contabilidade que determina, por si só, a aplicação de métodos indiretos, sob pena de se esvaziar o âmbito de aplicação da avaliação direta. Decisivo, para tal efeito, é que as anomalias e incorreções detetadas inviabilizem o apuramento direto da matéria tributável.
Ora, os factos vertidos no relatório de inspeção são claramente indiciadores de omissões praticadas pela Impugnante ao nível do registo contabilístico dos seus proveitos (relacionados com a prestação de serviços de consultoria, serviços administrativos e de cedência do uso de instalações), constituindo um dos motivos que impossibilita a determinação direta e exata da matéria tributável (cfr. art.º 88º, alínea a), da LGT).
Tendo, aliás, ficado provado que o técnico oficial de contas da Impugnante, com vínculo contratual a esta, também executou a contabilidade de sociedades que mantinham “relações especiais” com a Impugnante, sem que esses serviços de contabilidade tenham sido devidamente faturados às respetivas beneficiárias e, bem assim, que nas instalações da Impugnante eram guardadas pastas da contabilidade daquelas sociedades.
Por conseguinte, ficou claramente indiciado que a Impugnante incorreu em diversos custos com os serviços que prestou a terceiros (sociedades com as quais mantinha “relações especiais”), sem que estes serviços tivessem sido faturados e, consequentemente, relevados contabilisticamente como proveitos.
Sendo certo que a Impugnante se limitou a afirmar que não estavam verificadas as condições para a aplicação de métodos indiretos, na medida em que as correções em causa tinham por base a existência de “relações especiais” entre a Impugnante e as sociedades melhor identificadas no relatório de inspeção, sem, contudo, pôr em causa a existência de omissões de proveitos.
Nesta conformidade, é de concluir que as omissões ao nível dos proveitos patenteadas na contabilidade da impetrante abalam claramente a presunção da sua veracidade, indiciando que aquela não reflete a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido pela Impugnante, fazendo impender sobre esta a obrigação de demonstrar a efetividade dos valores inscritos como proveitos na sua contabilidade, demonstração essa que não logrou fazer. Aliás, a Impugnante aceita mesmo que possa existir uma correção ao nível dos proveitos relacionados com as prestações de serviço de contabilidade, ainda que em valor inferior ao estimado pela Autoridade Tributária.
Donde se conclui que ocorre uma impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável de IRC do exercício de 2005, o que legitima o recurso à tributação por métodos indiretos.
Sendo certo que não ocorre qualquer impossibilidade legal de recorrer à referida tributação por métodos indiretos nas situações de “relações especiais” entre sociedades, ou seja, no que ao caso interessa, quando a Impugnante e outras sociedades têm sócios e/ou gerentes/administradores comuns. Com efeito, a aplicação do regime legal dos preços de transferência – que impõe que nas operações comerciais efetuadas entre sujeitos passivos que estejam em situação de relações especiais, sejam contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis – não podia ter lugar no caso sub judice, na medida em que se verificou que as prestações de serviços em causa não estavam relevadas na contabilidade da Impugnante, inexistindo, assim, qualquer “preço” suscetível de correção pela aplicação do mecanismo dos preços de transferência, ou seja, não estando registados na contabilidade da Impugnante os proveitos resultantes dos serviços prestados (de consultoria, serviços administrativos e de cedência do uso de instalações), não era possível à Autoridade Tributária pôr em causa o preço praticado pelos intervenientes, já que este era desconhecido. (…)”
Vejamos, então, se se encontra devidamente fundamentado o recurso a métodos indirectos na decisão em crise, ou seja, se são aí identificadas as situações de onde resulte a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável da ora Recorrente no que se refere ao exercício de 2005.
Relembramos que, nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da Lei Geral Tributária, cumpre ao órgão competente para a fixação da matéria tributável resolver, na falta de acordo entre os peritos, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos. Sendo neste acto final que se colherá a fundamentação definitiva para a aplicação dos métodos indirectos e para a quantificação da matéria tributável, é neste acto que se deverá buscar toda a informação necessária para avaliar a actuação da AT.
Não podemos esquecer que o órgão decisor deu o seu acordo ao parecer do perito da Administração Tributária, acompanhando todas as razões dele constantes e dando por integralmente reproduzidas as mesmas, bem como aos factos evidenciados no relatório da inspecção tributária.
Considerando a apropriação na decisão final no âmbito da Comissão de Revisão do parecer do perito da Administração Fiscal, importa chamar à colação que aí se refere que os fundamentos apresentados pela inspecção são conducentes à falta de escrituração dos livros e registos, cujos montantes não são inequivocamente conhecidos e por conseguinte provocam a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável. Assim sendo, tais fundamentos validam a aplicação dos métodos indirectos ao reunirem os pressupostos referidos na alínea b) do artigo 87.º e alínea a) do artigo 88.º ambos da Lei Geral Tributária. (…)
O contribuinte não apreendeu a tese patenteada no relatório de inspecção, razão porque, com os devidos méritos, passa a teorizar sobre as múltiplas vertentes dos preços de transferência, quando a referência a relações especiais não são mais de que um dos vários escopos apresentados pela inspecção para fundamentar a verificação dos pressupostos exigidos pelos artigos 87.º e 88.º da LGT para aplicação da avaliação indirecta. (…)
As evidências factuais detectadas, verificadas e descritas pela inspecção são demonstrativas que a contabilidade não acolhe os proveitos relativos à cedência do uso das instalações da «X, Lda.», bem como os relativos a consultoria e outros serviços administrativos, que na realidade existiram.
A contabilidade tem de espelhar os referidos proveitos, caso contrário, fica provado que os elementos e relevâncias extrínsecas não são acolhidos pelos registos contabilísticos, o que evidencia a falta de escrituração.
Face ao exposto não há margens para dúvidas que os elementos extrínsecos carreados pela inspecção são demonstrativos da falta de registo, os quais são certos de montante incerto, estando assim reunidos os pressupostos legais à introdução dos métodos indirectos.
Importa referir que o próprio contribuinte admite a existência de omissões, v.g. ponto 118 da petição. (…)”
Observamos, claramente, pois resulta do relatório de inspecção bem como da decisão final de fixação da matéria tributável, que foram detectadas anomalias e irregularidades na contabilidade da Recorrente. Ela própria parece admitir que o TOC era responsável pela contabilidade das sete empresas identificadas e que a impugnante acabou por incumprir os seus deveres de actuação, no que à intervenção do TOC respeita, acabando assim por incorrer em subtracção de proveitos à escrita e às declarações fiscais (cfr. o teor do exercício do direito de audição perante o projecto de relatório inspectivo). Mas já não resulta, com a mesma evidência, que essas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos (e os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável têm que constar da decisão).
É verdade que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.
Tal, contudo, não preclude o princípio de que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - avaliação directa/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso à avaliação directa, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma ultima ratio fisci, (...)” Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303.
Segundo o relatório de inspecção tributária, a avaliação indirecta de que a Recorrente foi alvo resultou de uma alegada impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da sua matéria tributável, decorrente de alegadas omissões de proveitos que foram detectadas, relativos a serviços de consultoria, administrativos e relacionados com a cedência do uso de instalações, serviços esses que terão sido prestados pela impugnante às sociedades com as quais mantinha “relações especiais”, por terem sócios e/ou gerentes/administradores comuns.
Não obstante a menção ao artigo 58.º do CIRC no relatório inspectivo, que permite a correcção ao lucro tributável, em virtude de relações especiais entre contribuintes sujeitos a IRC, a AT acabou por motivar e expor factos que, na sua óptica, implicaram a aplicação de métodos indirectos.
No caso presente, competia, efectivamente, uma fundamentação acrescida por parte da AT, tendo em vista convencer o sujeito passivo da real impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
Perante a alegada constatação de omissão de proveitos por falta de emissão de facturação e de registo na contabilidade da prestação de serviços de contabilidade e da eventual utilização de salas da impugnante, a AT não demonstra a impossibilidade de, em primeira linha, determinar a matéria tributável por métodos directos. De facto, apesar da afirmação da existência de “relações especiais” entre as empresas identificadas e a impugnante, a AT não revela por que motivo não aplicou o disposto no artigo 58.º do CIRC, na redacção à data do facto tributário; regime diferente, especial, mas que ainda se situa ao nível da avaliação directa, dado que não é utilizada uma presunção.
Nesses casos de verificação de “relações especiais”, a AT pode proceder às correcções necessárias para que a matéria tributável se aproxime daquela que seria obtida se o “preço” das operações fosse o estabelecido por pessoas independentes em idênticas circunstâncias. Como salienta FRANCISCO DE SOUSA DA CÂMARA, «O lucro tributável da sociedade continua a ser (…) constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade (…) como prescreve o n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, mas tal resultado deve ser corrigido nos termos do mesmo diploma (e.g. deduzindo-se os prejuízos e/ou os benefícios fiscais existentes), sendo possível substituir o valor declarado e registado pelo valor de mercado que seria utilizado entre entidades independentes (e.g. ampliando ou reduzindo os proveitos ou os custos), nos termos dos artigos 15 (3) e 57.º do CIRC [correspondente ao artigo 58.º do CIRC]. Não estamos perante a utilização de uma presunção mas diante de uma norma substantiva especial de valorização de uma operação para efeitos fiscais e daqui decorrem importantes corolários. Por um lado, a administração não pode presumir o valor do ajustamento, posto que sobre si recai o ónus de encontrar o valor de mercado. Por outro lado, as regras do procedimento de avaliação e revisão da matéria colectável calculada por métodos indirectos não são aplicáveis neste domínio» in A Avaliação Indirecta da Matéria Colectável e os Preços de Transferência na LGT.
Como se referiu em abundante jurisprudência, alguma ainda assente em redacção normativa vigente anteriormente à que nos ocupa na situação em apreço, no artigo 58.º do CIRC não se trata, (…), de uma avaliação indirecta do lucro tributável, que só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na lei (cf. art. 51º a 56º do CIRC), até porque, nas situações enquadráveis no art. 57º do CIRC [correspondente ao aqui artigo 58.º e ao actual artigo 63.º do CIRC], a contabilidade das empresas, em regra, retrata a realidade das operações, não carecendo de credibilidade que justifique o uso de presunções. Estamos, pois, aqui no âmbito da avaliação directa – cfr. jurisprudência citada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18/12/2008, proferido no âmbito do processo n.º 02515/08 e nos Acórdãos do STA, de 12/05/2021 e de 15/12/2022, proferidos nos processos n.º 0766/11.2BEAVR e n.º 02142/11.8BELRS, respectivamente.
Insistimos, a avaliação indirecta é subsidiária da directa e só é aplicável quando se demonstre a impossibilidade da sua efectivação em concreto. A AT não só não fundamentou este afastamento, como afirmou que o método utilizado (rácio 18) para o apuramento da matéria tributável é um critério objectivo e está de acordo com o previsto na última parte da alínea b) do n.º 3 do artigo 58.º do CIRC, conjugado com o n.º 3 do artigo 77.º e artigo 90.º da LGT.
O princípio do preço de plena concorrência estabelece que nas operações realizadas entre um sujeito passivo de IRS ou IRC e qualquer outra entidade, sujeita ou não a estes impostos, com a qual estejam em situação de relações especiais, deverão ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis (cfr. Breves notas sobre o regime da Portaria n.º 1446-C/2001 - Preços de transferência / Elsa Rodrigues, João Espanha, Fiscalidade, Lisboa, n.12 (Outubro.2002), 5-21p.; Lobo Xavier, Preços de Transferência no Sector Financeiro, CTF, n° 398, pags. 74 e segs.).
A verdade é que a AT não explica por que razão não é possível alcançar o preço comum de mercado para estas prestações de serviços através do valor devido por entidades independentes colocadas em posição comparável [os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes em idênticas circunstâncias]. Tanto mais que a própria contribuinte indicou esses valores em concreto, não se mostrando convincente a explicação da AT para os desconsiderar.
A AT afasta a quantificação sugerida pelo sujeito passivo para os serviços de contabilidade prestados pelo TOC em €500,00 mensais para a empresa "B, S.A.» e €150,00 mensais para as outras empresas relacionadas com a Recorrente, por serem uma mera estimativa e por falta de junção de qualquer elemento que comprove tratar-se do critério do preço comparável.
No entanto, a AT tem informação do valor do vencimento mensal líquido pago ao TOC, em Janeiro de 2004, como sendo de €2.990,42, portanto, pelo menos neste aspecto das prestações de serviços de contabilidade, a AT (aparentemente) teria possibilidade de utilizar o preço comparável de mercado, que ainda se coloca ao nível da avaliação directa, não estando, por isso, demonstrada a impossibilidade de determinar de forma directa e exacta o seu montante, de harmonia com o disposto no artigo 58.º, n.º 3 do CIRC.
Compulsados os autos, podemos observar que a detectada insuficiência de elementos não era total; simplesmente a AT optou por percorrer o caminho menos trabalhoso para afastar a colaboração do contribuinte, dizendo estar implícito que o valor dos serviços de contabilidade suportados pela impugnante era muito superior ao sugerido para a empresa com o maior volume de negócios, a "B, S.A.».
Salientamos que a AT pode utilizar quaisquer elementos de que disponha, não podendo recorrer a métodos indirectos se tem conhecimento de elementos comparáveis e afirma estarem em causa relações especiais entre a impugnante e as restantes empresas.
Desde o momento do exercício do direito de audição, passando pela petição no âmbito do procedimento de revisão, que a Recorrente insiste na necessidade da seguinte explicação: tendo a AT afirmado a presença de “relações especiais”, por que razão não cumpriu a legislação conexa, isto é, o disposto no artigo 58.º do CIRC, o artigo 77.º da LGT e as directrizes da Portaria n.º 1446-C/2001?
Compulsada, novamente, a fundamentação da decisão final da fixação da matéria tributável, não resulta deste acto qualquer motivação que justifique a impossibilidade do apuramento da matéria tributável por métodos directos (artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT), mas tão-somente irregularidades contabilísticas e omissões nos proveitos que foram identificadas. Apenas se extrai desse acto final, como deixámos transcrito supra, que a referência, no relatório inspectivo, a “relações especiais” foi somente mais um escopo para fundamentar a verificação dos pressupostos exigidos pelos artigos 87.º e 88.º da LGT para a aplicação da avaliação indirecta.
Todavia, com esta motivação e com a alusão no relatório inspectivo de que o critério utilizado (rácio R18) está de acordo com o previsto na última parte da alínea b) do n.º 3 do artigo 58.º do CIRC, apenas podemos concluir que a AT não logrou distinguir devidamente a fronteira entre avaliação directa e avaliação indirecta.
Reiteramos, a falta de credibilidade da contabilidade e da respectiva documentação não justifica, por si só, o recurso a métodos indirectos.
Na verdade, a Administração Tributária não demonstrou a razão pela qual, mesmo dando de barato que a contabilidade apresentava as irregularidades apontadas, por que razão é que resultava inviável a determinação da matéria tributável com base em métodos de avaliação directa, sendo que, como vimos, na lógica do sistema, mesmo quando a presunção do artigo 75.º da LGT é abalada, a prevalência deverá ser dada aos métodos directos de avaliação, constituindo os métodos indirectos uma ultima ratio só utilizável quando aqueles se mostrem imprestáveis e, por outro lado, o artigo 77.º da LGT expressamente impõe a especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável.
Em suma, perante a afirmação, não questionada, de verificação de “relações especiais”, existe impossibilidade de utilizar métodos indirectos sem explicar/fundamentar por que não é viável a utilização do regime dos preços de transferência na situação concreta.
O recurso a métodos indirectos de tributação exige, pelas consequências gravosas para o património dos contribuintes que pode assumir, um acrescido esforço de fundamentação não só formal mas, sobretudo, material através de uma inequívoca e segura demonstração probatória dos pressupostos justificativos do recurso a tais métodos por parte da administração tributária – cfr. Acórdão deste TCAN, de 12/02/2015, proferido no âmbito do processo n.º 503/06.3BEBRG.
Nestes termos, a dúvida quanto à verificação dos pressupostos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos tem de ser resolvida contra quem tem esse ónus probatório, ou seja, a Administração Tributária (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
Destarte, assim não se tendo entendido na sentença recorrida, impera concluir pela ilegalidade da liquidação decorrente da ilegal determinação da matéria tributável que lhe subjaz, por a Administração Tributária não ter demonstrado, como lhe competia, a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o recurso aos métodos indirectos de avaliação.
Nesta conformidade, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa ao erro de julgamento da matéria de facto (com conexão com a quantificação) e ao erro de julgamento quanto a questões que contendem com a errónea quantificação da matéria tributável, uma vez que procederam os vícios invocados, relacionados com os pressupostos para a aplicabilidade de métodos indirectos, que se colocam a montante.
Por conseguinte, o recurso merece provimento, sendo de revogar a sentença recorrida e eliminar da ordem jurídica o acto de liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2005.

Em face do provimento do recurso, não podemos esquecer que a Recorrente, prevenindo este desfecho favorável da causa, solicitou, na sua petição de impugnação, o ressarcimento dos prejuízos resultantes da prestação indevida da garantia destinada a suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de dívida cuja legalidade da respectiva liquidação aqui se discute (relembrando, neste recurso, o direito ao pagamento dos encargos suportados com a prestação da garantia bancária para suspender a execução fiscal instaurada).
O artigo 53.º da LGT, sob a epígrafe “Garantia em caso de prestação indevida”, dispõe do seguinte modo:
“1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.
O objectivo da norma é, assim, indemnizar o contribuinte pelos prejuízos que teve com a prestação de uma garantia que não teria que prestar se a Administração não tivesse actuado ilegalmente.
Ora, in casu, está provado [cfr. alínea H) da decisão da matéria de facto] que a Recorrente prestou garantia para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança da dívida aqui impugnada, que é o pressuposto básico do direito de indemnização a que a Recorrente se arroga; no entanto, não está alegado nem provado o valor dos encargos que suportou com tal garantia.
Daí que, sem necessidade de outros considerandos, seja de lhe reconhecer o direito a indemnização por prestação indevida de garantia.
Na medida em que não foram quantificados e comprovados os prejuízos resultantes da prestação da garantia, o apuramento do respectivo montante é relegado para execução de sentença, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º do CPC – cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 04/11/2020, proferido no âmbito do processo n.º 0438/09.8BECTB e Acórdão deste TCA Norte, de 03/12/2020, proferido no âmbito do processo n.º 201/09.6BEAVR.

Conclusões/Sumário

I – O recurso à aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável é subsidiário em relação à avaliação directa, reflectindo o respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real.
II – A escolha de uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção arbitrária da AT: ou se verificam condições para a avaliação directa ou, não existindo, é possível recorrer à avaliação indirecta.
III - Não é qualquer omissão, erro ou inexactidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação directa, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.
IV - Para que o tribunal julgue procedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, formulado em impugnação judicial (cfr. artigo 53.º da LGT e artigo 171.º do CPPT), não se impõe que o impugnante aí faça prova dos custos suportados com a garantia (prejuízo sofrido), podendo o apuramento do respectivo montante ser relegado para execução de sentença (cfr. artigo 609.º, n.º 2, do CPC).

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, anulando as liquidações impugnadas, com as legais consequências.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; sendo que, nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que a Fazenda Pública não contra-alegou.

Porto, 02 de Março de 2023

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares